Na sua intervenção na Convenção
Nacional do Ensino Superior 2030, que decorreu, a 7 de janeiro, no ISCTE-IUL,
em Lisboa, o MCTES (Ministro da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior), Manuel
Heitor, baseado nos ideais europeus que garantem a frequência do ensino
superior sem sobrecarga para as famílias e na análise do panorama português
atinente ao acesso ao ensino superior e à sua frequência e conclusão, defendeu políticas que garantam a redução dos custos das famílias com filhos no
ensino superior. E, na sequência da evolução dessas políticas, propôs o fim das propinas como “um cenário favorável” no prazo de uma década,
reconhecendo que tal só será possível através de “um esforço coletivo de todos
os portugueses”.
Aos jornalistas, à margem do debate, explicou:
“Temos um sistema muito diversificado na
Europa, mas a tendência normal é reduzir, no prazo de uma década, os custos das
famílias sem reforçar a carga fiscal, mas equilibrando os rendimentos, para que
sejam os beneficiários individualmente e os empregadores a ter maiores
contribuições no ensino superior”.
E
prosseguiu, reforçando a ideia de uma sociedade mais equitativa, com um ensino
superior “menos elitista, massificado e mais aberto a todos”:
“Hoje
temos a certeza de que aprender no ensino superior garante acesso a melhores
empregos. Temos de alargar essa possibilidade a mais
jovens, reduzindo os custos diretos das famílias.”.
Porém,
o Ministro entende que, entretanto, “tem de ser repensada” a ação social
escolar e ser tida em conta a indicação da OCDE de que vão triplicar em todo o mundo os estudantes e que as instituições portuguesas
devem apostar cada vez mais no ensino em várias línguas, tendo
em linha de conta a presença de estudantes estrangeiros.
Também
o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, defendeu a
estratégia de atração de estudantes estrangeiros, dizendo que “nós podemos ser
a Austrália da Europa”. E o presidente do CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), António Fontainhas Fernandes,
reforçou a ideia de Santos Silva, acrescentando que “a internacionalização não
passa apenas por trazer estudantes”. E lembrou a importância de não se apresentarem medidas avulsas para o ensino superior, dizendo:
“É preciso modernizar, rejuvenescer as instituições, chamar os mais
jovens. Este é um percurso que se faz, mas que é preciso ser visto a longo
prazo e não pode ser feito com medidas avulsas.”.
É conveniente
recordar que o objetivo dos promotores era que da convenção resultasse uma
“Nova Agenda Estratégica para o Ensino Superior em Portugal”, visando a próxima
década, durante a qual se pretende fortalecer o sistema de ensino superior
nacional.
***
Ora, depois de o Ministro que tutela o ensino superior mostrar uma opinião
favorável ao fim das propinas, o Presidente da República afirmou concordar
com a proposta de que se devia
caminhar para o fim das propinas no ensino superior. Mas o PSD estranha
a posição, já que alegadamente foi Marcelo que aprovou o aumento das propinas
enquanto era líder do partido.
Com efeito, em 1997, a subida nas propinas resultou dum “acordo de regime”
com o Governo do PS, lembra David Justino, vice-presidente do PSD e presidente
do CEN (Conselho
Estratégico Nacional) do PSD,
citado pelo Público (acesso
condicionado). O socialdemocrata aponta que, “pela
primeira vez há um ministro do PS que coloca em causa este acordo”.
David Justino defende que, da perspetiva do PSD, “não há razão objetiva para que
se faça uma revisão do financiamento no que diz respeito às
propinas”, classificando a descida de “medida populista”. Mesmo assim, Justino
admite que compreende que Marcelo Rebelo de Sousa tenha posições diferentes
estando em cargos diferentes. Seja como for, o PSD não concorda com medida. E apresentou, esta quarta-feira, a sua
estratégia para a década no Ensino Superior, com um ponto de partida: as
propinas devem continuar e, se houver dinheiro para as diminuir ou abolir, esse
valor deve ser investido em bolsas de estudo.
David Justino, considerando que defender a redução e a abolição das
propinas são propostas
“populistas”, lançou farpas
ao Ministro da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior e ao Presidente da
República, que perspetivam o fim das propinas.
Ainda antes da
implementação das medidas, chegou o combate político. E, aí, David
Justino assestou as baterias para Heitor e, de forma indireta, para Marcelo,
lembrando que foi sob a liderança partidária deste que o PSD e o PS acordaram a
reintrodução de propinas nas universidades e politécnicos. E aquele vice-presidente
do PSD explicitou:
“O problema das propinas é um problema que
estaria resolvido desde que o professor Marçal Grilo era ministro. Ele
restituiu as propinas no ensino superior, num governo do PS com o apoio do PSD, era presidente do PSD o professor
Marcelo Rebelo de Sousa.”.
David
Justino, frisando que as propinas são, desde então, “um pilar de financiamento
do ensino superior”, estranhou que, desde aí – quando a propina passou dos
simbólicos 6 euros para 283 euros – pela
primeira vez haja “um ministro do PS que coloca em causa este mesmo acordo”.
Interpelado pelos
jornalistas sobre o beliscão a Marcelo, Justino desvalorizou a farpa desferida
dizendo que uma coisa são as posições de Rebelo de Sousa como líder do PSD
e outra como Presidente, “o que é perfeitamente natural em duas posições
institucionais distintas”. Já Manuel Heitor não teve a mesma benevolência, pois
o dirigente socialdemocrata desfiou:
“O Ministro,
em declarações reproduzidas pelo jornal Público em 2016, disse que a questão das propinas está
perfeitamente resolvida em Portugal e que o Governo não se devia imiscuir. Não
sei o que mudou de 2016 para 2018. Sei o que mudou. E não é o 2018; é o 2019”.
Para o PSD,
segundo Justino, “não há razão objetiva para que se faça uma revisão no
financiamento no que diz respeito à parte das propinas”, devendo manter-se o
princípio do “utilizador-pagador” e assegurar que as famílias façam esse
investimento porque tem “retorno”. Além disso, o antigo Ministro da Educação sustenta
que a abolição da propina ou a redução do seu valor não resolve o problema, já
que “nos estudantes deslocados, o custo da propina é uma pequena parte dos
custos da frequência do Ensino Superior.” Assim, a descida das propinas, para o
dirigente do PSD, “alivia as famílias, mas não é uma medida que
promova a equidade”.
Justino entende
que seria “muito interessante ver um aumento significativo das verbas afetas à
ação social escolar”, advertindo que tais verbas “não devem cobrir só os custos de frequência, mas outros custos mais
significativos como os custos de deslocação”.
Devo dizer
que é discutível o princípio do utilizador-pagador, invocado pelo PSD,
sobretudo por induzir a dificuldade de muitos e muitas acederem a este bem
público da educação e ensino superior, dispensando o Estado do cumprimento de
uma das suas funções relevantes – a criação da igualdade de oportunidades para
todos. Mas também devo dizer que, para a validade do princípio de que não devem
ser as famílias a pagar o ensino superior, mas os seus beneficiários, teria o
Estado de criar um mecanismo de compensação evitando eficazmente que os mais
ricos fujam aos impostos e contribuições (acabando com a exclusividade das declarações
contributivas) e
intervindo no mercado do trabalho estabelecendo limites aos preços praticados
ao utente no exercício das profissões liberais. O povo não pode pagar um custo
à cabeça e outro mais pesado aquando da prestação do serviço.
Depois de
David Justino, veio Maria da Graça Carvalho, coordenadora do PSD para a área do
Ensino Superior e antiga Ministra da Ciência e Ensino Superior (XV Governo) e Ministra da Ciência, Inovação e Ensino Superior (XVI Governo), apontar algumas medidas, referindo que o partido
defende desde logo um “novo modelo de
financiamento”, em que se mantém “o sistema de propinas” e que cada aumento de verbas que seja
possível fazer “deve ser para a ação social”. Mas também aqui – penso eu – deviam
afinar-se os critérios de atribuição de bolsas e subsídios.
A nova
fórmula de financiamento, explica a predita coordenadora, tem de passar por
“critérios objetivos e transparentes”, em que as universidades terão “financiamento por objetivos”. Assim,
os principais vetores que servirão para avaliar o financiamento (e, por
exemplo, definir majorações para os estabelecimentos de ensino superior) serão o ensino, a investigação, a valorização
do conhecimento, território e do património.
Graça
Carvalho defende, pois, mudanças políticas no setor “baseadas no maior conhecimento,
não em crenças, não em ideias populistas”, bem como um sistema “independente
do poder político” e que passe por uma “visão integrada do Ensino Superior, da
Ciência e da Inovação”. Para o partido, as Instituições de Ensino Superior devem
adaptar-se aos novos tempos, pelo que “têm de reformular conteúdos, recursos,
na forma de ensinar e de se relacionar com os alunos, e toda a forma de
organização do campus“. Além disso, deve-se “aprofundar a oferta
diversificada de Ensino Superior” e “encorajar a mobilidade, aumentando a
diversidade e flexibilidade dos percursos” e “criando programas de transição
entre percursos formativos”. Além disso, o PSD pretende que as universidades
aumentem a coesão territorial.
***
A respeito da sua posição sobre as propinas, o Presidente
da República fez publicar na página da Presidência, com data de 9 de janeiro, uma
nota do seguinte teor:
“1. O atual Presidente da República,
enquanto cidadão, sempre foi favorável à existência de um regime de propinas,
considerando que os montantes deviam refletir a capacidade económica dos que as
pagavam, de forma direta ou com recurso a esquemas de ação social escolar. E,
como Presidente da Comissão Política Nacional do PSD, optou, em 1997, pela
abstenção na votação da proposta de lei do Governo socialista, viabilizando-a,
sem com ela, cabalmente, concordar.
“2. Assim pensava ainda há doze anos,
aquando da reforma de José Mariano Gago no domínio do ensino superior, como
anteontem frisou na sua intervenção na Conferência promovida pelo CRUP –
Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.
“3. Tal como, também anteontem, sublinhou,
na mesma intervenção, a experiência destes últimos vinte anos mostra que o país
não recuperou do seu atraso nas qualificações como seria desejável, daí a
necessidade de se enfrentar a questão de estrangulamento na passagem do ensino
secundário para o ensino superior, entendendo ser indispensável repensar o
acesso e o financiamento do ensino superior.
“4. Assim, pronunciou-se a favor de um
debate envolvendo os seguintes pontos: a necessidade de acordo de regime sobre
a matéria; a adoção de uma visão de longo prazo; a procura de uma solução
ligada ao financiamento do sistema de ensino em geral; a ponderação dos recursos
financeiros disponíveis; a decisão política de dar prioridade ao ensino
superior, que reconhece não tem existido, em termos de poder político, tal como
da sociedade portuguesa em geral, que tem julgado prioritárias outras áreas
sociais ou mesmo educativas.
“5. Considerou o anúncio a prazo da extinção
de propinas, supondo tal ser possível, como um passo na direção enunciada e
tendo em vista o objetivo nacional de aumentar substancialmente a qualificação
dos portugueses, como fator estratégico do nosso desenvolvimento futuro, à
semelhança do que se verifica nos mais desenvolvidos países europeus.”.
Assim,
deu azo a que, por exemplo, Mónica Silvares, no ECO, saliente que o Presidente da República tenha explicado, ao mesmo
tempo que Rui Rio dava uma conferência de imprensa sobre a sessão de hoje da
Comissão Política Nacional do PSD, que enquanto presidente da Comissão Política
Nacional do PSD, em 1997, se absteve na votação da proposta de lei do Governo
socialista, que visava o aumento das propinas, uma abstenção que acabou por
viabilizar o aumento. Mais diz que o Presidente “sempre foi favorável à
existência de um regime de propinas, considerando que os montantes deviam
refletir a capacidade económica dos que as pagavam, de forma direta ou com
recurso a esquemas de ação social escolar”. No entanto, agora apontou, a saída de
uma convenção sobre este tema, no Instituto Universitário de Lisboa, a sua
concordância total com a ideia de se caminhar para o fim das propinas no ensino
superior, um passo muito importante no domínio do seu funcionamento.
***
Cá está, um momento em que o Presidente deveria
ter-se contido. Na referida convenção, deveria ter sido simpático apoiando a
iniciativa como tal, mas remetendo as questões em concreto para a responsabilidade
do Governo na condução da política geral (vd art.º
182.º da CRP).
Por outro lado, a nota da Presidência dá-nos
uma informação irrelevante, que o PSD aproveitou na sua vinda a terreiro. Que nos
interessa o que o Presidente pensava enquanto líder partidário ou como cidadão,
para mais há tanto tempo? Mas ele já o invocou aquando do veto que opôs à lei
do financiamento dos partidos… Está-lhe no sangue? Ora, ele é o Presidente e pronto.
Era bom que se abstivesse de comentar tudo e todos, bem como de antecipar
opinião sobre matéria que esteja e enquanto estiver em processo legislativo, e
que, sem abdicar do seu carisma da proximidade, usasse da conveniente parcimónia
nas declarações que profere. Não é a linha dos afetos, praticada permanentemente
uma via consistente de ação política. E o Presidente sabe-o enquanto professor de
Ciência Política e de Direito Público.
2019.01.09 – Louro de Carvalho
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