sábado, 12 de janeiro de 2019

No centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen


Cai, a 6 de novembro, o centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen, um dos poetas maiores da nossa literatura, quer do lado da poesia integral – ora contemplativa e reflexiva, ora arrebatadora e subversiva –, quer do lado da literatura infanto-juvenil onde o tom poético está vivamente atuante no que tem de inventivo e criativo, na capacidade de ficcionar com total veracidade e no fluir da palavra e da ternura.
O site da revista “Visão” antecipou hoje, dia 12 de janeiro e dia do arranque das comemorações centenárias, o “Guia para bem celebrar Sophia em 2019”, que sigo, embora cotejado com o programa oficial.
Segundo esse instrumento previsional, começaram já este sábado, as celebrações com a subida ao palco do Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, às 16 horas e às 21, de “O Cavaleiro da Dinamarca, um projeto de dança clássica e contemporânea de homenagem aos clássicos infanto-juvenis, de Sophia, publicados entre 1958 e 1985. O libreto do espetáculo dedicado ao cavaleiro dinamarquês em peregrinação à Terra Santa, que “une literatura, dança, música e audiovisual”, é de Paulo Ferreira e Pedro Mateus; a composição musical, de Daniel Schvetz; a cenografia, de José Manuel Castanheira; e a interpretação, dos alunos da Escola Artística de Dança do Conservatório Nacional, com a colaboração da Escola Artística de Música do Conservatório Nacional.
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Como consta do mencionado guia, as celebrações são preenchidas por espetáculos, colóquios, exposições, leituras, concertos, prémios, filmes – que atravessam vida e obra da poeta contista e lançam pistas para o seu futuro. Segundo a “Visão”, trata-se de celebrar amplamente, “cem anos depois do nascimento desta “poeta” maior (nunca aceitou a designação de poetisa), a 6 de novembro de 1919”, a palavra que professou nos versos do seu poema Creta:Pertenço à raça dos que percorrem o labirinto/sem nunca perderem o fio de linho da palavra”. E isso será concretizado através duma vasta programação que tem início já neste dia 12, mas cujas iniciativas se estendem por todo o país e “contemplam outras artes presentes na ampla esfera de afetos e influências de Sophia, como a dança, a música, as artes plásticas, o cinema, o teatro”.
Ancorada no Centro Nacional de Cultura – em que “a poeta e o marido, o jornalista Francisco Sousa Tavares, assumiram funções de direção no fim da década de 1950, tendo-a transformado numa casa livre e eclética nos tempos difíceis de ditadura” – a Comissão das Comemorações do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen sustenta, em manifesto, que comemorar Sophia é “lembrá-la em comum” – ideia espoletada pela filha Maria Andresen, poeta e académica que integra a comissão coordenadora com Federico Bertolazzi, Fernando Cabral Martins, Guilherme d’Oliveira Martins e José Manuel dos Santos, que defende a ambição e internacionalização da homenagem, tendo ainda “trunfos por revelar ao longo de 2019”.
A pari, as comemorações contam com um programa criado em torno da “Galeria da Biodiversidade – Centro de Ciência Viva”, no Porto (antiga casa da família Andresen), no Campo Alegre, cujo curador é o maestro Martim Sousa Tavares, o neto mais novo de Sophia, que “procurou criar uma programação geradora de conteúdos novos e inéditos”, com “encomendas criativas que estabelecem pontes entre passado, presente e futuro” e, pode dizer-se também, entre os diversos setores sociais, muito embora sempre do lado dos mais frágeis. E justifica-se o curador frisando que a avó “sempre foi uma pessoa muito generosa com outros criadores e com as gerações mais novas”, pelo que se encontra aqui “uma maneira de ela ser a figura central, ao lado de outros artistas e autores, inspirados a criar pela sua obra”.
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Assim, as comemorações de Sophia em 2019 passam pelas seguintes vertentes:
Música, dança e teatro
Além do espetáculo a que se fez referência para o dia de hoje, vai ser estreado em maio, no Teatro LU.CA, em Lisboa – e orientado para o público infanto-juvenil –, o conto musical A Menina do Mar, baseado numa das obras mais famosas de Sophia (sobre a amizade possível entre as coisas da terra e as coisas do mar). E está programada uma apresentação especial da peça, sem cenários, mas com uma projeção de ilustrações originais da autoria de Mariana, a Miserável, na antiga Casa Andresen, no dia de nascimento de Sophia. A encenação é de Ricardo Neves-Neves; a direção musical, de Martim Sousa Tavares; a música, de Edward Luiz Ayres d’Abreu; a interpretação, de Catarina Rôlo Salgueiro, Eduardo Breda, Nuno Nolasco, Rafael Gomes e Teresa Coutinho; e a produção, do MPMP (Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa), que tem em agenda uma digressão posterior por várias cidades do país: Lisboa, Porto, Braga, Guimarães, Penafiel, Ovar, Coimbra, Aveiro, Lagos, Loulé e Bragança.
Por outro lado, em resultado da parceria entre MPMP e Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, surge o “Prémio Musa”, celebração musical do centenário da poeta – que toma o título de um dos livros de Sophia, Musa – para “distinguir a excelência musical da composição contemporânea de tradição erudita ocidental”. As partituras a concurso (a enviar até 31 de janeiro) deverão partir da poesia da autora de Navegações e ser escritas para coro a capella. O autor premiado pelo júri (composto pelo compositor João Pedro Oliveira e pelos maestros Pedro Teixeira e Martim Sousa Tavares) será contemplado com um prémio pecuniário de €3 mil (que será entregue a 31 de março), com a estreia num concerto coral dedicado a Sophia a realizar-se na Casa Andresen e com a gravação das suas partituras pelo Ensemble MPMP.
A este respeito, declarou Martim Sousa Tavares à “Visão”:
Este prémio toma o título de um dos livros de Sophia, Musa, que está dividido em andamentos como se fosse música. A ideia foi acrescentar corpo de obra ao repertório, francamente bom, de música clássica baseado na poesia da minha avó, em que os compositores têm liberdade para abordar um ou mais poemas seus. É um apelo à criatividade, em que damos espaço a compositores para que possam brilhar a partir desta grande obra.”.
Entre abril e julho, amplia-se a oferta do espetáculo teatral. Martim Sousa Tavares encomendou três peças para crianças a Tatiana Salem Levy e Flávia Lins, inspiradas em três momentos do jardim da antiga casa dos Andresen: o amanhecer, o entardecer e o anoitecer – uma coprodução com o Teatro do Bolhão, com encenação de Anabela Sousa, que oferece uma experiência imersiva nos cenários da família. Além disso, o maestro-curador convidou o compositor Eurico Carrapatoso a criar uma música original para A Noite de Natal, de que resultou uma peça que inclui sons de harpa para aquele conto de 1959.
Para 6 de novembro, a precisa data em que se cumprem cem anos do nascimento de Sophia, destaca-se o Concerto Comemorativo pela Orquestra Sinfónica Portuguesa no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, com um programa igualmente inspirado na obra da poeta e que apresentará novos talentos do canto lírico nacional e ao qual se seguirá uma sessão solene. E, como refere Maria Andresen, estão previstas outras iniciativas, como a realização de três dias dedicados a Sophia, uma celebração com espetáculos, palavra e música, incluindo um concerto de Filipe Raposo, no Palácio de Belém; e a reedição em CD de A Menina do Mar, que recupera o disco editado em 1959 com música do maestro Fernando Lopes-Graça e voz de Eunice Munõz, estando ainda em estudo outros projetos de grande fôlego: “um monumento dedicado a Sophia, expandido em azulejo a partir dum cartão feito pela artista plástica Menez com poemas de Sophia, e um grande prémio dedicado às artes”.
Em data a anunciar, realizar-se-á um concerto concebido a partir de obras musicais preferidas de Sophia, pela Orquestra Sinfónica Juvenil bem como o “Lisbon Orchestra – O mundo de Sophia”, em que músicos, atores e diseurs celebram e interpretam a poesia numa viagem à descoberta e reinvenção da palavra dita
Artes plásticas
Neste âmbito, a 25 de janeiro, é inaugurada na Galeria da Biodiversidade Pour ma Sofie, exposição fotográfica e documental inédita de Oxana Ianin, realizada a partir da biblioteca pessoal de Sophia, em que se revela “uma visão sobre 331 livros com dedicatórias de autores tão diversos como Agustina, Eugénio de Andrade, Herberto, Saramago, Torga, Teixeira de Pascoaes, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade – um espólio inventariado e comissariado por Martim Sousa Tavares e que será objeto de itinerância em Portugal, Brasil e, provavelmente, Grécia.
Outra exposição documental, comissariada por Marina Bairrão Ruivo e Sandra Santos, abre a 15 de maio no Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa: centrada na relação de amizade de Sophia com o casal de pintores, apresenta obras de Vieira e Arpad, quadros hoje presentes nas casas dos filhos da poeta, bem como cartas trocadas entre as amigas Sophia e Vieira.
E, ainda com data a anunciar, perspetiva-se a mostra itinerante Lugares de Sophia, que se propõe apresentar fotografias de António Jorge Silva, Duarte Belo e Pedro Tropa, convidados a produzir uma “interpretação visual da relação poética de Sophia de Mello Breyner Andresen com os lugares, com especial referência à paisagem marítima”.
Colóquios e leituras
São vários colóquios e conferências que terão lugar ao longo do ano. A Fundação Calouste Gulbenkian recebe, a 16 e 17 de maio, para um Colóquio em Lisboa diversos especialistas nacionais e internacionais que discutirão a obra de Sophia, distribuídos por 4 mesas redondas e cerca de 20 comunicações. A 3 de outubro, também o Centro Cultural de Lagos acolherá o colóquio “O Mediterrâneo e o Atlântico em Sophia, dedicado a “O mar, o diálogo com os poetas do Sul, a importância dos contos para crianças e a presença do sagrado na poesia na obra de Sophia. Nos meses de novembro e de dezembro, ocorrerá, na Fundação de Serralves e na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, um ciclo de conferências sobre Sophia e as Artes. Assim, Sophia e a Música, conversa de Pedro Eiras e Álvaro Teixeira Lopes, moderada por Ana Luísa Amaral; Sophia e a Dança, com Carlos Mendes de Sousa e Joana Providência, sob a moderação de Ana Paula Coutinho; Sophia e as Artes Plásticas, debate entre Maria Filomena Molder e Nuno Faria, moderado por Isabel Pires de Lima; Sophia e a Forma, conversa de Maria Irene Ramalho e Teresa Andresen, sob a moderação de Rosa Maria Martelo.
E fora de Portugal, estão previstas outras iniciativas de cariz literário e académico: a 12 de junho, tem lugar um Colóquio internacional em Roma (Biblioteca Nazionale Centrale di Roma – Sala Macchia), com várias gerações de estudiosos da obra de Sophia. Entre 2 e 5 de setembro (quatro dias), o Rio de Janeiro (Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Real Gabinete Português de Leitura) receberá o colóquio internacional “Sena & Sophia – Centenários”, dedicado às obras de Jorge de Sena e de Sophia de Mello Breyner Andresen – amigos que mantiveram longa relação epistolar em que “literatura, política e afetos se cosiam entre linhas”. Organizado por Gilda Santos, Eucanãa Ferraz, Luci Ruas e Teresa Cerdeira, o encontro será acompanhado por recitais de poemas, exibição de filmes, concurso de ensaios e lançamento de livros.
Cinema e edições
Integram a programação do centenário a palavra dita e os filmes. Estão previstos ciclos de cinema relacionados com a vida e obra de Sophia, nomeadamente na Cinemateca Portuguesa, sob a escolha de Maria Andresen, Margarida Gil, Rita Azevedo Gomes, José Manuel Costa e Manuel Mozos: uma seleção de filmes sobre a poeta, a que se juntam obras que refletem os seus gostos pessoais. À espera de aprovação estão os projetos cinematográficos dedicados a Sophia dos realizadores Margarida Gil, que planeia a adaptação cinematográfica de A Viagem, por si definido como “um conto que condensa toda a poesia de Sophia em prosa”, e Manuel Mozos, que prepara o documentário Sophia.
Quanto à palavra dita, os Poetas do Povo realizam 4 sessões: O Mar de Sophia (21 de janeiro), Sophia: Liberdade (25 de março), Sophia: A Poesia das Ilhas (24 de junho) e Sophia e os Clássicos (23 de setembro), no Povo-Lisboa, ao Cais do Sodré, em Lisboa. As celebrações continuam a 21 de março, Dia Mundial da Poesia: várias figuras declamarão poemas de Sophia no “Menina e Moça Livraria Bar”, com acompanhamento musical, exibição de imagens e uma instalação criada com versos da autora. E, no espírito da efeméride, o CCB homenageará a autora de Livro Sexto com um programa coordenado por José Manuel dos Santos: feira do livro, leituras, conferências e programação para os mais novos, a partir das 14 horas.
Por fim, em datas ainda a anunciar, o coletivo Lisbon Poetry Orchestra apresentará o espetáculo multimédia O Mundo de Sophia, contando com as vozes dos atores André Gago e Miguel Borges e dos declamadores Nuno Miguel Guedes e Paula Cortes, e ainda com o quarteto de cordas Naked Lunch. E está prevista a edição de um livro/CD.
E, para completar a celebração do Centenário de Sophia 2019, surgirá a publicação de vários livros dedicados à obra da autora: o volume sobre a Antiguidade Clássica, coordenado e organizado por Maria Andresen, e prefaciado por José Pedro Serra, que reúne essa obra de Sophia há muito esgotada, O Nu na Antiguidade Clássica, a uma antologia de poemas seus sobre Grécia e Roma (edição Assírio & Alvim); e um livro com a “prosa ficcional” de Sophia, coordenado por Carlos Mendes de Sousa, uma seleção de prosas dispersas (englobando intervenções em jornais, entrevistas, críticas e ensaios) organizada por Federico Bertolazzi; e uma antologia de poemas bilingue com tradução de Richard Zenith.
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Um programa ambicioso, diversificado e rico avivará certamente a memória coletiva em torno da poeta e lutadora e contribuirá para a assunção dos valores da liberdade, da criatividade, da fruição e da solidariedade numa perspetiva genuinamente humanista aliando o melhor do classicismo com o melhor da pós-modernidade.
2019.01.12 – Louro de Carvalho

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