segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Faltam condenações por violência contra mulheres em Portugal


O relatório do GREVIO (acrónimo em inglês para designar o Grupo de Peritos para o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica) – publicado hoje, dia 21, conclui que faltam condenações por violência contra mulheres em Portugal e adverte que “a definição de violação que não se baseia apenas na ausência de consentimento livre” (observação que parece dirigida a algumas sentenças judiciais).
Não obstante, considera que Portugal fez ‘progressos significativos’ no combate à violência contra as mulheres, sendo até pioneiro em certas áreas. Todavia, além de verificar uma baixa taxa de condenações, o relatório aponta a necessidade de uma ‘coordenação mais robusta’ entre os departamentos governamentais.
Segundo a Lusa, DN, Delas e RR, trata-se do primeiro relatório de avaliação realizado a Portugal após a ratificação em 2013 da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, designada como Convenção de Istambul, avaliação da responsabilidade do GREVIO, o órgão especializado e independente previsto na Convenção que tem a missão de monitorizar a aplicação do texto por parte dos Estados signatários.
Os últimos dados conhecidos, relativos a 2018 e apresentados em meados de novembro passado pelo Observatório de Mulheres Assassinadas, davam conta de 24 mulheres assassinadas por familiares ou companheiros em Portugal, mais seis do que em 2017. Um número bastante elevado, até considerando a dimensão do país.
Como se disse, o relatório, de cerca de 80 páginas, “reconhece o compromisso significativo das autoridades portuguesas e os progressos alcançados”, mas refere um conjunto de deficiências e recomenda medidas para melhorar a proteção das vítimas, os procedimentos judiciais contra os agressores e o reforço da área da prevenção. 
Segundo o GREVIO e no seguimento da ratificação da Convenção de Istambul, Portugal alargou o âmbito das políticas públicas, tendo instituído a criminalização de outras formas de violência contra as mulheres, como a perseguição, a mutilação genital feminina e o casamento forçado. 
Um dos aspetos saudados pelo grupo de peritos são os esforços portugueses no contexto da mutilação genital feminina, esforços de que resultaram três programas de ação consecutivos, “o que faz de Portugal um pioneiro na área”. Contudo, os peritos recomendam que estes esforços abranjam também outras situações de violência.
Assim, Portugal deverá desenvolver “programas de longo prazo que abordem todas as formas de violência cobertas pela Convenção e se baseiem nos progressos já alcançados”.
O GREVIO elogia o papel da CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género) na aplicação, monitorização e avaliação das políticas relacionadas com a igualdade de género e a violência baseada no género. No entanto, entende que “a implementação de planos de ação nacionais (...) beneficiaria de uma coordenação mais robusta entre as agências governamentais”, aconselhando igualmente, e para melhorias operacionais, “maior envolvimento das autoridades locais”.
E os peritos apontam outras “lacunas importantes remanescentes”. Assim, o relatório reconhece o progresso alcançado na construção de uma moldura legislativa sólida para abordar a violência contra as mulheres, mas evidencia uma área de particular preocupação, a definição de violação que não se baseia apenas na ausência de consentimento livre e requer o uso de ‘restrição’.
 Note-se: violação que não se baseia apenas na ausência de consentimento livre.
Este aspeto está, de resto, em debate no Parlamento, tendo os deputados determinado, por unanimidade, que seguissem em frente e baixassem à comissão de especialidade por 60 dias, mesmo sem votação na generalidade, os projetos de lei do BE (Bloco de Esquerda) e do PAN (Pessoas-Animais-Natureza) para definir como crime violação a relação sexual sem o consentimento de uma das partes. Os dois diplomas pretendem introduzir alterações ao Código Penal para criminalizar o sexo sem consentimento, seguindo o disposto na Convenção de Istambul.
Outro fator de preocupação do órgão é o uso generalizado de processos suspensos e a falta generalizada de ênfase na obtenção de condenações em casos de violência contra as mulheres”. Neste âmbito, os peritos, recordando que “os procedimentos judiciais e as sanções penais constituem uma parte essencial da proteção das mulheres”, solicitam às autoridades a garantia de que “as sentenças em casos de violência contra as mulheres preservem a função dissuasora das penas”.
Recorde-se que a AI (Amnistia Internacional) pediu ao Governo, em 2018, “reformas” na justiça para vítimas de violência sexual. A posição da secção portuguesa desta organização internacional foi tomada na sequência do recente acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que determinou 4 anos de pena suspensa a dois homens condenados por abuso sexual a mulher inconsciente, numa discoteca de Vila Nova de Gaia, em 2016.
Também o relatório do GREVIO realça os esforços de Portugal em combater os estereótipos de género e em aumentar a consciencialização sobre a prevalência da violência contra as mulheres, especialmente entre as gerações mais jovens, por exemplo, através de medidas para prevenir a violência no namoro. E sublinha os progressos alcançados “na promoção da igualdade de género e no combate à discriminação de género no local de trabalho”.
No elenco de recomendações do GREVIO sobressai ainda a de que as nossas autoridades tomem medidas que assegurem que “os direitos e a segurança das vítimas e dos respetivos filhos sejam garantidos em relação à determinação e ao exercício dos direitos de custódia e visita”.
A par dos 24 casos de femicídios registados até meados de novembro de 2018, outras 16 mulheres viram a sua vida ser atentada, segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas. No período em análise, o grupo etário que registou mais femicídios foi o das mulheres com mais de 65 anos, seguido da faixa etária entre os 36 e os 50 anos.
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Os preditos projetos de lei do BE e do PAN receberam, no debate em plenário, críticas por parte das outras bancadas, tendo o PS mostrado disponibilidade para “um trabalho sério em conjunto” sobre o tema. Assim, BE e PAN apresentaram um requerimento, aprovado por unanimidade em plenário, para que ambos os textos descessem à 1.ª comissão parlamentar, sem votação, por um período de 60 dias. Os projetos de lei pretendem, como foi dito, introduzir alterações ao Código Penal para criminalizar o sexo sem consentimento, considerando-o crime de violação, na linha da Convenção de Istambul.
No final da reunião da bancada parlamentar do PS, antes da discussão em plenário, o deputado João Paulo Correia já tinha defendido, em declarações aos jornalistas, que os dois diplomas deveriam baixar à comissão parlamentar de especialidade, sem votação na fase da generalidade.
Pelo PAN, o deputado único, André Silva, considerou, na altura, que a questão “é simples” e, “se não há consentimento, há violação”. E o projeto de lei do BE, que coincide com o do PAN na intenção, foi apresentado pela deputada Sandra Cunha, que defendeu a necessidade de reconhecer no Código Penal que um ato sexual sem consentimento é um crime, uma vez que “o ato sexual não consentido é, de per si, uma situação de violência”.
António Filipe, do PCP, elencou as principais críticas dos comunistas a estes projetos, frisando que os aumentos de pena são desproporcionados” (sobretudo o do PAN, digo eu) e discordando da “consideração da violação como crime público”. Pelo PS, Isabel Moreira, reiterou a disponibilidade dos socialistas para participar numa discussão “séria e difícil”, propondo um trabalho “em conjunto, ouvindo entidades e personalidades” – aliás no alinhamento com a intenção do Governo manifestada em 2018, depois de conhecer o pedido da AI.

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A AI (Amnistia Internacional) manifestando preocupação com a mensagem passada pela justiça portuguesa às mulheres vítimas de violência sexual, pediu “reformas”. A posição da secção portuguesa daquela organização foi tomada na sequência do famigerado acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que determinou quatro anos de pena suspensa a dois homens condenados por abuso sexual a mulher inconsciente, numa discoteca de Vila Nova de Gaia, em 2016.
Num comunicado de 3 de outubro, a AI, sustentando que o referido acórdão contém estereótipos de género e que transmite uma “mensagem prejudicial às vitimas de violência sexual” e de género sobre o acesso à justiça, pediu urgência no debate sobre a prevenção e combate a todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas. Diz o aludido comunicado:
Os argumentos utilizados no referido acórdão suscitam enorme preocupação, transmitindo uma mensagem prejudicial às vítimas de violência sexual de género em Portugal sobre o acesso à justiça, colocando o seu comportamento no banco dos réus, em vez das ações dos perpetradores. Consequentemente, não é menos relevante a mensagem que, a contrario, é transmitida aos responsáveis por atos de violência e o perigo para a prevenção e combate da violência sexual de género em Portugal.”.
Por isso, a AI exortou o Governo e os demais órgãos de soberania “a ouvir as vozes da discussão que ocorre no contexto nacional” e a adotar “as reformas, melhorias e todas as ações necessárias para que sejam garantidos os direitos das vítimas, em particular no acesso à justiça, e a efetiva prevenção e combate à violência sexual e de género, em cumprimento das obrigações internacionais a que Portugal está adstrito”.
Por seu turno, a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro, reconhece que “há falhas” na formação dos profissionais que lidam com as vítimas de violência sexual e doméstica, incluindo magistrados e juízes, mas sublinha que estão a ser trabalhadas respostas nesse sentido. E declarou aos jornalistas, à margem da conferência de imprensa de apresentação da ‘Women Building Inclusive Societies in the Mediterranean’ (conferência internacional promovida pela União para o Mediterrâneo, que se realizou, pela 1.ª vez em Portugal, a 10 e 11 de outubro, na Fundação Champalimaud, em Lisboa), que “não vamos ignorar que existem falhas”. E vincou:
Na sequência da análise e trabalho feito pela Equipa de Análise Retrospetiva [de Homicídio em Violência Doméstica] no identificar destas falhas, nós fizemos um protocolo com a Direção-Geral da Administração da Justiça e a Procuradoria-Geral da República para formar e capacitar os oficiais de justiça de todo o país, que estão na primeira linha de atendimento a uma vítima que se dirija ao tribunal”.
Sobre ações concretas de formação previstas para magistrados, conforme previsto no plano de ação para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030 “Portugal +Igual”, e anunciado pela Ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, em janeiro de 2018, Rosa Monteiro afirmou que “o processo de formação está a ser organizado em parceria com vários organismos públicos”: CIG, PSP, GNR, PGR, Secretaria Geral do MAI, e Direção-Geral da Administração da Justiça. E, em relação aos procuradores e juízes, disse:
Em relação à formação para magistrados [do Ministério Público] e juízes, nestas áreas da violência contra as mulheres, temos vindo a trabalhar de forma articulada. Existe um protocolo e no próprio plano de formação do CEJ esta formação nas áreas da violência contra as mulheres e violência de género está prevista em várias formações.”.
No entanto, a obrigatoriedade da formação para juízes e procuradores “depende da orientação dada pelo CEJ (ao nível da formação inicial de auditores/as de justiça) e do CSM (Conselho Superior da Magistratura) e da PGR (Procuradoria Geral da República), na formação contínua, respetivamente, de Juízes/as ou Procuradores/as Gerais”, explicou a Secretaria de Estado, ao Delas.pt por escrito.
Sobre se decisões como as do último acórdão, a que se somam outros entretanto contestados, podem demover as vítimas de fazer queixa e confiar na Justiça, Rosa Monteiro considera que “a vítima tem de ter a garantia e confiança no sistema”. E acrescentou:
Estamos confiantes de ter um conjunto de respostas de apoio às pessoas que são vítimas, especialmente às mulheres. O investimento público e a qualidade daquilo que oferecemos em termos de resposta e de apoio às mulheres tem vindo a crescer. E há um apelo que tem de ser sistemático, no sentido de as situações de violência terem de ser objeto de queixa e de denúncia, simultaneamente com a garantia de que protegemos as mulheres após essas queixas.”.
E concluiu:
É demagógico dizer-se que o problema nasceu hoje, assim como é demagógico dizer-se que o problema se vai resolver amanhã de forma automática. Não há nenhum mecanismo, infelizmente, nestas questões – que são questões de transformação cultural profunda e que tem de ser transversal não só à Justiça, tem de ser a todos os nossos sistemas sociais.”.

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Na semana passada, ficou a saber-se que os magistrados vão ter formação e guias práticos sobre violência doméstica, tráfico e crimes de ódio. Com efeito, o Governo vai reforçar as ações de formação sobre estas matérias e criar um guia de boas práticas.
O gabinete da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade assinou, na quarta-feira, 15 de janeiro, um protocolo entre a CIG (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género) e o CEJ (Centro de Estudos Judiciários) para “reforçar ações de cooperação entre as duas entidades”.
Com a assinatura do protocolo é “intensificado” o trabalho feito entre os dois organismos, desde logo com a criação de módulos e referenciais de formação, cursos de especialização, além da elaboração de guias de boas práticas nas áreas da violência contra as mulheres e violência doméstica e tráfico de seres humanos.
De acordo com o comunicado sobre o tema, pela primeira vez são também criados guias de boas práticas sobre crimes de ódio. Frisando que este compromisso tem a duração de 4 anos, refere:
A coordenação, execução e avaliação do impacto das ações de cooperação fica a cargo de um Grupo de Acompanhamento, constituído por um/a representante de cada uma das partes”.
Este protocolo insere-se na Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação “Portugal + Igual” e no novo Plano de ação para a prevenção e o combate ao tráfico de seres humanos. E, de acordo com a informação do gabinete da Secretária de Estado, mais de 440 magistrados participaram nas ações de formação feitas em 2018.
João Lázaro (da Rádio Renascença) recorda que as ONG têm apontado a falta de formação contínua aos magistrados. E elenca necessidades para melhorar o sistema:
Formação contínua para magistrados e não apenas formação inicial; financiamento com coerência e que seja duradouro e não apenas dependente de jogos sociais; e sobretudo cada vez mais uma coordenação e uma eficácia de coordenação entre os vários organismos do Estado no seu todo, designadamente os que têm a ver com a justiça: Ministério Público, os tribunais e também a reinserção social”.
Fontes: Lusa, DN, Delas e RR.
2019.01.21 – Louro de Carvalho

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