Celebrou-se
hoje, 6 de janeiro, a Solenidade da Epifania do Senhor e os textos assumidos
para a liturgia foram Is 60,1-6 (1.ª leitura), Ef 3,2-3a.5-6 (2.ª
leitura) e Mt 2,1-12
(3.ª
leitura, Evangelho).
O termo epifania é uma modalidade da teofania. Houve, de
facto, muitas teofanias ou manifestações de Deus no AT (Antigo
Testamento). São conhecidas as plasmadas no arco-íris, na nuvem, no trovão e na
Sarça Ardente. Só que estas são de âmbito limitado, reservadas aos velhos
Patriarcas e aos líderes de Israel. E o Natal é a grande teofania de Deus
manifestado num menino reclinado na manjedoura dum estábulo, cantado pelos
anjos e visitado pelos pastores, mas tudo na Palestina. Ora, a Epifania é a manifestação do
Senhor para fora, ou seja, a revelar-Se aos gentios, hoje representados pelos
Magos (cf Ef 3,6), desvendando-se “a verdade sublime de
que “Deus veio para todos: todas as nações, línguas e povos são acolhidos e
amados por Ele” – facto simbolizado na luz, que tudo alcança e ilumina (cf homilia do Papa, de hoje).
E esta revelação sucede por iniciativa de Deus, que dá os
seus sinais e Se mostra em Jesus, o qual põe os discípulos a correr o mundo
anunciando a Boa-Nova. Com efeito, Paulo conhece
“o mistério”, desígnio ou projeto salvador de Deus, definido desde toda a
eternidade, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em
Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na e
pela Igreja. E a Paulo, apóstolo como os Doze, também foi revelado esse
“mistério” que ele desvela aos crentes de fora da Palestina.
E o mistério consiste na verificação de que, em Cristo,
chegou a salvação definitiva para os homens, que não é exclusivamente para os
judeus, mas se destina a todos os povos da terra, sem exceção. Agora, judeus e
gentios são membros de um mesmo e único “corpo” (o “corpo de Cristo” ou “Igreja”), partilham o mesmo projeto que os
faz, em igualdade de circunstâncias, “filhos de Deus” e todos participam da
promessa feita por Deus a Abraão (cf Gn 12,3) – promessa que Jesus realizou em pleno. E
o profeta Isaías apresenta a luz de Deus que incide sobre Jerusalém. Inspirado
pelo sol nascente que ilumina as belas pedras brancas das construções de
Jerusalém e faz a cidade transfigurar-se pela manhã, o profeta anuncia a
chegada da luz salvadora de Deus, que dará à cidade um rosto jovial e atraente.
***
Mas a
Epifania tem de acontecer também pelo movimento dos homens. O profeta refere
que a predita luz fará concentrar na cidade iluminada os olhares de todos os que esperam e procuram a salvação. Por
consequência, Jerusalém será abundantemente repovoada (com o regresso de
muitos “filhos” e “filhas”) e os povos convergirão para Jerusalém, inundando-a de
riquezas (nomeadamente,
incenso para o serviço do Templo) e cantando os louvores de Deus.
E o Papa
Francisco, um profeta dos nossos tempos diz que surpreende o modo como o
Senhor Se revela a todos. Na homilia de hoje, refere que o Evangelho mostra “o
redopio de gente desencadeado em torno do palácio do rei Herodes”, quando se
designa Jesus como rei.
Os magos,
vindos do Oriente e que tinham visto a estrela do Rei dos Judeus, perguntavam onde estava o rei dos judeus que acabava de
nascer. Haviam de O encontrar. Encontrá-Lo-iam, não no palácio real de
Jerusalém, “mas numa casa humilde de Belém” – diz o Pontífice.
Já tinha
sucedido isso no Natal: nenhum dos poderosos de então se apercebeu de ter
nascido, nos seus dias, o Rei da história. E, mais tarde, quando Jesus Se
manifesta publicamente, tendo o Batista como precursor, o Evangelho proporciona
a apresentação do contexto: depois de elencar todos os grandes de então, no
poder secular e no religioso (Tibério César, Pôncio Pilatos, Herodes, Filipe, Lisânias, os sumos-sacerdotes
Anás e Caifás), conclui
que “a Palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,2), ou seja, não foi dirigida a nenhum
grande. E esta é a surpresa: Deus não
sobe à ribalta do mundo para Se manifestar – frisa o Papa.
A estrela de
Jesus poderia ter aparecido em Roma, sede do Império, que se tornaria cristão
de imediato, ou poderia ter brilhado no palácio de Herodes e este poderia “fazer
o bem em vez do mal”. Porém, em vez do êxito, poderíamos assistir ao insucesso,
revolta ou encandeamento. E Francisco assegura que “a luz de Deus não vai para
quem brilha de luz própria” e “Deus propõe-Se, não Se impõe; ilumina, mas não
encandeia”. E esclarece o mysterium lunae da Igreja:
“É
sempre grande a tentação de confundir a luz de Deus com as luzes do mundo.
Quantas vezes corremos atrás dos clarões sedutores do poder e da ribalta,
convencidos que prestamos um bom serviço ao Evangelho! Mas, assim, voltamos os
holofotes para o lado errado, porque Deus não estava lá. A sua luz amável
resplandece no amor humilde. Além disso, quantas vezes tentamos, como Igreja,
brilhar de luz própria! Mas, não somos nós o sol da humanidade; somos a lua que, mesmo com as suas sombras, reflete a luz
verdadeira, o Senhor. A Igreja é mysterium lunae e o Senhor é
a luz do mundo (cf Jo 9,5).
Ele…, não nós!”.
Vincando que
“a luz de Deus vai para quem a acolhe”, comenta o texto de Isaías, segundo o
qual “a luz divina não impede as trevas e o nevoeiro denso de cobrirem a terra,
mas resplandece em quem está pronto para a receber”, não na indiferença e
inércia (de escribas e
sacerdotes do palácio). Assim,
o profeta convida interpelando: “Levanta-te
e resplandece”. E considera o Papa:
“É
preciso levantar-se, isto é, erguer-se do próprio sedentarismo e prontificar-se
a caminhar. Caso contrário, fica-se parado como os escribas consultados por
Herodes, que sabiam bem onde nascera o Messias, mas não se moveram. Além disso,
é preciso revestir-se de Deus – que é a luz – todos os dias, até que Jesus Se
torne a nossa vestimenta diária.”.
Porém, para
se revestir da luz de Deus, é preciso despojar-se das roupas vistosas que
impedem de receber a divina luz, como aconteceu com Herodes. Já os magos
cumprem a profecia, pois, como diz o Bispo de Roma, “levantam-se para serem
revestidos de luz”. Só eles viram a estrela de Jesus no céu.
Depois, é
preciso ter em conta que, para encontrar Jesus, é preciso enveredar pelo
caminho certo e permanecer nele. Quando os magos se desviaram da rota certa,
deixaram de ver a estrela e foram ter a Jerusalém em vez de Belém, ao Palácio
em vez da casa humilde. Não se pode seguir o caminho de Herodes (distinto do caminho do mundo), do medo, da inveja, do cinismo, da
perfídia. Ao direcionarem-se para Belém, recuperaram a visão da estrela e
chegaram ao sítio certo. E o Papa assegura que, na conclusão desta passagem evangélica
se diz que os magos, tendo encontrado Jesus, ‘regressaram ao seu país por
outro caminho’ (Mt 2,12), um
caminho como o percorrido pelos que estão com Jesus no Natal: Maria e José, os
pastores. Como eles, os magos, deixaram as suas casas e tornaram-se peregrinos
pelas rotas de Deus. De facto, “só encontra o mistério de Deus quem deixa os
próprios apegos mundanos e se põe a caminho”.
E não basta
saber onde nasceu Jesus, como os escribas, se não caminharmos até ao lugar
indicado; não basta saber que Jesus nasceu, como Herodes, se
não O encontrarmos. Quando o onde de Jesus se torna o nosso, Jesus
nasce dentro e torna-Se Deus vivo para cada um de nós.
Depois,
Francisco refere que os magos “não discutem, caminham”; não ficam de fora a ver,
entram na casa; não se colocam no centro, prostram-se-lhe aos pés; não se
fincam nos seus planos, prontificam-se a tomar outro rumo; têm um contacto
estreito com Jesus, uma abertura radical, um envolvimento total. Mais: os magos
vão ter com o Senhor, não para receber, mas para dar. Com efeito, o Evangelho
contém uma trilogia de prendas: ouro, incenso e mirra. O ouro, como
o elemento mais precioso, lembra que Deus merece o primeiro lugar, o da
adoração, para o que temos de nos privar do primeiro lugar e “considerar-nos
necessitados, não autossuficientes”; o incenso, que simboliza o
relacionamento com o Senhor na oração, sendo que, para exalar o seu perfume, se
deve queimar, lembra que é preciso ‘queimar’ um pouco de tempo na oração com o
Senhor; e a mirra, unguento que seria utilizado para envolver
amorosamente o corpo de Jesus descido da cruz (cf Jo 19,39), sugere que agrada ao Senhor que
cuidemos dos corpos provados pelo sofrimento, da sua carne mais frágil, de quem
ficou para trás”. Com efeito, recorda o Pontífice fazendo a apologia da
gratuitidade:
“É
preciosa aos olhos de Deus a misericórdia com quem não tem para restituir, a
gratuitidade. É preciosa aos olhos de Deus a gratuitidade. Neste tempo de Natal
que está a terminar, não percamos a ocasião para dar um lindo presente ao nosso
Rei, que veio para todos, não nos cenários faustosos do mundo, mas na pobreza
luminosa de Belém. Se o fizermos, resplandecerá sobre nós a sua luz.”.
***
Sobre a
Epifania, o SNPC (Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura), no respetivo site,
publica um texto de Ermes Ronchi (a parti do Avvenire), traduzido
por Rui Jorge Martins, sob o título “Epifania, festa dos buscadores de Deus a
caminho”.
Segundo o
autor, esta é “a festa dos buscadores de Deus, dos que estão longe”, mas que se
puseram a caminho atrás de palavras como as de Isaías: “ergue a cabeça e vê” –
dois verbos belíssimos, em que um (ergue a cabeça) faz olhar para o alto e à volta e leva a abrir “as
janelas de casa ao grande respiro do mundo”; e o outro (vê) faz procurar “uma fissura, um espaço de céu, uma
estrela polar, e de lá interpreta a vida, a partir de uma perspetiva elevada”.
E diz o
autor que o Evangelho (Mt 2, 1-12) “narra a
procura de Deus como uma viagem, ao ritmo da caravana, nos passos de uma
pequena comunidade”. Na verdade são três (uma comunidade) que “caminham juntos, atentos às estrelas” e “uns
aos outros”; e fixam “o céu e os olhos de quem caminha ao lado, abrandando o
passo segundo a medida do outro, de quem está mais fatigado”.
A seguir,
regista que surpreendentemente:
“O caminho dos magos está cheio de erros:
perdem a estrela, encontram a grande cidade em vez da pequena povoação;
perguntam pelo menino a um assassino de meninos; procuram um palácio e
encontram um casebre. Mas têm a infinita paciência de recomeçar”.
E extrai a
lição: “o nosso drama não é cair, mas rendermo-nos às quedas”.
Depois, os
magos veem o Menino nos braços da mãe, prostram-se e oferecem-Lhe presentes,
mas o presente mais precioso é “a sua própria viagem” ou “os meses passados à
procura, andar e andar atrás de um desejo mais forte que desertos e fadigas”.
E outra
lição: “Deus tem sede da nossa sede: o nosso presente maior”.
“Entraram,
viram o Menino e a Sua Mãe e adoraram-No”. E isto constitui uma lição misteriosa:
não adoraram aqui “o homem da cruz” ou “o ressuscitado”, nem “um sábio de
palavras de luz nem um jovem na plenitude do vigor”, mas “simplesmente um
menino”. De facto, “não é só no Natal que Deus é como nós, não só é o Deus
connosco, mas é um Deus pequeno entre nós”, de quem “não se pode ter medo” nem
“distância”. Por isso, Se fez menino.
Herodes
mandou que se informassem com cuidado sobre o Menino e lho transmitissem, para
que também ele O fosse adorar. É “o homicida de sonhos ainda embrulhados em
faixas” que também “está dentro de nós”, com “o cinismo, o desprezo que
destroem sonhos e esperanças”. Era pertinente, como diz o autor, “resgatar
aquelas palavras da profecia de morte com que foram proferidas e repeti-las ao
amigo, ao teólogo, ao artista, ao poeta, ao cientista, ao homem de rua, a cada
um: ‘encontraste o Menino?’, para recomendar depois:
“Continua à procura, cuidadosamente, na
história, nos livros, no coração das coisas, no Evangelho e nas pessoas;
continua a procurar atentamente, fixando os abismos do céu e os abismos do
coração, e depois conta-mo como se conta uma história de amor, para que também
eu vá adorá-lo, com os meus sonhos resgatados de todos os Herodes da história e
do coração”.
***
Também,
antes da recitação do Angelus, o Papa
Francisco falou aos peregrinos frisando a manifestação de Jesus simbolizada pela luz, que, nos textos
proféticos, é promessa. Isaías, de facto, dirige-se a Jerusalém convidando:
“Levanta-te, brilha, pois chegou a sua luz, a glória do Senhor brilha sobre ti”.
E este convite “aparece surpreendente, porque se insere depois do duro exílio e
das inúmeras opressões que o povo havia vivido” diz o Papa, que vinca:
“Este
convite, hoje, ressoa também para nós, que celebramos o Natal de Jesus e nos
encoraja a deixar-nos alcançar pela luz de Belém. Também nós fomos convidados a
não nos deter nos sinais exteriores do acontecimento, mas a recomeçar dele e
percorrer em novidade de vida o nosso caminho de homens e fiéis.”.
Com efeito,
“a luz que o profeta Isaías tinha pré-anunciado, no Evangelho está presente
e foi encontrada”. É Jesus,
nascido em Belém, que veio trazer a salvação a próximos e a distantes: a todos
– sendo que Mateus mostra diversos modos pelos quais se pode encontrar Cristo e
reagir à sua presença. Assim, o Papa sublinhou que “Herodes e os escribas”, com
um coração duro e obstinado, rejeitaram a visita do Menino, fecharam-se “para a
luz”, representando todos os que “têm medo da vinda de Jesus e fecham o coração
aos irmãos e às irmãs que necessitam de ajuda”. Herodes, com medo de perder o
poder, não pensa no bem das pessoas, mas na própria vantagem; e os escribas e
chefes do povo têm medo porque, não sabendo olhar além das próprias certezas,
não conseguem colher a novidade que está em Jesus.
Já os magos,
vindos de longe, representam todos os povos distantes da fé hebraica e deixam-se
guiar pela estrela, abertos à “novidade”. Revela-Se-lhes Deus feito
homem e eles prostram diante de Jesus e oferecem dons simbólicos, porque “a busca
do Senhor implica não só a perseverança no caminho, mas também a generosidade
do coração”. Depois, regressaram ‘ao seu país’, não pela via de Herodes, mas
levando dentro de si o mistério daquele Rei humilde e pobre. Terão contado a
experiência: a salvação oferecida por Deus em Cristo é para todos os homens. Não
é possível tomar posse do Menino, um dom para todos. E o Pontífice
exorta:
“Façamos
também nós um pouco de silêncio em nosso coração e deixemo-nos iluminar pela
luz de Jesus que provém de Belém. Não permitamos que os nossos medos nos fechem
o coração, mas tenhamos a coragem de nos abrir a esta luz que é mansa e
discreta.[…] Então, como os Magos, experimentaremos uma grande alegria que não poderemos
manter para nós. Que nos sustente neste caminho a Virgem Maria, estrela que nos
conduz a Jesus, e Mãe que mostra Jesus aos Magos e a todos aqueles que se
aproximam dele.”.
Depois do Angelus, Francisco referiu alguns
aspetos da atualidade:
- Sabendo que, durante vários dias, 49 pessoas resgatadas no Mediterrâneo
estão a bordo de dois navios de ONGs, em busca de refúgio seguro para a terra,
dirigiu “um apelo sincero aos líderes
europeus para que demonstrem a sua solidariedade para com essas pessoas”.
- Anotando
que algumas igrejas orientais, católicas e ortodoxas, seguindo o calendário
juliano, celebrarão o Natal no dia 7, saudou-as cordial e fraternamente “no sinal de comunhão entre todos nós
cristãos, que reconhecem a Jesus como Senhor e Salvador”.
- Referindo
a Epifania é também o Dia Missionário da
Juventude, frisou que este ano convida os jovens a serem “atletas de Jesus”,
para testemunhar o Evangelho na família,
na escola e nos locais de lazer.
- Dirigiu
cordial saudação a todos os peregrinos, famílias, paróquias e associações,
provenientes da Itália e de diferentes países e, em particular, aos fiéis de
Marsala, Peveragno e San Martino in Rio, os meninos do Cresima di Bonate Sotto
e o grupo “Fraterna Domus”. E endereçou uma saudação especial à
procissão histórico-folclórica que promove os valores da Epifania e que este
ano é dedicada ao território de Abruzzo, mencionou a procissão dos magos que ocorre
em muitas cidades da Polónia com grande participação de famílias e
associações; e saudou os músicos da banda que ouviu tocar, incitando a que
continue a tocar a alegria deste dia da Epifania.
***
Enfim,
doutrina, reflexão, preocupação e simpatia!
2019.01.06 –
Louro de Carvalho
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