sábado, 19 de janeiro de 2019

Para analisar o fenómeno do insucesso na disciplina de matemática


Pelo Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro, do Secretário de Estado da Educação, foi criado o Grupo de Trabalho de Matemática, com “a missão de proceder à análise do fenómeno do insucesso, tendo em vista a elaboração de um conjunto de recomendações sobre a disciplina de matemática – ensino, aprendizagem e avaliação”.
Na concretização da sua missão, deve o grupo, de acordo com o normativo em referência, ter por base: a evolução dos resultados da disciplina nas duas últimas décadas; a eficácia e a eficiência dos diferentes planos e medidas dirigidas à melhoria das aprendizagens em matemática e à promoção do sucesso escolar; a evolução dos resultados dos estudos de comparabilidade internacional; os instrumentos de avaliação interna e externa; e as metodologias de ensino e o seu impacto nos resultados.
Em termos mãos sintéticos, o grupo de trabalho criado pelo ME (Ministério da Educação) analisa os programas, as metodologias de ensino, os resultados e as taxas de recuperação focando-se nas causas do insucesso na disciplina e consequentemente nas vias de solução.
O grupo é constituído por 10 professores, sendo: dois professores universitários de Matemática (um associado, que coordena, e outro auxiliar); dois professores universitários (associados, sendo um com agregação) das Ciências da Educação; um professor requisitado na DGE (Direção-Geral da Educação), três professores do grupo de recrutamento 500 (Matemática do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário), uma professora do grupo de recrutamento 230 (Matemática e Ciências da Natureza do 2.º ciclo do ensino básico) e uma professora do grupo de recrutamento 110 (1.º ciclo do ensino básico).
E a APM (Associação de Professores de Matemática) espera que os professores sejam consultados sobre as aprendizagens e o envolvimento dos seus alunos. E, pelos visto hão de ser.
Deve o Grupo de Trabalho apresentar ao Secretário de Estado da Educação um conjunto de recomendações sobre o ensino, aprendizagem e avaliação em/na disciplina de matemática, percorrendo três etapas: 1.ª, a elaboração dum relatório-síntese com o “ponto de situação sobre o ensino, aprendizagem e avaliação na disciplina de matemática, caraterizando a evolução de indicadores relevantes” e submissão a discussão pública para “suscitar um amplo debate” (durante os primeiros três meses do mandato do Grupo); 2.ª, a análise do conjunto de contributos resultantes da auscultação e a sistematização das conclusões desta discussão pública; e 3.ª, a apresentação dum conjunto de recomendações sobre o ensino, aprendizagem e avaliação na disciplina de matemática (até 30 de junho de 2019, data em que o grupo termina o seu mandato).
Para efeitos da elaboração do predito relatório-síntese atinente à 1.ª etapa, a DGE, no âmbito das suas competências, desenvolverá, junto de alunos, professores, encarregados de educação, entre outros interessados, os procedimentos necessários à divulgação do relatório, sua discussão pública e recolha de contributos.
O conjunto de recomendações produzidas pelo grupo será publicitado no sítio da DGE (internet).
O grupo, sempre que entender conveniente, pode convidar associações profissionais e as diferentes sociedades científicas do setor, bem como representantes de organizações não-governamentais com conhecimento e experiência em projetos na área da matemática e da educação matemática. E, no âmbito da sua missão, pode solicitar a colaboração dos serviços e organismos do ME, designadamente da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, do Júri Nacional de Exames e do Instituto de Avaliação Educativa, I. P.
O apoio logístico e administrativo necessário ao funcionamento do grupo é assegurado pela DGE, que suporta os encargos a que, nos termos da lei, houver direito, relativos a deslocações e ajudas de custo, embora a constituição e funcionamento do grupo não confira aos seus membros ou a quem vier a colaborar com eles o direito ao pagamento de qualquer remuneração ou compensação.
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O preâmbulo do despacho evoca a assunção programática, pelo XXI Governo Constitucional, da educação e da formação como alicerces essenciais para o futuro das pessoas e do país, constituindo a aposta na qualificação “um meio imprescindível para a valorização dos cidadãos, para uma cidadania democrática e para o desenvolvimento sustentável do país”. Com efeito, a educação é “condição de empregabilidade e de competitividade e condição fundamental para uma sociedade coesa e progressiva”. Por isso, “em consonância com a aposta numa escola inclusiva, a política educativa pretende garantir a igualdade de oportunidades e promover o sucesso educativo de todos os alunos, ao longo dos 12 anos de escolaridade obrigatória”.
E, na prossecução do Programa do Governo, o ME (Ministério da Educação) “deu início a uma ampla discussão pública sobre o currículo escolar, no quadro da necessidade de definição de um Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”, discussão que “incidiu sobre as grandes linhas e decisões a tomar centralmente, nos domínios do desenvolvimento e da implementação do currículo, bem como sobre o grau de decisão e autonomia que deve ser deixado aos docentes para adaptarem a implementação do currículo à sala de aula”. Neste processo, convidou associações de professores e sociedades científicas, bem como outros peritos e entidades, para colaborar na definição de aprendizagens essenciais, por ano e disciplina, “tornando-as claras para docentes, alunos, famílias e demais intervenientes e potenciadoras da diferenciação pedagógica, do trabalho interdisciplinar, da articulação curricular, das metodologias e atividades experimentais, do aprofundamento e/ou da integração de temas relevantes no contexto específico de cada escola”.
No atinente à matemática, tem-se procedido a longa discussão sobre o que e como deve ser ensinado, tendo em conta as competências definidas para o século XXI. Procurando responder a inúmeras questões sobre o ensino-aprendizagem desta disciplina, dirigidas aos diversos serviços centrais do ME, e dada a sua relevância, foram constituídos, em março de 2016, o Grupo de Trabalho de Matemática para o Ensino Básico e o Grupo de Trabalho de Matemática para o Ensino Secundário, de que resultaram, em agosto de 2016, as Orientações de gestão curricular para o Programa e Metas Curriculares de Matemática. E, “dos inúmeros constrangimentos apontados aos documentos curriculares em vigor, pelos diversos intervenientes educativos, destacam-se, entre outros, a extensão do programa e a impossibilidade do seu cumprimento, bem como a existência de metas curriculares demasiado ambiciosas, obstando ao necessário desenvolvimento de aprendizagens pela generalidade dos alunos”.
Assim, visando o enriquecimento da discussão com a contribuição de especialistas nacionais e internacionais, partilhando ideias e levantando questões sobre diferentes abordagens do ensino e aprendizagem da matemática, a DGE organizou, em janeiro de 2017, a conferência de âmbito internacional sobre o ensino/aprendizagem da matemática, subordinada ao tema Currículo para o Século XXI – ‘Pensar a Matemática’. E, a culminar um longo e participado trabalho de desenvolvimento curricular, após aplicação piloto em 2017-2018, foram homologadas as AE (aprendizagens essenciais) para todas as disciplinas do ensino básico e para as disciplinas dos cursos científico-humanísticos, do ensino secundário (vd Despacho n.º 6944-A/2018, de 19 de julho, e Despacho n.º 8476-A/2018, de 31 de agosto).
Ora, as AE, assumindo-se como “denominador curricular comum para todos os alunos”, mas “não esgotando o que o aluno deve aprender ao longo do ano letivo”, “podem ser enriquecidas, complementadas ou aprofundadas a partir dos restantes documentos curriculares, bem como de componentes locais do currículo em função dos contextos específicos”. Ademais, liberta-se espaço curricular para a escola promover “trabalho articulado entre as disciplinas, explorações interdisciplinares diversificadas, metodologias e atividades experimentais, entre outras opções, que, em contexto, melhor contribuam para aprendizagens de qualidade, convergentes com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.
Porém, apesar das inúmeras iniciativas desenvolvidas ao longo do tempo, constituem ainda um desafio ao qual urge dar resposta as elevadas taxas de retenção na disciplina de matemática. Por isso, “torna-se premente uma análise profunda guiada por parâmetros relevantes para o estudo”: o histórico de taxas de sucesso, flutuações e correlações, as taxas de recuperação; a evolução dos programas da disciplina de matemática; a eficácia de medidas de apoio e a análise de práticas; o PAM (Plano de Ação para a Matemática); o impacto de programas de formação; os instrumentos de avaliação interna e externa, incluindo o estabelecimento de comparações internacionais, nomeadamente a relação com testes internacionais – TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) e PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).
E a análise sistemática deste conjunto de informações e de indicadores deverá sustentar as intervenções nesta área, visando a melhoria de resposta do sistema, na generalidade, e, em especial, a promoção de melhores aprendizagens. (cf Despacho n.º 12530/2018, de 28 de dezembro).
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Sobre o tema, Sara R. Oliveira publicou, no passado dia 18 de janeiro, no “educare.pt” um texto sob o título “Matemática revirada do avesso”, referindo que o predito grupo de 10 professores – coordenado pelo matemático Jaime Carvalho e Silva, professor associado do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra – “já está a analisar o fenómeno do insucesso na disciplina de matemática, abrangendo as vertentes de ensino, aprendizagem e avaliação, para apresentar as suas recomendações até 30 de junho deste ano” e se debruçará sobre “as duas últimas décadas de ensino da Matemática nas escolas básicas e secundárias do país”.
Com efeito, o ME pretende ter na mão os dados respeitantes à evolução dos resultados da disciplina nas duas últimas décadas, à eficácia e eficiência dos diversos planos e medidas com vista à melhoria das aprendizagens na disciplina e à subsequente promoção do sucesso escolar, bem como as referentes às metodologias de ensino e o seu impacto nos resultados e aos instrumentos de avaliação interna e externa. Tudo isto, para perceber a evolução dos resultados dos estudos realizados e que comparam diferentes realidades sobre esta matéria em termos internacionais. 
Face a esta iniciativa governamental, a APM obviamente saúda a criação do grupo de trabalho que, pelos vistos, vinha a pedir há pelo menos três anos. E Lurdes Figueiral, a presidente da APM, referiu ao “educare.pt” que a medida é realmente bem-vinda “pela urgência de termos uma avaliação da situação do ensino e da aprendizagem da matemática, dadas as perturbações curriculares introduzidas pelas alterações de 2013 e 2014 nos programas do ensino básico e de Matemática A, por um lado, e a necessidade de atualizações de alguns programas já desadequados, por outro”. E esclarece:
Em nosso entender, seria muito importante perceber exatamente as consequências das alterações realizadas na legislatura anterior dos programas referidos, não só em termos de resultados, mas sobretudo em termos de adesão à disciplina por parte dos alunos e do sentir dos professores sobre as aprendizagens e envolvimento dos seus alunos com estes programas. E perceber também que outros programas deveriam ser alterados por não responderem já ao fim para que foram criados como é o caso de Matemática B, por exemplo.”.
Está em causa, segundo aquela dirigente associativa avaliar em que medida a coexistência de Programas e Metas Curriculares e Aprendizagens Essenciais (coexistência absurda, a meu ver, não só na matemática, mas também nas outras disciplinas, sobretudo quando algum dos instrumentos contém omissões) tem sido benéfica e clarificadora para os professores na planificação das atividades letivas e na avaliação dos alunos. E, se essa avaliação for levada acabo, ajudará a perceber o que se está a analisar.
Lurdes Figueiral adianta-se por uma reforma curricular profunda e abrangente de todo o desenho curricular, provavelmente na linha dos projetos de resolução em debate no Parlamento, designadamente  o Projeto de Resolução n.º 1891/XIII-4.ª, do CDS, e o Projeto de Resolução n.º 1936/XIII/4.ª, do PCP, declarando: 
Não temos dúvidas da necessidade de uma reforma curricular mais profunda e abrangente, não só no que diz respeito à Matemática, mas a todo o desenho curricular dos atuais ensinos básico e secundário. Haja coragem e investimento para tornar isso possível.”. 
E Sara Oliveira realça que os intervenientes educativos têm levantado, nos últimos anos, várias questões em torno dos documentos curriculares vigentes, nomeadamente no âmbito dos constrangimentos conexos com a extensão dos programas e com a impossibilidade do seu cumprimento, além das metas curriculares demasiado ambiciosas – face ao que nem admira que, no ano letivo transato, mais de metade dos alunos tenha obtido um nível negativo na prova final nacional do 9.º ano e um terço dos estudantes tenha terminado o ensino básico com nota negativa em matemática. 
Por isso, é normal que o ME continue preocupado com os resultados na disciplina. E, no susodito Despacho, o Governo admite que as elevadas taxas de retenção na disciplina de matemática são um desafio a que “urge dar respostas”, apesar, sustenta, “das inúmeras iniciativas e medidas desenvolvidas ao longo do tempo”, que devem ser seriamente revisitadas.
Com a análise que o grupo de trabalho vai empreender, o ME quer sustentar intervenções na área da matemática de forma a melhorar a resposta do sistema educativo e, especificamente, melhorar as aprendizagens dos alunos.
O relatório-síntese que o grupo de trabalho irá elaborar, com o ponto de situação e indicadores relevantes, será submetido a discussão pública, que se espera ser amplamente participada, já que as preocupações expostas pelo Governo refletem as da comunidade científica e as da comunidade educativa.
Há que fazer tudo para inverter a situação, mas sem cair no “faz de conta”, mascarando iniciativas e resultados.
2019.01.19 – Louro de Carvalho

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