É apenas mais um caso a mostrar que nada é para
entender no que se passa no combate aos crimes ligados ao dinheiro em Portugal.
O Expresso
deste sábado noticia que a CGD (Caixa Geral de Depósitos) denunciou José Sócrates, em abril de 2013, por
“um esquema” segundo o qual “recebeu de forma indireta” mais de meio milhão de
euros, noticia este sábado o semanário – caso que antecedeu o início da investigação oficial, em julho de 2013,
sobre o crime de corrupção, em que o ex-Primeiro-Ministro é a principal figura,
e se manteve “em segredo absoluto, longe
do olhar dos arguidos e advogados”, já depois de a investigação ter sido
dada por concluída, em outubro de 2017.
Assim, as versões dos dois processos administrativos, instaurados no âmbito
da lei de prevenção de branqueamento de capitais, e antes de haver autos,
“revelam que foi a CGD que denunciou Sócrates em abril de 2013, expondo logo
ali um esquema em que o ex-Primeiro-Ministro recebeu de forma indireta, através
da mãe, mais de meio milhão de euros de um empresário da construção civil e obras
públicas, Carlos Santos Silva”.
Para o Expresso, a informação da CGD “foi além do mero reporte de uma transação
suspeita e continha já a base do que veio a tornar-se a ‘Operação Marquês’”,
em que a par do ex-líder socialista, são arguidas 18 outras pessoas e estão
arroladas 44 testemunhas.
Os processos administrativos foram remetidos na íntegra, no passado dia 4
de janeiro, pelo procurador Rosário Teixeira para o Tribunal de Instrução
Criminal, depois de o juiz Ivo Rosa os ter exigido a tempo de estarem
disponíveis no início das sessões na atual fase de instrução da “Operação Marquês”,
na próxima segunda-feira e que pode durar um ano.
Segundo o semanário, o relatório da CGD sobre Sócrates, de 500 páginas foi
enviado para a UIF (Unidade de Informação Financeira) da Polícia Judiciária, a 12 de abril de 2013, e
anexava 12 páginas de extratos bancários de duas contas naquele banco,
uma titulada por Sócrates e outra por Maria Adelaide Monteiro, a mãe,
funcionando como conta de passagem,
já que os depósitos eram feitos por transferência a partir duma conta titulada
por Carlos Manuel Santos Silva.
No documento a que o Expresso
acedeu, lê-se:
“Desconhecemos a racionalidade
económica e financeira que está subjacente às transferências emitidas por
Carlos Manuel Santos Silva, no valor de 600 mil euros, para a conta de Maria
Adelaide Carvalho Monteiro (funcionando esta como ‘conta de passagem’),
a qual posteriormente transferiu de forma fracionada, num período de cerca de
seis meses, a quantia de 450 mil euros para a conta de José Sócrates Pinto de
Sousa”.
O banco estatal sempre designou o ex-secretário-geral do PS com o “nome
completo” e descreveu-o apenas como “engenheiro civil” e que era presidente do
conselho consultivo para a América latina do grupo farmacêutico helvético
Octapharma.
Segundo a CGD, Sócrates recebeu três transferências, em
junho, agosto e setembro de 2012, no valor de 100 mil euros cada,
vindas duma conta da mãe, mas com “origem numa conta sediada no BES, titulada por
Carlos Manuel Santos Silva”. E, em dezembro de 2012, recebeu outra
transferência, mas de 150 mil euros, proveniente da conta da mãe e dois cheques
emitidos por esta, um no valor de 50 mil euros, e outro no de 20 mil. Assim, o famoso
cliente terá recebido no total 520 mil euros da mãe e contraiu ainda um empréstimo
no valor de 120 mil euros, na CGD, em junho de 2011.
José Sócrates deixou de ser Primeiro-ministro em 21 de junho desse
ano. Em abril de 2013, o saldo bancário de José Sócrates era de 99 mil
euros, como informou a CGD.
Também se lê no Expresso que “o documento identifica ainda Sofia Fava,
ex-mulher de Sócrates, incluindo como transações suspeitas um conjunto de 13
transferências feitas para ela pelo ex-marido, no total de 85.600 euros”.
***
Ora, este relatório, pelo facto de
ter ficado no segredo dos deuses, pode prejudicar o desfecho da ‘Operação Marquês’.
Com efeito, a defesa vai, segundo Ricardo Costa (vd última
página do 1.º caderno do Expresso, de
26 de janeiro), sobretudo apostar em duas linhas: pôr em
causa a avocação do processo por Carlos Alexandre como juiz natural em setembro
de 2013 (intenção já conhecida); e
acusar a investigação de se ter escondido durante anos sob a capa de processo administrativo,
o que obstaculizou as garantias dos arguidos e deu margem excessiva ao MP (Ministério Público).
E diz Ricardo Costa que este ponto será mais sério, porque há um precedente em que Ivo Rosa anulou a acusação por ter estado larvada num processo administrativo. Num processo de 53.000 páginas e 13,5 milhões de ficheiros informáticos, a acusação conta com mais de 4.000 páginas, distribuídas por 116 volumes e cerca de 600 apensos. Há 28 arguidos, entre eles, 9 empresas. Estão-lhes imputados 188 crimes. Foram 19 os arguidos que requereram a instrução, mas 11 arguidos querem falar já.
E diz Ricardo Costa que este ponto será mais sério, porque há um precedente em que Ivo Rosa anulou a acusação por ter estado larvada num processo administrativo. Num processo de 53.000 páginas e 13,5 milhões de ficheiros informáticos, a acusação conta com mais de 4.000 páginas, distribuídas por 116 volumes e cerca de 600 apensos. Há 28 arguidos, entre eles, 9 empresas. Estão-lhes imputados 188 crimes. Foram 19 os arguidos que requereram a instrução, mas 11 arguidos querem falar já.
Entre os
arguidos destaca-se José Sócrates, acusado de corrupção passiva de titular de
cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude
fiscal qualificada.
As 19 pessoas arguidas estão acusadas de 159 crimes,
nomeadamente corrupção passiva e ativa, branqueamento de capitais, falsificação
de documento e fraude fiscal qualificada, falsificação de documento, abuso de
confiança e peculato e posse de arma proibida. E o MP acusou também 9 empresas de
corrupção ativa,
branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada.
Durante
a fase de inquérito, que antecede a fase de instrução – que se iniciará, no dia
28, no TCIC (Tribunal
Central de Instrução Criminal), em Lisboa, sob a direção de Ivo Rosa – foram efetuadas mais de duas
centenas de buscas, inquiridas mais de 200 testemunhas e recolhidos dados
bancários sobre cerca de 500 contas, em Portugal e no estrangeiro. E, no
decurso da investigação, a cargo do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), tinham sido autorizadas e
transcritas mais de 2.600 escutas e enviadas 9 cartas rogatórias para diversos
países, entre os quais Suíça e Angola.
O
processo foi investigado durante mais de 4 anos – começou em julho de 2013 –
por 10 magistrados e reuniu extensa prova documental e digital, de que fazem
parte mais de três mil documentos em suporte de papel e 13.500 milhões de
ficheiros informáticos.
No
âmbito deste processo, estiveram
em prisão preventiva o ex-Primeiro-Ministro, o empresário
e amigo do ex-chefe do Governo, Carlos Santos Silva, e o antigo motorista
de Sócrates, João Perna. Por seu turno, o
ex-administrador do grupo Lena, Joaquim Barroca, esteve em prisão
domiciliária com pulseira
eletrónica, bem como o ex-Ministro Armando Vara.
***
Este processo vai estar em fase de instrução e pode ir a julgamento,
desde que a acusação, sendo robusta, ultrapasse esta fase, pelo que terá de
deixar cair aquilo que não está inequivocamente provado ou o que é duvidoso e
vencer as objeções processais que possam inquinar o processo irreversivelmente.
E depois se verá.
Porém, o que está técnica e humanamente na origem de
tudo fica fora da alçada da justiça. Assim, de acordo com um levantamento
efetuado pela Lusa e como se pôde ler
no ECO, a 24 de janeiro, vários gestores (pelo menos 17) que estavam em cargos de topo na
CGD no período analisado pela auditoria da EY (2000 a 2015), durante as decisões de concessão de crédito que originaram
perdas de quase 1,2 mil milhões para o banco público, continuam
no setor bancário e alguns mantêm-se
mesmo na CGD. E foi no quadro da ação ou omissão
deles que surgiu o caso de Sócrates e outros arguidos.
Segundo
a lista dos órgãos sociais que é possível consultar na CGD, José Lourenço Soares mantém-se como secretário da mesa da
assembleia geral do banco do Estado, cargo que já ocupa há vários anos. E Maria
João Carioca, que chegou a ser presidente da Euronext, ocupa, desde 2017, o cargo
de vogal do Conselho de Administração liderado por Rui Vilar e da Comissão
Executiva, de Paulo Macedo. Ainda dentro do banco público, Pedro
António Pereira Rodrigues Felício, no Conselho Fiscal numa parte do período em análise, é
vogal da Caixa BI. Francisco Bandeira, que chegou a ser vice-presidente da
CGD e que liderou o BPN, é administrador do Banco Caixa Geral, em Espanha (entretanto vendido ao espanhol Abanca).
Vários
dos anteriores executivos da Caixa transitaram para outros bancos. Assim, Vítor
Manuel Lopes Fernandes é vogal do Novo Banco
para o mandato 2017-2020, tendo ocupado no banco público o mesmo cargo. Jorge
Telmo Maria Freire Cardoso é vogal da administração do Novo Banco, para o mesmo mandato. António
Tomás Correia,
que recentemente venceu as eleições para continuar à frente dos destinos da AMMG (Associação Mutualista Montepio Geral), foi administrador da CGD entre
2000 e 2002. Álvaro Nascimento, que foi presidente do Conselho de
Administração da Caixa (2013-2016), chegou a ser apontado para
presidente do Conselho de Administração da CEMG
(Caixa Económica Montepio
Geral). António
Manuel da Silva Vila Cova, que era vogal da CGD, é presidente não-executivo Banco Finantia. José
Fernando Maia de Araújo e Silva é administrador executivo do Eurobic para o mandato de 2016-2019 e responsável pela área de
risco na instituição. No BCP estão os
ex-vogais da CGD Pedro Miguel Duarte Rebelo de
Sousa, presidente
da mesa da assembleia geral do banco liderado por Miguel Maya, e João
Nuno de Oliveira Jorge Palma, administrador da instituição.
O BdP (Banco de Portugal) conta também com vários destes administradores, começando
pelo governador da instituição, Carlos Costa, que lidera o regulador desde 2010.
Foi vogal do Conselho de Administração da CGD entre 2004 e 2006. Ana
Cristina de Sousa Leal, diretora do Departamento de Estabilidade Financeira do BdP, foi também
administradora da Caixa, responsável pela área de risco. José
de Matos, que
foi presidente executivo da CGD, gere os fundos de pensões do BdP, desde 2017.
A APB (Associação Portuguesa de Bancos) conta nos seus quadros com Faria
de Oliveira,
que foi presidente da CGD e que lidera a associação desde 2012, com mandato até
2020. Norberto Rosa é secretário-geral da APB, tendo estado na calha para a
administração do BCP.
***
Por outro lado, a PGR (Procuradoria-Geral da República) confirmou continuar a investigação à CGD,
estando em curso “diligências abrangidas por segredo de justiça” e que até
agora “não têm arguidos constituídos”. No entanto, algumas das operações investigadas, como a concessão de
créditos ruinosos, ocorreram há mais de 10 anos e correm o risco de prescrever,
tendo em conta os eventuais crimes que daí possam decorrer.
Com efeito,
em setembro de 2016, o MP abriu um inquérito à CGD por suspeitas de concessão
de créditos ruinosos a alguns dos maiores credores do banco público. O processo,
a decorrer no DCIAP, encontra-se em segredo de justiça. Segundo o Correio da Manhã e o Jornal de Negócios, estarão em causa
suspeitas de práticas passíveis de constituir crimes de administração danosa,
crimes cometidos no exercício de funções públicas e crimes de natureza patrimonial.
O relatório da
EY sobre a
auditoria independente aos atos públicos da Caixa confirma perdas
astronómicas no banco público e créditos dados à revelia da Direção Global de
Risco, o que adensa e reforças as dúvidas sobre eventuais práticas indiciantes de administração danosa.
Incorre
no crime de administração danosa quem “provoque dano patrimonial em unidade
económica do setor público ou cooperativo, por via de uma infração intencional
de normas de controlo ou de regras económicas de uma gestão racional”. Uma vez
provado, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com
pena de multa até 600 dias. Mas é importante ter em
conta a intencionalidade neste crime, dado que não se considera
punível caso o dano se verifique contra a expectativa fundada do agente. (vd art.º 235.º do CP – Código Penal). Crime punível com pena de prisão
até 5 anos tem prazo de prescrição
de dez anos (vd art.º
118.º do CP/1, alínea b). E, tendo
em conta a auditoria (já
na posse da PGR) abarca
o período de 2000 a 2015, as práticas que indiciem este crime até 2009 correm o
risco de prescrever ou poderão mesmo já ter mesmo prescrito.
Além
de práticas que possam constituir crime de administração danosa, pode haver indícios de crimes
com prazo de prescrição mais curto. Por exemplo, em 2007,
o MP já desconfiava de “ação deliberada no sentido de omitir o passivo gerado na esfera
do banco”. Em causa estão suspeitas de que eram omissos
registos de incumprimento relativos a alguns financiamentos na Caixa (clientes já com indícios de
incumprimento, classificados como sem incumprimento), o que poderá indiciar o crime de
falsificação de documentos, caso se prove omissão intencional de factos
relevantes da contabilidade do banco público. Crime de falsificação
de documentos e a sua tentativa é punível com pena de prisão até três anos ou
com pena de multa (vd art.º 256.º
do CP/1). O seu prazo de prescrição é de 5 anos (vd art.º
118.º do CP/1, alínea c), pelo que todas as práticas que
indiciem o crime de falsificação de documentos até 2014 também correm o risco
de prescrever ou de já ter prescrito.
Ora,
estes prazos de prescrição incidem sobre a prática do crime e dado que terão
ocorrido entre 2000 e 2015, pode concluir-se que todos os crimes sujeitos a
estes pressupostos e imputados aos gestores da Caixa têm prazo de prescrição
que se situa entre os 5 e os 10 anos.
Porém, a auditoria pode apurar responsabilidades civis dos administradores que estiveram à frente da CGD, cenário defendido
pelo PS depois de conhecidas as conclusões do relatório preliminar. A prova da culpa nos
atos de gestão é ponto importante atribuir responsabilidade civil a um
ex-administrador. A lei prevê situações para
administradores que não participaram ou votaram vencidos em decisões aprovadas que
tenham sido prejudiciais para as empresas. Enfim, muito se poderia tentar, mas
não vejo jeito e vontade, até porque a prova seria difícil.
***
É
caso para perguntar: Porque não atuou o MP logo em 2007, se já desconfiava? Não
era aquele ano momento politicamente oportuno? Porque se ocultou o MP por trás
de processos administrativos, sabendo que tal poderia prejudicar o desfecho? Deverá
um país roubado por tantos estar grato ao pelotão comandado por Sócrates por se
ter disponibilizado para bode expiatório do ‘regabofe’ em que tantos se
divertiram nas costas do povo espoliado com um memorando de entendimento?! E,
se eles forem absolvidos, de que nos valerá o bode expiatório? Ainda provavelmente
teremos nós a responsabilidade civil e pagaremos ao pelotão e seu comandante uma
choruda indemnização
2019.01.26 –
Louro de Carvalho
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