Cai, a 6 de novembro,
o centenário do nascimento de Sophia de
Mello Breyner Andresen, um dos poetas maiores da nossa literatura, quer do lado
da poesia integral – ora contemplativa e reflexiva, ora arrebatadora e
subversiva –, quer do lado da literatura infanto-juvenil onde o tom poético
está vivamente atuante no que tem de inventivo e criativo, na capacidade de
ficcionar com total veracidade e no fluir da palavra e da ternura.
O site da revista “Visão” antecipou hoje, dia 12 de janeiro e dia do arranque das
comemorações centenárias, o “Guia para
bem celebrar Sophia em 2019”, que sigo, embora cotejado com o programa
oficial.
Segundo esse
instrumento previsional, começaram já
este sábado, as celebrações com a subida ao palco do Grande
Auditório do Centro Cultural de Belém, às 16 horas e às 21, de “O Cavaleiro
da Dinamarca”, um projeto
de dança clássica e contemporânea de homenagem aos clássicos infanto-juvenis,
de Sophia, publicados entre 1958 e 1985. O libreto do espetáculo dedicado ao
cavaleiro dinamarquês em peregrinação à Terra Santa, que “une literatura,
dança, música e audiovisual”, é de Paulo Ferreira e Pedro Mateus; a composição
musical, de Daniel Schvetz; a cenografia, de José Manuel Castanheira; e a
interpretação, dos alunos da Escola Artística de Dança do Conservatório
Nacional, com a colaboração da Escola Artística de Música do Conservatório
Nacional.
***
Como consta do mencionado guia, as celebrações são
preenchidas por espetáculos,
colóquios, exposições, leituras, concertos, prémios, filmes – que atravessam
vida e obra da poeta contista e lançam pistas para o seu futuro. Segundo a “Visão”, trata-se de celebrar amplamente,
“cem anos depois do nascimento desta “poeta” maior (nunca
aceitou a designação de poetisa), a 6
de novembro de 1919”, a palavra
que professou nos versos do seu poema Creta: “Pertenço à raça dos que
percorrem o labirinto/sem nunca perderem o fio de linho da palavra”. E isso
será concretizado através duma vasta programação que tem início já neste dia
12, mas cujas iniciativas se estendem por todo o país e “contemplam outras
artes presentes na ampla esfera de afetos e influências de Sophia, como a
dança, a música, as artes plásticas, o cinema, o teatro”.
Ancorada no Centro
Nacional de Cultura – em que “a poeta e o marido, o jornalista Francisco
Sousa Tavares, assumiram funções de direção no fim da década de 1950, tendo-a
transformado numa casa livre e eclética nos tempos difíceis de ditadura” – a Comissão das Comemorações do Centenário de
Sophia de Mello Breyner Andresen sustenta, em manifesto, que comemorar Sophia
é “lembrá-la em comum” – ideia espoletada pela filha Maria Andresen, poeta e
académica que integra a comissão coordenadora com Federico Bertolazzi, Fernando
Cabral Martins, Guilherme d’Oliveira Martins e José Manuel dos Santos, que
defende a ambição e internacionalização da homenagem, tendo ainda “trunfos por
revelar ao longo de 2019”.
A pari, as comemorações contam com um programa criado em
torno da “Galeria da Biodiversidade – Centro de Ciência Viva”, no Porto (antiga
casa da família Andresen), no
Campo Alegre, cujo curador é o maestro Martim Sousa Tavares, o neto mais novo
de Sophia, que “procurou criar uma programação geradora de conteúdos novos e
inéditos”, com “encomendas criativas que estabelecem pontes entre passado,
presente e futuro” e, pode dizer-se também, entre os diversos setores sociais,
muito embora sempre do lado dos mais frágeis. E justifica-se o curador frisando
que a avó “sempre foi uma pessoa muito generosa com outros criadores e com as
gerações mais novas”, pelo que se encontra aqui “uma maneira de ela ser a
figura central, ao lado de outros artistas e autores, inspirados a criar pela
sua obra”.
***
Assim, as comemorações de Sophia em 2019 passam pelas
seguintes vertentes:
Música, dança e teatro
Além do espetáculo a que se
fez referência para o dia de hoje, vai ser estreado em maio, no Teatro LU.CA, em Lisboa – e orientado para o público
infanto-juvenil –, o conto musical A Menina do Mar, baseado
numa das obras mais famosas de Sophia (sobre a amizade
possível entre as coisas da terra e as coisas do mar). E está programada uma apresentação especial da peça,
sem cenários, mas com uma projeção de ilustrações originais da autoria de
Mariana, a Miserável, na antiga Casa Andresen, no dia de nascimento de Sophia.
A encenação é de Ricardo Neves-Neves; a direção musical, de Martim Sousa
Tavares; a música, de Edward Luiz Ayres d’Abreu; a interpretação, de Catarina
Rôlo Salgueiro, Eduardo Breda, Nuno Nolasco, Rafael Gomes e Teresa Coutinho; e
a produção, do MPMP (Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa), que tem em agenda uma digressão posterior por
várias cidades do país: Lisboa, Porto, Braga, Guimarães, Penafiel, Ovar, Coimbra, Aveiro, Lagos,
Loulé e Bragança.
Por outro lado, em resultado da parceria entre MPMP e
Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, surge o “Prémio Musa”, celebração musical do
centenário da poeta – que toma o título de um dos livros de Sophia, Musa
– para “distinguir a excelência musical
da composição contemporânea de tradição erudita ocidental”. As partituras a
concurso (a enviar até 31 de janeiro) deverão partir da poesia da autora de Navegações e
ser escritas para coro a capella. O autor premiado pelo júri (composto
pelo compositor João Pedro Oliveira e pelos maestros Pedro Teixeira e Martim
Sousa Tavares) será contemplado
com um prémio pecuniário de €3 mil (que será entregue a 31 de março), com a estreia num concerto coral dedicado a Sophia
a realizar-se na Casa Andresen e com a gravação das suas partituras pelo
Ensemble MPMP.
A este respeito, declarou Martim Sousa Tavares à “Visão”:
“Este prémio toma o título de um dos livros
de Sophia, Musa, que está dividido em andamentos como se fosse
música. A ideia foi acrescentar corpo de obra ao repertório, francamente bom,
de música clássica baseado na poesia da minha avó, em que os compositores têm
liberdade para abordar um ou mais poemas seus. É um apelo à criatividade, em
que damos espaço a compositores para que possam brilhar a partir desta grande
obra.”.
Entre abril e julho, amplia-se a oferta do espetáculo
teatral. Martim Sousa Tavares encomendou três peças para crianças a Tatiana
Salem Levy e Flávia Lins, inspiradas em três momentos do jardim da antiga casa
dos Andresen: o amanhecer, o entardecer e
o anoitecer – uma coprodução com o Teatro do Bolhão, com encenação de
Anabela Sousa, que oferece uma experiência imersiva nos cenários da família.
Além disso, o maestro-curador convidou o compositor Eurico Carrapatoso a criar
uma música original para A Noite de Natal, de que resultou uma peça
que inclui sons de harpa para aquele conto de 1959.
Para 6 de novembro, a precisa data em que se cumprem
cem anos do nascimento de Sophia, destaca-se o Concerto Comemorativo pela Orquestra Sinfónica Portuguesa no Teatro
Nacional de São Carlos, em Lisboa, com um programa igualmente inspirado na obra
da poeta e que apresentará novos talentos do canto lírico nacional e ao qual se
seguirá uma sessão solene. E, como refere Maria Andresen, estão previstas
outras iniciativas, como a realização de três dias dedicados a Sophia, uma
celebração com espetáculos, palavra e música, incluindo um concerto de Filipe
Raposo, no Palácio de Belém; e a reedição em CD de A Menina do Mar,
que recupera o disco editado em 1959 com música do maestro Fernando Lopes-Graça
e voz de Eunice Munõz, estando ainda em estudo outros projetos de grande
fôlego: “um monumento dedicado a Sophia, expandido em azulejo a partir dum
cartão feito pela artista plástica Menez com poemas de Sophia, e um grande
prémio dedicado às artes”.
Em data a anunciar, realizar-se-á um concerto concebido a
partir de obras musicais preferidas de Sophia, pela Orquestra Sinfónica Juvenil
bem como o “Lisbon Orchestra – O mundo de Sophia”, em que músicos, atores e diseurs celebram e interpretam a poesia
numa viagem à descoberta e reinvenção da palavra dita
Artes plásticas
Neste âmbito, a 25 de janeiro, é inaugurada na Galeria da
Biodiversidade “Pour ma
Sofie”, exposição fotográfica e documental inédita de Oxana Ianin,
realizada a partir da biblioteca pessoal de Sophia, em que se revela “uma visão
sobre 331 livros com dedicatórias de autores tão diversos como Agustina, Eugénio
de Andrade, Herberto, Saramago, Torga, Teixeira de Pascoaes, Vinicius de
Moraes, Carlos Drummond de Andrade – um espólio inventariado e comissariado por
Martim Sousa Tavares e que será objeto de itinerância em Portugal, Brasil e,
provavelmente, Grécia.
Outra exposição documental, comissariada por Marina Bairrão
Ruivo e Sandra Santos, abre a 15 de maio no Museu Arpad Szenes-Vieira da
Silva, em Lisboa: centrada na relação de amizade de Sophia com o casal de
pintores, apresenta obras de Vieira e Arpad, quadros hoje presentes nas casas
dos filhos da poeta, bem como cartas trocadas entre as amigas Sophia e Vieira.
E, ainda com data a anunciar, perspetiva-se a mostra
itinerante Lugares de Sophia,
que se propõe apresentar fotografias de António Jorge Silva, Duarte
Belo e Pedro Tropa, convidados a produzir uma “interpretação visual da relação
poética de Sophia de Mello Breyner Andresen com os lugares, com especial
referência à paisagem marítima”.
Colóquios e leituras
São vários colóquios e conferências que terão lugar ao
longo do ano. A Fundação Calouste Gulbenkian recebe, a 16 e 17 de maio, para
um Colóquio em Lisboa diversos
especialistas nacionais e internacionais que discutirão a obra de Sophia,
distribuídos por 4 mesas redondas e cerca de 20 comunicações. A 3 de outubro,
também o Centro Cultural de Lagos acolherá o colóquio “O
Mediterrâneo e o Atlântico em Sophia”,
dedicado a “O mar, o diálogo com os poetas do Sul, a importância dos
contos para crianças e a presença do sagrado na poesia na obra de Sophia”. Nos meses de novembro e de dezembro, ocorrerá, na Fundação
de Serralves e na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, um ciclo de
conferências sobre Sophia e as Artes. Assim, Sophia e a Música,
conversa de Pedro Eiras e Álvaro Teixeira Lopes, moderada por Ana Luísa
Amaral; Sophia e a Dança, com Carlos Mendes de Sousa e Joana
Providência, sob a moderação de Ana Paula Coutinho; Sophia e as Artes
Plásticas, debate entre Maria Filomena Molder e Nuno Faria, moderado por
Isabel Pires de Lima; Sophia e a Forma, conversa de Maria Irene
Ramalho e Teresa Andresen, sob a moderação de Rosa Maria Martelo.
E fora de Portugal, estão previstas outras iniciativas
de cariz literário e académico: a 12 de junho, tem lugar um Colóquio internacional em Roma (Biblioteca Nazionale Centrale di
Roma – Sala Macchia), com
várias gerações de estudiosos da obra de Sophia. Entre 2 e 5 de setembro (quatro
dias), o Rio de Janeiro (Faculdade de Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – Real Gabinete Português de Leitura) receberá o colóquio internacional “Sena & Sophia – Centenários”, dedicado
às obras de Jorge de Sena e de Sophia de Mello Breyner Andresen – amigos que
mantiveram longa relação epistolar em que “literatura, política e afetos se
cosiam entre linhas”. Organizado por Gilda Santos, Eucanãa Ferraz, Luci Ruas e
Teresa Cerdeira, o encontro será acompanhado por recitais de poemas, exibição
de filmes, concurso de ensaios e lançamento de livros.
Cinema e edições
Integram a programação do centenário a palavra dita e
os filmes. Estão previstos ciclos de cinema relacionados com a vida e obra de
Sophia, nomeadamente na Cinemateca Portuguesa, sob a escolha de Maria Andresen,
Margarida Gil, Rita Azevedo Gomes, José Manuel Costa e Manuel Mozos: uma
seleção de filmes sobre a poeta, a que se juntam obras que refletem os seus
gostos pessoais. À espera de aprovação estão os projetos cinematográficos
dedicados a Sophia dos realizadores Margarida Gil, que planeia a adaptação
cinematográfica de A Viagem, por si definido como “um conto que
condensa toda a poesia de Sophia em prosa”, e Manuel Mozos, que prepara o
documentário Sophia.
Quanto à palavra dita, os Poetas do Povo realizam 4
sessões: O Mar de Sophia (21 de janeiro), Sophia: Liberdade (25 de
março), Sophia: A Poesia das Ilhas (24 de
junho) e Sophia e os Clássicos (23 de
setembro), no Povo-Lisboa, ao Cais do Sodré, em
Lisboa. As celebrações continuam a 21 de março, Dia Mundial da Poesia: várias figuras declamarão poemas de Sophia
no “Menina e Moça Livraria Bar”, com acompanhamento musical, exibição de
imagens e uma instalação criada com versos da autora. E, no espírito da
efeméride, o CCB homenageará a autora de Livro Sexto com um
programa coordenado por José Manuel dos Santos: feira do livro, leituras,
conferências e programação para os mais novos, a partir das 14 horas.
Por fim, em datas ainda a anunciar, o coletivo Lisbon
Poetry Orchestra apresentará o espetáculo multimédia O Mundo
de Sophia, contando com as vozes dos atores André Gago e Miguel Borges
e dos declamadores Nuno Miguel Guedes e Paula Cortes, e ainda com o quarteto de
cordas Naked Lunch. E está prevista a edição de um livro/CD.
E, para completar a celebração do Centenário de Sophia 2019, surgirá a publicação de vários livros dedicados
à obra da autora: o volume sobre a Antiguidade Clássica, coordenado e
organizado por Maria Andresen, e prefaciado por José Pedro Serra, que reúne
essa obra de Sophia há muito esgotada, O Nu na Antiguidade
Clássica, a uma antologia de poemas seus sobre Grécia e Roma (edição
Assírio & Alvim); e um
livro com a “prosa ficcional” de Sophia, coordenado por Carlos Mendes de Sousa,
uma seleção de prosas dispersas (englobando intervenções em jornais,
entrevistas, críticas e ensaios)
organizada por Federico Bertolazzi; e uma antologia de poemas bilingue com
tradução de Richard Zenith.
***
Um programa ambicioso, diversificado e rico avivará certamente
a memória coletiva em torno da poeta e lutadora e contribuirá para a assunção
dos valores da liberdade, da criatividade, da fruição e da solidariedade numa
perspetiva genuinamente humanista aliando o melhor do classicismo com o melhor
da pós-modernidade.
2019.01.12
– Louro de Carvalho
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