Pelo Despacho n.º
12530/2018, de 28 de dezembro, do Secretário de
Estado da Educação, foi criado o Grupo
de Trabalho de Matemática, com “a missão de proceder à análise do fenómeno
do insucesso, tendo em vista a elaboração de um conjunto de recomendações sobre
a disciplina de matemática – ensino, aprendizagem e avaliação”.
Na
concretização da sua missão, deve o grupo, de acordo com o normativo em
referência, ter por base: a evolução dos resultados da disciplina nas duas
últimas décadas; a eficácia e a eficiência dos diferentes planos e medidas
dirigidas à melhoria das aprendizagens em matemática e à promoção do sucesso
escolar; a evolução dos resultados dos estudos de comparabilidade internacional;
os instrumentos de avaliação interna e externa; e as metodologias de ensino e o
seu impacto nos resultados.
Em
termos mãos sintéticos, o grupo de trabalho criado pelo ME (Ministério da Educação) analisa os programas, as metodologias de ensino, os
resultados e as taxas de recuperação focando-se nas causas do insucesso na
disciplina e consequentemente nas vias de solução.
O grupo é
constituído por 10 professores, sendo: dois professores universitários de
Matemática (um associado,
que coordena, e outro auxiliar); dois professores universitários (associados, sendo um com agregação) das Ciências da Educação; um
professor requisitado na DGE (Direção-Geral da Educação), três professores do grupo de recrutamento 500 (Matemática do 3.º ciclo do ensino
básico e do ensino secundário), uma professora do grupo de recrutamento 230 (Matemática e Ciências da Natureza do
2.º ciclo do ensino básico) e uma professora do grupo de recrutamento 110 (1.º ciclo do ensino básico).
E a APM (Associação de Professores de Matemática) espera que os professores sejam consultados sobre as
aprendizagens e o envolvimento dos seus alunos. E, pelos visto hão de ser.
Deve o Grupo
de Trabalho apresentar ao Secretário de Estado da Educação um conjunto de
recomendações sobre o ensino, aprendizagem e avaliação em/na disciplina de matemática,
percorrendo três etapas: 1.ª, a elaboração dum relatório-síntese com o “ponto
de situação sobre o ensino, aprendizagem e avaliação na disciplina de
matemática, caraterizando a evolução de indicadores relevantes” e submissão a
discussão pública para “suscitar um amplo debate” (durante os primeiros
três meses do mandato do Grupo); 2.ª, a análise do conjunto de contributos resultantes da
auscultação e a sistematização das conclusões desta discussão pública; e 3.ª, a
apresentação dum conjunto de recomendações sobre o ensino, aprendizagem e
avaliação na disciplina de matemática (até 30 de junho de 2019,
data em que o grupo termina o seu mandato).
Para efeitos
da elaboração do predito relatório-síntese atinente à 1.ª etapa, a DGE, no
âmbito das suas competências, desenvolverá, junto de alunos, professores,
encarregados de educação, entre outros interessados, os procedimentos
necessários à divulgação do relatório, sua discussão pública e recolha de
contributos.
O conjunto de
recomendações produzidas pelo grupo será publicitado no sítio da DGE (internet).
O grupo,
sempre que entender conveniente, pode convidar associações profissionais e as
diferentes sociedades científicas do setor, bem como representantes de
organizações não-governamentais com conhecimento e experiência em projetos na
área da matemática e da educação matemática. E, no âmbito da sua missão, pode
solicitar a colaboração dos serviços e organismos do ME, designadamente da
Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, do Júri Nacional de Exames
e do Instituto de Avaliação Educativa, I. P.
O apoio
logístico e administrativo necessário ao funcionamento do grupo é assegurado
pela DGE, que suporta os encargos a que, nos termos da lei, houver direito,
relativos a deslocações e ajudas de custo, embora a constituição e
funcionamento do grupo não confira aos seus membros ou a quem vier a colaborar
com eles o direito ao pagamento de qualquer remuneração ou compensação.
***
O preâmbulo
do despacho evoca a assunção programática, pelo XXI Governo Constitucional, da
educação e da formação como alicerces essenciais para o futuro das pessoas e do
país, constituindo a aposta na qualificação “um meio imprescindível para a
valorização dos cidadãos, para uma cidadania democrática e para o
desenvolvimento sustentável do país”. Com efeito, a educação é “condição de
empregabilidade e de competitividade e condição fundamental para uma sociedade
coesa e progressiva”. Por isso, “em consonância com a aposta numa escola
inclusiva, a política educativa pretende garantir a igualdade de oportunidades
e promover o sucesso educativo de todos os alunos, ao longo dos 12 anos de
escolaridade obrigatória”.
E, na
prossecução do Programa do Governo, o ME (Ministério da Educação) “deu início a uma ampla discussão pública sobre o currículo
escolar, no quadro da necessidade de definição de um Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”, discussão que
“incidiu sobre as grandes linhas e decisões a tomar centralmente, nos domínios
do desenvolvimento e da implementação do currículo, bem como sobre o grau de
decisão e autonomia que deve ser deixado aos docentes para adaptarem a
implementação do currículo à sala de aula”. Neste processo, convidou associações
de professores e sociedades científicas, bem como outros peritos e entidades,
para colaborar na definição de aprendizagens essenciais, por ano e disciplina, “tornando-as
claras para docentes, alunos, famílias e demais intervenientes e potenciadoras
da diferenciação pedagógica, do trabalho interdisciplinar, da articulação
curricular, das metodologias e atividades experimentais, do aprofundamento e/ou
da integração de temas relevantes no contexto específico de cada escola”.
No atinente à
matemática, tem-se procedido a longa discussão sobre o que e como deve ser
ensinado, tendo em conta as competências definidas para o século XXI.
Procurando responder a inúmeras questões sobre o ensino-aprendizagem desta
disciplina, dirigidas aos diversos serviços centrais do ME, e dada a sua
relevância, foram constituídos, em março de 2016, o Grupo de Trabalho de
Matemática para o Ensino Básico e o Grupo de Trabalho de Matemática para o
Ensino Secundário, de que resultaram, em agosto de 2016, as Orientações de gestão curricular para o
Programa e Metas Curriculares de Matemática. E, “dos inúmeros
constrangimentos apontados aos documentos curriculares em vigor, pelos diversos
intervenientes educativos, destacam-se, entre outros, a extensão do programa e
a impossibilidade do seu cumprimento, bem como a existência de metas
curriculares demasiado ambiciosas, obstando ao necessário desenvolvimento de
aprendizagens pela generalidade dos alunos”.
Assim,
visando o enriquecimento da discussão com a contribuição de especialistas nacionais
e internacionais, partilhando ideias e levantando questões sobre diferentes
abordagens do ensino e aprendizagem da matemática, a DGE organizou, em janeiro
de 2017, a conferência de âmbito internacional sobre o ensino/aprendizagem da matemática,
subordinada ao tema Currículo para o Século XXI – ‘Pensar a Matemática’. E, a
culminar um longo e participado trabalho de desenvolvimento curricular, após
aplicação piloto em 2017-2018, foram homologadas as AE (aprendizagens essenciais) para todas as disciplinas do ensino
básico e para as disciplinas dos cursos científico-humanísticos, do ensino
secundário (vd Despacho
n.º 6944-A/2018, de 19 de julho, e Despacho n.º 8476-A/2018, de 31 de agosto).
Ora, as AE,
assumindo-se como “denominador curricular comum para todos os alunos”, mas “não
esgotando o que o aluno deve aprender ao longo do ano letivo”, “podem ser
enriquecidas, complementadas ou aprofundadas a partir dos restantes documentos
curriculares, bem como de componentes locais do currículo em função dos
contextos específicos”. Ademais, liberta-se espaço curricular para a escola
promover “trabalho articulado entre as disciplinas, explorações
interdisciplinares diversificadas, metodologias e atividades experimentais,
entre outras opções, que, em contexto, melhor contribuam para aprendizagens de
qualidade, convergentes com o Perfil dos
Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.
Porém, apesar
das inúmeras iniciativas desenvolvidas ao longo do tempo, constituem ainda um
desafio ao qual urge dar resposta as elevadas taxas de retenção na disciplina
de matemática. Por isso, “torna-se premente uma análise profunda guiada por
parâmetros relevantes para o estudo”: o histórico de taxas de sucesso,
flutuações e correlações, as taxas de recuperação; a evolução dos programas da
disciplina de matemática; a eficácia de medidas de apoio e a análise de
práticas; o PAM (Plano de
Ação para a Matemática);
o impacto de programas de formação; os instrumentos de avaliação interna e
externa, incluindo o estabelecimento de comparações internacionais, nomeadamente
a relação com testes internacionais – TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) e PISA (Programa Internacional de Avaliação de
Alunos).
E a análise
sistemática deste conjunto de informações e de indicadores deverá sustentar as intervenções
nesta área, visando a melhoria de resposta do sistema, na generalidade, e, em
especial, a promoção de melhores aprendizagens. (cf Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro).
***
Sobre
o tema, Sara R.
Oliveira publicou, no passado dia 18 de janeiro, no “educare.pt” um texto sob o título “Matemática revirada do avesso”, referindo que o predito grupo de 10
professores – coordenado
pelo matemático Jaime Carvalho e Silva, professor associado do Departamento de
Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra – “já
está a analisar o fenómeno do insucesso na disciplina de matemática, abrangendo
as vertentes de ensino, aprendizagem e avaliação, para apresentar as suas
recomendações até 30 de junho deste ano” e se debruçará sobre “as duas últimas
décadas de ensino da Matemática nas escolas básicas e secundárias do país”.
Com efeito, o ME pretende ter na mão os dados
respeitantes à evolução dos resultados da disciplina nas duas últimas décadas,
à eficácia e eficiência dos diversos planos e medidas com vista à melhoria das
aprendizagens na disciplina e à subsequente promoção do sucesso escolar, bem
como as referentes às metodologias de ensino e o seu impacto nos resultados e
aos instrumentos de avaliação interna e externa. Tudo isto, para perceber a
evolução dos resultados dos estudos realizados e que comparam diferentes
realidades sobre esta matéria em termos internacionais.
Face a esta iniciativa governamental, a APM obviamente
saúda a criação do grupo de trabalho que, pelos vistos, vinha a pedir há pelo
menos três anos. E Lurdes Figueiral, a presidente da APM, referiu ao “educare.pt” que a medida é realmente bem-vinda
“pela urgência de termos uma avaliação da situação do ensino e da aprendizagem
da matemática, dadas as perturbações curriculares introduzidas pelas alterações
de 2013 e 2014 nos programas do ensino básico e de Matemática A, por um lado, e
a necessidade de atualizações de alguns programas já desadequados, por
outro”. E esclarece:
“Em nosso entender, seria muito importante
perceber exatamente as consequências das alterações realizadas na legislatura
anterior dos programas referidos, não só em termos de resultados, mas sobretudo
em termos de adesão à disciplina por parte dos alunos e do sentir dos
professores sobre as aprendizagens e envolvimento dos seus alunos com estes
programas. E perceber também que outros programas deveriam ser alterados por
não responderem já ao fim para que foram criados como é o caso de Matemática B,
por exemplo.”.
Está em causa, segundo aquela dirigente associativa avaliar
em que medida a coexistência de Programas e Metas Curriculares e Aprendizagens
Essenciais (coexistência
absurda, a meu ver, não só na matemática, mas também nas outras disciplinas,
sobretudo quando algum dos instrumentos contém omissões) tem sido benéfica e clarificadora para os
professores na planificação das atividades letivas e na avaliação dos alunos.
E, se essa avaliação for levada acabo, ajudará a perceber o que se está a
analisar.
Lurdes Figueiral adianta-se por uma reforma curricular
profunda e abrangente de todo o desenho curricular, provavelmente na linha dos
projetos de resolução em debate no Parlamento, designadamente o Projeto de
Resolução n.º 1891/XIII-4.ª, do CDS, e o Projeto de Resolução n.º 1936/XIII/4.ª, do PCP, declarando:
“Não temos dúvidas da necessidade de uma
reforma curricular mais profunda e abrangente, não só no que diz respeito à
Matemática, mas a todo o desenho curricular dos atuais ensinos básico e
secundário. Haja coragem e investimento para tornar isso possível.”.
E Sara Oliveira realça que os intervenientes educativos têm levantado, nos
últimos anos, várias questões em torno dos documentos curriculares vigentes,
nomeadamente no âmbito dos constrangimentos conexos com a extensão dos programas
e com a impossibilidade do seu cumprimento, além das metas curriculares
demasiado ambiciosas – face ao que nem admira que, no ano letivo transato, mais
de metade dos alunos tenha obtido um nível negativo na prova final nacional do
9.º ano e um terço dos estudantes tenha terminado o ensino básico com nota negativa
em matemática.
Por isso, é normal que o ME continue preocupado com os
resultados na disciplina. E, no susodito Despacho, o Governo admite que as
elevadas taxas de retenção na disciplina de matemática são um desafio a que
“urge dar respostas”, apesar, sustenta, “das inúmeras iniciativas e medidas
desenvolvidas ao longo do tempo”, que devem ser seriamente revisitadas.
Com a análise que o grupo de trabalho vai empreender,
o ME quer sustentar intervenções na área da matemática de forma a melhorar a
resposta do sistema educativo e, especificamente, melhorar as aprendizagens dos
alunos.
O relatório-síntese que o grupo de trabalho irá
elaborar, com o ponto de situação e indicadores relevantes, será submetido a
discussão pública, que se espera ser amplamente participada, já que as
preocupações expostas pelo Governo refletem as da comunidade científica e as da
comunidade educativa.
Há que fazer tudo para inverter a situação, mas sem
cair no “faz de conta”, mascarando iniciativas e resultados.
2019.01.19 – Louro de Carvalho
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