No decorrer de uma forte manifestação contra Nicolás Maduro em Chacao, Juan
Guaidó, o presidente da Assembleia Nacional (AN) da Venezuela e líder da oposição, com maioria neste órgão de soberania, proclamou-se,
nesta quarta-feira, dia 23 de janeiro, “presidente interino” do país, jurando
“assumir as competências do executivo nacional”.
Com a Constituição na mão e diante dos manifestantes que participavam num
ato de protesto contra Nicolás Maduro, em Caracas, Guaidó pronunciou uma
declaração formal:
“Levantemos a mão, hoje 23 de janeiro, na
minha condição de presidente da Assembleia Nacional, ante Deus e a Constituição
da Venezuela, em respeito aos meus colegas deputados, juro assumir formalmente
as competências do executivo nacional como como Presidente Encarregado da
Venezuela, para conseguir o fim da usurpação, um governo de transição e
eleições livres”.
E
acrescentou, como cita o jornal El
Nacional:
“Assumo a
responsabilidade ao abrigo do artigo 333 e do 350. Juro assumir o compromisso
da não violência.”.
Antes, Guaidó tinha perguntado se contava ou não com o
apoio da multidão e recebeu uma sonante resposta positiva. Depois, a multidão cantou o hino nacional.
O
autoproclamado Presidente interino fez referência àqueles artigos da Carta
Magna venezuelana e induziu os manifestantes a jurarem comprometer-se em
“restabelecer a Constituição da Venezuela”. “Hoje, dou um passo convosco, entendo
que estamos numa ditadura” – disse vincando saber que a sua autoproclamação
“terá consequências”.
Por outro
lado, dirigiu-se ao Presidente Nicolás Maduro, sublinhando:
“Aos que estão a usurpar o poder, digo, com
o grito de toda a Venezuela: vamos insistir até que regresse a água e o gás,
até que os nossos filhos regressem, até conseguir a liberdade”.
Para Guaidó,
“não se trata de fazer nada paralelo”, pois tem “o apoio da gente nas ruas”.
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O artigo 333 da Constituição
venezuelana, o das garantias do texto legal, estabelece:
[esta] “não
perderá a sua validade se deixar de ser observada por força de lei ou porque é
revogada por qualquer outro meio que não aquele previsto nela. Em tal
eventualidade, qualquer cidadão investido ou cidadão com ou sem autoridade,
terá o dever de colaborar no restabelecimento da sua validade efetiva.”.
Já o artigo 350 da
Constituição estabelece:
“O povo da
Venezuela, fiel à sua tradição republicana, à sua luta pela independência, a
paz e a liberdade, desconhecerá qualquer regime, legislação ou autoridade que
contrarie os valores, princípios e garantias democráticas ou mine os direitos
humanos”.
Ora, à luz destas disposições
constitucionais, um dia após a tomada de posse de Nicolás Maduro para um
segundo mandato, não reconhecido por parte da comunidade internacional (incluindo EUA e União Europeia), Guaidó
tinha-se mostrado disponível para assumir a presidência interina do país, caso
contasse com o apoio dos militares.
Guaidó terá ainda dito aos
apoiantes que não temia ser preso: “Não
tenho medo disso, tenho medo pela nossa gente que está a passar muito mal”,
referia o El Nacional. Porém, foi
detido no dia 20 e, quase de imediato, libertado graças à pressão de 13 países americanos.
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Por seu turno, o Governo de Nicolás Maduro, que não reconhece o Parlamento,
também não reconhece o autoproclamado Presidente interino. Com efeito,
Maduro respondeu cerca de duas horas depois, afirmando em declarações a partir
do Palácio Miraflores, sede da presidência:
“Esta é a casa do
povo, da soberania popular. Aqui há um povo bolivariano a governar-se. Somos a
maioria, somos a alegria, somos o povo de Hugo Chávez.”.
Recusando-se a abandonar o
poder – “neste palácio presidencial
estamos e estaremos com o voto do povo. Só o povo põe, só o povo tira” –
Maduro acusou as manifestações que saíram à rua, esta quarta-feira, de serem
instrumentalizadas pelos Estados Unidos e proclamou:
“Não queremos
voltar ao século XX. O povo venezuelano diz não ao golpismo, não ao
imperialismo.”.
E o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) reiterou
nas redes sociais o apoio a Maduro, com imagens das manifestações pró
presidente que também ali decorrem. Lê-se Twitter oficial:
“Junto com o povo
revolucionário ratificamos o nosso apoio contundente e irrestrito ao presidente
Nicolás Maduro. Venceremos!”.
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Entretanto, a ARC (Assembleia
da Resistência Cubana)
expressou nesta quarta-feira, em Miami, nos Estados Unidos, apoio aos protestos
que estão a decorrer na Venezuela com o objetivo de “expulsar do poder” o Presidente
Nicolás Maduro. “Não há espaço para as
ditaduras no nosso hemisfério” – realçou Sylvia Iriondo, presidente da
organização MAR (Mães e Mulheres Contra a Repressão), que
integra a ARC – “Apoiamos
a Assembleia Nacional (AN) da Venezuela e o seu presidente,
Juan Guaidó, como legítimos representantes da nação sul-americana e unimo-nos ao
povo venezuelano na sua justa e corajosa reivindicação de liberdade”.
Também
Orlando Gutiérrez, secretário-geral da Direção Democrática Cubana, mostrou a
sua solidariedade com o povo venezuelano no seu “pleno direito de sair às ruas
em protesto para acabar com a ditadura assassina de Maduro”, “uma ditadura “promovida
e dirigida pelo regime totalitário cubano”.
Assim,
a Assembleia da Resistência Cubana, formada por organizações no exílio e
oposição cubana, expressou a sua determinação em “continuar a apoiar a luta do
povo venezuelano para alcançar a liberdade, a democracia e a soberania”. A esse
respeito, também apoiaram as manifestações em frente ao consulado venezuelano
em Miami, assim como na cidade vizinha de Doral, na Flórida, onde se encontra
uma grande comunidade de imigrantes daquele país.
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Os
apoiantes do chavismo, no poder, e os da oposição venezuelana voltaram, nesta
quarta-feira, a manifestar-se nas ruas do país, uns a apoiar outros a
questionar a legitimidade de Nicolás Maduro, que o Parlamento e grande parte da
comunidade internacional não reconhece.
Os
opositores venezuelanos mobilizaram a população dos 23 estados do país para
solicitar a “cessação da usurpação” na Presidência da República. O presidente
da AN da Venezuela, Juan Guaidó, escreveu na sua conta da rede social Twitter
que hoje “os olhos do mundo estarão” na Venezuela e reiterou o seu apelo às Forças
Armadas para apoiarem “o caminho” com o qual esperam acabar com a chamada
revolução bolivariana, no poder desde 1999.
O FPV
(Fórum Penal Venezuela) anunciou que pelo menos 43 pessoas
foram detidas na Venezuela nas últimas 48 horas, quando participavam em
protestos contra o Governo do Presidente Maduro. E, pelo menos, 4 pessoas
morreram nos protestos da última noite contra o Presidente da Venezuela, um dos
quais em Caracas e três no Estado venezuelano de Bolívar.
Segundo o OVCS (Observatório Venezuelano de Conflituosidade Social), uma das mortes, a de um jovem de 16 anos, teve
lugar em Caracas, devido a um ferimento por arma de fogo, durante uma
manifestação em Cátia (centro). As outras
três mortes ocorreram no Estado venezuelano de Bolívar, a 600 quilómetros a
sudeste de Caracas, durante protestos prévios às manifestações convocadas para
esta quarta-feira. Na localidade de San Félix, neste Estado, a população
incendiou uma estátua do antigo Presidente socialista Hugo Chávez (presidiu ao
país entre 1999 e 2013) da qual
cortou o busto que foi pendurado na ponte da Av. Guayana.
Segundo o OVCS, os protestos contra o novo mandato do Presidente Nicolás
Maduro multiplicaram-se durante a última noite, passando de 30 na noite de
segunda-feira para 63, na noite de terça-feira, na grande Caracas (capital e os
estados vizinhos de Miranda e Arágua).
Nos protestos, a população manifesta o seu descontentamento a bater em
panelas e através de assembleias nas ruas.
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Em reação à autoproclamação do Presidente interino, o Presidente
norte-americano declarou apoiar Juan Guaidó como Chefe de Estado do país, já o reconheceu
oficialmente como Presidente interino da Venezuela e desafiou a comunidade internacional a seguir também
a mesma posição. Escreveu no Twitter:
“Os cidadãos da
Venezuela já sofreram demasiado nas mãos do regime ilegítimo de Maduro. Hoje,
reconheci oficialmente o Presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan
Guaidó, como Presidente interino da Venezuela.”.
Os Estados Unidos fizeram,
entretanto, saber que mantêm “todas as opções sobre a mesa” se o Presidente
Nicolás Maduro responder com violência ao anúncio do Presidente da Assembleia
Nacional. A este respeito, um alto funcionário norte-americano, numa chamada
telefónica com a Reuters e a Efe, declarou:
“Se Maduro e os
seus amigos decidirem responder com violência, prejudicar a Assembleia Nacional
ou outros eleitos temos de adotar todas as opções que estão em cima da mesa”.
Depois dos
Estados Unidos, também o Canadá, o Brasil, o Peru, o Equador, a Costa Rica, o
Paraguai, a Colômbia, o Chile, a Argentina e o secretário-geral da Organização
dos Estados Americanos reconheceram Guaidó como presidente interino da
Venezuela. Já o México anunciou que não o
reconhecerá “por enquanto”.
O chefe da
diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva, sublinhou em Madrid que a sua “prioridade”
é garantir a “segurança física” dos portugueses que vivem na Venezuela, esperando
que as manifestações neste país sejam “pacíficas”. “Respeito a decisão dos
outros países [...], mas a segurança física dos portugueses que vivem na Venezuela
é a prioridade número um” da diplomacia portuguesa, disse numa conferência de
imprensa acompanhado pelo chefe da diplomacia espanhola, Josep Borrell. E explicou
que Lisboa tem “um elemento nacional” específico quando se trata do
relacionamento com a Venezuela: haver cerca de 300 mil portugueses ou luso-descendentes
nesse país, sendo essa a “primeira preocupação”. E apelou:
“Peço a todas as partes que se manifestam
muito legitimamente, como é próprio das democracias, que o façam pacificamente
sem pôr em causa a segurança dos bens e das pessoas”.
Por seu turno, o Ministro do Exterior espanhol preferiu sublinhar a
importância de “preservar a unidade de ação” da UE (União Europeia) antes da crise institucional venezuelana. E apelou a um debate de todos
os chefes da diplomacia europeia.
Enquanto o Governo
espanhol não toma qualquer decisão, alguns venezuelanos juntam-se nas Portas
Del Sol, em Madrid, pedindo ao Governo que reconheça Guaidó. E os partidos da
oposição acompanham esse pedido.
E a UE pede novas eleições “confiáveis
e transparentes”.
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O desfecho é incógnito. Alguns dos apoios são suspeitos em relação à sua finalidade
genuína. É certo que a solução Maduro (que já ameaçou
com o corte de relações com os EUA) se esgotou, como se esgotaram os recursos, a liberdade e a paz social. Mas
uma solução puramente igual à anterior ao chavismo seria funesta. Tudo depende da
tendência da população nas ruas e do lado de que estiverem os militares. No entanto,
uma invasão norte-americana, a avaliar pelas declarações dos EUA, pode estar nos
planos, o que seria mau, mas condicente com o estilo de concretização da
segurança nacional. De todo, guerra civil ou invasão externa são indesejáveis e
não trazem solução sem sangue, dor e miséria. E espera-se que o discurso em torno
de Guaidó não se venha a reduzir a uma expressão populista. Deus adiuvet!
2019.01.23 –
Louro de Carvalho
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