segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Partido que se entretém a jogar à liderança não presta bom serviço


A crise que está a assolar o partido liderado pelo nortenho Rui Rio é o exemplo do que não deve acontecer. A dois meses da apresentação de listas para as eleições para o Parlamento Europeu e o país a gostar de ver as perspetivas e projeções eleitorais para as legislativas de 6 de outubro, chegou ao rubro a crítica e a interpelação ao presidente do PSD e à sua direção.
Não se pode dar de barato que a personalidade política de Rio seja controversa, mas os votos caíram-lhe no colo e o que se esperava era que o seu estado-maior cooperasse na sua forma de timonar. Não se podem dar de barato os factos de o rival na campanha eleitoral ter jogado numa dupla – a aliança com o vencedor para conseguir levar gente da sua escolha para dentro do Conselho Nacional, o órgão máximo entre congressos, e a batedela de porta renegando o partido e tendo vindo a formar outro, ironicamente chamado “Aliança”, mas não com Rio –, mas era preciso unir forças internas e começar a fazer oposição a um governo cada vez mais convicto de que a verdade está exclusivamente do seu lado e mantendo-se ao leme da governação mercê da tática dos partidos-asas que o sustentam.
No entanto, como a direção partidária ora se volta contra o Presidente da República, ora o apoia e joga algumas cartadas com o partido do Governo, o Chefe do Executivo parece considerar como líder da oposição Assunção Cristas, a presidente do outrora partido do táxi em detrimento de Fernando Negrão. Com efeito, nota-se alguma distonia entre liderança da bancada parlamentar socialdemocrata e direção partidária, bem como resposta em câmara lenta a episódios e a declarações públicas do Presidente da República, Primeiro-Ministro ou Ministros.
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David Dinis, a 11 de janeiro, em artigo de opinião no ECO, faz um levantamento dos erros de Rio, que indiciam que “uma clarificação nunca chega tarde demais” na esteira das declarações de Paula Teixeira da Cruz e de Maria Luís Albuquerque.
O colunista cita Luís Montenegro, que ainda recentemente porfiava, cheio de veemência, que não patrocinaria iniciativas que visassem “destituir o líder do PSD intempestivamente” nem se deixava condicionar por elas, porque o partido “precisa de bom senso e maturidade”.
Entretanto, sem as circunstâncias mudarem substancialmente, Montenegro apresentou-se, há dias, em público como candidato à liderança, com discurso fraco, sem soluções alternativas, e desafiou Rio a convocar imediatamente eleições para a liderança e a perfilar-se como candidato à disputa, tendo também solicitado uma audiência ao Presidente da República, que o receberá. Um dos disparates do Presidente. Imaginemos que cada um dos candidatos a lideranças partidárias, agora ou no futuro, pretende uma audiência presidencial, estará o Chefe de Estado disponível para ouvir, opinar e aconselhar ou desaconselhar?        
À iniciativa de Montenegro a direção do PSD acusa-a de “golpe de Estado”. Deveria ser “golpe de Partido”, que o é, independentemente das boas ou más razões. Isabel Meirelles diz que o novel candidato não merece credibilidade. Rio, por sua vez, acusa-o de servir o PS e António Costa e de prestar um serviço ao Governo, ao criar instabilidade no PSD em vésperas de eleições. E frisa que o partido “é grande demais para estar subjugado a agendas pessoais”.
Marcelo, Presidente da República e antigo líder do PSD, segundo o Expresso, acha loucura dinamitar o partido em cima de eleições e, diz que, se o confronto for inevitável, que seja rápido. Porém, Montenegro tem apoios. O próprio Marcelo que, agora teme pela oportunidade da crise, já viu nele “qualidades invulgares”. Pedro Duarte, que no verão exigia mudança do rumo do PSD e da liderança, predispunha-se a candidatar-se, mas agora apoiará o candidato já declarado. Paula Teixeira da Cruz e Maria Luís Albuquerque não gostam de Rio e posicionam-se ao lado de Montenegro, tal como o anterior líder da bancada parlamentar Hugo Soares. O Expresso dá conta que várias direções distritais se afastam cada vez mais de Rio. E Marques Mendes, na sua habitual homilia de domingo na SIC, disse que Rio fez bem, já que “não fingiu nem fez de conta” e “fez bem em querer clarificar”, mas que preferia eleições diretas neste momento, embora preveja que o líder ganhará a partida em Conselho Nacional que convocou para moção de confiança, decisão inédita na vida do partido, e sustentou que que, “concorde-se ou discorde-se”, Montenegro “foi corajoso, ao assumir e dar a cara, pedindo uma clarificação”.
Miguel Morgado, como recusa passista a Montenegro, poderá perfilar-se como candidato; Miguel Pinto Luz, crítico da iniciativa do novel candidato, poderá querer sê-lo também; e Paulo Rangel, querendo continuar como eurodeputado, poderá beneficiar da atual turbulência.  
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David Dinis, no mencionado artigo, sublinha que “Rio é líder do PSD há um ano” e que “pouco parece ter feito para merecer a esperança de quem habita o mesmo partido” e porfia que o líder falhou, “deixando que a pergunta crucial das próximas legislativas seja apenas sobre António Costa, se ele merece mesmo uma maioria absoluta”.
Referindo que “o problema estratégico do PSD não é novo, nem apareceu com Rui Rio”, pois, “desde as eleições de 2015 que o partido não para de perder intenções de voto para os socialistas”, que, pela mão de Costa, “tirou à direita uma das poucas bandeiras que lhe restava – a das contas certas” –, sustenta que o novo líder “trouxe consigo uma resposta: como falharam as previsões mais catastrofistas sobre a esquerda, era tempo de reposicionar o partido”. Nesta perspetiva, não seria seu objetivo ganhar as legislativas, mas “tornar o voto útil para quem admitia votar no PSD”, ou seja, apostar em que o eleitorado de centro e de direita prefira “um Governo PS condicionado pelo apoio do PSD” aos “votos e ideias da esquerda”. Ora, esta aproximação ao PS teria de falhar na ótica de Montenegro, já que o partido perde linhas distintivas do PS e afasta o eleitorado preso emocional, e doutrinariamente ao passismo.
Porém, contra Rio está o facto de o poder teimar em ser exercido a partir de Lisboa, pois Sá Carneiro só começou a segurar o partido depois que se transferiu para a capital. Rio não tem assento parlamentar, como Marcelo não tinha, mas estava em Lisboa, quando o atual líder persiste em liderar a partir do norte. Recorde-se a efemeridade da liderança de Filipe Menezes.
Outro fator adverso é a sua “autossuficiência”, em vez de esgrimir a espada pela união partidária, optou pelas clivagens. Daí resultou que o grupo parlamentar gerou uma nova liderança de forma dúbia e desastrosa, um antigo líder bateu com a porta dizendo que não se revê no partido como está atualmente e fundou um novo, que já acusa 4% das intenções de voto (não da para bom resultado, mas estraga) e o partido funciona a várias vozes e dissonantes.    
Na dita aproximação a Costa, resultaram dois acordos que, além de terem pouco de acordo de regime, persistem no papel e não mostram aspetos relevantes em que o Governo tenha cedido.
Em termos identitários do partido, a aproximação ao PS deu na desvalorização e mesmo alguma contrariação de posições tradicionais socialdemocratas em áreas sensíveis como a Justiça (“PGR, autonomia do MP…”) os impostos (apoio a aumento de taxas sobre arrendamento “especulativo), além do elogio a Mário Centeno.
Em termos da ética, registe-se que era o valor mais badalado no discurso da sua anteliderança: nem jogos, nem amicismo, nem cedências. Entretanto, surgiram suspeitas de chapelada em pagamento de quotas para militantes poderem votar, não boa liderança de alguns municípios socialdemocratas, falsas presenças no hemiciclo e nas comissões em São Bento, incluindo as de um secretário-geral, e falsas declarações em habilitações académicas, incluindo as do anterior secretário-geral. Também a desconfiança levou a atitudes implausíveis: medo das fugas de informação, irritação com as críticas; críticas à comunicação social. Daí que a direção partidária não discuta temas centrais como a substituição da PGR, não conheça as propostas do líder antes da sua divulgação e visse que o líder persistia em não analisar e reagir com prontidão à iminência das ameaças à liderança. E, a par da desconfiança, está o autoritarismo, que não o deixa mudar. Daí, mais críticas à comunicação social, ataques aos críticos internos, tiradas de condicionamento da autonomia do Ministério Público.
Ao invés, mostra um excessivo respeito por Costa. Embora critique o Governo, hesita em criticar direta e individualmente o Chefe. E fala pouco, sendo que a maior parte das vezes a palavra pública fica por conta de vice-presidentes ou de figuras menores. Depois, não tem o à vontade de Marcelo de quem foi secretário-geral. Além disso, na véspera de Montenegro abrir a guerra interna, a direção do PSD critico Marcelo por questões mínimas ou pouco esclarecidas.
Mais: O PSD vive ainda “na era pré-redes sociais, pré-internetpré-plano tecnológico, pré-comunicação política” – aponta David Dinis criticando o excesso de amadorismo, embora reconheça as melhoras havidas na organização partidária.
Em circunstâncias normais, Rio devia, com toda a legitimidade, ir a eleições e tentar a sua sorte, pois, há regras nos partidos, que, no caso vertente, apontam para que Rio tenha um mandato de dois anos; e “quem o quiser derrubar tem de ter sucesso” em espoletar o processo e ganhar as novas diretas, não havendo nisto nada de dramático ou anormal. E David Dinis espera para ver “se o partido segue mais os ‘traidores’, se prefere os romanos – na versão de fim-de-império”.
No estado a que o PSD chegou só há vantagem na clarificação. Fá-la-á o Conselho Nacional?
Porém, a questão é caricata e mais grave. Caricata, porque muitos dos deputados atuais receiam perder o tacho numa bancada parlamentar menos numerosa e escolhida pelo atual líder; mais grave, porque, a par da emergência de novos partidos que podem britar o PSD, os interesses instalados à sombra do Estado (que teoricamente não querem, mas de que se aproveitam) temem correr o risco de perda ou minoração sob um governo do PS permanentemente escrutinado pelos atuais satélites. Será por isso que alguns, apesar das fraturas criadas entre si, pensam seriamente na geringonça à direita? Nesta ótica, qualquer solução governativa lhes serve, menos a atual!
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Na véspera de completar um ano como presidente do PSD, Rio anunciou a convocação do Conselho Nacional para votar eventual moção de confiança, em resposta ao desafio lançado por Luís Montenegro para convocar de imediato eleições para a liderança do partido. E explicou:
Se esse for o seu entendimento, o conselho pode retirar a confiança à direção nacional e assumir democraticamente a responsabilidade de a demitir. Se os contestatários não conseguirem reunir as assinaturas para a apresentação de uma moção de censura, eu próprio facilito-lhes a vida e apresento, no âmbito da mesma disposição estatutária, uma moção de confiança.”.
Referindo que “há momentos para unir e momentos para clarificar”, lembrou que foi o primeiro a tentar unir o partido, logo no congresso nacional, ao apresentar listas conjuntas para os órgãos nacionais com o adversário. E confessou:
Infelizmente persistem aqueles que preferem a guerrilha permanente à unidade do partido, apesar de o seu candidato, em quem tudo apostaram, já nem sequer estar no PSD”.
O momento é de clarificação“, acrescenta sublinhando:
A manutenção do clima de guerrilha que tem vindo a ser fomentado não é possível fazer um trabalho eficaz na construção de uma alternativa de que o país precisa e que o PSD tem obrigação de apresentar”.
Recusa, pois, o apelo de Montenegro às eleições e deseja que o conselho escolha “livremente.
De acordo com o Expressofoi na sexta-feira que a direção do PSD entregou ao presidente do Conselho Nacional, Paulo Mota Pinto, o requerimento para a convocação extraordinária daquele órgão, não pedindo urgência nem sugerindo uma data. Porém, Mota Pinto revelou à Lusa que a data será marcada no início da semana.
Na sexta-feira à noite, depois duma reunião de 45 minutos com Marcelo Rebelo de Sousa, que alegadamente nada teve a ver com a vida do PSD, Rio tinha dito que não ia fazer de conta que nada aconteceu. Num ataque direto ao seu opositor, o presidente do PSD frisou que “Luís Montenegro entende que o partido se deve atolar num longo processo interno abandonando a oposição ao PS”. E atirou:
Não há memória de na história da democracia um dirigente ter lançado tamanha confusão e instabilidade no seu partido a tão pouco tempo de eleições. […] É difícil de imaginar um maior serviço ao PS e ao Governo.”.
Rio sustentou, na que pode ser entendida como uma referência à Maçonaria:
O PSD não é um partido unipessoal. É grande demais para estar subjugado a agendas pessoais. […] O PSD é grande demais para estar sujeito a constantes manobras táticas ao serviço de interesses, umas mais às claras, outras mais obscuras, sob um manto de secretismo.”.
O líder acentuou que nem o partido nem o país devem estar subjugados à vontade de quem teve a possibilidade de se apresentar como candidato à liderança, mas que, “por razões táticas”, optou por não o fazer. E, reiterando a sua visão e estratégia para a liderança do partido e do país, ou seja, apoiar as reformas estruturais necessárias ao país, lembrou ter assumido a liderança do PSD com “um sentido de missão e de disponibilidade para trabalhar em prol de Portugal, sendo que é “obrigação patriótica” a disponibilidade de todos os partidos para o diálogo conducente a tais reformas.
São declarações dirigidas a quem o acusa de dar a mão a António Costa, nomeadamente através dos acordos no âmbito da descentralização e dos fundos comunitários. E Rio porfia:
Os partidos têm de ser capazes de se reformarem e libertarem das teias de interesse em que se envolverem. […] Nunca enganei ninguém. Sempre disse que era esta a minha visão e a base do meu projeto. Foi isto que os militantes do PSD livremente escolheram e isto estou obrigado a cumprir”.
Não obstante, a sua confessada e reconhecida estratégia não está a colher os melhores frutos. O último estudo da Eurossondagem para o Expresso e para a SIC revela que o PSD caiu dois pontos percentuais para os 24,8% nas intenções de voto, de modo que, se as eleições fossem agora, o resultado poderia vir a ser o pior que o partido já teve em legislativas desde os 24,3% conseguidos por Sá Carneiro em 1976.
Por fim, diga-se, em abono da verdade, que a criação do Conselho Estratégico do PSD foi uma boa ideia, as mudanças no aparelho uma iniciativa ousada e a transparência no financiamento uma coisa importante. Resta saber da validade das propostas para o país conhecidas e das que aí virão, bem como se o Conselho Nacional Extraordinário clarificará a situação do partido.
2019.01.13 – Louro de Carvalho

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