Na “Operação Labirinto”, a operação mais
mediática antes de surgir a “Operação Marquês”, dos 47 crimes da acusação por
parte do MP (Ministério Público), apenas 7 ficaram provados. Entretanto, o juiz
foi crítico no discurso e o MP anunciou que vai recorrer da decisão.
O julgamento começou em fevereiro de 2017 e terminou em abril de 2018. Um
caso que remonta a novembro de 2014 com as primeiras detenções. O processo envolve ex-altos quadros do Estado, com um total de 21 arguidos – 17 pessoas singulares e 4 empresas
– a responder pelos crimes de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido
de vantagem, prevaricação, peculato, abuso de poder, tráfico de influência e
branqueamento de capitais.
Miguel Macedo (ex-Ministro
da Administração Interna)
demitiu-se do Governo em novembro de
2014, por lhe ser imputado pelo MP o alegado favorecimento dum grupo de pessoas
que pretendiam lucrar de forma ilícita com os Vistos Gold, realizando negócios
imobiliários lucrativos com empresários chineses que pretendiam obter
autorização de residência para investimento.
Macedo foi absolvido de todos os crimes de
que estava acusado no âmbito do caso dos Vistos Gold e que o levaram a
demitir-se do Governo: três de
prevaricação e um de tráfico de influências. Já António
Figueiredo, ex-presidente do IRN (Instituto dos Registos
e do Notariado),
considerado o “cabecilha” duma “rede” de corrupção no Estado, foi
absolvido de 2 dos 4 crimes de corrupção de que estava acusado e
considerado culpado de outro dois crimes: um de corrupção ativa e
outro de corrupção passiva. Além destes, outros dois empresários
chineses foram condenados a penas de multa entre os mais de 20 arguidos.
Os sinais do
que estava para vir tinham-se pressentido há quase há um ano, quando Macedo
obteve do juiz presidente do coletivo alguns considerandos sobre a defesa que o
ex-ministro apresentou em tribunal. No passado dia 4, na leitura da sentença,
aquele que foi quase desde o início a peça mais mediática do processo
acabou absolvido em toda a linha.
A colocação
de um Oficial de Ligação em Pequim, a concessão
de Vistos Gold a cidadãos líbios para tratamento
médico em Portugal e os alegados benefícios fiscais que
uma empresa terá tido no processo ou a entrega do caderno de
encargos ao amigo Jaime Gomes em benefício da empresa Everjets no
concurso para a gestão dos helicópteros Kamov – nada disto o
tribunal considerou provado. No
decurso da lista de crimes por que Macedo respondia em tribunal, as expressões
sucessivas do juiz Francisco Henriques eram: “não há prevaricação e nem como coautoria devia ser
condenado”; “não há censura penal”; “não há prevaricação nenhuma”.
“Não será muito honesto, é moralmente
condenável, censurável até, mas o direito penal é o último grau de defesa da
sociedade, e aqui não é ilícito o que aconteceu. O Dr. ministro fez dois
contactos, mas daí não resultou que tenha havido algum vício neste processo em
virtude destes contactos.” – frisou o juiz.
Já o ex-presidente
do IRN era apontado, na tese do MP, como a mente dum extenso esquema de
corrupção no seio do Estado. Nos dois crimes de que foi considerado culpado,
não há ligação às suspeitas de irregularidades que ajudaram a rebatizar este caso
(nascido como Operação
Labirinto antes de passar a Vistos Gold). Na verdade, estavam em
causa dois concursos para a escolha do responsável do IRN, a
que Figueiredo se candidatou (quando já desempenhava essas funções).
Acusado
de 12 crimes,
Figueiredo foi absolvido dos três crimes de tráfico de influências e do
crime de prevaricação, do crime de branqueamento de capitais e de recebimento
indevido de vantagem. Mas, além dos crimes de corrupção, foi condenado por
apenas peculato de uso (“usou
e abusou” dos funcionários do IRN em atividades privadas). Os três crimes valeram-lhe uma
pena, em cúmulo, de 4 anos e 7 meses de prisão, suspensa na execução, ficando
ainda impedido de exercer funções públicas durante 3 anos.
A sua condenação
arrastou consigo Maria Antónia Anes, ex-secretária-geral
do Ministério da Administração Interna. Na leitura da sentença, o predito juiz anunciou
que, em relação a ela, o tribunal considerou provados um crime de corrupção
passiva e outro de corrupção ativa, tendo o seu comportamento sido classificado
como “inadmissível”, pois “houve interferência no concurso, a interferência foi
aceite, nesta matéria houve transação de cargos entre o Dr. António
Figueiredo e a Dra. Maria António Anes”, tendo um ajudado “o outro no concurso”.
Manuel
Jarmela Palos, ex-diretor
do SEF (Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras)
era outro dos nomes de maior peso envolvidos no processo. Segundo o tribunal,
não pode ser condenado pelo crime de corrupção passiva para ato ilícito e pelos
dois crimes de prevaricação (“neste caso, nem
dúvidas o tribunal tem, nem foi [uma decisão] pro in dubio”); sobre o crime de prevaricação, “a mesma coisa, nada
de censurável”; e, “no caso dos vistos, do ILS (empresa de Lalanda e Castro), houve contactos” com outros altos
quadros do Estado e do Governo, “mas esses contactos não tiveram influência
nenhuma na decisão”, diz o juiz, que declarou serem os contactos lícitos e, “se
foram honestos ou não, é uma questão alheia ao tribunal”.
Jaime Gomes,
amigo de longa data de Macedo, foi absolvido do crime de corrupção passiva para
ato ilícito, do crime de prevaricação e dois crimes de tráfico de influências.
Para os empresários
chineses envolvidos no processo, julgados por terem participado
em negócios de imóveis e oferecido contrapartidas a Figueiredo por vantagens
nesses processos, o tribunal tomou dois tipos de decisão: Zhu Xhiadong e a
mulher, Zhu Baoe, foram absolvidos do crime de corrupção, mas condenados
por tráfico de influências; e Xia Baoling foi absolvido.
Havia ainda
um grupo de 5 arguidos ligados ao IRN e suspeitos de
terem aceitado ser uma espécie de testa-de-ferro de Figueiredo ao darem origem
a empresas (tituladas na
sombra, dizia o MP, pelo homem-forte do IRN) para realizar contratos com as autoridades angolanas na
área da Justiça. E o juiz disse:
“Em
Angola, as coisas fazem-se como se fazem, [mas] não foi provado que tenha havido
abuso no exercício do cargo por parte destes funcionários do Estado e, por
isso, foram todos absolvidos dos crimes de corrupção passiva e
de recebimento indevido de vantagens”.
A sessão já
ia com mais de uma hora quando o juiz começou a acelerar o ritmo a que as
decisões iam sendo anunciadas. E, no final, ficou no ar uma certeza e uma
suspeita: a maioria dos arguidos saiu ilibada das acusações do MP e, mesmo nos
casos em que houve lugar a condenações, as defesas devem preparar-se para
recorrer da decisão. E garantiu, no fim, que “não houve pressões” e “o tribunal
não faz fretes a ninguém”. Não era preciso dizê-lo…
Apesar de
Figueiredo ter sido condenado por peculato de uso, pela forma como direcionou
os serviços do IRN para atividades privadas com Luanda, Rogério Alves sublinha
que “este processo acabou por se tornar um processo
da CReSAP (Comissão
de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública)”. Não ficou provado o branqueamento
de capitais nem a corrupção nos Vistos Gold nem relativamente aos negócios com
Angola e, por isso, “o processo foi caindo aos bocados, até ficar
este bocadinho”. E Rogério Alves distinguiu “aquilo que são erros de
apreciação política, erros comportamentais, erros administrativos de infrações
criminais”.
A sessão ficou
ainda marcada por um momento em que o presidente do coletivo dedicou longos
minutos a fazer a desnecessária defesa da integridade da sentença,
como acima ficou dito. Mas o juiz explicitou que “este tribunal e este juiz” (insistiu Henriques em nome próprio) podem “afirmar que nunca
fomos pressionados de forma nenhuma e não fazemos fretes a ninguém: o
que está refletido nesta decisão é a convicção do tribunal do que se passou na
verdade, esta decisão é a verdade deste tribunal”, “para que não haja
dúvida”.
Aliás, o MP
tinha pedido a condenação de Macedo a pena de prisão, eventualmente
suspensa e não superior a 5 anos; e, em relação a Figueiredo, pedira a condenação
a 8 anos de prisão e o afastamento do exercício de funções
públicas num período de dois a três anos.
Jaime Gomes foi
outro dos casos em que o MP se focou na pena de prisão efetiva pelos
crimes de corrupção passiva, prevaricação de titular de cargo político e
tráfico de influências. Manuel Jarmela Palos, antigo homem forte do SEF, estava
neste grupo de condenados a penas suspensas, ainda que o MP admitisse a absolvição
relativamente aos crimes de prevaricação de que era acusado. E todos
os outros arguidos, admitia o procurador, poderiam ser condenados a penas
suspensas.
***
A 23 de novembro de 2016, Palos estava acusado de
corrupção passiva e prevaricação. O antigo diretor do SEF, detido em 2014 no âmbito
da operação Labirinto (era o primeiro chefe duma polícia a
ser detido em Portugal), que investigou a concessão de Vistos Gold, terá facilitado processos
a amigos de Macedo na tentativa de agradar ao ministro e travar a
extinção do SEF. Concluía a IGAI que fora um diretor “brilhante”,
mas violou vários deveres profissionais.
O antigo diretor do SEF era acusado de corrupção passiva e
prevaricação, por ter violado os deveres de prossecução do interesse
público, imparcialidade, zelo e lealdade. A prova de que violou estes deveres
era “cristalina”, garantia a IGAI. Ainda assim, a inspeção assegurava que Palos
“jamais recebeu qualquer quantia monetária”, nem ficou com duas garrafas de
vinho Pera Manca, como chegou a ser referido pelo MP.
A IGAI justificava a conduta de Palos com a dedicação
ao serviço e o receio de o SEF ser extinto. “A mera possibilidade da extinção do SEF era para o arguido, neste quadro
afetivo-funcional, uma preocupação”, já que “podia ser extinto o serviço em que
pusera todo o seu empenho pessoal e profissional e em prol do qual prejudicara
a sua vida pessoal e familiar”.
***
No ECO, Filipa Ambrósio de Sousa
refere que os “Vistos Gold” foram um dos primeiros processos, sob a égide da
PGR, Joana Marques Vidal, que viria a tomar proporções mediáticas quando ainda
nada fazia prever a “Operação Marquês”. Diz que muito se opina sobre a Justiça,
embora muitos não saibam do que falam, pois “não estão lá” e “não leem as
páginas e páginas de acusações”, nem tentam “descodificar as palavras de um
juiz ao ler in loco um acórdão, sem
grandes preocupações com o mundo que está à volta”.
Não obstante, o seu texto não é “um elogio à incansável, mas
criticável profissão de jornalista”.
E recuando a novembro de 2014, diz que o caso dos “Vistos Gold” foi um seu momento
marcante como jornalista e conta:
“Sob a égide da senhora Procuradora-Geral da
República, Joana Marques Vidal, este foi um dos primeiros processos que viria a
tomar proporções mediáticas quando ainda nada fazia prever o nascimento da
“Operação Marquês”, dez dias depois. Dias e dias sem descanso, à procura de
manchetes, feitas sem dúvidas, numa sofreguidão incansável. Este processo – que começou por ser chamado de ‘Operação Labirinto’,
mas que depressa nos corredores se tornou o dos ‘Vistos Gold’ – era o primeiro
em que o Ministério Público de Marques Vidal, sob o aval da magistratura de
instrução do costume, ‘ousava’ investigar altos quadros do Estado e até,
imaginem, um ministro da Administração Interna: Miguel Macedo, que acabou por
pedir a demissão do Governo liderado por Pedro Passos Coelho.”
E, sublinhando a espetacularidade dada aos atos, releva:
“Tivemos detenções quase em direto, câmaras
de televisão em cima da cara de arguidos, carreiras interrompidas, carateres de
jornais multiplicados diariamente, abertura de telejornais dia sim, dia sim e
até a divulgação de interrogatórios judiciais. Uma moda que até parece que veio
a pegar, mais tarde. Em que os momentos de fragilidade de arguidos
estavam chapados em plenas câmaras que não se saberia que viriam a ser de
televisão, com todos os portugueses a assistirem. E a aplaudirem.”.
E agora, na decisão de primeira instância, de 47 crimes na acusação do MP, distribuídos
por 17 arguidos e em que 1/3 deles era, à data, altos quadros do Estado,
apuraram-se 7, “sete crimes provados em fase de julgamento”, “crimes que
acabaram por ser descobertos nesta teia chamada de ‘labirinto’, mas que nada
tinham a ver com corrupção na obtenção de Vistos Gold, mas
com os concursos da CRESAP.
E pergunta onde está e como fica o Ministério Público. É claro que insistirá
no recurso, aliás aconselhado pelo juiz, “como manda a nossa tradição garantístico
penal. E questiona se “o balanço do mandato da ex-titular da investigação
criminal não terá sido feito cedo demais”, já que “a coragem de Joana Marques
Vidal, que chegou a ser considerada figura do ano por muitos, está na
investigação que afinal deu em muito pouco”, como se interroga “onde está o
elogio à magistratura de primeira instância quando só se ouve o elogio à
magistratura de instrução”.
***
Retirei as ideias mais pertinentes do texto da aludida jornalista, tal como
inseri uma lauda sobre o caso de Manuel Palos, pelo que representam de maléfico
a espetacularidade da ação judiciária e as fugas de informação que induzem a
condenação na praça pública, no 1.º caso, e as conclusões precipitadas sobre a
clareza e validade das provas em sede de instrução, no 2.º.
A prova de que violou estes deveres era “cristalina”, garantia a IGAI em
relação a Palos. Quanto a Macedo e outros (incluindo Palos), a presunção de inocência foi eclipsada face à condenação
nos tabloides e através de vídeos em que se exibiam peças de interrogatórios
aos arguidos (nervosos, porque alegadamente teriam algo a esconder…), houve medidas de coação (algumas
passaram pela prisão preventiva)
interromperam-se carreiras politicas e profissionais (demissões…), enlamearam-se figuras presuntivamente decentes –
porque alegadamente a justiça passou a funcionar para todos, mesmo para os
grandes. Parece que toda a gente se esqueceu de que a prova se produz em
tribunal e não na fase de inquérito nem na de instrução.
É admissível que os investigadores e os acusadores cometam erros, mas não
se admite que um megaprocesso dê em nada ou quase nada ou resulte em condenação
que incida em matéria que não estava no objetivo do processo (talvez por
isso em sede de recurso todos possam conhecer a absolvição).
Depois, surgem as dúvidas: “Será que Sócrates, Salgado e outros virão a ser
ilibados nos processo em que estão envolvidos, depois de tanta tinta haver sido
derramada e se terem enrouquecido tantas vozes condenatórias? E porque têm os
juízes de tecer tantos considerandos justificativos das ilibações que decretam
e de distinguir à saciedade o aspeto moral e o aspeto penal, chegando a dizer
que o tribunal não conhece da eventual desonestidade? Quererão autoproteger-se
de suspeitas ou estão a encobrir desígnios escondidos? Serão mesmo os tribunais
impermeáveis a pressões e interesses? Há mesmo justiça igual para todos? Como é
que alguns processos estão feridos de nulidades e outros não? Têm os advogados
a igualdade de oportunidades independentemente da condição dos seus constituintes?
E, se os arguidos procederem contra o Estado e pedirem indemnizações, lá
pagará o Zé!
É pena que o cidadão possa pensar que é uma balela apregoar-se que há
justiça igual para todos.
2019.01.06 –
Louro de Carvalho
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