quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

No 1.º dia de 2019, a Maternidade de Maria, a paz e a bênção


Participei na missa das 12 horas na Igreja dos Passionistas, em Santa Maria da Feira, no 1.º de janeiro, em que a Liturgia celebra a Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, os Sumos Pontífices, desde Paulo VI, querem a oração, a reflexão e gestos em favor da Paz por parte dos crentes e de todas as pessoas de boa vontade e a sociedade inaugura o novo ano civil.
E, naquela celebração, ninguém nem nada parece ter ficado para trás ou ao lado. À entrada do cortejo litúrgico, encabeçado por um acólito que empunhava a imagem do Menino Jesus, notou-se que o sacerdote que presidia à celebração eucarística, o Padre César Costa, levava consigo uns papéis, o que não é vulgar nele.
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Entretanto, o coro do Centro de Cultura e Recreio do Orfeão cantava o “Totus Tuus, Maria” (música e letra de A. Cartageno sobre o lema episcopal de São João Paulo II), como a consagração e a formação de pertença de cada um e de cada uma a Maria, pedindo-Lhe, em contrapartida, que mostre que é a Mãe de Cristo, a Mãe da Igreja, a Mãe da Humanidade, a Mãe dos jovens, a Mãe da Esperança, a Mãe de todos os que sofrem.  
E, por falar de cânticos, o mesmo grupo coral, executou um belo “Glória a Deus nas Alturas e paz na terra aos homens por Ele amados” a vozes mistas e com alguns belos momentos de dissonância, cantando repetidamente “Nós Vos damos graças por Vossa imensa glória”, um dos objetivos do dia – o agradecimento pelos dons de Deus ao longo do ano que terminou e por nos ter feito entrar no novo ano com alegria, sonho e esperança. O salmo responsorial, em ressonância à proclamação da passagem do Livro dos Números tomada para a 1.ª leitura da Solenidade (Nm 6,22-27), fez com que toda a assembleia litúrgica repetisse o pedido de bênção, em conformidade com o Salmo 67 (66): “Deus Se Compadeça de nós, Ele nos dê a Sua bênção” (Bem precisamos dela todos!), ao passo que a solista pedia para todos, além da bênção, a luz de Deus, a alegria, a justiça, a visão dos caminhos de Deus, que nos levam à salvação, e convidava todos os confins da Terra a entoarem os louvores de Deus.
Antes da proclamação do Evangelho, o coro entoou o Aleluia a vozes mistas, o que foi acompanhado pela assembleia na linha melódica principal e os solistas sintetizavam a economia da Palavra de Deus: “Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus antigamente aos nossos pais pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus fala-nos por Seu Filho”. É de frisar que estávamos a aclamar o Evangelho do dia (Lc 2,16-21) e a responder à proclamação da 2.ª leitura (Gl 4,4-7). Nela, o apóstolo dos gentios refere que estamos na plenitude dos tempos, porquanto Deus nos enviou o Seu Filho, não por geração espontânea, nem por geração humana, mas gerado eternamente no seio do Pai e agora encarnado no seio duma mulher e dela nascido, sujeito à Lei, para nos regatar da sujeição à Lei e nos fazer entrar no domínio da Graça, tornando-nos filhos de Deus com a capacidade de O tratarmos por “Paizinho” (Abbá).
A seguir à Oração Universal, o orfeão cantou em latim “Ave Maria”, cheia de graça, envolvida pelo Senhor – bendita Ela e o fruto do Seu ventre; e pedia à Santa Mãe de Deus que rogue por nós, pecadores agora e na hora da morte. Foi uma saudação e uma prece de intercessão.
No momento próprio, na parte central da Missa, depois do prefácio o coro entoou o triságio (Sano, Santo Santo…) e, no final da Oração Eucarística, em que o pão e o vinho se consagraram no Corpo e Sangue do Senhor, coro e assembleia entoaram a oração que Jesus nos ensinou.
À saudação da paz, o coro cantou o “Cordeiro de Deus”. De facto, Jesus, o Salvador, tira o pecado do mundo, como dizia João Batista e, sem o pecado, podemos alcançar a paz que Ele nos dá, a paz que Ele nos legou, não como o mundo a concebe, mas como Ele a quer.  
A comunhão surgiu envolta numa sentida apoteose a “Jesus Cristo, ontem e hoje e por toda a eternidade” (de A. Cartageno) com a piedosa ruminação dos versículos do Salmo 119 (repartido em perícopas sendo cada uma delas encimada por uma letra do alfabeto hebraico. Aqui é a letra He), vv 33-40: as nossas delícias estão na Lei do Senhor, pelo que é preciso que Ele nos ensine o caminho dos Seus preceitos, desvie os nossos olhos das vaidades, faça brotar dos nossos lábios um hino de louvor e leve a nossa língua a proclamar a divina palavra.
O cântico de Ação de Graças foi “Senhor, trazei-nos a paz, guardai-nos em vosso amor (de Fernando Melro e Azevedo Oliveira). Na verdade, o Senhor fala de paz aos seus fiéis, dá a felicidade ao povo, aos amigos; a Sua misericórdia dá-nos a liberdade; a Palavra é um abrigo para nós; e a Sua Casa é uma fortaleza onde há justiça e paz.
E o cântico final foi um hino a Nossa Senhora da Paz (de Miguel Carneiro): “O povo de Deus Te aclama, Nossa Senhora da Paz. O mundo chama por Ti, És Mãe de Deus, nossa Mãe.”. É que somente Maria nos pode alcançar a paz que o mundo não tem, a paz que o mundo procura, a paz que os anjos cantaram. Só Ela pode dar essa paz porque é Mãe. Estamos a ver que essa paz é o próprio Cristo e podemos ser nós se a Ele nos assimilarmos.
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Por sua vez, o Padre César Costa, estabeleceu diálogo cantado com a assembleia no anúncio da perícopa evangélica, na introdução ao prefácio e na aclamação a Cristo realmente presente no altar após a consagração e na doxologia final da Oração Eucarística (Por Cristo, com Cristo, em Cristo…). 
Logo no início da Missa, desejou um bom dia aos participantes, deu as boas vindas à celebração e falou das diferentes evocações do dia: a Solenidade da Santa Mãe de Deus, que nos convida a olhar Maria, aquela que, pelo sim ao projeto de Deus, nos oferece Jesus, o nosso libertador; o Dia Mundial da Paz, pois, em 1968, Paulo VI pediu que, neste dia, os cristãos e as pessoas de boa vontade rezassem pela paz; e o primeiro dia do ano civil, como início da caminhada a percorrer de mãos dadas com o Deus que nunca nos deixa, mas que, em cada dia, nos cumula da sua bênção e nos oferece a vida em plenitude.
As leituras exploram diversas coordenadas que têm a ver com esta multiplicidade de evocações.
Na 1.ª, sublinha-se a dimensão da contínua presença de Deus no nosso caminho como bênção que nos proporciona a vida em plenitude; a 2.ª evoca o amor de Deus, que enviou o seu “Filho” ao nosso encontro para nos libertar da escravidão da Lei e nos tornar seus “filhos”. É na situação privilegiada de “filhos” livres e amados que podemos dirigir-nos a Deus e chamar-Lhe familiarmente “Papá”, “Paizinho” (Abbá); e o Evangelho mostra como a chegada do projeto libertador de Deus (que veio ao nosso encontro em Jesus), concitando a alegria e o contentamento daqueles que não têm outra possibilidade de acesso à salvação, os pobres e os débeis, nos incita a louvar a Deus pelo Seu cuidado e amor e a testemunhar a libertação de Deus aos homens.
Por seu turno, Maria, a mulher que proporcionou o encontro com Jesus, é o modelo do crente sensível ao desígnio de Deus, que lê os seus sinais na história, aceita acolher a proposta de Deus no coração e colabora com Deus na concretização do projeto divino de salvação para o mundo.
E, depois, do cântico do Pai Nosso, o sacerdote intercalou na oração do embolismo, com as devidas adaptações, em jeito de prece, os desejos do Papa na sua mensagem antes da Bênção Urbi et Orbi do dia de Natal. Não acedi ao texto do Padre César Costa, mas posso dizer que ficou mais ou menos assim: 
Livrai-nos de todo o mal, Senhor, e dai ao mundo a paz em nossos dias, para que redescubramos os laços de fraternidade que nos unem na condição de seres humanos, interligando todos os povos.
Dai a paz a Israelitas e Palestinenses para que, retomando o diálogo, emboquem num caminho de paz e ponham fim ao conflito que, há mais de 70 anos, dilacera a Terra escolhida pelo Senhor para nos mostrar o Seu rosto de amor.
Dai a paz à Síria, para que reencontre a fraternidade depois destes longos anos de guerra e a Comunidade Internacional trabalhe com decisão para uma solução política que anule as divisões e os interesses de parte, de modo que o povo, especialmente os que tiveram de deixar as suas terras e buscar refúgio noutro lugar, possa voltar a viver em paz na sua pátria.
Dai a paz ao Iémen, para que a trégua mediada pela Comunidade Internacional possa levar alívio a tantas crianças e às populações exaustas pela guerra e pela carestia.
Dai a paz à África, onde há milhões de pessoas refugiadas ou deslocadas que precisam de assistência humanitária e segurança alimentar e que, silenciadas as armas, surja nova aurora de fraternidade em todo o Continente, abençoando os esforços de quantos trabalham para favorecer percursos de reconciliação a nível político e social.
Dai a paz à península coreana, para que prossiga na via de aproximação empreendida e chegue a soluções compartilhadas que a todos assegurem progresso e bem-estar.
Dai a paz à Venezuela, para que reencontre a concórdia e todos os componentes da sociedade trabalhem fraternalmente para o desenvolvimento do país e prestem assistência aos setores mais vulneráveis da população.
Dai a paz à Ucrânia, ansiosa por reaver uma paz duradoura, que tarda a chegar, pois, só com a paz, respeitadora dos direitos de cada nação, o país poderá recuperar das tribulações sofridas e restabelecer condições de vida dignas para os seus cidadãos.
Dai a paz aos habitantes da Nicarágua, para que não prevaleçam as divisões e discórdias, mas todos trabalhem para favorecer a reconciliação e, juntos, construir o futuro do país.
Dai a paz aos povos que sofrem colonizações ideológicas, culturais e económicas, vendo dilaceradas a sua liberdade e identidade, e que sofrem pela fome e pela carência de serviços educativos e sanitários.
Dai a paz aos nossos irmãos e irmãs que celebram a Natividade do Senhor em contextos difíceis e até hostis, especialmente onde a comunidade cristã é uma minoria, por vezes frágil ou desconsiderada, e concedei a eles e a todas as minorias que vivam em paz e vejam reconhecidos os seus direitos, em especial o da vida e o da liberdade religiosa.
Dai a paz a todas as crianças da terra e a todas as pessoas frágeis, indefesas e descartadas.
Dai a paz a todos nós, para que, recebendo a paz e conforto do nascimento do Salvador, nos sintamos amados pelo único Pai celeste, nos reencontremos e vivamos como irmãos.
Para que, ajudados pela vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e de toda a perturbação, enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador.
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À homilia, o celebrante, ora pregador, começou por falar da Mãe de Deus, que por obra do Espírito Santo, acolheu o Verbo de Deus no seio materno e Lhe deu a configuração humana. E Ele veio habitar no meio de nós. Nós vimos a Sua glória e damos testemunho dele.
Frisou que o Verbo de Deus não resultou de ação do homem, nem surgiu do mundo, nem foi gerado aqui, porque foi gerado e é-o eternamente no seio do Pai. Veio do Céu, do seio do Pai e, sem deixar de ser Deus, encarnou, nascendo de mulher como nós, fazendo-Se criança, adolescente, jovem e adulto como qualquer outro, sofrendo e rindo como os demais – para que, tornando-nos, com Ele e por Ele, filhos de Deus, possamos invocar o Pai com chamando-Lhe Papá e reconhecendo-nos como irmãos uns dos outros.
Neste mistério, tem lugar especial Maria, a mãe que O concebeu e O expôs à luz do mundo.
E é ao colo daquela que Jesus tornou nossa mãe que nós damos graças a Deus pelo ano que findou e acalentamos os sonhos e desejos que temos para o ano acabado de iniciar. É ao colo desta mãe Deus e nossa que descobrimos e acolhemos as surpresas com que Deus nos presenteia no novo ano e acolheremos este Deus que não para de nos surpreender. É com Ela que nós contemplamos o presépio e o entendemos como ponto de encontro e onde todos têm lugar, a escola da fraternidade, o trilho da humildade e o grande armeiro da paz que os anjos cantam.
Porque Ela deu à luz o Seu filho, o primogénito de muitos em que nós estamos verdadeiramente incluídos, devemos estar com atenção ao mistério de Deus, mistério do homem, e devemos acorrer ao presépio com a curiosidade e o entusiasmo dos pastores, ver que Deus não nos desilude e tudo acontece como foi dito aos pastores.
E, neste sentido, o celebrante fez a aproximação ao Ano Missionário Especial que a Conferência Episcopal Portuguesa declarou, iniciado em outubro de 2018 e que vai culminar com o mês missionário, outubro deste ano. É, pois, no presépio ou ao colo de Maria que os discípulos aprendem e ganham o ânimo pascal para cantar, como os pastores, as maravilhas de Deus e ir às periferias do mundo inteiro anunciar o mistério do Deus feito homem que se faz próximo de todos e cada um, apenas pedindo que acreditemos Nele, O amemos e com Ele amemos os irmãos, e que aceitemos o perdão dos pecados. E isso nos garante a salvação.
Para que nos deixemos imbuir deste dinamismo cristão e deste afã missionário, a começar pela família, indo ao grupo de amigos, à escola, ao grupo profissional e social até aos confins do mundo em oração, preocupação e ação, é oportuno que, neste Dia mundial da Paz, acolhamos os votos do hagiógrafo veterotestamentário e rezemos:   
O Senhor nos abençoe e nos proteja; o Senhor faça brilhar sobre nós a sua face e nos seja favorável; o Senhor volte para nós os seus olhos e nos conceda a paz.       
A “bênção” (“beraka”) é uma comunicação de vida, real e eficaz, que atinge os “abençoados” e que lhes traz vigor, força, êxito, felicidade; é dom que, uma vez pronunciado, não pode ser retirado nem anulado. Esta comunicação de vida, fruto da generosidade de Deus, derrama-se sobre cada um dos membros da comunidade.
Na formulação desta bênção israelita, é pronunciado por três vezes o nome “Senhor” (Jahwéh), o que significa dar atualidade à Aliança, às suas promessas e às suas exigências; é lembrar que é do Deus da Aliança que recebemos a vida, nas suas múltiplas manifestações e que tudo é dom de Deus, do Deus da Aliança, que está ao lado do seu Povo em cada dia do ano, oferecendo-lhe a vida plena e a felicidade em abundância. Foi para isto que Jesus veio ao mundo: que tenhamos Vida e a tenhamos em abundância. E foi ao serviço desta Vida que Maria Se disponibilizou como serva do Senhor, para em Si e por Si, se realizar a glória do Senhor tornada próxima dos homens que anseiam pela paz e que, sem Ela não encontram maneira de se tornarem artífices da paz e de fazerem da paz a sua prioridade, o seu núcleo-base da educação e o seu estilo de vida.
Com efeito, à paz como dom de Deus alia-se a boa política, a qual, no dizer de Francisco, “é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem” e, “se for implementada no respeito fundamental pela vida, liberdade e dignidade das pessoas”, torna-se “verdadeiramente uma forma eminente de caridade” e de promoção da justiça.
Por tudo, o louvor e a prece ao Príncipe da Paz, o louvor e a prece à Mãe da Paz, para que cheguem ao coração de Deus e ao coração dos homens. Laus Deo, dona nobis pacem, Domine.
2019.01.02 – Louro de Carvalho    

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