A crise que está a assolar o partido liderado pelo nortenho Rui Rio é o
exemplo do que não deve acontecer. A dois meses da apresentação de listas para
as eleições para o Parlamento Europeu e o país a gostar de ver as perspetivas e
projeções eleitorais para as legislativas de 6 de outubro, chegou ao rubro a
crítica e a interpelação ao presidente do PSD e à sua direção.
Não se pode dar de barato que a personalidade política de Rio seja
controversa, mas os votos caíram-lhe no colo e o que se esperava era que o seu
estado-maior cooperasse na sua forma de timonar. Não se podem dar de barato os
factos de o rival na campanha eleitoral ter jogado numa dupla – a aliança com o
vencedor para conseguir levar gente da sua escolha para dentro do Conselho
Nacional, o órgão máximo entre congressos, e a batedela de porta renegando o
partido e tendo vindo a formar outro, ironicamente chamado “Aliança”, mas não
com Rio –, mas era preciso unir forças internas e começar a fazer oposição a um
governo cada vez mais convicto de que a verdade está exclusivamente do seu lado
e mantendo-se ao leme da governação mercê da tática dos partidos-asas que o
sustentam.
No entanto, como a direção partidária ora se volta contra o Presidente da
República, ora o apoia e joga algumas cartadas com o partido do Governo, o
Chefe do Executivo parece considerar como líder da oposição Assunção Cristas, a
presidente do outrora partido do táxi em detrimento de Fernando Negrão. Com
efeito, nota-se alguma distonia entre liderança da bancada parlamentar
socialdemocrata e direção partidária, bem como resposta em câmara lenta a
episódios e a declarações públicas do Presidente da República,
Primeiro-Ministro ou Ministros.
***
David Dinis, a 11 de janeiro, em artigo de opinião no ECO, faz um
levantamento dos erros de Rio, que indiciam que “uma clarificação nunca chega
tarde demais” na esteira das declarações de Paula Teixeira da Cruz e de Maria
Luís Albuquerque.
O colunista cita Luís Montenegro, que ainda recentemente porfiava, cheio de
veemência, que não patrocinaria iniciativas que visassem “destituir o líder do
PSD intempestivamente” nem se deixava condicionar por elas, porque o partido “precisa
de bom senso e maturidade”.
Entretanto, sem as circunstâncias mudarem substancialmente, Montenegro
apresentou-se, há dias, em público como candidato à liderança, com discurso
fraco, sem soluções alternativas, e desafiou Rio a convocar imediatamente
eleições para a liderança e a perfilar-se como candidato à disputa, tendo
também solicitado uma audiência ao Presidente da República, que o receberá. Um
dos disparates do Presidente. Imaginemos que cada um dos candidatos a
lideranças partidárias, agora ou no futuro, pretende uma audiência
presidencial, estará o Chefe de Estado disponível para ouvir, opinar e
aconselhar ou desaconselhar?
À iniciativa de Montenegro a direção do PSD acusa-a de “golpe de Estado”.
Deveria ser “golpe de Partido”, que o é, independentemente das boas ou más
razões. Isabel Meirelles diz que o novel candidato não merece credibilidade. Rio, por sua vez, acusa-o de servir o PS e
António Costa e de prestar um serviço ao Governo, ao criar instabilidade no PSD
em vésperas de eleições. E frisa que o partido “é grande demais para estar
subjugado a agendas pessoais”.
Marcelo, Presidente da República e antigo líder
do PSD, segundo o Expresso, acha
loucura dinamitar o partido em cima de eleições e, diz que, se o confronto for
inevitável, que seja rápido. Porém, Montenegro tem apoios. O próprio Marcelo
que, agora teme pela oportunidade da crise, já viu nele “qualidades
invulgares”. Pedro Duarte, que no verão exigia mudança do rumo do PSD e da liderança,
predispunha-se a candidatar-se, mas agora apoiará o candidato já declarado.
Paula Teixeira da Cruz e Maria Luís Albuquerque não gostam de Rio e posicionam-se
ao lado de Montenegro, tal como o anterior líder da bancada parlamentar Hugo
Soares. O Expresso dá conta que
várias direções distritais se afastam cada vez mais de Rio. E Marques Mendes,
na sua habitual homilia de domingo na SIC, disse que Rio fez bem, já que “não fingiu
nem fez de conta” e “fez bem em querer clarificar”, mas que preferia eleições diretas
neste momento, embora preveja que o líder ganhará a partida em Conselho
Nacional que convocou para moção de confiança, decisão inédita na vida do
partido, e sustentou que que,
“concorde-se ou discorde-se”, Montenegro “foi corajoso, ao assumir e dar a
cara, pedindo uma clarificação”.
Miguel Morgado, como recusa passista a Montenegro,
poderá perfilar-se como candidato; Miguel Pinto Luz, crítico da iniciativa do novel
candidato, poderá querer sê-lo também; e Paulo Rangel, querendo continuar como eurodeputado,
poderá beneficiar da atual turbulência.
***
David Dinis, no mencionado artigo, sublinha que “Rio é líder do PSD há um
ano” e que “pouco parece ter feito para merecer a esperança de quem habita o
mesmo partido” e porfia que o líder falhou, “deixando que a pergunta crucial
das próximas legislativas seja apenas sobre António Costa, se ele merece mesmo
uma maioria absoluta”.
Referindo que “o problema estratégico do PSD não é novo, nem apareceu com
Rui Rio”, pois, “desde as eleições de 2015 que o partido não para de perder
intenções de voto para os socialistas”, que, pela mão de Costa, “tirou à
direita uma das poucas bandeiras que lhe restava – a das contas certas” –,
sustenta que o novo líder “trouxe consigo uma resposta: como falharam as
previsões mais catastrofistas sobre a esquerda, era tempo de reposicionar o
partido”. Nesta perspetiva, não seria seu objetivo ganhar as legislativas, mas
“tornar o voto útil para quem admitia votar no PSD”, ou seja, apostar em que o
eleitorado de centro e de direita prefira “um Governo PS condicionado pelo
apoio do PSD” aos “votos e ideias da esquerda”. Ora, esta aproximação ao PS
teria de falhar na ótica de Montenegro, já que o partido perde linhas
distintivas do PS e afasta o eleitorado preso emocional, e doutrinariamente ao passismo.
Porém, contra Rio está o facto de o poder teimar em ser exercido a partir
de Lisboa, pois Sá Carneiro só começou a segurar o partido depois que se
transferiu para a capital. Rio não tem assento parlamentar, como Marcelo não
tinha, mas estava em Lisboa, quando o atual líder persiste em liderar a partir
do norte. Recorde-se a efemeridade da liderança de Filipe Menezes.
Outro fator adverso é a sua “autossuficiência”, em vez
de esgrimir a espada pela união partidária, optou pelas clivagens. Daí resultou
que o grupo parlamentar gerou uma nova liderança de forma dúbia e desastrosa,
um antigo líder bateu com a porta dizendo que não se revê no partido como está
atualmente e fundou um novo, que já acusa 4% das intenções de voto (não da
para bom resultado, mas estraga) e o
partido funciona a várias vozes e dissonantes.
Na dita aproximação a Costa, resultaram dois acordos
que, além de terem pouco de acordo de regime, persistem no papel e não mostram
aspetos relevantes em que o Governo tenha cedido.
Em termos identitários do partido, a aproximação ao PS
deu na desvalorização e mesmo alguma contrariação de posições tradicionais
socialdemocratas em áreas sensíveis como a Justiça (“PGR,
autonomia do MP…”) os
impostos (apoio a aumento de taxas sobre arrendamento “especulativo”), além
do elogio a Mário Centeno.
Em termos da ética, registe-se que era o valor mais badalado
no discurso da sua anteliderança: nem jogos, nem amicismo, nem cedências.
Entretanto, surgiram suspeitas de chapelada em pagamento de quotas para
militantes poderem votar, não boa liderança de alguns municípios
socialdemocratas, falsas presenças no hemiciclo e nas comissões em São Bento,
incluindo as de um secretário-geral, e falsas declarações em habilitações
académicas, incluindo as do anterior secretário-geral. Também a desconfiança levou a atitudes implausíveis: medo
das fugas de informação, irritação com as críticas; críticas à comunicação
social. Daí que a direção partidária não discuta temas centrais como a substituição
da PGR, não conheça as propostas do líder antes da sua divulgação e visse que o
líder persistia em não analisar e reagir com prontidão à iminência das ameaças à
liderança. E, a par da desconfiança, está o autoritarismo, que não o deixa
mudar. Daí, mais críticas à comunicação social, ataques aos críticos internos,
tiradas de condicionamento da autonomia do Ministério Público.
Ao invés, mostra um excessivo respeito por Costa. Embora critique o Governo, hesita em criticar direta e individualmente o Chefe. E fala
pouco, sendo que a maior parte das vezes a palavra pública fica por conta de
vice-presidentes ou de figuras menores. Depois, não tem o à vontade de Marcelo
de quem foi secretário-geral. Além disso, na véspera de Montenegro abrir a
guerra interna, a direção do PSD critico Marcelo por questões mínimas ou pouco
esclarecidas.
Mais: O PSD vive ainda
“na era pré-redes sociais, pré-internet, pré-plano tecnológico, pré-comunicação política” – aponta David
Dinis criticando o excesso de amadorismo, embora reconheça as melhoras havidas
na organização partidária.
Em circunstâncias normais, Rio devia, com toda a legitimidade, ir a
eleições e tentar a sua sorte, pois, há regras nos partidos, que, no caso
vertente, apontam para que Rio tenha um mandato de dois anos; e “quem
o quiser derrubar tem de ter sucesso” em espoletar o processo e ganhar as novas
diretas, não havendo nisto nada de dramático ou anormal. E David Dinis espera
para ver “se o partido segue mais os ‘traidores’, se prefere os romanos – na
versão de fim-de-império”.
No estado a que o PSD chegou só há vantagem na clarificação. Fá-la-á o
Conselho Nacional?
Porém, a questão é caricata e mais grave. Caricata, porque muitos dos deputados
atuais receiam perder o tacho numa bancada parlamentar menos numerosa e escolhida
pelo atual líder; mais grave, porque, a par da emergência de novos partidos que
podem britar o PSD, os interesses instalados à sombra do Estado (que teoricamente
não querem, mas de que se aproveitam) temem
correr o risco de perda ou minoração sob um governo do PS permanentemente
escrutinado pelos atuais satélites. Será por isso que alguns, apesar das
fraturas criadas entre si, pensam seriamente na geringonça à direita? Nesta ótica,
qualquer solução governativa lhes serve, menos a atual!
***
Na véspera de completar um ano como presidente do PSD, Rio anunciou a convocação do Conselho Nacional para votar eventual
moção de confiança, em resposta ao desafio lançado por Luís Montenegro
para convocar de imediato eleições para a liderança do partido. E explicou:
“Se esse for o seu entendimento, o conselho
pode retirar a confiança à direção nacional e assumir democraticamente a
responsabilidade de a demitir. Se os contestatários não conseguirem reunir as
assinaturas para a apresentação de uma moção de censura, eu
próprio facilito-lhes a vida e apresento, no âmbito da mesma disposição
estatutária, uma moção de confiança.”.
Referindo que “há momentos para unir e momentos para clarificar”, lembrou
que foi o primeiro a tentar unir o partido, logo no congresso nacional, ao
apresentar listas conjuntas para os órgãos nacionais com o adversário. E
confessou:
“Infelizmente persistem aqueles
que preferem a guerrilha permanente à unidade do partido, apesar de o
seu candidato, em quem tudo apostaram, já nem sequer estar no PSD”.
“O momento é de clarificação“, acrescenta sublinhando:
“A manutenção do clima de guerrilha que tem
vindo a ser fomentado não é possível fazer um trabalho eficaz na construção de
uma alternativa de que o país precisa e que
o PSD tem obrigação de apresentar”.
Recusa, pois, o apelo de Montenegro às eleições e deseja que o conselho
escolha “livremente.
De acordo com o Expresso, foi na sexta-feira que a direção do PSD entregou ao presidente do
Conselho Nacional, Paulo Mota Pinto, o requerimento para a convocação
extraordinária daquele órgão, não pedindo urgência nem sugerindo
uma data. Porém, Mota Pinto revelou à Lusa
que a data será marcada no início da semana.
Na sexta-feira à noite, depois duma reunião de 45 minutos com Marcelo
Rebelo de Sousa, que alegadamente nada teve a ver com a vida do PSD, Rio tinha
dito que não ia fazer de conta que nada aconteceu. Num ataque direto ao seu
opositor, o presidente do PSD frisou que “Luís Montenegro entende que o
partido se deve atolar num longo processo interno abandonando a oposição ao PS”.
E atirou:
“Não há memória de
na história da democracia um dirigente ter lançado
tamanha confusão e instabilidade no seu partido a tão pouco tempo de eleições.
[…] É difícil de imaginar um maior serviço ao PS e ao
Governo.”.
Rio sustentou, na que pode ser entendida como uma referência à Maçonaria:
“O PSD não é um partido unipessoal. É grande demais para estar subjugado a agendas pessoais. […]
O PSD é grande demais para estar sujeito a constantes manobras táticas ao
serviço de interesses, umas mais às claras, outras mais obscuras, sob um manto
de secretismo.”.
O líder acentuou que nem o partido nem o país devem estar subjugados à
vontade de quem teve a possibilidade de se apresentar como candidato à
liderança, mas que, “por razões táticas”, optou por não o fazer”. E, reiterando a sua visão e estratégia para a liderança
do partido e do país, ou seja, apoiar as reformas estruturais necessárias ao
país, lembrou ter assumido a liderança do PSD com “um sentido de
missão e de disponibilidade para trabalhar em prol de Portugal, sendo
que é “obrigação patriótica” a disponibilidade de
todos os partidos para o diálogo conducente a tais reformas.
São declarações dirigidas a quem o acusa de dar a mão a António Costa,
nomeadamente através dos acordos no âmbito da descentralização e dos fundos
comunitários. E Rio porfia:
“Os partidos têm de ser capazes
de se reformarem e libertarem das teias de interesse em que se envolverem. […]
Nunca enganei ninguém. Sempre disse que era esta a minha
visão e a base do meu projeto. Foi isto que os
militantes do PSD livremente escolheram e isto estou
obrigado a cumprir”.
Não obstante, a sua confessada e reconhecida estratégia não está a colher
os melhores frutos. O último estudo da Eurossondagem para o Expresso e para a SIC revela que o PSD caiu dois pontos
percentuais para os 24,8% nas intenções de voto, de modo que, se as eleições
fossem agora, o resultado poderia vir a ser o pior que o partido já teve em
legislativas desde os 24,3% conseguidos por Sá Carneiro em 1976.
Por fim, diga-se, em abono da verdade, que a criação do Conselho
Estratégico do PSD foi uma boa ideia, as mudanças no aparelho uma iniciativa
ousada e a transparência no financiamento uma coisa importante. Resta saber da
validade das propostas para o país conhecidas e das que aí virão, bem como se o
Conselho Nacional Extraordinário clarificará a situação do partido.
2019.01.13 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário