quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

A Igreja precisa agir articuladamente ao serviço do matrimónio cristão


O Papa Francisco inaugurou, no dia 29 de janeiro, o Ano Judiciário recebendo em audiência, na Sala Clementina, no Vaticano, oficiais, advogados e colaboradores do Tribunal Apostólico da Rota Romana, além do Reitor. No discurso aos presentes, o Pontífice abordou as grandes questões conexas com o Sacramento do Matrimónio num tempo em que a sociedade “cada vez mais secularizada” não “favorece o crescimento da fé”.
Neste contexto, os fiéis católicos lutam de forma singular para dar testemunho dum modo de vida segundo o Evangelho também no atinente ao Sacramento do Matrimónio. Para sustentáculo desse modo de viver, a Igreja tem, segundo o Pontífice, de agir, em todas as suas articulações, “em harmonia para fornecer apoio espiritual e pastoral adequado”. 
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Francisco pôs em evidência os dois elementos constitutivos do matrimónio a unidade e a fidelidade, verdadeiros pilares, não só da teologia e do direito matrimonial canónico em si mesmos, “mas também, e mesmo antes, da própria essência da Igreja de Cristo”, pois a união conjugal, enquanto sacramento da união conjugal da Igreja com Cristo, “deve ser a epifania da fé batismal”: tal como Cristo Se entregou e doa à Igreja, também o esposo se entrega e doa a sua esposa. E, no intercâmbio de suas riquezas humanas, morais e espirituais, a modo de vasos comunicantes, marido e mulher tornam-se como que um único ser.  
É, do meu ponto de vista, caso para fazer uma aproximação do contrato de casamento à gramática quando da contração de preposição com artigo ou pronome, pois “contração” e “contrato” são palavras da mesma família lexical. Em contrato, os contraentes estabelecem um vínculo entre si, mas mantêm-se autónomos; na contração por sinérese, entre a preposição e o artigo (determinante, pronome ou advérbio), mantêm-se fónica ou graficamente os dois elementos, mas formam uma única palavra. Por exemplo, “a+o”, fazem “ao”, “de +este” fazem “deste” e “de + ali” fazem “dali”. E, mesmo no caso da contração preposição “em” com as palavras acima indicadas permanece o resquício nasalizante “m” da preposição – no, na, nos, nas (naquele…) – sendo que no galaico-português se grafava, em alternativa eno, ena, enos, enas. Também homem e mulher fazem, não uma amálgama, mas um casal, a sua união não é fusão ou confusão, mas unidade na distinção, num dinamismo de comunhão.
Sobre a fidelidade, o Papa situa-a na linha do compromisso requerido pelo casamento, compromisso que, partindo da fé que os dois fazem um no outro se exprime na confiança mútua abrangendo a totalidade da vida e constroem no quotidiano os cônjuges um permanente vitae consortium totius (can.1135, do CIC – código de direito canónico) e constituem-se em consortes, visto que partilham a mesma sorte, compartilham a concretização do mesmo projeto de vida, que não pode ser interrompido pela doença, trabalho, desporto, amuo, etc. Não pode ocorrer – mais uma vez recorrendo à gramática – a diérese ou leitura separada do ditongo formado ou unidade semelhante. Note-se o incómodo de ler a palavra “leio” como se fosse “le-i-o” ou a realização oral da contração “dali” como se fosse “de ali”. Por aqui, embora veladamente, se vê o estrago que a infidelidade pode fazer no casal. Pode ser tanta e tamanha que o pode desfazer fazendo eclipsar ou anular o amor.
Sobre o duplo pilar estruturante do matrimónio, diz o Papa:
Estes dois bens irrenunciáveis e constitutivos do matrimónio requerem ser ilustrados adequadamente não só aos futuros casados, mas solicitam a ação pastoral da Igreja, especialmente dos bispos e dos sacerdotes, para acompanhar a família nas diversas etapas da sua formação e do seu desenvolvimento. […] É necessária uma preparação tripla ao matrimónio: remota, próxima e permanente.”.
Depois, o casal há de ser inspirador da unidade e fidelidade como “valores importantes e necessários nas relações interpessoais e sociais, em que a “fidelidade” se apresenta como “lealdade”. Tanto assim é que “estamos todos conscientes dos problemas” criados, na sociedade civilizada, pelas promessas quebradas e pela falta de fidelidade à palavra e aos compromissos assumidos.
Estes dois bens essenciais e constitutivos do matrimónio precisam de ser adequadamente explicados não somente à noiva e ao noivo, mas postulam o zelo da atividade pastoral da Igreja, especialmente dos bispos e sacerdotes, no acompanhamento da família nos vários estádios da sua formação e do seu desenvolvimento. E esta ação pastoral não pode limitar-se à realização das práticas, embora necessárias, mas tem de ser objeto de cuidado, orientação, estímulo e compreensão misericordiosa.
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No âmbito do cuidado pastoral da Igreja pelo bem da família, o Pontífice destacou a formação permanente, que, na sua ótica, dá azo à perspetiva da compreensão das diferentes etapas da vida conjugal de maneira séria e estrutural, através duma formação cuidadosa que vise aumentar a consciência dos valores e compromissos da vocação nos cônjuges.
Os principais agentes dessa formação matrimonial, em virtude do seu ofício e ministério, são os pastores. Todavia, torna-se mais oportuno, de facto, o envolvimento das comunidades eclesiais em seus diferentes componentes, corresponsáveis ​​por esta pastoral, sob a direção do Bispo diocesano e do pároco. Trata-se, pois duma obrigação solidária, com a responsabilidade primária dos pastores e a participação ativa da comunidade na promoção do casamento e ajuda às famílias com o apoio espiritual e educacional.
Francisco considerou a experiência dos cônjuges Áquila e Priscila, que estavam entre os mais fiéis companheiros da missão de São Paulo, com fé robusta e espírito apostólico – sinergia que foi um dom precioso do Espírito para as primeiras comunidades cristãs, para dizer:
O cuidado pastoral constante e permanente da Igreja para o bem do matrimónio e da família precisa de ser realizado com os vários meios pastorais: a aproximação à Palavra de Deus, especialmente mediante a ‘lectio divina’; os encontros de catequese; o envolvimento na celebração dos Sacramentos, sobretudo a Eucaristia; a conversa e a direção espiritual; e a participação em grupos familiares e de serviços beneficentes para fazer um paralelo com outras famílias e a abertura às necessidades dos mais desfavorecidos”.
Depois, o Papa Francisco citou os casais que, enquanto eloquentes testemunhas de fidelidade, já representam “uma ajuda preciosa pastoral à Igreja” ao viver o matrimónio “na unidade generosa e com amor fiel”. Eles são testemunhas da fecundidade da Igreja e uma oração silenciosa para todos, todos os dias, mesmo que esse “casal que vive por tantos anos juntos não faz notícia – é triste –, enquanto os escândalos, as separações e os divórcios fazem notícia” (cf Homilia na Santa Marta a 18 de maio de 2018). E disse:
Os casados que vivem na unidade e na fidelidade refletem bem a imagem e a semelhança de Deus. Essa é a boa notícia: que a fidelidade é possível porque é um dom, nos casados como nos presbíteros. Essa é a notícia que deveria tornar mais forte e encorajante também o ministério fiel e cheio de amor evangélico de bispos e sacerdotes; como foram de conforto para Paulo e Apolo o amor e a fidelidade conjugal do casal Áquila e Priscila.”.
Na verdade, como diz o Papa Bergoglio, os casais apostólicos oferecem a todos um exemplo de amor verdadeiro e tornam-se testemunhas e cooperadores da fecundidade da própria Igreja. Realmente muitos casais cristãos têm um sermão em silêncio, um “trabalho” de todos os dias, ora na discrição, ora na afirmação explícita da fé em termos da palavra, do exemplo e da ação. Por outro lado, os esposos que vivem na unidade e na fidelidade refletem bem a imagem e semelhança de Deus. E esta é a boa nova: a fidelidade é possível, porque é um dom, nos cônjuges como nos bispos, sacerdotes e consagrados.  
Por isso, há que pedir ao Espírito Santo que dê hoje à Igreja sacerdotes capazes de valorizar e valorizar os carismas dos esposos com uma fé forte e um espírito apostólico à semelhança de Áquila e Priscila. Já há muitos, mas são precisos muitos mais.
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A cada um dos Auditores Prelados, o Papa disse renovar a sua gratidão pelo bem que eles fazem ao povo de Deus servindo à justiça através das suas sentenças, já que estas, além da importância do julgamento em si para as partes interessadas, contribuem para interpretar corretamente o direito matrimonial, um direito que é colocado ao serviço da salus animarum e da fé dos cônjuges. É, pois nestes termos que se entende referência pontual das sentenças rotais aos princípios da doutrina católica no respeitante à ideia natural do matrimónio, com obrigações e direitos relativos e, ainda mais, no atinente à sua realidade sacramental.
Invocou a assistência divina sobre eles e concedeu cordialmente a Bênção Apostólica, pedindo que não se esquecessem de rezar por si.
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Uma boa forma de enquadramento antropológico e teológico do trabalho judicial da Rota como tribunal apostólico!
2019.01.29 – Louro de Carvalho

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