domingo, 6 de janeiro de 2019

O grande segredo que está na base de todo o Sermão da Montanha


Na primeira Audiência Geral do ano de 2019, a 2 de janeiro, Francisco deu continuidade ao ciclo de catequeses sobre o Pai Nosso, iniciado em 5 de dezembro, inspirando-se, desta feita, em Mateus 6,5-6.9-13. Com efeito, reunidos em volta de Jesus no alto da colina, uma “assembleia heterogénea” formada pelos discípulos mais íntimos e por uma grande multidão de rostos anónimos é a primeira a receber a entrega do Pai Nosso.
Verificando a situação do texto do Pai Nosso no centro do Sermão da Montanha, encabeçado pelas Bem-aventuranças, o Papa contempla Jesus a coroar de felicidade pessoas que, tanto naquele tempo como neste, não gozavam de consideração:
Os pobres, os mansos, os que choram, os sedentos de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os artífices da paz, os inocentes perseguidos”.
Deste pórtico discursivo, arrojado inversor dos valores da história, emerge com todo o vigor a novidade do Evangelho. E, se temos o coração bom, predisposto para o amor, compreenderemos que toda e qualquer palavra de Deus deve ser encarnada na vida até às últimas consequências, ou seja, até amar os inimigos e rezar pelos perseguidores, pois, “fazendo assim” – assegura-nos Jesus – tornar-nos-emos “filhos do nosso Pai que está nos Céus”.
E este é o grande segredo que está na base de todo o Sermão da Montanha: “sede filhos do vosso Pai, que está no Céu”. Na verdade, o cristão não é alguém melhor do que os outros; sabe que é pecador como os outros; mas é uma pessoa que para, como Moisés, diante da Sarça-ardente, acolhendo a revelação de Deus, que já não se esconde sob um nome impronunciável, mas pede aos seus filhos que O invoquem com o afetuoso nome de “Pai”. Entretanto, na oração, não podemos agir como os hipócritas, que multiplicam suas orações ateias, pois rezam a si mesmos, rezam para serem admirados pelos homens. Ao invés, a oração cristã não busca outra testemunha credível a não ser a própria consciência. Mas, no segredo da consciência, o Pai vê. E isso basta. Para sermos atendidos, é suficiente pormo-nos sob o olhar de Deus, lembrando-nos do seu amor paterno, porque Deus não precisa de nada – não precisa de sacrifícios para ganhar o nosso favor – pede apenas que, na oração, mantenhamos aberto um canal de comunicação com Ele, para nos descobrirmos sempre como seus filhos muito amados e sabermos construir as arras da fraternidade que deriva da nossa condição de filhos deste Pai comum.
A oração feita em silêncio, do fundo do coração – em espírito e verdade –, e que gera mudanças na vida, e não aquela que desperdiça palavras, é a que verdadeiramente interessa.
De facto, o Evangelho é revolucionário, pois Jesus coroa de felicidade uma série de categorias de pessoas não é considerada. Esta é a revolução do Evangelho e onde está o Evangelho há uma revolução. Não nos deixa quietos, impulsiona-nos. E, como disse o Pontífice, “todas as pessoas capazes de amar, os pacíficos que até então ficaram à margem da história, são, ao contrário, construtores do Reino de Deus”. É como se Jesus dissesse: “Em frente, vós que trazeis no coração o mistério de um Deus que revelou sua omnipotência no amor e no perdão!”.
Daqui brota a novidade do Evangelho. E Francisco sublinhou:
A lei não deve ser abolida, mas precisa de nova interpretação, que a leve de volta ao seu significado original. Se uma pessoa tem um bom coração, está predisposta a amar, então compreende que cada palavra de Deus deve ser encarnada até suas últimas consequências. O amor não tem limites: pode-se amar o próprio cônjuge, o próprio amigo e até mesmo o próprio inimigo com uma perspetiva completamente nova.”.
E, ao invés de mero discurso moral, assegurou o teor teológico destes capítulos:
O cristão não é alguém que se esforça para ser melhor do  que os outros: ele sabe que é pecador como todos. O cristão é simplesmente o homem que para diante da nova Sarça Ardente, da revelação de um Deus que não traz o enigma de um nome impronunciável, mas que pede a seus filhos que o invoquem com o nome de ‘Pai’, para se deixar  renovar por seu poder e de  refletir um raio de sua bondade por este mundo tão sedento de bem, tão à espera de boas notícias.”.
Assim, fica ultrapassado o seu aparente discurso moral, evocando “uma ética tão exigente a ponto de parecer impraticável” e surgem consequências como se vê a seguir.
Coerência cristã. Como explica o Papa, Jesus introduz o ensinamento da oração do “Pai Nosso” distanciando dois grupos do seu tempo, começando pelos “hipócritas”, que rezam nas praças  e sinagogas para serem vistos. São pessoas capazes de tecer orações ateias, sem Deus, fazendo-o para serem admiradas pelos homens”. E o Pontífice critica a incoerência de tantos e tantas hoje:
E quantas vezes nós vemos o escândalo daquelas pessoas que vão à igreja, estão lá todo o dia, ou vão todos os dias, e depois vivem odiando os outros e falando mal das pessoas. Isto é um escândalo. Melhor não ir à igreja. Vive assim como ateu. Mas se vais vai à igreja, vive como filho, como irmão e dá um verdadeiro testemunho. Não um contratestemunho.”.
A oração cristã, pelo contrário, só tem como testemunho credível  a própria consciência, onde se entrelaça intensamente um diálogo contínuo com o Pai.
Rezar com o coração. Tomando Jesus “distância das orações dos pagãos”, que acreditavam ser ouvidos pela força das palavras, Francisco recordou a cena do Monte Carmelo, onde diferentemente dos sacerdotes de Baal que gritavam, dançavam, pediam tantas coisas, foi ao Profeta Elias, que ficou calado, que o Senhor se revelou:
Os pagãos pensam que falando, falando, falando, se reza. Também eu penso nos tantos cristãos que acreditam que rezar – desculpem-me – é falar a Deus como um papagaio. Não! Rezar se faz do coração, de dentro.”.
O “Pai Nosso” – reiterou o Papa Bergoglio – “poderia ser também uma oração silenciosa: basta no fundo colocar-se sob o olhar de Deus, recordar-se do seu amor de Pai; e isto é suficiente para serem ouvidos”. E disse a concluir:
“Que bonito pensar que o nosso Deus não precisa de sacrifícios para conquistar o seu favor! Ele não precisa de nada, nosso Deus: na oração pede somente que tenhamos aberto um canal de comunicação com ele, para nos descobrirmos sempre como seus amados filhos.”.
***
Nada melhor para exaltar a fraternidade do que voltar ao presépio em que está patente à contemplação e adoração o Deus que Se fez nosso irmão em Jesus, que há de crescer e passar pelo mundo fazendo o bem. Por isso, apraz-me comentar as intervenções papais de 1 de janeiro.
Assim, Francisco, antes da recitação do Angelus, na Praça de São Pedro, dizia à multidão que celebramos, 8 dias depois do Natal, a Santa Mãe de Deus e, “como os pastores de Belém, ficamos com os olhos fixos n’Ela e na criança que Ela segura nos braços”. Ora, mostrando-nos Jesus, o Salvador do mundo, a mãe abençoa-nos a todos, abençoa o caminho de todo o homem e de toda a mulher neste ano, que está no início, o que será bom na medida em que tiver cada um recebido a bondade de Deus que Jesus veio trazer ao mundo. E, sobre esta bênção natalina, disse o Papa que é a bênção de Deus que dá sustentáculo aos bons desejos trocados nestes dias. 
Repetindo a fórmula da liturgia que transcreve a antiga bênção com que os sacerdotes israelitas abençoaram o povo, reiterou: “Que o Senhor te abençoe e te guarde. Que o Senhor faça seu rosto brilhar e te dê graça. O Senhor te dirija o rosto e te conceda a paz” (Nm 6,24-26). 
E frisou que o sacerdote repetia, por rês vezes, o nome de Deus, “Senhor”, estendendo as mãos sobre o povo reunido, pois, na Bíblia, o nome representa a realidade invocada. Por isso, “colocar o nome” de Deus sobre uma pessoa, uma família, uma comunidade significa oferecer a força benéfica que dele flui. Por outro lado, a repetição do nome “rosto” do Senhor de cada vez com duas ações – brilhar e agraciar, dirigir-se para ti e dar-te a paz – releva a abundância do dom de Deus e a sua ternura misericordiosa, de que o sacerdote é porta-voz para cada um dos seus ouvintes. É verdade que, de acordo com as Escrituras, o rosto de Deus é inacessível ao homem, o que testifica a transcendência de Deus. Mas a glória de Deus é todo Amor e, embora permaneça inacessível como o Sol que não pode ser olhado, Ele irradia a sua graça sobre toda criatura e, de modo especial, sobre os homens e as mulheres, em que ela fica mais refletida. Mas, pela sua indizível condescendência, em Cristo, torna-se acessível e estabelece o canal para podermos participar na sua vida divina, entrando em devido tempo na comunhão trinitária.
Depois, evocando a passagem da Carta aos Gálatas, referiu:
Quando a plenitude do tempo veio (Gl 4,4), Deus revelou-Se através de um homem, Jesus, ‘nascido de uma mulher’. E aqui voltamos ao ícone da festa de hoje, por onde começamos: o ícone da Santa Mãe de Deus, que nos mostra o Filho, Jesus Cristo, Salvador do mundo. Ele é a Bênção para toda a pessoa e para toda a família humana. Ele, Jesus, é uma fonte de graça, misericórdia e paz.”.
Por isso que o santo Papa Paulo VI estabeleceu que o 1.º de janeiro seja o Dia Mundial da Paz; e Francisco acentua que celebramos “hoje” o quinquagésimo segundo, com o tema a boa política está serviço da paz. Não está a política – frisa – reservada aos governantes: todos somos todos responsáveis ​​pela vida da “cidade”, pelo bem comum; e a política também será boa se cada um desempenhar o seu papel no serviço da paz – um compromisso diário para o qual pedimos a ajuda da Santa Mãe de Deus, a Rainha da Paz. Por isso, exortou a que todos a saudassem dizendo juntos três vezes “Santa Mãe de Deus”. 
Depois do Angelus, lembrando que dirigira, no dia de Natal, uma mensagem de fraternidade a Roma e ao mundo, renovou-a, desta vez, como um desejo de paz e prosperidade. E nós oramos todos os dias pela paz. E teceu agradecimentos ao Presidente da República Italiana, pelas saudações que lhe dirigira, pedindo ao Senhor que lhe abençoe o “alto e precioso serviço ao povo italiano”; e aos romanos e peregrinos que estavam na Piazza San Pietro, tão numerosos. Saudou os participantes do evento “Paz em todas as terras”, organizado pela Comunidade de Santo Egídio e expressou o apreço e proximidade às incontáveis ​​iniciativas de oração e compromisso pela paz que se realizam em toda a parte, promovidas pelas comunidades eclesiais, lembrando, em particular o que aconteceu em Matera.
Finalizou dizendo que, pela intercessão da Virgem Maria, o Senhor nos permite que sejamos artesãos da paz, o que deve começar em casa, na família e estender-se a todos os dias do ano novo. E desejou novamente a cada um “um ano bom e sagrado”. 
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Na homilia da Solenidade, o Papa Francisco desenvolveu o discurso em torno das seguintes expressões: maravilhar-se; deixar-se olhar; deixar-se abraçar; e deixar-se tomar pela mão.
Maravilhar-se. O Evangelho da Solenidade refere que todos se maravilhavam com o que diziam os pastores. Também somos chamados a este maravilhar-se de olhos fixos no menino pobre de nascimento, mas rico de amor, devendo nós ter esta atitude no alvor do ano, porque a vida é dom que nos leva a “começar sempre de novo”. Porém, este é o dia de nos maravilharmos diante da Mãe de Deus”: Deus é uma criança no colo duma mulher que alimenta o Criador. A imagem que temos é “a Mãe e o Menino tão unidos que parecem um só”, o que mostra que, longe de ser um senhor distante que habita solitário nos céus, Deus “é o Amor encarnado, nascido como nós duma mãe para ser irmão de cada um, para estar próximo”. É “o Deus da proximidade”, nos joelhos da mãe, “que é também nossa mãe”, e donde “derrama uma nova ternura sobre a humanidade”, para nos fazer entender “o amor divino, que é paterno e materno, como o duma mãe que não cessa de crer nos filhos e nunca os abandona”, e que nos ama apesar dos nossos erros, porque acredita na humanidade, em que sobressai a Mãe.
O nosso Deus é o Deus das surpresas e a Sua Mãe ajuda-nos a aceitar as surpresas do nosso Deus. Com efeito, Aquela que gerou o Senhor gera-nos para o Senhor. E esta é uma das maravilhas da fé, que é encontro. E o Pontífice diz que “também a Igreja precisa de renovar a sua maravilha por ser casa do Deus vivo”, a “Esposa do Senhor”, a “Mãe que gera filhos” e mostra Jesus; ao invés, corre o risco de se assemelhar a um lindo museu”. E é Nossa Senhora que “introduz na Igreja a atmosfera de casa, duma casa habitada pelo Deus da novidade”.
Por isso, exortou a que acolhamos maravilhados o mistério da Mãe de Deus, como os habitantes de Éfeso no tempo do seu Concílio, e A aclamemos “Santa Mãe de Deus”. E sugere: Deixemo-nos olhar, deixemo-nos abraçar, deixemo-nos tomar pela mão… por Ela.
Deixar-se olhar. É necessário sobretudo nos momentos de necessidade, enredados nos nós mais intricados da vida, que olhemos para a Mãe. Mas é importante também deixarmo-nos olhar por Ela, que “não vê pecadores, mas filhos”. Os olhos da Cheia de Graça, como espelhos da sua alma, mostrando a beleza de Deus, iluminam a escuridão e reacendem a esperança.
O olhar da Mãe ajuda a vermo-nos como filhos amados no povo crente de Deus e a amarmo-nos entre nós, apesar dos limites e opções de cada um; enraíza-nos na Igreja, onde a unidade conta mais que a diversidade; e exorta-nos a cuidarmos uns dos outros. Por isso, rezamos-Lhe: “Esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei.
Deixar-se abraçar. Diz o Evangelho que Maria “conservava todas estas coisas, ponderando-as em seu coração”. Quer dizer: depois, do olhar, entra em cena o coração da Mãe, que “tomava tudo a peito, abraçava tudo, eventos favoráveis e contrários. E tudo ponderava, isto é, levava a Deus.”. E diz o Papa que este é “o seu segredo”. De igual modo, quer “abraçar todas as nossas situações e apresentá-las a Deus”, o que é importante ter em conta “na vida fragmentada de hoje”. Na verdade, como assegura o Pontífice, “é essencial o abraço da Mãe” no meio de “tanta dispersão e solidão em giro”. Num mundo contraditoriamente tão conectado e cada vez mais desunido, “precisamos de nos confiar à Mãe”.
E deixar-se tomar pela mão. A mãe toma pela mão os filhos e introdu-los amorosamente na vida. No entanto, muitos hoje, “seguindo por conta própria, perdem a direção” e de livres “tornam-se escravos”. Esquecidos do carinho materno, vivem zangados consigo próprios e indiferentes a tudo, muitas vezes reagindo a tudo e a todos com veneno e malvadez. Então – assegura Francisco – “precisamos de aprender com as mães que o heroísmo está em doar-se, a fortaleza em ter piedade, a sabedoria na mansidão”.
Se Deus não prescindiu da Mãe, por maior força de razão, precisamos nós d’Ela. E diz o Papa:
O próprio Jesus no-La deu; e não num momento qualquer, mas quando estava pregado na cruz: ‘Eis a tua mãe’ (Jo 19,27) – disse Ele ao discípulo, a cada discípulo. Nossa Senhora não é opcional: deve ser acolhida na vida. É a Rainha da paz, que vence o mal e guia pelos caminhos do bem, repõe a unidade entre os filhos, educa para a compaixão.”.
E terminou rezando e fazendo rezar:
Tomai-nos pela mão, Maria. Agarrados a Vós, superaremos as curvas mais fechadas da história. Levai-nos pela mão a descobrir os laços que nos unem. Reuni-nos, todos juntos, sob o vosso manto, na ternura do amor verdadeiro, onde se reconstitui a família humana: ‘À vossa proteção, recorremos, Santa Mãe de Deus’. Digamo-lo, todos juntos, a Nossa Senhora: ‘À vossa proteção, recorremos, Santa Mãe de Deus’.”.
***
Então, prossigamos com a bênção e a paz, aclamando a Santa Mãe de Deus!
2019.01.05 – Louro de Carvalho

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