sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Pelos vistos, a salvação da escola está na flexibilização curricular


A ter em conta as recentes declarações de Mariana Vieira da Silva, Secretaria de Estado Adjunta do Primeiro-Ministro e do próprio Primeiro-Ministro, a salvação da escola está na flexibilização curricular, na diversificação de ofertas no ensino básico e no ensino secundário, bem como na diversificação de formas de acesso ao ensino superior, vertentes que induzem a solução para a inovação e para o progresso da educação.
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A 7 de janeiro, Mariana Vieira da Silva, apontou como desafios para a inovação no ensino superior a flexibilização de currículos e a diversificação de formas de acesso.
Segundo o site ducare.pt, a governante falava em Lisboa, na “Convenção Nacional do Ensino Superior 2020/2030”, organizada pelo CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), dizendo que, para o ensino superior se inovar, é preciso “diversificar as portas de entrada”, de sorte a possibilitar o acesso às universidades e aos institutos politécnicos por parte de cada vez mais alunos com o ensino secundário concluído. Além disso, sustentou, cada aluno deve poder “desenhar o seu percurso” académico, o que implica um outro desafio, o da “flexibilização de currículos”. E, na sua condição de socióloga, considerou ainda como desafios colocados ao sistema a qualificação para as competências digitais, a “renovação de quadros” e o ensino de trabalhadores-estudantes – a “reconversão de ativos”.
Também, antecedendo a curta intervenção da Secretária de Estado, alguns dirigentes de instituições de ensino superior advogaram um modelo de ensino mais flexível.
Assim, António Feijó, vice-reitor da Universidade de Lisboa, reconheceu que a oferta de formação “devia ser mais ampla”, pois a “rigidez de oferta se torna impercetível à procura”.
Para Arlindo Oliveira, especialista em inteligência artificial, Presidente do Instituto Superior Técnico, o “modelo tradicional de ensino começa a revelar-se desadequado”, porque os novos alunos do ensino superior surgem “com outras maneiras de aprender”, pelo que se requer um “ensino mais criativo e flexível” em função da competitividade internacional do ensino superior.

Por seu turno, Nuno Mangas, ex-Presidente do Instituto Politécnico de Leiria e atual Presidente do IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, concluiu, a este propósito, que as empresas “têm ambientes mais criativos” do que as instituições de ensino superior.
Em relação a esta matéria, obviamente que é de sustentar a mais ampla e aprofundada possível flexibilização curricular, mas devidamente monitorizada e avaliada em termos de autoavaliação e de avaliação externa, mas sem que se cinja a um complexo de aprendizagens essenciais superior mente definido nem se oriente para o afunilamento em testes homogéneos a nível nacional padronizados – que são os dois flancos de subversão da flexibilização e da autonomia curricular da escola, pública ou privada.
Por outro lado, não bastam as diversas formas de acesso ao ensino superior, mas é preciso reformar os seus critérios. Não devem as médias do ensino secundário ter um peso quase nulo nem demasiado relevante, como não deve bastar o exame organizado, não por um departamento do ensino secundário, mas do ensino superior, com os professores desse nível de ensino a dar o corpo ao manifesto. Além disso, devem ser os candidatos sujeitos a testes de perfil humano e de adequação ao curso pretendido. Mais do que encher a caixa, interessa apostar na qualidade mínima à partida e travar as negociatas em educação.          
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Por seu turno, o Primeiro-Ministro considerou, a 9 de janeiro, decisivas para o progresso da educação a existência de flexibilidade e de autonomia curricular, num discurso em que elogiou a tarefa de educadores e professores de despertarem o interesse científico dos alunos.
Costa assumiu estas posições após ter presidido à entrega dos Prémios da Fundação Ilídio Pinho “Ciência na Escola” – iniciativa que já vai na 15.ª edição e que foi, mais uma vez, realizada em parceria com o Ministério da Educação. 
Depois da visita de 3 horas, no pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, a cerca duma centena de stands de estabelecimentos de educação e ensino, desde jardins de infância, a colégios e escolas secundárias, o Chefe do Governo referiu que grande parte dos projetos científicos observados revelam uma “profunda ligação” entre as escolas e as respetivas comunidades locais. E disse:
Em cada um destes projetos, procurou valorizar-se os produtos endógenos de cada terra, como o medronho ou a bolota. E muitos, aqui, também olharam para esse drama que foram os incêndios de 2017, com projetos para o aproveitamento da água para irrigação das hortas.”.
Para António Costa, o conjunto de projetos apresentados pelas escolas traduziu “um sentido exemplar de comunidade”, demonstrando como as ligações entre escola e território, ou escola e autarquia, são fundamentais” para termos “um país melhor”. E vincou o Primeiro-Ministro:
Estes projetos das escolas demonstram bem duas ideias: os projetos mais importantes para a escola do futuro são os da flexibilização e autonomia curricular e, por outro lado, a descentralização. Descentralização para permitir às autarquias terem mais instrumentos, competências e recursos para apoiarem melhor as escolas.”.
Na ótica do líder do executivo, o “casamento entre descentralização para as câmaras, autonomia e flexibilidade curricular para as escolas fará seguramente um sistema de ensino muito melhor”.
Na sua intervenção, Costa elogiou os professores e educadores de infância pelo estímulo aos alunos rumo à curiosidade, experiência, gosto pela ciência e espírito de inovação. E frisou:
O futuro do país são estas crianças e estes jovens. E o futuro do país será melhor ou pior consoante for a educação que estas crianças possam receber ao longo da sua formação.”.
Durante esta longa visita aos stands de exposição, António Costa esteve acompanhado pelo Presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, assim como pelos ministros da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, e pela Secretária de Estado Adjunta, Mariana Vieira da Silva. E teve a oportunidade de ouvir, de professores e alunos, explicações detalhadas sobre os projetos de ciência que foram distinguidos este ano pela Fundação Ilídio Pinho, a maior parte dos quais com objetivos ecológicos ou de apoio a alunos com necessidades especiais.
Nesta 15.ª edição de entrega dos Prémios da Fundação Ilídio Pinho “Ciência na Escola”, os principais prémios foram atribuídos às escolas básicas de Gavião e da Serra da Gardunha, bem como às escolas secundárias do Fundão e de Arouca (esta com duas distinções).
Já na primeira intervenção da sessão, Ilídio Pinho, sustentando que os projetos agora premiados pela fundação devem ser conhecidos pelas instituições de Ensino Superior e outras instituições públicas, sublinhou:
É importante que as universidades saibam o que de ciência criadora se faz nas escolas. É importante, depois, que estes projetos cheguem ao círculo empresarial.”.
Depois, formulou um elogio a Costa:
Se não fosse o senhor Primeiro-Ministro, esta iniciativa ficava por aqui. Foi fundamental o Ministério da Educação assumir aumentar os subsídios para que a Fundação Ilídio Pinho aumentasse o valor dos prémios. Senhor Primeiro-Ministro, a Fundação Ilídio Pinho está consigo neste projeto com interesse patriótico.”.
Porém, a flexibilização curricular não tem a ver com a descentralização de competências para os municípios, mas com a autonomia da escola, tão propalada, não querida e tão constrangida.
Com efeito, se o furor precetivo e normativo, a nível de conteúdos e metodologias, se transferir para a autarquia, teremos o centralismo já não no Ministério da Educação e no das Finanças, mas na Câmara Municipal; e a propaganda da autonomia e o seu combate só mudam de dono. A flexibilização curricular só tem viabilidade e validade se se estribar na lógica de projeto em termos da abordagem sistémica, sob a condução dos professores, embora ouvidas as forças vivas de cada localidade, mas sem perder o nascente do passado, o norte do global, a luz do conhecimento e a rota do futuro.       
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Outra constrição à autonomia da escola e dos professores pode advir de atos como o que se regista a seguir.
O jornalista José Eduardo Moniz lançou uma petição para limitar os trabalhos de casa (TPC) das crianças e jovens, pedindo uma lei para regular os TPC das escolas, com base no direito a brincar dos mais novos. E já tem mais de 9100 assinaturas.
O antigo diretor-geral da TVI toca em vários pontos: obrigações escolares, carga de trabalhos, brincadeiras, vida familiar, futuro… Foi nestes termos que se explicou na sua página de Facebook, anunciando o lançamento duma petição para limitar os trabalhos de casa dos alunos e informando que ia detalhar o assunto na rubrica “Deus e o Diabo” do Jornal das 8 (E assim foi na última sexta-feira de 2018):
No fundo, o que se exige é uma reflexão sobre o papel da escola, à luz das evoluções que as sociedades modernas vêm registando e dos desafios que se colocam às novas gerações em contextos cada vez mais concorrenciais, que abalam estruturas familiares e o equilíbrio psicológico dos mais jovens. É uma situação que reclama grande flexibilidade e enorme capacidade de adaptação.”.
A petição liderada pelo generalista requer mais tempo livre para atividades de socialização e para o convívio familiar; e trabalhos de casa não tão extensos e que não retirem minutos e horas ao lazer e à fruição lúdica. Ao Parlamento propõe a regulação dos trabalhos de casa por lei, reconhecendo o direito dos mais novos ao tempo livre, e pede garantias de que as tarefas desempenhadas na escola respeitam o tempo e as necessidades dos alunos.
Com efeito, lê-se no documento:
As crianças e jovens são cidadãos de pleno direito. E a brincadeira e os jogos fazem parte não só da sua atividade quotidiana, como são elemento central para o seu desenvolvimento e processo de socialização. Como tal, a escola (pública ou privada) deve fazer com que se cumpra esse ‘direito ao ócio e ao desporto’, tendo por dever organizar as atividades de aprendizagem de forma a que não ponham em causa esse direito dos alunos à participação na vida social e familiar.”. 
A petição, de que Moniz é o primeiro subscritor, espera assinaturas “em nome do futuro” e em nome da função dos tempos livres (do seu bom aproveitamento e duma conjugação ajustada entre obrigações de aprendizagem e espaços) como “fator determinante para um equilibrado crescimento intelectual e físico das crianças”, como o próprio escreve no Facebook. 
Diga-se que o ilustre não inventou a pólvora. Mas copia algo do que se passou no país vizinho. No final de 2018, o Governo da Comunidade de Valência colocou em vigor a medida que estipula que as crianças e jovens entre os 6 e os 16 anos devem fazer os trabalhos de casa durante o tempo que passam na escola, senão todos, grande parte. Já não são trabalhos de casa, mas extra aula, digo eu! Na verdade, a Lei de Direitos e Garantias para Crianças e Adolescentes abrange toda a Espanha e é a primeira que limita os trabalhos de casa nesse país.
A diretiva espanhola refere o “direito ao ócio e ao desporto” dos mais novos e sustenta, nessa linha, que durante as etapas do ensino obrigatório deve procurar-se que “a maior parte das atividades de aprendizagem programadas se possam realizar dentro da jornada letiva, de modo que as que se tenham que realizar fora não ponham em causa o direito dos alunos ao ócio, ao desporto, e à participação na vida social e familiar”. 
Não me pronuncio sobre a validade ou não dos TPC, remetendo a matéria para a flexibilidade curricular e para o trabalho de projeto, bem como para a autonomia da escola e do professor, admitindo a fragilidade de qualquer instrumento de trabalho escolar como único ou mesmo prevalecente.  
Se for um movimento de professores a dissertar sobre TPC e outras matérias escolares, tiro o chapéu em sinal de respeito. Isto, porque faço questão de ter em boa linha de conta os dois primeiros números do art.º 35.º do estatuto da carreira docente:
1 – As funções do pessoal docente são exercidas com responsabilidade profissional e autonomia técnica e científica, sem prejuízo do número seguinte.
2 – O docente desenvolve a sua atividade profissional de acordo com as orientações de política educativa e observando as exigências do currículo nacional, dos programas e das orientações programáticas ou curriculares em vigor, bem como do projeto educativo da escola.”.  
Gostaria de saber se o ilustre não levaria a mal que um grupo de cidadãos organizassem uma petição solicitasse ao Parlamento que legislasse sobre o que um jornalista pode ou não fazer em TV, Rádio ou jornal.
E, em termos de escola e família, diga-se que a educação é predominantemente tarefa dos pais e o ensino tarefa predominante dos professores.
Aliás, são os pais que sobrecarregam mais os filhos em relação à subtração da brincadeira: além das aulas, as explicações, a natação, o judo e similares, a natação, o ginásio, o montanhismo e similares, a música, o futebol, a dança…
Ademais, o direito a brincar não é o único relativo à criança, adolescente ou jovem.
2019.01.11 – Louro de Carvalho   

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