quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Presidente da República tenta proteger CGD de auditoria ao passado


Segundo os dados recentemente divulgados por vários jornais, a auditoria da EY à gestão da CGD (Caixa Geral de Depósitos) no período que decorreu de 2000 a 2015, concluiu:
- O banco público perdeu 1.200 milhões de euros em créditos de risco;
- A administração deu OK a esses empréstimos contra o parecer desfavorável da Direção Global de Risco;
- A CGD perdeu 555 milhões de euros com o BCP e fez outros negócios ruinosos;
- Administradores da CGD receberam bónus e voto de confiança mesmo com resultados negativos e sem que isso tivesse constituído incentivo a qualquer melhoria de gestão.
A auditoria tinha sido pedida pela CGD, que a enviou ao BdP (Banco de Portugal) e demais autoridades competentes. A instituição liderada por Carlos Costa adianta que o Banco de Portugal tem em atenção toda a informação relevante para efeitos de supervisão prudencial.
O Ministério das Finanças pediu a Macedo que tomasse medidas em resultado da auditoria à CGD e lhe protegesse o património. E o caso está em investigação no MP (Ministério Público).
Face a esta situação, várias personalidades e departamentos se posicionaram não sempre em consonância e, por vezes, atirando as responsabilidades para outrem. E é de destacar a postura atual de Faria de Oliveira, que, de 2008 a 2015, foi sucessivamente presidente executivo do banco do Estado e seu chairman, declarando que obviamente nunca dera aval a qualquer financiamento face a parecer desfavorável da Comissão Global de Risco ou, de forma mais suave, que não se lembra disso. 
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O Presidente da República salientou a credibilidade do sistema financeiro, hoje reconhecida até lá fora. E voltará ao tema quando apreciar o diploma do Parlamento sobre dívidas aos bancos.
O Chefe de Estado evitou, no dia 22, comentar diretamente as notícias que dão conta de conclusões da auditoria da EY aos atos de gestão da CGD entre os anos de 2000 e 2015, mas tentou proteger o banco público de práticas do passado que podem ter penalizado a instituição. Ao ser questionado pelos jornalistas, na RTP, se teme que atualmente a Caixa ainda possa sofrer da má gestão apontada no relatório da EY, disse numa fuga para a frente:
Se há um dado importante, que tem sido reconhecido por instituições internacionais, é a estabilização crescente do sistema financeiro português relativamente àquilo que viveu ainda há poucos anos. E essa estabilização é reconhecida não apenas e sobretudo por nós, mas por instituições credíveis internacionais.”.
Nas mesmas declarações, onde comentou outros temas de atualidade, Marcelo evitou comentar diretamente as conclusões da auditoria acima enunciadas.
Confrontado sobre se considera que é menos provável acontecerem agora estas práticas, o Presidente retorquiu:
Não me vou pronunciar. Isso é fazer uma comparação com os dados tornados públicos.”.
Não obstante, perguntando os jornalistas se não considera que, tendo em conta a recapitalização da CGD de quase 4.000 milhões de euros, não seria de apurar responsabilidades, respondeu:
Essa é uma matéria que levou o Parlamento a estar agora a apreciar, ou a ter apreciado, precisamente a propósito de uma lei, matéria que diz respeito a dividas a instituições financeiras portuguesas. Isso há de chegar às minhas mãos. Vou ter de me pronunciar. Vou esperar por esse momento.”.
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O PS, por seu turno, defendeu que a CGD deve pedir responsabilidades civis aos ex-administradores, caso se prove que o banco público foi prejudicado. Ou seja,  a administração da CGD deve pôr os ex-gestores do banco público em tribunal caso o relatório final de auditoria da EY aos atos de gestão do banco público entre 2000 e 2015 conclua que o património da Caixa foi danificado, como indicia a versão preliminar do relatório noticiada no dia 21.
João Paulo Correia, coordenador dos socialistas no Parlamento para assuntos económicos, dizendo que esta ação vai para lá da que pode ser desenvolvida pelo BdP e o MP, defendeu no Fórum da TSF dedicado à auditoria da CGD, no dia 22, que a administração do banco estatal, liderado por Macedo, deve “procurar junto dos antigos administradores da Caixa a responsabilidade civil de cada um destes”. O deputado, salientando que não tem o relatório, sustenta que a “Caixa deve defender-se de quem supostamente lesou o seu património”. Com efeito, “a confirmarem-se” estas práticas, quem teve responsabilidades na gestão nos 16 anos abrangidos pela auditoria “deve ser responsabilizado” e o pedido de responsabilidades deve ir além do que o MP pode fazer e dos “instrumentos que o BdP tem ao seu alcance. “A própria administração também pode procurar responsabilização” – conclui o deputado.
Esta posição aumenta a pressão sobre Paulo Macedo que tem nas mãos a auditoria pedida pela Caixa, por indicação do Governo.
Numa resposta oficial, na sequência das notícias do dia 21, o Ministério das Finanças destaca as instruções que deu ao presidente do banco público nesta matéria: que adotasse todas as medidas necessárias para que fossem apuradas responsabilidades que possam resultar do relatório da auditoria, que enviasse o relatório para as autoridades competentes, mas não para o Governo (por causa do segredo bancário) e que protegesse a situação patrimonial da CGD.
Recorde-se que a auditoria da EY analisou os atos de gestão da Caixa durante o período em que à frente do banco público estiveram António de Sousa, Carlos Santos Ferreira, Fernando Faria de Oliveira e José de Matos. Não são do mesmo partido. E houve mais gente na administração.
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João Almeida, porta-voz centrista, em declarações no Parlamento transmitidas pela SIC Notícias,  acusou o PS, o BE e o PCP de terem impedido a Assembleia da República de ter acesso às informações que constam do relatório de auditoria e criticou o comportamento do Ministério das Finanças por se escudar no desconhecimento do relatório de auditoria e do  BdP. Segundo o deputado, “o Governo não pode limitar-se a isso” e o supervisor também terá de dar explicações “já que uma vez mais não se apercebeu que houve normas que não foram respeitadas”.  De facto, “a supervisão voltou a não ver o que se passava”. E o CDS agendou para o dia 24 um debate de atualidade no Parlamento sobre o tema. João Almeida diz esperar que o Ministro das Finanças esteja presente nessa discussão – o regimento não obriga a isso – e deixa um aviso: “Não podem bastar-nos evasivas do senhor Ministro das Finanças”.
dirigente comunista Jorge Pires defendeu, por sua vez, na TSF responsabilidades sobretudo políticas. “Têm – disse – de se apurar responsabilidades”, pois “cabe às responsabilidades próprias fazê-lo”. Há responsabilidades políticas, pessoais, mas interessam sobretudo as responsabilidades políticas, “até porque o banco público continua a ser alvo de muita gente que o quer ver destruído.”.
Também o deputado do PSD António Leitão Amaro sustentou, na TSF, que há uma “sensação de frustração” face aos resultados da auditoria e lamentou que a auditoria não tivesse sido dada a conhecer ao Parlamento, pois, como acusou, “o Governo escondeu esta auditoria”.
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Teresa Leal Coelho, presidente da COMA (comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa), esclarece que o relatório que está a ser divulgado é preliminar e é datado de dezembro de 2017, quando o relatório final, que “é manifestamente diferente”, é de junho de 2018. A deputada socialdemocrata, que falava perante os deputados da COFMA, afirmou que o relatório de auditoria à CGD que está a ser divulgado na imprensa “é preliminar” e que o final foi “muito modificado”. E mostrou-se “muito preocupada”considerando “lamentável como foi parar à praça pública”.
Em causa está a auditoria da EY à Caixa relativa ao período 2000-2015 que foi revelada na CMTV por Joana Amaral Dias e depois noticiada em vários órgãos de comunicação social.
Teresa Leal Coelho disse que falou com o presidente da CGD, Paulo Macedo, e com o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que lhe garantiram que o documento que está a ser divulgado não é o relatório final e que não tiveram acesso ao documento que está a ser noticiado. E contou que falou com a PGR (Procuradora Geral da República), Lucília Gago, para que o relatório “verdadeiro” fosse libertado e entregue aos deputados da comissão “com a maior rapidez possível”.
O relatório final “é distinto do que está a ser neste momento divulgado por várias razões”, reforçou a deputada, que afirmou desconhecer os dois documentos, acrescentando que “nenhum elemento da comissão teve acesso” aos mesmos. “Em sede própria foi-nos sistematicamente negado o relatório e agora ele é divulgado e não na sua versão verdadeira”, lamentou Teresa Leal Coelho, considerando a situação “grave” e “disruptiva das instituições”.
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“O Banco de Portugal, nas suas funções de supervisão, está de facto a tomar em toda a conta as conclusões do relatório final que lhe foi entregue”, pelos vistos, já há bastante tempo, disse a vice-governadora do supervisor bancário Elisa Ferreira.
Não querendo alongar-se nos comentários à divulgação de uma versão preliminar da auditoria da EY à CGD, tema que considera “muito crítico”, a vice-governadora do BdP assegura que o supervisor está, “de facto”, a ter em conta todas as conclusões do relatório final no âmbito das suas funções de supervisão bancária. E declarou aos jornalistas, à margem de uma conferência da Ordem dos Economistas, dedicada ao crédito malparado da banca:
Não vou falar de assuntos concretos de bancos ou de relatórios, não direi mais nada do que isto. Mas posso dizer que o Banco de Portugal, nas suas funções de supervisão, está de facto a tomar em toda a conta as conclusões do relatório final que lhe foi entregue.”.
Elisa Ferreira não tem dúvidas de que se trata de um “assunto muito crítico”. Segundo disse, a versão final do relatório foi recebida no BdP, foi lida, foi interpretada e está a ser utilizada nas dimensões que interessam ao supervisor.
A vice-governadora recusou esclarecer se foi com base no relatório desta auditoria que Norberto Rosa ou Pedro Cardoso não iniciaram funções nos bancos BCP e Bison Bank, respetivamente.
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O tema é grave, como se pode aferir pelas intervenções de que se deu conta e pelos danos causados ao Estado e aos contribuintes, cidadãos cada vez mais empobrecidos. E não vale alijar responsabilidades para outrem. Do bolo da Caixa beneficiaram indevida e opulentamente uns tantos, enquanto os depositantes eram pouco compensados e, quando precisavam, ficavam enredados na teia da burocracia. Obviamente, os relatórios (o preliminar e o final) são diferentes. Mas tal seria relevante só se as conclusões acima elencadas pudessem ser desmentidas.
Marcelo falou nada dizendo, o que apenas é de estranhar por via do seu hábito de tudo comentar, antecipar e ajuizar. Mas, como dizem, quando o caso é grave, desvia-se com arte.
Apesar das responsabilidades cujo apuramento exigem tantos, serão mesmo castigados civil e criminalmente os depredadores? Seria a primeira vez e algum santo cairia do altar!
2019.01.23 – Louro de Carvalho 

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