quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

A saga do imperador Nero – de bom a conturbado, cruel e paranoico


Nero é um dos imperadores romanos mais conhecidos, por associação a trágicos acontecimentos como ter ordenado a morte da mãe, mandado lançar cristãos aos leões nas arenas e tocado lira enquanto via parte da Cidade a arder. E, tendo-se tornado paranoico, antes, era um bom homem, mas com o infortúnio de ter nascido numa família complicada, interesseira e traiçoeira.
***
Meninice complexa e conturbada
Não o chamaram Nero aquando do nascimento, mas Lúcio Demécio Enobarbo em homenagem ao pai e à sua família. O pai, Gneu Domício Enobarbo (?-40), pertencia à família dos Enobarbo, de grande influência na vida pública romana, tendo nomeado, segundo Suetónio, 7 cônsules, um tribuno e dois censores. Além da sua influência, os Enobarbo eram conhecidos por serem ruivos e terem olhos claros, o que Nero herdou, tendo barba ruiva, olhos azuis e cabelo castanho-escuro. Ainda por parte do pai, descendia, como bisneto, de César Augusto (sobrinho-neto de Caio Júlio César), o 1.º imperador romano. Descendia dele pela via paterna a partir de Octávia, irmã de Augusto; e, pela materna, como filho de Agripina, a Jovem (16-59), bela, dissimulada, ambiciosa e ardilosa, filha de Agripina, a Velha, e Germânico.
A mãe era neta de Augusto e o pai era um distinto general. Agripina teve por irmãos Júlia Drusila e Júlia Lívila, Druso César e Nero César, além de Caio, o futuro imperador Calígula (12-41). Por isso, Nero era descendente de Augusto por via paterna e materna, o que lhe dava legitimidade como membro da família imperial. Aos 12 anos, Agripina foi dada por esposa a Domício Enobarbo por motivos políticos. O casamento foi tratado pelo imperador Tibério (42 aC – 37 dC). E, embora tenham casado, não passaram a viver juntos, por não se amarem. Só 9 anos depois, é que Agripina engravidou e, falecido Tibério, se tornou imperador Calígula. Por o imperador ser irmão de Agripina, Domício reaproximou-se dela e deu o nome da sua família ao menino, mas nunca foi um pai presente e morreu no ano 40, quando o filho tinha 3 anos de idade. E, após a morte do marido, Agripina permaneceu viúva alguns anos por opção e por ciúmes de Calígula, conhecido pelas relações incestuosas com as irmãs. Calígula descobriu que a irmã possuía um amante, Lépido, ministro imperial, e que supostamente planeavam uma conspiração. Então, ordenou a morte de Lépido, exilou a irmã para a ilha de Ponza e mandou retirar Nero (de 3 anos) da guarda dela, enviando-o a Domícia Lépida, tia paterna,  para o criar. Não obstante a sanha de Calígula, a sua separação da mãe não durou muito. No ano seguinte, Calígula foi assassinado por Cássio Quéreas, membro da Guarda Pretoriana (a guarda do imperador). Não havendo herdeiros, a Guarda Pretoriana elegeu como sucessor um parente do falecido, tendo a escolha recaído no seu tio Cláudio, sob cujo governo Agripina esteve de volta e recuperou o filho. Apesar de Calígula ser conhecido por loucuras, depravação e insensatez, é improvável que Nero, tendo convivido tão pouco tempo com ele, haja sofrido grande influência da sua parte. Ao invés, a influência do tio-avô Cláudio era grande, embora este não fosse homem louco, mas considerado governante tolo e politicamente fraco. Contudo, sob o governo do tio, Nero e a mãe desfrutariam de grande comodidade e segurança. Dos 4 aos 10 anos de idade, Nero foi educado por Aniceto, ex-escravo e foi com ele que aprendera a gostar de arte, especialmente de poesia, música e teatro. De facto, Aniceto admirava a arte e gostava de ler poesia, ouvir boa música e ir ao teatro. Porém, o teatro não era apreciado, à época, pela elite por ser considerado um espetáculo mais apropriado à plebe. Com efeito, a profissão de ator ao tempo não tinha status. Apesar de Nero se apresentar a declamar poemas, tocar lira e cítara, atuar e cantar, o que alegrava o povo, nem toda gente gostava de o ver a agir assim, sobretudo a elite, que achava aquilo indigno do imperador. E à medida que os anos passavam, Nero tornava-se dono duma pequena fortuna, parte deixada pelo pai e parte pelo padrasto Crispo Passieno, com quem a mãe ficou casada por poucos anos, por falecimento deste. Por outro lado, cada vez mais se interessava por música, poesia e teatro, tendo sido então que se iniciou na lira.
***
Filho adotivo com direito ao trono imperial
A morte do padrasto deu azo a que mãe tentasse garantir a Nero o direito ao trono, começando a conspirar de modo a aproximar-se mais de Cláudio. Segundo Franzero (cf FRANZERO, 1958, p. 18), Agripina, tendo objetivos mais altos, “voltou-se para o liberto Narciso, primeiro-ministro do imperador e, através de Narciso, insinuou-se a Cláudio, “facilmente vulnerável às artimanhas de mulheres habilidosas”. Assim, “não demorou Cláudio a cair de amor por Agripina”, tanto mais que estava entediado da “sua desagradável esposa Messalina”. Mas, para Agripina satisfazer a sua ambição havia um grande empecilho: a imperatriz Valéria Messalina (17-48), a terceira esposa de Cláudio, ao tempo homem de meia idade. Desse casamento, o imperador tivera dois filhos: Cláudia Octávia e Britânico. Britânico era o herdeiro do imperador, pois o filho mais velho, Cláudio Druso, morrera. No entanto, Britânico era um rapaz franzino e de saúde frágil, tal como o pai, que era conhecido por ter uma aparência debilitada (gago e sofria tremores, epilepsia). Mas, embora Messalina tivesse dado dois filhos ao imperador, o casal não se entendia. Cláudio não a amava como havia amado as esposas anteriores e viria a amar Agripina. Messalina, que também não amava o marido, tinha a fama de o trair, embora não se saiba se os boatos de Suetónio (Gaius Suetonius Paulinus), Dião Cássio (Lucius Claudius Cassius), Tácito (Publius /Gaius Cornelius Tacitus) e outros autores têm fundo de verdade ou fazem parte da má fama de que a imperatriz estava nutrida. Messalina foi assassinada no ano de 48, por conspirar contra o marido e ter “casado” com o senador Caio Silio, um de seus amantes. Não se sabe se Agripina esteve envolvida no assassinato da rival, mas a morte da imperatriz abriu-lhe a via para conquistar de vez o amor imperial, o que não demorou a suceder; no ano seguinte, Cláudio tomava Agripina como esposa e, em 50, reconheceu o sobrinho-neto como filho adotivo. Com o reconhecimento, Lúcio Demécio passou a chamar-se Nero Cláudio Druso Germânico: Cláudio em homenagem ao pai; Nero e Druso em homenagem a tios; e Germânico em homenagem ao avô. Se nos anos anteriores ele era conhecido pelo nome que se referia à família paterna, agora passaria o resto da vida a ser conhecido pelo nome referente à família materna. E, além de reconhecido como herdeiro legal (mas não sucessor, pois Britânico era o filho legítimo de sangue), Nero recebeu a toga virilis, rito de passagem em que o menino atingia a maioridade. Tal rito era ministrado aos homens entre 16 e 17 anos, mas Nero, à época, tinha 14. E foi realizada uma grande festa na cidade para celebrar a maioridade de Nero. Foi aquando da maioridade precoce que Nero mudou de tutor, passando o filósofo Séneca (4 aC – 64 dC) a ser o seu tutor, por exigência da mãe, que não gostava de que Aniceto ensinasse artes ao filho. Séneca foi um famoso orador, advogado, escritor, político e filósofo romano, tendo deixado importantes livros. A este respeito, Franzero escreve:
Escolhendo Séneca para precetor (mentor, professor...) de Nero, Agripina tinha os olhos voltados para o futuro. Naquele momento o poder era seu; mas que aconteceria quando Cláudio morresse? O futuro só seria certo se ela pudesse assegurar o trono a seu filho, e isto só lhe seria possível se atraísse para o seu lado a simpatia dos partidos moderados. Séneca como mestre do jovem Nero era o homem [à] medida para causar a necessária impressão.”. (FRANZERO, 1958, p. 29).
Séneca dispunha de prestígio social ante o Senado e a elite romana, diferente de Aniceto e dos outros professores de Nero. Foi instruído para ensinar ao jovem príncipe, retórica, oratória, política, filosofia, história, moral, ética, etc. Nero gostava das aulas de oratória, pois adorava ler discursos dos grandes oradores e repeti-los; porém, as outras disciplinas não lhe interessavam, pois, como outros adolescentes, preferia as artes e desportos, gostava de ver as corridas de cavalo no Circo Máximo e as apresentações de música e poesia nos teatros, além das peças em si. Em 53, Nero casou, aos 16 anos, com a prima Cláudia Octávia (39/40-62) que tinha 13 anos de idade. No entanto, o casamento foi a forma de Agripina aproximar mais o filho do imperador, tornando-o genro, além de que, em caso de Britânico morrer, Octávia era uma das herdeiras diretas (havia outra filha, do segundo casamento de Cláudio, Cláudia Antónia). Mas esta não foi uma das esposas que Nero mais amou.
***
O jovem imperador por via da subtração de Britânico
O 54 foi um ano de reviravoltas na vida de Nero, que era, à época, adolescente com 16 anos. Em outubro, num dos banquetes que o imperador (ao tempo com 63 anos) costumava dar, Cláudio terá sido envenenado, como apontam historiadores antigos, como Suetónio, Dião Cássio e Tácito, embora as suas obras sejam sensacionalistas, segundo os quais o envenenamento fora ordenado por Agripina para adiantar a morte do marido, sendo o veneno posto num prato de cogumelos, que o imperador comeu com grande prazer. Mas, quando o imperador faleceu a 13 de outubro, não tinha designado Nero como sucessor, logo, Britânico seria o imperador. Mas a conspiração arquitetada por Agripina passou à ação. Sexto Afrânio Burro, um dos comandantes da Guarda Pretoriana, proclamou ao lado dos seus homens, Nero como imperador (Também Cláudio fora eleito imperador por aclamação iniciada pelos pretorianos). Além de Burro, apoiaram a subida de Nero ao trono o ministro Palas (amante de Agripina), Séneca e outros membros da Corte. Posteriormente, o Senado reconheceu que ele seria a melhor opção (Britânico era mais novo e de saúde frágil – sofria de epilepsia). Após os ritos fúnebres do imperador e de se ler o panegírico (exaltação, louvação, gabação, enaltecimento, valorização...) à sua pessoa, chegando ao ponto de deificá-lo (considerá-lo deus), Nero foi chamado ao Senado para tomar posse como imperador. Lá discursou agradecendo aos senadores e prometendo que o Senado voltaria a ter prestígio e autoridade como na época de Augusto. Na ocasião, os senadores ofereceram-lhe o título de Pai da Pátria (título que Júlio César recebeu), mas Nero recusou-o, aduzindo ser ainda muito jovem. De qualquer modo, Nero era o imperador de Roma. Diz Lessner a este respeito:
Fez Nero belas promessas. Declarou que, não conhecendo inimigos, não tendo sofrido nenhuma ofensa, subia ao trono de coração puro e liberto de qualquer ideia de vingança! Queria abolir o favoritismo, pôr fim à corrupção dos funcionários, deter a caça às prebendas e sanear a justiça. Pouco preocupado em empreender campanhas militares, garantia ao Senado total liberdade de ação. Como os seus predecessores, invocava como modelo Augusto, única estrela verdadeiramente clemente na constelação dos césares romanos. Mas, antes de realizar esses belos e louváveis propósitos, era indispensável regularizar os negócios de família! Britânico, o próprio filho do imperador Cláudio, continuava vivo e talvez pudesse vingar o assassino de seu pai. Britânico existia, bem vivo, e a sua existência constituía perpétuo perigo para Nero.”. (LESSNER, 1959, p. 173).
Apesar de Britânico não ser ameaça evidente (passou os meses subsequentes com a madrasta e o irmão adotivo e não se sabe se suspeitava do assassinato do pai), foi envenenado num banquete promovido por Nero em fevereiro de 55, tendo sido o imperador a sugerir o envenenamento. Ora, com a sua morte e o afastamento dos possíveis opositores, Nero consolidou-se no trono, pois, além de ter influentes conselheiros e mãe manipuladora, possuía prestígio, pois o povo adorava-o.
***
Os primeiros anos como imperador (54-59) ou a boa governança
Nos primeiros anos, fez boa governação, graças ao apoio dos ministros, conselheiros e funcionários, homens sensatos. Séneca, de seu precetor e responsável pela redação dos seus discursos, tornou-se conselheiro e passou a cuidar de questões de Estado. O pretoriano Afrânio Burro tornou-se o Prefeito da Guarda Pretoriana, além de possuir grande influência sobre o Exército, o que garantia o apoio deste ao imperador, algo importante, pois, nos anos seguintes, o Exército seria responsável por destronar imperadores. O ministro Palas (amante de Agripina), manteve as atividades de antes, tal como outros funcionários capacitados que permaneceram nos seus ofícios. E Nero pensou abandonar a Britânia, conquistada por Cláudio em 43, mas Séneca aconselhou-o no sentido de que seria erro deixar a longínqua província a cuja conquista o seu pai se dedicou e obteve êxito. Além disso, a retirada das legiões da Britânia poderia incentivar revoltas na Gália e na Germânia. Nero desistiu da ideia. No atinente a outros assuntos, Nero promoveu reformas de ordem técnica, para evitar falsificações; reformulou o valor dalguns tributos, diminuiu taxas e criou tribunais tributários; decretou que os litigantes deveriam pagar honorários aos advogados, mas nada aos tribunais, que eram custeados pelo Estado; determinou que o Senado se tornasse a Corte de Apelação; estipulou normas urbanísticas – as ínsulas (apartamentos da plebe) passariam a ser construídas mediante novas normas para evitar que fossem construídas de forma irregular e ameaçassem cair – para evitar o risco de incêndios, algo comum na cidade; assinou decretos para a construção de ginásios, pontes, ruas, aquedutos, canais, um mercado, um teatro e um complexo de termas; e fundou uma colónia para onde enviou os militares veteranos, dando-lhes lotes de terra. E, para agradar ao povo, prosseguiu com a política do pão e circo, realizando vários espetáculos, desde corridas de cavalos no Circo Máximo, a luta de gladiadores, peças teatrais, apresentações de música, dança e poesia, etc. Em alguns eventos, apresentava-se a declamar poemas ou a tocar lira, sendo aplaudido pelo povo (não sabemos se era bom artista). Promoveu concursos de música e poesia, distribuindo prémios aos vitoriosos. Concedeu regalias aos senadores e combateu o luxo excessivo, proibindo que os espetáculos e os banquetes fossem muito caros, o que não agradou a parte da elite, mas naquele momento, tal era aceitável. Impôs uma medida que não agradou à plebe, ao decretar que nas tavernas se vendessem apenas comidas frias e não comidas quentes. E introduziu mudanças na justiça, presidindo a julgamentos e proferindo sentenças. Suetónio diz que foi nestes anos que ordenou a execução de cristãos nas arenas, punindo-os como criminosos, pois considerava-os seita subversiva e ameaça à ordem de Roma.
***
Frustrações amorosas várias
Pode perguntar-se se um jovem imperador de Roma, que tinha, na prática, tudo o que o dinheiro pode comprar, viveria frustrações. Mas Nero teve algumas. Aos 20 anos, ainda não havia tido um filho com Octávia, devendo-se a demora ao facto de não gostar da esposa e, por isso, nunca procurara um filho com ela. Não obstante, acabou por se apaixonar por uma liberta (ex-escrava) de nome Acteia (O facto de os imperadores possuírem amantes não era algo incomum, desde que não as tomassem como esposas). E corria o boato de que Nero pensava em se divorciar de Octávia e fazer de Acteia a imperatriz. Agripina, ao sabê-lo, interveio para evitar que o filho cometesse tal loucura. Octávia, filha de Cláudio e descendente da família imperial Júlio-Claudiana, era mulher de verdadeiro sangue real, diferente duma liberta nascida da plebe, que Nero pretendia tornar imperatriz. Nero decidiu vingar-se dessa primeira frustração. Demitiu Palas, tesoureiro imperial. Assim, mandava embora do palácio o amante da mãe. Palas deixou o cargo a contragosto, suspeitando de retaliação imperial, motivada pela desaprovação da mãe da ideia de divórcio. Mas isso não impediu Agripina de continuar a exercer forte influência sobre o filho. Tempos depois, Nero desistiu de casar com Acteia e perdeu o interesse por ela.
Depois, Nero apaixonou-se por Lólia Popeia (30-65), mulher casada, bela, sedutora e educada. Era filha de Tito Ólio e Popeia Sabina. Popeia casara aos 14 anos com Rufrio Crispino, membro da ordem equestre em que trabalhou como comandante da Guarda Pretoriana no governo de Cláudio, sendo substituído por Burro no governo de Nero. Crispino faleceu e Popeia casou com o nobre Marco Sálvio Otão (32-69). Quando Otão se tornou senador, entrou no palácio e Nero conheceu a esposa dele, loura natural, algo raro de ver em Roma.
Ao conhecer Popeia, segundo Suetónio e Tácito, Nero ficou perdidamente apaixonado. E, contando ao tempo pouco mais de 20 anos, começou a flirtar com Popeia, até que ela cedeu às tentativas. No ano de 58, o marido foi enviado como governador para a Lusitânia (grande parte do atual território de Portugal) e Popeia ficou em Roma. No entanto, ao invés do que planeava para Acteia, não decidiu logo casar com Popeia, mas só em 62 é que a tomou por esposa (até lá era sua amante). É de referir o facto, pois Tácito insinua que Nero terá mandado matar Agripina, por sugestão de Popeia, alegando que a imperatriz-mãe não deixava que eles casassem – relato questionável – pois algumas atrocidades de Nero, segundo Tácito, tiveram influência da amante.
***
O assassinato de Agripina, a mãe
A morte de Agripina, no ano de 59, levanta questões sobre os motivos que levaram Nero ao seu assassinato: se teria desenvolvido grande ódio por ela por vida da manipulação e controlo que exerceu sobre a vida do filho, se o fez por sugestão de Popeia. De acordo com Tácito, nos Anais (livro XIV), o motivo por que Nero mandou matar a mãe foi a pressão de Popeia para ele se livrar da mãe e os dois poderem casar. Como se disse, muitos historiadores contestam tal versão. No entanto, é curioso o seu relato. Segundo Tácito, Agripina, no ano de 59, passeava no rio Baia, em embarcação modificada a mando de Nero para o teto desabar e matar Agripina. E o teto desabou, matando Crepereio Galo, administrador de Agripina. No entanto, Agripina, deitada num sofá, feriu só o ombro, pois a ponta do sofá impediu que o teto caísse completamente sobre ela. Também se salvou a sua escrava Acerrónia, mas ambas caíram na água. Entretanto, Acerrónia, que teria fingido ser Agripina, gritando por socorro, terá sido morta pelos marinheiros. Sabendo da notícia de que a mãe estava viva, Nero terá enviado Aniceto (seu antigo tutor), que, em companhia do triário Hércules e do centurião Oloarite, logrou a invasão da casa de Agripina e o seu assassinato. E Suetónio refere que Nero tentou envenenar a mãe, mas, como ela era muito cautelosa, planeou fazer que o dossel da cama desabasse e a matasse, o que foi descoberto. Então mandou fazer cair o teto do barco ou afundá-lo, mas Agripina salvou-se. Frustradas essas tentativas, mandou Aniceto matá-la, mas teria sido ela a matar-se. Suetónio prosseguiu dizendo que, após receber a notícia de que a imperatriz morrera, Nero foi a casa dela para contemplar o cadáver e certificar-se que ela havia realmente morrido. O autor completa dizendo que ele pediu uma taça de vinho e ficou a beber enquanto contemplava o cadáver.
Não se sabe, pois, ao certo porque e como Agripina morreu. Mas após a sua morte, segundo Suetónio, o imperador ficou paranoico e dizia ouvir a sua voz ou ver o seu fantasma.
***
Divórcio, segundo casamento e a filha Cláudia Augusta
Alguns anos transcorreram após a morte de Agripina e cada vez mais Nero mantinha Octávia distante e Popeia próxima. Entre os anos de 60 a 62, começou o seu governo a decair. Nero já não dava ouvidos a Séneca, Burro e outros conselheiros, passando a ficar desinteressado da política e da administração e a interessar-se mais pelos jogos, espetáculos e artes, gastando nisso grandes somas de dinheiro. Sublinha Franzero:
Em breve o Palácio se tornou ponto de reunião de poetas, escritores e artistas de toda sorte. Criou-se uma repartição especial para tratar com músicos, atores, artistas de pantomima, jograis e dançarinos.”. (FRANZERO, 1958, p. 87).
No entanto, o ano de 62 foi crucial para o seu reinado. Nero ordenou a execução de Octávia, exilada na ilha de Pandateria, alegando que era estéril e teria cometido adultério. E, além do exílio, ordenou a convocação duma assembleia para testemunhar contra a imperatriz, acusando-a de adultério (Suetónio e Tácito dizem que ameaçou os membros, caso discordassem dele). Por tal acusação, declarou divórcio e baniu-a de vez. Os conselheiros, o Senado, a Corte e o povo não gostaram, pois Octávia era bem vista. Posteriormente, Nero ordenou o assassinato de Octávia de forma que parecesse suicídio, em que ela, segundo Suetónio, teria cortado os pulsos no banho. De qualquer modo, Octávia faleceu aos 22 anos e não se sabe das reais causas da sua morte e se Nero a mandou matar ou se Popeia teria a ver com isso. Segundo Suetónio, 12 dias após a morte dela, Nero casou com Popeia, já grávida. O casamento não foi bem visto, pois o imperador, não se resguardou nem respeitou o período de luto. Lólia Popeia assumiu o nome de sua mãe, Popeia Sabina, tornando-se a imperatriz de Roma. E, em janeiro de 63, a nasceu primeira filha de Nero, Cláudia Antónia. O imperador, maravilhado com o nascimento, deu o título de augusta (divina) a ela e à mãe, como também ordenou que fossem realizados jogos em homenagem à filha. Mas Cláudia Augusta faleceu meses depois, por causas desconhecidas.
***
A perda dos precetores em 62 e a mudança para a prepotência  
Além da total desaprovação do casamento, a situação em 62 testemunhou novos reveses. Afrânio Burro faleceu, logo, Nero perdia um dos conselheiros mais fiéis, além de ter sido seu precetor. E, Séneca decidiu aposentar-se, desgostoso das atitudes do imperador e do homem que se havia tornado. No entanto, Séneca, em suas cartas e memórias, não descreve o imperador como tirano, mas diz que se tornara um homem contrário ao que ele ensinou. Nero passara a ser arrogante, prepotente e soberbo. Com isso, deixou de contar com o apoio moral da sua mãe, de Burro e de Séneca. O imperador, de 25 anos, começou a perder a popularidade e estima, pois, embora promovesse jogos e espetáculos, continuando a política do pão e circo, as pessoas não o viam como dantes, como o adorável adolescente ao tornar-se imperador. Os historiadores romanos dizem que, nesse período, Nero se tornou cada vez mais soberbo e, quando se apresentava a recitar poemas, tocar lira, cantar ou atuar, não aceitava nenhuma opinião contrária e teria mandado agredir quem o criticasse negativamente (Será exagero como campanha para difamar a imagem do imperador). Mas a historiografia romana dá essa visão negativa da vida e do reinado de Nero e sabe-se que realmente cometeu atos censuráveis. Para manter os seus caros espetáculos, Nero, começou a retirar dinheiro donde não devia, por exemplo, começou a cortar bonificações, atrasar salários, aumentar impostos, fraudar a moeda (mandou diminuir a quantidade de prata na moeda), etc. Ainda assim, isso não impediu que os altos gastos diminuíssem e só viessem a crescer a partir de 64.
***
O Grande Incêndio de Roma em 64
Em 64, ocorreu o Grande Incêndio de Roma, que se crê ter ocorrido por ordem do imperador. Para se compreender o incêndio é preciso pensar em alguns aspetos: Nero não era louco como o seu tio Calígula; a fase de psicose só se iniciou no ano de 65, após ter descoberto uma conspiração contra ele, que o deixou paranoico e agressivo. Porém, não se pode descartar o facto de ele não ser mentalmente são, pois ordenou a morte da mãe e da esposa, pelo menos, se acreditarmos ter sido o responsável por tais ordens, como alegam os antigos relatos. Depois, alegar que Nero mandou incendiar a cidade para se livrar dos cristãos é argumento falacioso. O número de cristãos era desconhecido e não era todas as vezes que Nero os enviava às arenas para serem executados. E não os enviava para o Coliseu, como ficou atestado em alguns filmes e erroneamente por algumas fontes. O Coliseu só foi construído vários anos após a morte de Nero. Embora, não gostasse dos cristãos, nunca decretou uma política de perseguição, como outros imperadores fizeram, caso de Décio, Diocleciano (o maior perseguidor de todos) e Galério. De facto, Nero não foi o único imperador romano a ordenar a execução de cristãos. E incendiar parte da cidade para matar os cristãos não era sensato, pois muitas ínsulas eram de madeira e o fogo facilmente alastraria, o que realmente ocorreu. Promover um incêndio criminoso era algo arriscado, pois poderia destruir quase toda a cidade. Por outro lado, Nero podia ser soberbo, cruel, mas não era louco a esse ponto, muito menos tocar lira enquanto a cidade ardia, imagem surgida em rumores e perpetuada na historiografia escandalosa e na literatura. Além disso, chegou-se a cogitar que o imperador teria culpado os cristãos pelo incêndio criminoso, como forma de dar cobertura às suas ordens. Isso terá ocorrido, mas não significa que foi o imperador quem ordenou o incêndio, mas acusou os cristãos por tal acidente, como os apontou como responsáveis pela ruina do império, que se deve, antes à degradação dos costumes e à licenciosidade, bem como à entrega da defesa a mercenários (recrutados entre os bárbaros).
Não há consenso quanto ao incêndio. Autores, como Plínio, o Velho, Séneca,  Suetónio, Flávio Josefo, Plutarco, Dião Crisóstomo, são contraditórios. Josefo, Plutarco e Crisóstomo não o mencionam nos relatos. Plínio fala dele, mas não sabe do envolvimento de Nero. Séneca diz que Nero não teve ligação com o incêndio. Suetónio e Dião Cássio consideram Nero culpado do incêndio, que durou 6 dias e 7 noites. Suetónio diz que os romanos viram Nero a tocar lira numa torre contemplando a cidade em chamas. Mas Tácito (Anais XV) relata que Nero não esteve envolvido no incêndio, pois não estava em Roma, quando ele começou, pois encontrava-se com a esposa na sua vila, em Anzio. E Franzero relata:
Era o dia 13 de julho do ano 64 – quatrocentos e cinquenta anos depois do dia em que Roma fora invadida pelos gauleses – e aniversário do dia em que os gauleses haviam incendiado a cidade. Durante a noite inteira e nas noites subsequentes, o imperador visitou os bairros devastados, dando-se a conhecer e anunciando que seriam imediatamente trazidos para a cidade socorros e alimentos, que construiriam abrigos para os sem-teto e que, num breve prazo, Roma seria reconstruída.”. (FRANZERO, 1958, p. 153).
Tácito aduz que Nero não foi o responsável pelo incêndio em julho e sustenta que o imperador, preocupado com a segurança da cidade e do povo, deixou Anzio e retornou à capital para comandar os grupos de resgate. Inclusivamente andou nas ruas a dirigir os socorristas. E, no fim do incêndio, ordenou que os entulhos fossem removidos e fossem trazidas comida, água e roupas para os desabrigados e feridos, que alojou nas praças e campos da cidade. Franzero diz que, na reconstrução das zonas destruídas, foi dada ordem para que as casas fossem erguidas de forma padronizada e com pórticos; as ruas fossem mais largas; os prédios públicos seguissem um padrão estrutural. E o imperador mandou escavar poços em todos os bairros para servirem não só como fonte de água para uso quotidiano, mas também para ajudar em caso de novos incêndios, pois havia problemas no transporte de água pela cidade, o que levou o imperador a decretar novas leis acerca do uso das fontes e tanques, que passavam a ser todos de uso público, e não privado. E pergunta porque se teria Nero importado em revitalizar a cidade se tivesse ordenado o incêndio para varrer dos subúrbios a “ameaça dos cristãos”. Ora, os cristãos não foram expulsos de Roma nem desapareceram de lá. Além disso, a população que habitava as áreas afetadas retornara para tais locais ou foi habitar as novas zonas. Além disso, se a ideia era desapropriar tais terrenos, não havia necessidade de incêndio: bastava um decreto imperial.
***
Os grandes infortúnios de 65
O ano de 65 seria novamente ano de problemas para o imperador. O senador Caio Capúrnio Pisão arquitetou uma conspiração para o depor num golpe de Estado, pois, o seu governo não era mais o mesmo desde 61. O imperador perdera popularidade e estima. Parte do Senado, da Corte e do povo, estava descontente com as suas ações, a falta de empenho, os altos gastos, ainda mais, após o incêndio no ano anterior, e o facto de o imperador ter mandado construir um novo palácio para si, a Domus Aurea (Casa Dourada), grandiosa obra concluída ainda em 65.
Tácito (Anais XV) diz que Pisão, o auxílio do tribuno Súbrio Flávio e o centurião Sulpício Ásper, planearam o golpe de forma que ganhassem a confiança da Guarda Pretoriana e ela os apoiasse na deposição de Nero. Tácito refere que Pisão queria tornar-se o imperador. Para arquitetar o plano, foram envolvidos políticos, militares, membros da Corte e outros homens influentes, com a inclusão do poeta Lucano (amigo de Nero) e de seu tio Séneca. Mas o liberto Milco descobriu a conspiração e reportou-a a Epafrodito, secretário do imperador. Nero, ao saber da conspiração, ficou paranoico e ordenou a execução dos traidores, mas permitindo que se suicidassem, se assim o preferissem. Porém, a sua paranoia não se deveu só ao facto de descobrir o plano para o destronarem e provavelmente o assassinarem, o que o fez perder a confiança no Senado, no Exército e na Corte, mas também ao facto de amigos seus, como Lucano e Séneca estarem envolvidos, embora não se tenha a certeza do grau do envolvimento dos dois ou se foram injustamente condenados. O facto é que Tácito, Suetónio, Dião, entre outros, relatam que Séneca, Lucano e os outros conspiradores foram assassinados, exilados ou obrigados ao suicídio. Tácito deixou, nos Anais XV, uma lista com os nomes dos envolvidos.
Outro problema que afetou o imperador naquele ano diz respeito à morte da segunda esposa, Popeia Sabina, tão questionável como os outros assassinatos a que Nero esteve supostamente ligado. Segundo Suetónio, Nero retornava de noite, visivelmente embriagado, após passar horas a assistir à corrida de cavalos no Circo Máximo. Chegado ao palácio, a imperatriz, que novamente estava grávida, terá reclamado, o que originou uma grave discussão. Num ataque de fúria, Nero começou a bater-lhe, deitou-a ao chão e chutou-a várias vezes na barriga. Popeia e a criança morreram ali espancadas. Tal acontecimento não é tão improvável, pois infelizmente tal ocorre hoje, bastando procurar nos jornais casos de maridos que agridem as esposas até à morte, até sem estarem embriagados. Suetónio, no seu relato sensacionalista, sustenta que, após a morte de Popeia, Nero terá obrigado Cláudia, a segunda filha de Cláudio, a casar com ele, mas, por ela ter recusado, ordenou a sua morte. Porém, não é certa a causa da morte de Cláudia, pois só Suetónio, Tácito e Dião Cássio a mencionam, dizendo que o marido a espancara.
Após a morte de Popeia, Nero ficou bastante deprimido e nunca mais foi o mesmo, mas só naquele fatídico ano de 65, Nero se tornou paranoico ao saber da conspiração contra si e passou a desconfiar de quase todos, tendo ordenado a execução de amigos e supostamente matado a esposa e o filho. O imperador estava abalado emocional e mentalmente.
O Bispo do Porto diz na sua Mensagem 16, no alvor do Novo Ano, diz:
Numa das suas peças de teatro, o dramaturgo Racine coloca a seguinte frase na boca de Nero, o incendiário de Roma e mais feroz dos perseguidores dos cristãos: ‘Sim, abraço o meu rival, mas somente para o estrangular’.”.
***
“Domus Aurea
Pelo que relatam os antigos historiadores, o abalo de Nero parece não ter sido constante, pois ainda no ano de 65 começaram as obras para se construir o seu novo palácio, o que lhe tomou bastante atenção. As obras começaram com Popeia ainda viva. Anota Franzero:
A vista do espaço vazio deixado pela Casa de Passagem era uma grande tentação para Nero, dando-lhe a ideia de construir ali um novo Palácio. O Palatino dominava Roma. Era visível de todas as partes da cidade; e era o mais belo distrito de Roma. A Casa de Passagem ia do Palatino ao Célio, ultrapassando a Via Imperial. Seria absurdo deixá-lo feito um campo de ruínas.”. (FRANZERO, 1958, p. 159).
Por seu turno, Grabsky relata:
Uma área imensa foi desocupada – um lote cinco vezes maior do que o do Palácio de Buckingham, contando com os jardins. Milhões de tijolos foram cozidos e milhares de pedreiros trabalharam durante longas horas para erguer parede após parede, aproveitando um material de construção recentemente inventado – o concreto. Logo em seguida, vieram os pintores, que cobriram quilómetros de muros com afrescos de extrema delicadeza. Quando os vestígios da Casa Dourada foram redescobertos, nos séculos XV e XVI, grandes artistas renascentistas, como Rafael e Pinturicchio, foram até lá com as suas tochas e viram-se diante de uma arte clássica que nunca haviam imaginado. Aquilo mudou as suas vidas artísticas e inspirou a própria Renascença.” (GRABSKY, 2009, p. 52).
Nero contratou os arquitetos Severo e Celerpara para desenharem o projeto. Para Suetónio, o palácio foi construído em 7 meses, mas há dúvidas quanto a isso. E Grabsky diz que o palácio levou 4 anos para ser concluído. Não obstante, provêm da sua obra os melhores relatos que se têm do palácio: alguns exagerados e outros comprovados pelas descobertas arqueológicas, embora grande parte do palácio ainda esteja soterrada, sob outras construções antigas e modernas. E outras áreas não passam de escombros hoje. Não se sabe quais as reais dimensões do terreno. Alguns historiadores pensam que o terreno do palácio teria entre 100 a 300 ares de área, se considerarmos fidedignos os relatos da imensidão dos jardins, assim como da existência de pomares, pastos, campos e bosques de caça – bem como a existência dum lago artificial, que existiu de facto, embora não se saibam as proporções. E de novo se dá a palavra a Franzero:
Os muitos edifícios que compunham a Casa Dourada erguiam-se à margem de um lago artificial, bastante grande para permitir a navegação de pequenos barcos. Nos vastos jardins, formavam-se lagos e tanques de água doce e salgada, onde nadavam estranhos peixes. Mais adiante, toda sorte de animais e monstros originários das Índias e da África se reuniam num pequeno jardim zoológico, tanto para divertimento como para o uso no Circo. [...]. A maior novidade era a existência de campos, de escuras florestas e ermos, cheios de animais selvagens, dentro do terreno pertencente à Casa.”. (FRANZERO, 1958, p. 166).
Outra caraterística marcante do palácio é a estátua do imperador, esculpida por Zenadoro, famoso escultor da época, feita de metais, tendo entre 30 e 35 metros, de acordo com Plínio, o Velho, e Suetónio. Ficaria localizada no pátio de entrada do palácio.
Para alguns, a imponente estátua (a maior em toda a cidade) era o símbolo da soberba do imperador. Mas Adriano (117-138) ordenou a sua remoção, pois no seu tempo, o palácio já não existia, tendo sido derrubado, há décadas, para dar espaço ao Coliseu e às Termas de Trajano, entre outras construções. Todavia, a estátua foi transportada para perto do Templo de Vénus em Roma, do outro lado do Coliseu. Além da mudança de local, Adriano ordenou a sua modificação para ser a estátua do deus-sol (Hélios), pelo que a dotaram duma coroa de raios. E, anos depois, o imperador Cómodo (180-192) mandou remover a cabeça da estátua e colocar uma nova, que lembra a face do herói Hércules, personagem que o imperador muito admirava. Segundo, Franzeno, a estátua de Hércules continuou a existir até ao século VII. No entanto, foi comummente chamada de Colosso. E o nome acabou por ser usado para se referir ao Coliseu, que era dantes o Anfiteatro Flaviano.
Mas, o palácio, além de ter sumptuosos jardins, um grande lago artificial, pomares, pastos e bosques, foi construído com grande quantidade de mármore e adornado com vários mosaicos e estátuas. Segundo Suetónio, Nero incumbiu Acrato e Carinas de liderarem uma expedição a Grécia, Egito e outras das províncias orientais para comprarem ou roubarem relíquias (estátuas, mosaicos, joias, vasos, pedras preciosas, ouro, prata, etc.), tudo para adornar o imenso palácio. No entanto, após a morte de Nero, o palácio foi saqueado e destruído, sendo parte dos seus escombros reutilizados em outras construções. Todavia, alguns recintos conseguiram suportar a destruição de mão humana e do tempo e hoje ainda podem ser vistos.
***
Últimos anos de governo de 66 a 68 – a decadência
No ano de 66 ocorreu uma grande revolta na província da Judeia, mas, como Nero nunca se interessou por guerras e conquistas, não ligou a essa revolta, apenas dando ordem aos generais e ao governador que resolvessem o caso. E foi a primeira grande revolta dos judeus durante a governação romana, tendo-se iniciado em 66 e terminado em 73. Por desinteresse do imperador, a revolta não foi sufocada em 66, mas, no ano seguinte, despachou o general Vespasiano (que viria a tornar-se imperador em 69) para resolver tal problema.
Ainda no ano de 66, Nero voltou a casar, dessa vez com Estatília Messalina, aparentada de Valéria Messalina, a terceira esposa do imperador Cláudio. Nero não amou Estatília do mesmo modo que Popeia, nem sequer teve filhos com ela. Segundo Suetónio em seu relato escandaloso, Nero teria ordenado a morte do marido de Estatília, Marco Júlio Vestino Ático, para poder casar com ela. Também, em de 66, Nero recebeu a visita de nobres gregos, que o convidaram a ir a Grécia, terra por que possuía grande admiração pela sua história e cultura. Nunca havia viajado para fora da península itálica, embora tenha planeado ir a Alexandria, mas acabou por desistir. No entanto, decidiu ir à Grécia e realizou tal viagem no ano de 67, tendo passado semanas a viajar. Visitou Olímpia, a cidade dos Jogos Olímpicos, recebendo ali várias honrarias. E, entre outras cidades, visitou Atenas, Corinto entre outras cidades. Em cada cidade por que passava era celebrado e presenteado. Se em Roma, o seu governo não era bem quisto, na Grécia, Nero era visto como bom governante. Em Corinto, planeou fazer um canal que ligasse o Estreito de Corinto ao mar Egeu. No entanto, com a sua morte em 68, foram abandonadas as obras, mas ainda hoje se pode ver uma estátua sua no estreito. O canal era para servir de atalho aos navios que partiam do mar Jónio para o Egeu. E o canal existe porque foi construído no século XIX.
Após a estada na Grécia, retornou a Roma, onde encontrou um cenário bastante tenso. Desde o ano de 65, a relação do imperador com os nobres e os políticos não era boa. Embora tenha descoberto uma conspiração, não se sabe se todos os conspiradores foram mortos ou exilados, se realmente eram culpados ou se foram injustamente inseridos na conspiração por terceiros. Além disso, havia o facto de Nero gastar, com a construção do seu novo palácio, enormes quantias de dinheiro dos cofres públicos para ostentar o seu ego. Por outro lado, a revolta na Judeia continuava e o imperador não lhe dava atenção. Algumas das reformas económicas e os aumentos tributários desagradaram aos patrícios (a elite romana). E a falta de interesse do monarca com os assuntos de Estado era outro motivo assinalado pelo Senado: estava mais interessado nos espetáculos, festas, obras do seu palácio e viagem à Grécia.
No final do ano de 67, o governador da Gália Lugdunense (parte do território da atual França, cuja capital era Lyon), Caio Júlio Vindice, decretou não pagar os tributos ao imperador, rebelando-se contra ele. Nero ordenou medidas para derrotar a revolta de Vindice e retirá-lo do poder. Enquanto a revolta se desenrolava para o começo do ano de 68, outro governador romano, o da província da Hispânia Tarraconense, Sérvio Sulpício Galba, aliou-se a Vindice e decretou apoio à sua revolta, assim como procurou aliados no Senado e na Corte. De facto, Galba seria proclamado imperador logo após a morte de Nero e Vindice acabou por ser derrotado pelo general Lúcio Vergínio Rufo, governador da Germânia Superior. No entanto, Galba, mesmo tendo perdido o aliado, prosseguiu com os seus planos para depor Nero. Segundo Dião Cássio e Suetónio, Galba conquistou o apoio do Senado e da Guarda Pretoriana. E o Senado declarou Galba sucessor de Nero, ordenando que este renunciasse. Mas o imperador negou-se a renunciar e terá fugido. Ainda de acordo com Dião Cássio, Suetónio e Tácito, Nero ter-se-á suicidado a 6 de junho de 68, aos 30 anos de idade. Segundo Dião, Nero teria sido ajudado por Epafrodito, que teria dado o golpe final para se certificar que o imperador havia morrido ao tentar suicidar-se. Não se sabe ao certo se realmente cometeu suicídio ou se foi assassinado, pois tendo fugido, foi decretada a sua captura. De qualquer modo, Nero faleceu naquele ano. Com a sua morte, o império passou por uma crise de alguns meses, pois embora Galba se tenha assumido como imperador, alguns não concordaram e assim se iniciou o Ano dos Quatro Imperadores, que decorreu de julho de 68 a dezembro de 69, eclodindo a guerra civil pela disputa do poder, onde Galba, Vitélio, Otão e Vespasiano se confrontaram.
***
Obviamente, nem tudo o que se diz deste imperador será certo, pois, como é natural, entre os sérios acusadores, há os detratores. Porém, acusar dos cristãos do incêndio de Roma ou de serem um perigo para o império só se entende por imperial calúnia ou desvairo. Não foi assim que pensaram Constantino Magno e Teodósio!  E o método do “divide e mata para reinar” diz muito do poder despótico recorrente… que ficou como antonomásia do perseguidor, embora não tenha sido o pior, mas talvez por ter sido o mais louco e impulsivo. Todos falam de Nero. Não é só Herodes o mau da fita ou o inimigo do Natal de Jesus!  
***
Referências:
CÁSSIO, Dião (1914. 9v). Dio's Roma History - vol. VIII. Translation Earnest Cary. London: William Heinemann; FRANZERO, Carlo M. (1958) Vida e Época de Nero. Tradução de Geir Campos e Moacyr Werneck de Castro. São Paulo: Companhia Editora Nacional; GRABSKY, Phil (2009). O palácio dourado de Nero. Tradução de Julia Vidili. Revista História BBC, ano 1, n. 3; 
LIBERATI, Anna Maria; BOURBON, Fabio (2005). A Roma Antiga. Tradução de Alexandre Martins. Barcelona, Ediciones Folio, S.A.; LESSNER, Ivar (1959). Os Césares. Tradução Oscar Mendes. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada; ROSTOVZEFF, R. (1983) História de Roma. Tradução de Waltenair Dutra. 5.ª ed, Rio de Janeiro: Zahar Editores; SUETÓNIO (2007)Os Doze Césares. Lisboa: Assírio & Alvim; TACITUS., vol. XIV-XV. Translation Alfred John Church and William Jackson Brodribb: 
2019.01.03 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário