Participei
na missa das 12 horas na Igreja dos Passionistas, em Santa Maria da Feira, no
1.º de janeiro, em que a Liturgia celebra a Solenidade de Santa Maria Mãe de
Deus, os Sumos Pontífices, desde Paulo VI, querem a oração, a reflexão e gestos
em favor da Paz por parte dos crentes
e de todas as pessoas de boa vontade e a sociedade inaugura o novo ano civil.
E,
naquela celebração, ninguém nem nada parece ter ficado para trás ou ao lado. À
entrada do cortejo litúrgico, encabeçado por um acólito que empunhava a imagem
do Menino Jesus, notou-se que o sacerdote que presidia à celebração
eucarística, o Padre César Costa, levava consigo uns papéis, o que não é vulgar
nele.
***
Entretanto,
o coro do Centro de Cultura e Recreio do Orfeão cantava o “Totus Tuus, Maria” (música e letra de A. Cartageno
sobre o lema episcopal de São João Paulo II), como a consagração e a formação de pertença de
cada um e de cada uma a Maria, pedindo-Lhe, em contrapartida, que mostre que é
a Mãe de Cristo, a Mãe da Igreja, a Mãe da Humanidade, a Mãe dos jovens, a Mãe
da Esperança, a Mãe de todos os que sofrem.
E, por
falar de cânticos, o mesmo grupo coral, executou um belo “Glória a Deus nas Alturas e paz na terra aos homens por Ele amados”
a vozes mistas e com alguns belos momentos de dissonância, cantando
repetidamente “Nós Vos damos graças por
Vossa imensa glória”, um dos objetivos do dia – o agradecimento pelos dons
de Deus ao longo do ano que terminou e por nos ter feito entrar no novo ano com
alegria, sonho e esperança. O salmo responsorial, em ressonância à proclamação
da passagem do Livro dos Números tomada para a 1.ª leitura da Solenidade (Nm 6,22-27), fez com que toda a assembleia
litúrgica repetisse o pedido de bênção, em conformidade com o Salmo 67 (66): “Deus Se Compadeça de nós, Ele nos dê a Sua bênção” (Bem
precisamos dela todos!),
ao passo que a solista pedia para todos, além da bênção, a luz de Deus, a
alegria, a justiça, a visão dos caminhos de Deus, que nos levam à salvação, e
convidava todos os confins da Terra a entoarem os louvores de Deus.
Antes da
proclamação do Evangelho, o coro entoou o Aleluia
a vozes mistas, o que foi acompanhado pela assembleia na linha melódica
principal e os solistas sintetizavam a economia da Palavra de Deus: “Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus
antigamente aos nossos pais pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos,
Deus fala-nos por Seu Filho”. É de frisar que estávamos a aclamar o
Evangelho do dia (Lc
2,16-21) e a
responder à proclamação da 2.ª leitura (Gl
4,4-7). Nela, o
apóstolo dos gentios refere que estamos na plenitude dos tempos, porquanto Deus
nos enviou o Seu Filho, não por geração espontânea, nem por geração humana, mas
gerado eternamente no seio do Pai e agora encarnado no seio duma mulher e dela
nascido, sujeito à Lei, para nos regatar da sujeição à Lei e nos fazer entrar
no domínio da Graça, tornando-nos filhos de Deus com a capacidade de O
tratarmos por “Paizinho” (Abbá).
A seguir
à Oração Universal, o orfeão cantou
em latim “Ave Maria”, cheia de graça,
envolvida pelo Senhor – bendita Ela e o fruto do Seu ventre; e pedia à Santa
Mãe de Deus que rogue por nós, pecadores agora e na hora da morte. Foi uma
saudação e uma prece de intercessão.
No
momento próprio, na parte central da Missa, depois do prefácio o coro entoou o triságio (Sano, Santo
Santo…) e, no final
da Oração Eucarística, em que o pão e o vinho se consagraram no Corpo e Sangue
do Senhor, coro e assembleia entoaram a oração que Jesus nos ensinou.
À
saudação da paz, o coro cantou o “Cordeiro de Deus”. De facto, Jesus, o
Salvador, tira o pecado do mundo, como dizia João Batista e, sem o pecado,
podemos alcançar a paz que Ele nos dá, a paz que Ele nos legou, não como o
mundo a concebe, mas como Ele a quer.
A
comunhão surgiu envolta numa sentida apoteose a “Jesus
Cristo, ontem e hoje e por toda a eternidade” (de A. Cartageno) com
a piedosa ruminação dos versículos do Salmo 119 (repartido
em perícopas sendo cada uma delas encimada por uma letra do alfabeto hebraico.
Aqui é a letra He),
vv 33-40: as nossas delícias estão na Lei do Senhor, pelo que é preciso que Ele
nos ensine o caminho dos Seus preceitos, desvie os nossos olhos das vaidades,
faça brotar dos nossos lábios um hino de louvor e leve a nossa língua a proclamar a divina palavra.
O
cântico de Ação de Graças foi “Senhor,
trazei-nos a paz, guardai-nos em vosso amor (de Fernando Melro
e Azevedo Oliveira).
Na verdade, o Senhor fala de paz aos seus fiéis, dá a felicidade ao povo, aos
amigos; a Sua misericórdia dá-nos a liberdade; a Palavra é um abrigo para nós;
e a Sua Casa é uma fortaleza onde há justiça e paz.
E o
cântico final foi um hino a Nossa Senhora da Paz (de
Miguel Carneiro): “O povo de Deus Te aclama, Nossa Senhora da
Paz. O mundo chama por Ti, És Mãe de Deus, nossa Mãe.”. É que somente Maria
nos pode alcançar a paz que o mundo não tem, a paz que o mundo procura, a paz
que os anjos cantaram. Só Ela pode dar essa paz porque é Mãe. Estamos a ver que
essa paz é o próprio Cristo e podemos ser nós se a Ele nos assimilarmos.
***
Por sua
vez, o Padre César Costa, estabeleceu diálogo cantado com a assembleia no anúncio
da perícopa evangélica, na introdução ao prefácio e na aclamação a Cristo
realmente presente no altar após a consagração e na doxologia final da Oração
Eucarística (Por Cristo, com Cristo, em Cristo…).
Logo no
início da Missa, desejou um bom dia aos participantes, deu as boas vindas à
celebração e falou das diferentes evocações do dia: a Solenidade da Santa Mãe de Deus,
que nos convida a olhar Maria, aquela que, pelo sim ao projeto de Deus, nos oferece Jesus, o nosso libertador; o Dia Mundial da Paz, pois, em 1968, Paulo
VI pediu que, neste dia, os cristãos e as pessoas de boa vontade rezassem pela
paz; e o primeiro dia do ano civil,
como início da caminhada a percorrer de mãos dadas com o Deus que nunca nos
deixa, mas que, em cada dia, nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida em
plenitude.
As leituras exploram diversas coordenadas que têm a ver com
esta multiplicidade de evocações.
Na 1.ª, sublinha-se a dimensão da contínua presença de Deus
no nosso caminho como bênção que nos proporciona a vida em plenitude; a 2.ª evoca
o amor de Deus, que enviou o seu “Filho” ao nosso encontro para nos libertar da
escravidão da Lei e nos tornar seus “filhos”. É na situação privilegiada de
“filhos” livres e amados que podemos dirigir-nos a Deus e chamar-Lhe familiarmente
“Papá”, “Paizinho” (Abbá); e o Evangelho mostra como a chegada do projeto libertador
de Deus (que veio ao nosso encontro em Jesus), concitando a
alegria e o contentamento daqueles que não têm outra possibilidade de acesso à salvação,
os pobres e os débeis, nos incita a louvar a Deus pelo Seu cuidado e amor e a
testemunhar a libertação de Deus aos homens.
Por seu
turno, Maria, a mulher que proporcionou o
encontro com Jesus, é o modelo do crente sensível ao desígnio de Deus, que lê
os seus sinais na história, aceita acolher a proposta de Deus no coração e
colabora com Deus na concretização do projeto divino de salvação para o mundo.
E,
depois, do cântico do Pai Nosso, o sacerdote intercalou na oração do embolismo,
com as devidas adaptações, em jeito de prece, os desejos do Papa na sua
mensagem antes da Bênção Urbi et Orbi
do dia de Natal. Não acedi ao texto do Padre César Costa, mas posso dizer que
ficou mais ou menos assim:
“Livrai-nos de todo o mal, Senhor, e
dai ao mundo a paz em nossos dias, para que redescubramos os laços de
fraternidade que nos unem na condição de seres humanos, interligando todos os
povos.
Dai a paz a Israelitas e Palestinenses para que, retomando o diálogo, emboquem
num caminho de paz e ponham fim ao conflito que, há mais de 70 anos, dilacera a
Terra escolhida pelo Senhor para nos mostrar o Seu rosto de amor.
Dai a paz à Síria, para que reencontre a fraternidade depois destes
longos anos de guerra e a Comunidade Internacional trabalhe com decisão para
uma solução política que anule as divisões e os interesses de parte, de modo
que o povo, especialmente os que tiveram de deixar as suas terras e buscar
refúgio noutro lugar, possa voltar a viver em paz na sua pátria.
Dai a paz ao Iémen, para que a trégua mediada pela Comunidade Internacional
possa levar alívio a tantas crianças e às populações exaustas pela guerra e pela
carestia.
Dai a paz à África, onde há milhões de pessoas refugiadas ou deslocadas que
precisam de assistência humanitária e segurança alimentar e que, silenciadas as
armas, surja nova aurora de fraternidade em todo o Continente, abençoando os
esforços de quantos trabalham para favorecer percursos de reconciliação a nível
político e social.
Dai a paz à península coreana, para que prossiga na via de aproximação
empreendida e chegue a soluções compartilhadas que a todos assegurem progresso
e bem-estar.
Dai a paz à Venezuela, para que reencontre a concórdia e todos os
componentes da sociedade trabalhem fraternalmente para o desenvolvimento do
país e prestem assistência aos setores mais vulneráveis da população.
Dai a paz à Ucrânia, ansiosa por reaver uma paz duradoura, que tarda a
chegar, pois, só com a paz, respeitadora dos direitos de cada nação, o país
poderá recuperar das tribulações sofridas e restabelecer condições de vida
dignas para os seus cidadãos.
Dai a paz aos habitantes da Nicarágua, para que não prevaleçam as
divisões e discórdias, mas todos trabalhem para favorecer a reconciliação e,
juntos, construir o futuro do país.
Dai a paz aos povos que sofrem colonizações ideológicas, culturais e
económicas, vendo dilaceradas a sua liberdade e identidade, e que sofrem pela
fome e pela carência de serviços educativos e sanitários.
Dai a paz aos nossos irmãos e irmãs que celebram a Natividade do Senhor
em contextos difíceis e até hostis, especialmente onde a comunidade cristã é
uma minoria, por vezes frágil ou desconsiderada, e concedei a eles e a todas as
minorias que vivam em paz e vejam reconhecidos os seus direitos, em especial o
da vida e o da liberdade religiosa.
Dai a paz a todas as crianças da terra e a todas as pessoas frágeis,
indefesas e descartadas.
Dai a paz a todos nós, para que, recebendo a paz e conforto do nascimento
do Salvador, nos sintamos amados pelo único Pai celeste, nos reencontremos e vivamos como irmãos.
Para que, ajudados pela vossa
misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e de toda a perturbação, enquanto
esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador.”
***
À
homilia, o celebrante, ora pregador, começou por falar da Mãe de Deus, que por
obra do Espírito Santo, acolheu o Verbo de Deus no seio materno e Lhe deu a configuração
humana. E Ele veio habitar no meio de nós. Nós vimos a Sua glória e damos
testemunho dele.
Frisou
que o Verbo de Deus não resultou de ação do homem, nem surgiu do mundo, nem foi
gerado aqui, porque foi gerado e é-o eternamente no seio do Pai. Veio do Céu,
do seio do Pai e, sem deixar de ser Deus, encarnou, nascendo de mulher como
nós, fazendo-Se criança, adolescente, jovem e adulto como qualquer outro, sofrendo
e rindo como os demais – para que, tornando-nos, com Ele e por Ele, filhos de Deus,
possamos invocar o Pai com chamando-Lhe Papá e reconhecendo-nos como irmãos uns
dos outros.
Neste mistério,
tem lugar especial Maria, a mãe que O concebeu e O expôs à luz do mundo.
E é ao
colo daquela que Jesus tornou nossa mãe que nós damos graças a Deus pelo ano
que findou e acalentamos os sonhos e desejos que temos para o ano acabado de
iniciar. É ao colo desta mãe Deus e nossa que descobrimos e acolhemos as surpresas
com que Deus nos presenteia no novo ano e acolheremos este Deus que não para de
nos surpreender. É com Ela que nós contemplamos o presépio e o entendemos como
ponto de encontro e onde todos têm lugar, a escola da fraternidade, o trilho da
humildade e o grande armeiro da paz que os anjos cantam.
Porque
Ela deu à luz o Seu filho, o primogénito de muitos em que nós estamos verdadeiramente
incluídos, devemos estar com atenção ao mistério de Deus, mistério do homem, e devemos
acorrer ao presépio com a curiosidade e o entusiasmo dos pastores, ver que Deus
não nos desilude e tudo acontece como foi dito aos pastores.
E, neste
sentido, o celebrante fez a aproximação ao Ano Missionário Especial que a
Conferência Episcopal Portuguesa declarou, iniciado em outubro de 2018 e que
vai culminar com o mês missionário, outubro deste ano. É, pois, no presépio ou
ao colo de Maria que os discípulos aprendem e ganham o ânimo pascal para
cantar, como os pastores, as maravilhas de Deus e ir às periferias do mundo inteiro
anunciar o mistério do Deus feito homem que se faz próximo de todos e cada um,
apenas pedindo que acreditemos Nele, O amemos e com Ele amemos os irmãos, e que
aceitemos o perdão dos pecados. E isso nos garante a salvação.
Para que
nos deixemos imbuir deste dinamismo cristão e deste afã missionário, a começar
pela família, indo ao grupo de amigos, à escola, ao grupo profissional e social
até aos confins do mundo em oração, preocupação e ação, é oportuno que, neste Dia mundial da Paz, acolhamos os votos
do hagiógrafo veterotestamentário e rezemos:
O Senhor nos abençoe e nos proteja; o Senhor faça brilhar
sobre nós a sua face e nos seja favorável; o Senhor volte para nós os
seus olhos e nos conceda a paz.
A “bênção” (“beraka”) é uma
comunicação de vida, real e eficaz, que atinge os “abençoados” e que lhes traz
vigor, força, êxito, felicidade; é dom que, uma vez pronunciado, não pode ser
retirado nem anulado. Esta comunicação de vida, fruto da generosidade de Deus,
derrama-se sobre cada um dos membros da comunidade.
Na formulação desta bênção israelita, é pronunciado por três vezes
o nome “Senhor” (Jahwéh), o que
significa dar atualidade à Aliança, às suas promessas e às suas exigências; é lembrar
que é do Deus da Aliança que recebemos a vida, nas suas múltiplas manifestações
e que tudo é dom de Deus, do Deus da Aliança, que está ao lado do seu Povo em cada dia do ano, oferecendo-lhe a
vida plena e a felicidade em abundância. Foi para isto que Jesus veio ao
mundo: que tenhamos Vida e a tenhamos em
abundância. E foi ao serviço desta Vida que Maria Se disponibilizou como
serva do Senhor, para em Si e por Si, se realizar a glória do Senhor tornada próxima
dos homens que anseiam pela paz e que, sem Ela não encontram maneira de se
tornarem artífices da paz e de fazerem da paz a sua prioridade, o seu
núcleo-base da educação e o seu estilo de vida.
Com efeito, à paz como dom de Deus alia-se a boa política, a qual,
no dizer de Francisco, “é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras
do homem” e, “se for implementada no respeito fundamental pela vida,
liberdade e dignidade das pessoas”, torna-se “verdadeiramente uma forma
eminente de caridade” e de promoção da justiça.
Por tudo, o louvor e a prece ao Príncipe da Paz, o louvor e a
prece à Mãe da Paz, para que cheguem ao coração de Deus e ao coração dos
homens. Laus Deo, dona nobis pacem,
Domine.
2019.01.02
– Louro de Carvalho
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