quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

PSD estranha posição de Marcelo sobre propinas e Marcelo reage


Na sua intervenção na Convenção Nacional do Ensino Superior 2030, que decorreu, a 7 de janeiro, no ISCTE-IUL, em Lisboa, o MCTES (Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), Manuel Heitor, baseado nos ideais europeus que garantem a frequência do ensino superior sem sobrecarga para as famílias e na análise do panorama português atinente ao acesso ao ensino superior e à sua frequência e conclusão, defendeu políticas que garantam a redução dos custos das famílias com filhos no ensino superior. E, na sequência da evolução dessas políticas, propôs o fim das propinas como “um cenário favorável” no prazo de uma década, reconhecendo que tal só será possível através de “um esforço coletivo de todos os portugueses”.
Aos jornalistas, à margem do debate, explicou:
Temos um sistema muito diversificado na Europa, mas a tendência normal é reduzir, no prazo de uma década, os custos das famílias sem reforçar a carga fiscal, mas equilibrando os rendimentos, para que sejam os beneficiários individualmente e os empregadores a ter maiores contribuições no ensino superior”.
E prosseguiu, reforçando a ideia de uma sociedade mais equitativa, com um ensino superior “menos elitista, massificado e mais aberto a todos”:
Hoje temos a certeza de que aprender no ensino superior garante acesso a melhores empregos. Temos de alargar essa possibilidade a mais jovens, reduzindo os custos diretos das famílias.”.
Porém, o Ministro entende que, entretanto, “tem de ser repensada” a ação social escolar e ser tida em conta a indicação da OCDE de que vão triplicar em todo o mundo os estudantes e que as instituições portuguesas devem apostar cada vez mais no ensino em várias línguas, tendo em linha de conta a presença de estudantes estrangeiros.
Também o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, defendeu a estratégia de atração de estudantes estrangeiros, dizendo que “nós podemos ser a Austrália da Europa”. E o presidente do CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), António Fontainhas Fernandes, reforçou a ideia de Santos Silva, acrescentando que “a internacionalização não passa apenas por trazer estudantes”. E lembrou a importância de não se apresentarem medidas avulsas para o ensino superior, dizendo:
É preciso modernizar, rejuvenescer as instituições, chamar os mais jovens. Este é um percurso que se faz, mas que é preciso ser visto a longo prazo e não pode ser feito com medidas avulsas.”.
É conveniente recordar que o objetivo dos promotores era que da convenção resultasse uma “Nova Agenda Estratégica para o Ensino Superior em Portugal”, visando a próxima década, durante a qual se pretende fortalecer o sistema de ensino superior nacional.
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Ora, depois de o Ministro que tutela o ensino superior mostrar uma opinião favorável ao fim das propinas, o Presidente da República afirmou concordar com a proposta de que se devia caminhar para o fim das propinas no ensino superior. Mas o PSD estranha a posição, já que alegadamente foi Marcelo que aprovou o aumento das propinas enquanto era líder do partido.
Com efeito, em 1997, a subida nas propinas resultou dum “acordo de regime” com o Governo do PS, lembra David Justino, vice-presidente do PSD e presidente do CEN (Conselho Estratégico Nacional) do PSD, citado pelo Público (acesso condicionado). O socialdemocrata aponta que, “pela primeira vez há um ministro do PS que coloca em causa este acordo”.
David Justino defende que, da perspetiva do PSD, “não há razão objetiva para que se faça uma revisão do financiamento no que diz respeito às propinas”, classificando a descida de “medida populista”. Mesmo assim, Justino admite que compreende que Marcelo Rebelo de Sousa tenha posições diferentes estando em cargos diferentes. Seja como for, o PSD não concorda com medida. E apresentou, esta quarta-feira, a sua estratégia para a década no Ensino Superior, com um ponto de partida: as propinas devem continuar e, se houver dinheiro para as diminuir ou abolir, esse valor deve ser investido em bolsas de estudo.
David Justino, considerando que defender a redução e a abolição das propinas são propostas “populistas”lançou farpas ao Ministro da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior e ao Presidente da República, que perspetivam o fim das propinas.
Ainda antes da implementação das medidas, chegou o combate político. E, aí,  David Justino assestou as baterias para Heitor e, de forma indireta, para Marcelo, lembrando que foi sob a liderança partidária deste que o PSD e o PS acordaram a reintrodução de propinas nas universidades e politécnicos. E aquele vice-presidente do PSD explicitou:
O problema das propinas é um problema que estaria resolvido desde que o professor Marçal Grilo era ministro. Ele restituiu as propinas no ensino superior, num governo do PS com o apoio do PSD, era presidente do PSD o professor Marcelo Rebelo de Sousa.”.
David Justino, frisando que as propinas são, desde então, “um pilar de financiamento do ensino superior”, estranhou que, desde aí – quando a propina passou dos simbólicos 6 euros para 283 euros – pela primeira vez haja “um ministro do PS que coloca em causa este mesmo acordo”.
Interpelado pelos jornalistas sobre o beliscão a Marcelo, Justino desvalorizou a farpa desferida dizendo que uma coisa são as posições de Rebelo de Sousa como líder do PSD e outra como Presidente, “o que é perfeitamente natural em duas posições institucionais distintas”. Já Manuel Heitor não teve a mesma benevolência, pois o dirigente socialdemocrata desfiou:
O Ministro, em declarações reproduzidas pelo jornal Público em 2016, disse que a questão das propinas está perfeitamente resolvida em Portugal e que o Governo não se devia imiscuir. Não sei o que mudou de 2016 para 2018. Sei o que mudou. E não é o 2018; é o 2019”.
Para o PSD, segundo Justino, “não há razão objetiva para que se faça uma revisão no financiamento no que diz respeito à parte das propinas”, devendo manter-se o princípio do “utilizador-pagador” e assegurar que as famílias façam esse investimento porque tem “retorno”. Além disso, o antigo Ministro da Educação sustenta que a abolição da propina ou a redução do seu valor não resolve o problema, já que “nos estudantes deslocados, o custo da propina é uma pequena parte dos custos da frequência do Ensino Superior.” Assim, a descida das propinas, para o dirigente do PSD, alivia as famílias, mas não é uma medida que promova a equidade”.
Justino entende que seria “muito interessante ver um aumento significativo das verbas afetas à ação social escolar”, advertindo que tais verbas “não devem cobrir só os custos de frequência, mas outros custos mais significativos como os custos de deslocação”.
Devo dizer que é discutível o princípio do utilizador-pagador, invocado pelo PSD, sobretudo por induzir a dificuldade de muitos e muitas acederem a este bem público da educação e ensino superior, dispensando o Estado do cumprimento de uma das suas funções relevantes – a criação da igualdade de oportunidades para todos. Mas também devo dizer que, para a validade do princípio de que não devem ser as famílias a pagar o ensino superior, mas os seus beneficiários, teria o Estado de criar um mecanismo de compensação evitando eficazmente que os mais ricos fujam aos impostos e contribuições (acabando com a exclusividade das declarações contributivas) e intervindo no mercado do trabalho estabelecendo limites aos preços praticados ao utente no exercício das profissões liberais. O povo não pode pagar um custo à cabeça e outro mais pesado aquando da prestação do serviço.   
Depois de David Justino, veio Maria da Graça Carvalho, coordenadora do PSD para a área do Ensino Superior e antiga Ministra da Ciência e Ensino Superior (XV Governo) e Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior (XVI Governo), apontar algumas medidas, referindo que o partido defende desde logo um “novo modelo de financiamento, em que se mantém “o sistema de propinas” e que cada aumento de verbas que seja possível fazer “deve ser para a ação social”. Mas também aqui – penso eu – deviam afinar-se os critérios de atribuição de bolsas e subsídios.
A nova fórmula de financiamento, explica a predita coordenadora, tem de passar por “critérios objetivos e transparentes”, em que as universidades terão “financiamento por objetivos”. Assim, os principais vetores que servirão para avaliar o financiamento (e, por exemplo, definir majorações para os estabelecimentos de ensino superior) serão o ensino, a investigação, a valorização do conhecimento, território e do património.
Graça Carvalho defende, pois, mudanças políticas no setor “baseadas no maior conhecimento, não em crenças, não em ideias populistas”, bem como um sistema “independente do poder político” e que passe por uma “visão integrada do Ensino Superior, da Ciência e da Inovação”. Para o partido, as Instituições de Ensino Superior devem adaptar-se aos novos tempos, pelo que “têm de reformular conteúdos, recursos, na forma de ensinar e de se relacionar com os alunos, e toda a forma de organização do campus“. Além disso, deve-se “aprofundar a oferta diversificada de Ensino Superior” e “encorajar a mobilidade, aumentando a diversidade e flexibilidade dos percursos” e “criando programas de transição entre percursos formativos”. Além disso, o PSD pretende que as universidades aumentem a coesão territorial.
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A respeito da sua posição sobre as propinas, o Presidente da República fez publicar na página da Presidência, com data de 9 de janeiro, uma nota do seguinte teor:  
1. O atual Presidente da República, enquanto cidadão, sempre foi favorável à existência de um regime de propinas, considerando que os montantes deviam refletir a capacidade económica dos que as pagavam, de forma direta ou com recurso a esquemas de ação social escolar. E, como Presidente da Comissão Política Nacional do PSD, optou, em 1997, pela abstenção na votação da proposta de lei do Governo socialista, viabilizando-a, sem com ela, cabalmente, concordar.
2. Assim pensava ainda há doze anos, aquando da reforma de José Mariano Gago no domínio do ensino superior, como anteontem frisou na sua intervenção na Conferência promovida pelo CRUP – Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.
3. Tal como, também anteontem, sublinhou, na mesma intervenção, a experiência destes últimos vinte anos mostra que o país não recuperou do seu atraso nas qualificações como seria desejável, daí a necessidade de se enfrentar a questão de estrangulamento na passagem do ensino secundário para o ensino superior, entendendo ser indispensável repensar o acesso e o financiamento do ensino superior.
4. Assim, pronunciou-se a favor de um debate envolvendo os seguintes pontos: a necessidade de acordo de regime sobre a matéria; a adoção de uma visão de longo prazo; a procura de uma solução ligada ao financiamento do sistema de ensino em geral; a ponderação dos recursos financeiros disponíveis; a decisão política de dar prioridade ao ensino superior, que reconhece não tem existido, em termos de poder político, tal como da sociedade portuguesa em geral, que tem julgado prioritárias outras áreas sociais ou mesmo educativas.
5. Considerou o anúncio a prazo da extinção de propinas, supondo tal ser possível, como um passo na direção enunciada e tendo em vista o objetivo nacional de aumentar substancialmente a qualificação dos portugueses, como fator estratégico do nosso desenvolvimento futuro, à semelhança do que se verifica nos mais desenvolvidos países europeus.”.
Assim, deu azo a que, por exemplo, Mónica Silvares, no ECO, saliente que o Presidente da República tenha explicado, ao mesmo tempo que Rui Rio dava uma conferência de imprensa sobre a sessão de hoje da Comissão Política Nacional do PSD, que enquanto presidente da Comissão Política Nacional do PSD, em 1997, se absteve na votação da proposta de lei do Governo socialista, que visava o aumento das propinas, uma abstenção que acabou por viabilizar o aumento. Mais diz que o Presidente “sempre foi favorável à existência de um regime de propinas, considerando que os montantes deviam refletir a capacidade económica dos que as pagavam, de forma direta ou com recurso a esquemas de ação social escolar”. No entanto, agora apontou, a saída de uma convenção sobre este tema, no Instituto Universitário de Lisboa, a sua concordância total com a ideia de se caminhar para o fim das propinas no ensino superior, um passo muito importante no domínio do seu funcionamento.
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Cá está, um momento em que o Presidente deveria ter-se contido. Na referida convenção, deveria ter sido simpático apoiando a iniciativa como tal, mas remetendo as questões em concreto para a responsabilidade do Governo na condução da política geral (vd art.º 182.º da CRP).
Por outro lado, a nota da Presidência dá-nos uma informação irrelevante, que o PSD aproveitou na sua vinda a terreiro. Que nos interessa o que o Presidente pensava enquanto líder partidário ou como cidadão, para mais há tanto tempo? Mas ele já o invocou aquando do veto que opôs à lei do financiamento dos partidos… Está-lhe no sangue? Ora, ele é o Presidente e pronto. Era bom que se abstivesse de comentar tudo e todos, bem como de antecipar opinião sobre matéria que esteja e enquanto estiver em processo legislativo, e que, sem abdicar do seu carisma da proximidade, usasse da conveniente parcimónia nas declarações que profere. Não é a linha dos afetos, praticada permanentemente uma via consistente de ação política. E o Presidente sabe-o enquanto professor de Ciência Política e de Direito Público.
2019.01.09 – Louro de Carvalho

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