A
ter em conta as recentes declarações de Mariana
Vieira da Silva,
Secretaria de Estado Adjunta do Primeiro-Ministro e do próprio Primeiro-Ministro,
a salvação da escola está na flexibilização curricular, na diversificação de
ofertas no ensino básico e no ensino secundário, bem como na diversificação de
formas de acesso ao ensino superior, vertentes que induzem a solução para a
inovação e para o progresso da educação.
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A 7 de janeiro, Mariana Vieira da Silva, apontou como
desafios para a inovação no ensino superior a flexibilização de currículos e a
diversificação de formas de acesso.
Segundo o site ducare.pt, a governante falava em Lisboa, na “Convenção Nacional
do Ensino Superior 2020/2030”, organizada pelo CRUP (Conselho de
Reitores das Universidades Portuguesas), dizendo
que, para o ensino superior se inovar, é preciso “diversificar as portas de
entrada”, de sorte a possibilitar o acesso às universidades e aos institutos
politécnicos por parte de cada vez mais alunos com o ensino secundário
concluído. Além disso, sustentou, cada aluno deve poder “desenhar o seu
percurso” académico, o que implica um outro desafio, o da “flexibilização de
currículos”. E, na sua condição de socióloga, considerou ainda como desafios colocados
ao sistema a qualificação para as competências digitais, a “renovação de
quadros” e o ensino de trabalhadores-estudantes – a “reconversão de ativos”.
Também, antecedendo a curta intervenção da Secretária
de Estado, alguns dirigentes de instituições de ensino superior advogaram um
modelo de ensino mais flexível.
Assim, António Feijó, vice-reitor da Universidade de
Lisboa, reconheceu que a oferta de formação “devia ser mais ampla”, pois a “rigidez
de oferta se torna impercetível à procura”.
Para Arlindo Oliveira, especialista em inteligência artificial, Presidente do
Instituto Superior Técnico, o “modelo tradicional de ensino começa a revelar-se
desadequado”, porque os novos alunos do ensino superior surgem “com outras
maneiras de aprender”, pelo que se requer um “ensino mais criativo e flexível”
em função da competitividade internacional do ensino superior.
Por seu turno, Nuno Mangas, ex-Presidente do Instituto
Politécnico de Leiria e atual Presidente do IAPMEI – Agência para a Competitividade
e Inovação, concluiu, a este propósito, que as empresas “têm ambientes mais
criativos” do que as instituições de ensino superior.
Em
relação a esta matéria, obviamente que é de sustentar a mais ampla e
aprofundada possível flexibilização curricular, mas devidamente monitorizada e
avaliada em termos de autoavaliação e de avaliação externa, mas sem que se
cinja a um complexo de aprendizagens essenciais superior mente definido nem se
oriente para o afunilamento em testes homogéneos a nível nacional padronizados
– que são os dois flancos de subversão da flexibilização e da autonomia
curricular da escola, pública ou privada.
Por
outro lado, não bastam as diversas formas de acesso ao ensino superior, mas é
preciso reformar os seus critérios. Não devem as médias do ensino secundário
ter um peso quase nulo nem demasiado relevante, como não deve bastar o exame
organizado, não por um departamento do ensino secundário, mas do ensino
superior, com os professores desse nível de ensino a dar o corpo ao manifesto.
Além disso, devem ser os candidatos sujeitos a testes de perfil humano e de
adequação ao curso pretendido. Mais do que encher a caixa, interessa apostar na
qualidade mínima à partida e travar as negociatas em educação.
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Por
seu turno, o Primeiro-Ministro
considerou, a 9 de janeiro, decisivas para o progresso da educação a existência
de flexibilidade e de autonomia curricular, num discurso em que elogiou a
tarefa de educadores e professores de despertarem o interesse científico dos
alunos.
Costa assumiu estas posições após ter presidido à
entrega dos Prémios da Fundação Ilídio Pinho “Ciência na Escola” – iniciativa
que já vai na 15.ª edição e que foi, mais uma vez, realizada em parceria com o
Ministério da Educação.
Depois da visita de 3 horas, no pavilhão Carlos Lopes,
em Lisboa, a cerca duma centena de stands
de estabelecimentos de educação e ensino, desde jardins de infância, a colégios
e escolas secundárias, o Chefe do Governo referiu que grande parte dos projetos
científicos observados revelam uma “profunda ligação” entre as escolas e as
respetivas comunidades locais. E disse:
“Em cada um destes projetos, procurou
valorizar-se os produtos endógenos de cada terra, como o medronho ou a bolota.
E muitos, aqui, também olharam para esse drama que foram os incêndios de 2017,
com projetos para o aproveitamento da água para irrigação das hortas.”.
Para António Costa, o conjunto de projetos apresentados
pelas escolas traduziu “um sentido exemplar de comunidade”, demonstrando como
as ligações entre escola e território, ou escola e autarquia, são fundamentais”
para termos “um país melhor”. E vincou o Primeiro-Ministro:
“Estes projetos das escolas demonstram bem
duas ideias: os projetos mais importantes para a escola do futuro são os da
flexibilização e autonomia curricular e, por outro lado, a descentralização.
Descentralização para permitir às autarquias terem mais instrumentos,
competências e recursos para apoiarem melhor as escolas.”.
Na ótica do líder do executivo, o “casamento entre
descentralização para as câmaras, autonomia e flexibilidade curricular para as
escolas fará seguramente um sistema de ensino muito melhor”.
Na sua intervenção, Costa elogiou os professores e
educadores de infância pelo estímulo aos alunos rumo à curiosidade,
experiência, gosto pela ciência e espírito de inovação. E frisou:
“O futuro do país são estas crianças e estes
jovens. E o futuro do país será melhor ou pior consoante for a educação que
estas crianças possam receber ao longo da sua formação.”.
Durante esta longa visita aos stands de exposição, António Costa esteve acompanhado pelo Presidente
da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, assim como pelos ministros da Educação,
Tiago Brandão Rodrigues, Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, e pela Secretária
de Estado Adjunta, Mariana Vieira da Silva. E teve a oportunidade de ouvir, de
professores e alunos, explicações detalhadas sobre os projetos de ciência que
foram distinguidos este ano pela Fundação Ilídio Pinho, a maior parte dos quais
com objetivos ecológicos ou de apoio a alunos com necessidades especiais.
Nesta 15.ª edição de entrega dos Prémios da Fundação
Ilídio Pinho “Ciência na Escola”, os principais prémios foram atribuídos às
escolas básicas de Gavião e da Serra da Gardunha, bem como às escolas
secundárias do Fundão e de Arouca (esta com duas distinções).
Já na primeira intervenção da sessão, Ilídio Pinho,
sustentando que os projetos agora premiados pela fundação devem ser conhecidos
pelas instituições de Ensino Superior e outras instituições públicas,
sublinhou:
“É importante que as universidades saibam o
que de ciência criadora se faz nas escolas. É importante, depois, que estes
projetos cheguem ao círculo empresarial.”.
Depois, formulou um elogio a Costa:
“Se não fosse o senhor Primeiro-Ministro,
esta iniciativa ficava por aqui. Foi fundamental o Ministério da Educação
assumir aumentar os subsídios para que a Fundação Ilídio Pinho aumentasse o
valor dos prémios. Senhor Primeiro-Ministro, a Fundação Ilídio Pinho está
consigo neste projeto com interesse patriótico.”.
Porém, a flexibilização curricular não tem a ver com a
descentralização de competências para os municípios, mas com a autonomia da
escola, tão propalada, não querida e tão constrangida.
Com efeito, se o furor precetivo e normativo, a nível
de conteúdos e metodologias, se transferir para a autarquia, teremos o centralismo
já não no Ministério da Educação e no das Finanças, mas na Câmara Municipal; e
a propaganda da autonomia e o seu combate só mudam de dono. A flexibilização
curricular só tem viabilidade e validade se se estribar na lógica de projeto em
termos da abordagem sistémica, sob a condução dos professores, embora ouvidas
as forças vivas de cada localidade, mas sem perder o nascente do passado, o norte
do global, a luz do conhecimento e a rota do futuro.
***
Outra constrição
à autonomia da escola e dos professores pode advir de atos como o que se
regista a seguir.
O jornalista José Eduardo Moniz lançou uma petição para
limitar os trabalhos de casa (TPC) das crianças
e jovens, pedindo uma lei para regular os TPC das escolas, com base no direito
a brincar dos mais novos. E já tem mais de 9100 assinaturas.
O antigo diretor-geral da TVI toca em vários pontos:
obrigações escolares, carga de trabalhos, brincadeiras, vida familiar, futuro…
Foi nestes termos que se explicou na sua página de Facebook, anunciando o
lançamento duma petição para limitar os trabalhos de casa dos alunos e
informando que ia detalhar o assunto na rubrica “Deus e o Diabo” do Jornal das 8 (E assim foi na última sexta-feira de
2018):
“No fundo, o que se exige é uma reflexão
sobre o papel da escola, à luz das evoluções que as sociedades modernas vêm
registando e dos desafios que se colocam às novas gerações em contextos cada
vez mais concorrenciais, que abalam estruturas familiares e o equilíbrio
psicológico dos mais jovens. É uma situação que reclama grande flexibilidade e
enorme capacidade de adaptação.”.
A petição liderada pelo generalista requer mais tempo
livre para atividades de socialização e para o convívio familiar; e trabalhos
de casa não tão extensos e que não retirem minutos e horas ao lazer e à fruição
lúdica. Ao Parlamento propõe a regulação dos trabalhos de casa por lei,
reconhecendo o direito dos mais novos ao tempo livre, e pede garantias de que
as tarefas desempenhadas na escola respeitam o tempo e as necessidades dos
alunos.
Com efeito, lê-se no documento:
“As crianças e jovens são cidadãos de pleno
direito. E a brincadeira e os jogos fazem parte não só da sua atividade
quotidiana, como são elemento central para o seu desenvolvimento e processo de
socialização. Como tal, a escola (pública ou privada) deve fazer com que se
cumpra esse ‘direito ao ócio e ao desporto’, tendo por dever organizar as
atividades de aprendizagem de forma a que não ponham em causa esse direito dos
alunos à participação na vida social e familiar.”.
A petição, de que Moniz é o primeiro subscritor, espera
assinaturas “em nome do futuro” e em nome da função dos tempos livres (do seu bom
aproveitamento e duma conjugação ajustada entre obrigações de aprendizagem e
espaços) como “fator determinante para um equilibrado crescimento intelectual e
físico das crianças”, como o próprio
escreve no Facebook.
Diga-se que o ilustre não inventou a pólvora. Mas copia
algo do que se passou no país vizinho. No final de 2018, o Governo da
Comunidade de Valência colocou em vigor a medida que estipula que as crianças e
jovens entre os 6 e os 16 anos devem fazer os trabalhos de casa durante o tempo
que passam na escola, senão todos, grande parte. Já não são trabalhos de casa,
mas extra aula, digo eu! Na verdade, a Lei de Direitos e Garantias para Crianças
e Adolescentes abrange toda a Espanha e é a primeira que limita os trabalhos de
casa nesse país.
A diretiva espanhola refere o “direito ao ócio e ao
desporto” dos mais novos e sustenta, nessa linha, que durante as etapas do
ensino obrigatório deve procurar-se que “a maior parte das atividades de
aprendizagem programadas se possam realizar dentro da jornada letiva, de modo
que as que se tenham que realizar fora não ponham em causa o direito dos alunos
ao ócio, ao desporto, e à participação na vida social e familiar”.
Não me pronuncio sobre a validade ou não dos TPC,
remetendo a matéria para a flexibilidade curricular e para o trabalho de projeto,
bem como para a autonomia da escola e do professor, admitindo a fragilidade de
qualquer instrumento de trabalho escolar como único ou mesmo prevalecente.
Se for um movimento de professores a dissertar sobre
TPC e outras matérias escolares, tiro o chapéu em sinal de respeito. Isto, porque
faço questão de ter em boa linha de conta os dois primeiros números do art.º
35.º do estatuto da carreira docente:
“1 – As funções do pessoal docente são
exercidas com responsabilidade profissional e autonomia técnica e científica,
sem prejuízo do número seguinte.
“2 – O docente desenvolve a sua atividade
profissional de acordo com as orientações de política educativa e observando as
exigências do currículo nacional, dos programas e das orientações programáticas
ou curriculares em vigor, bem como do projeto educativo da escola.”.
Gostaria
de saber se o ilustre não levaria a mal que um grupo de cidadãos organizassem uma
petição solicitasse ao Parlamento que legislasse sobre o que um jornalista pode
ou não fazer em TV, Rádio ou jornal.
E, em termos
de escola e família, diga-se que a educação é predominantemente tarefa dos pais
e o ensino tarefa predominante dos professores.
Aliás,
são os pais que sobrecarregam mais os filhos em relação à subtração da brincadeira:
além das aulas, as explicações, a natação, o judo e similares, a natação, o ginásio,
o montanhismo e similares, a música, o futebol, a dança…
Ademais,
o direito a brincar não é o único relativo à criança, adolescente ou jovem.
2019.01.11 –
Louro de Carvalho
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