terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Parlamento vai homenagear três deputados mortos na I Guerra Mundial


O grupo parlamentar do PS quer homenagear os três deputados que morreram na I Guerra Mundial. Nesse sentido, os Deputados, Diogo Leão, Carlos César, Marcos Perestrello, Pedro Delgado Alves, Ascenso Simões, Wanda Guimarães, Maria Augusta Santos, Catarina Marcelino, Isabel Santos, João Soares, Miguel Coelho e Hugo Carvalho fizeram chegar ao Presidente da Assembleia da República, no passado dia 11, o Projeto de Resolução n.º 1935/XIII/4.ª, que pretende consagrar a memória dos três membros do Congresso da República Portuguesa mortos em consequência de combates na Grande Guerra de 1914-18.
A fundamentação da iniciativa tem a ver com o facto de a Assembleia da República configurar “um local de celebração da memória coletiva do povo português”. Na verdade, em termos artísticos ou vocativos, “celebra e consagra vultos e figuras da nossa História”, como “chefes de Estado” e “homens de Estado, conselheiros, ministros e legisladores, construtores do liberalismo em Portugal”, bem como “os tribunos, oradores e parlamentares de excelência”.
Efetivamente, em muitos dos seus espaços físicos, “a Assembleia da República reúne memórias legadas por diferentes regimes e períodos enquanto testemunho da passagem das eras políticas e sociais”. E prossegue, como “corpo representativo do povo português, a dispensar atenção para o reconhecimento público, debate político e abertura à problematização académica e opinião democrática sobre os fenómenos históricos” por que Portugal passou e com que “se empenhou ao longo da História Contemporânea”.
Nesta perspetiva, emerge como “fenómeno de relevância nacional” a participação de Portugal na Grande Guerra de 1914-1918, “com motivações e consequências” em debate no “campo historiográfico e das ciências sociais”. Ora, como a Assembleia promoveu, no âmbito do centenário da I Grande Guerra, diversificadas evocações (“de formas diversas e plurais”) “num contributo ativo e valioso para o esclarecimento público e para a consagração da memória nacional em torno deste conflito na sua frente europeia da Flandres e nos teatros africanos”, neste momento do epílogo dessas evocações, cabe-lhe “consagrar, em nome e para honra do parlamentarismo português, os nomes de três ilustres parlamentares que sacrificaram a vida no decurso de combates decorrentes da Grande Guerra”.
Assim, evoca-se a memória “do capitão de infantaria João Francisco de Sousa, senador da República eleito em 1915 pelo círculo de Ponta Delgada, morto no combate da Môngua, a 19 de agosto de 1915, no sul de Angola”; a “do major de artilharia José Afonso Palla, ilustre republicano e herói do movimento revolucionário de 5 de outubro de 1910, deputado à Assembleia Nacional Constituinte em 1911 e reeleito deputado em 1915 por Lisboa, falecido a 8 de setembro de 1915, em consequência de fatais ferimentos recebidos” no aludido combate da Môngua; e a “do primeiro-tenente da Marinha José Botelho de Carvalho Araújo, deputado à Assembleia Nacional Constituinte e reeleito deputado ao Congresso da República em 1915, que como comandante do caça-minas NRP Augusto de Castilho, sacrificou a vida no combate com um submarino alemão para proteger o vapor São Miguel, em 14 de outubro de 1918”.
Tem, pois, a Assembleia da República “a oportunidade de prestar mais um relevante serviço à História do parlamentarismo português, reconhecendo perpetuamente o sacrifício da vida dos três ilustres parlamentares no conflito mundial de 1914-1918”, em concreto, através do descerramento, no Palácio de São Bento, de uma placa evocativa, “ou outro monumento comemorativo que perpetue os seus nomes e memória” na História do nosso parlamentarismo.
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A este respeito, Miguel Marujo publicou no DN, a 4 de janeiro, faz uma resenha histórica do episódio que envolveu Carvalho Araújo, de que se retomam alguns dados.
O vapor caça-minas São Miguel (que, antes de ser requisitado pela Marinha em junho de 1916, era um arrastão de pesca, o Elite, da empresa de Lisboa Parceria Geral de Pescarias, Lda., propriedade da Bensaúde & Cia) já navegava, a 14 de outubro de 1918, com mais de 200 pessoas a bordo (206 passageiros e 54 tripulantes), entre Funchal e Ponta Delgada. Sendo os submarinos alemães, os U-Boot, ameaça permanente aos barcos que cruzavam o Atlântico, o caça-minas NRP Augusto de Castilho zarpou do porto da Madeira para fazer escolta àquele paquete. Saiu-lhe ao caminho o U-139 comandado por Lothar von Arnauld de la Perière, ás dos ases dos submarinos. Apesar do “poder de fogo muitíssimo inferior ao do inimigo”, Carvalho Araújo, comandante do NRP Augusto de Castilho, decidiu interpor-se entre o São Miguel e o submarino alemão, para o paquete ganhar tempo e “se afastar ileso”.
E, acabadas as caixas de fumo lançadas para procurar cobrir o vapor, o comandante fê-lo avançar em direção ao submarino, sendo que do fogo da artilharia alemã de, pelo menos, duas horas de duração resultou a morte de seis homens. E um último tiro disparado do U-Boot acabou por matar também Carvalho Araújo.
Paquete imobilizado, ausência de máquinas de telégrafo para comunicar, artilharia danificada e munições no fim azaram a ordem do imediato, o guarda-marinha Armando Ferraz, para abandono da embarcação. 
O NRP Augusto de Castilho terá sido saqueado pelos alemães, que o afundaram depois com cargas de demolição. No navio estavam os portugueses mortos, entre os quais Carvalho Araújo.
Foi um relatório do comandante alemão, publicado em 1920, com elogios ao primeiro-tenente da Marinha portuguesa, que levou o Parlamento a reconhecer o sacrifício de Carvalho Araújo e a conceder uma pensão à viúva. E é o mesmo Parlamento que reconheceu, em 14 de outubro passado, nos 100 anos da morte do comandante, o seu ato “heroico” que agora lhe quer dar honras parlamentares no edifício da Assembleia da República. Afinal, Carvalho Araújo, nascido em São Nicolau, no Porto, e com infância passada em Vila Real, foi deputado constituinte e deputado eleito em 1915 ao Congresso da República, bem como Governador do Distrito de Inhambane, em Moçambique, por dezoito meses.
O DN de 14 de janeiro passado refere que o DN de 17 de outubro de 1918 traz uma única foto ao centro da densa mancha de texto noticioso a mostrar o “comandante do caça-minas Augusto de Castilho”. A notícia, a terminar abruptamente com um espaço em branco, denuncia uma parte de texto censurada (era a presidência sidonista) e refere que do ataque dos submarinos inimigos ao São Miguel, pouco mais se sabe do que o até então noticiado.
A informação, ainda imprecisa, falava do ataque de duas embarcações inimigas ao vapor São Miguel, quando era só uma afinal. Porém, segundo, Miguel Marujo, sublinha a interposição do caça-minas Augusto de Castilho, comandado por Botelho de Carvalho Araújo, “antigo deputado democrático, oficial que regressara havia pouco da África Oriental, onde exercera o cargo de governador do distrito de Inhambane [Moçambique], dando-lhe combate”. Depois, acrescenta que, tendo-se sabido do “ocorrido no porto próximo, partiram para o ponto onde se travara o combate” (a 35°35'N, 22°10'W) navios de guerra aliados, em perseguição dos submarinos.
No voto de saudação a Carvalho Araújo, a 14 de outubro de 2018, assinado por deputados do PS, a que se associou um socialdemocrata, defende-se:
O seu ato é heroico e de algum modo vitorioso, porque alcançou o seu objetivo que, de certa forma, reparava Portugal do trauma de La Lys, acontecido uns meses antes.
Para os atuais deputados, esta homenagem consensual é o corolário das evocações promovidas, “ao longo destes 100 anos, por diversas vezes e com pretextos vários, a Carvalho Araújo”, incluindo o facto de 45 localidades, de 34 municípios portugueses, terem consagrado o nome do marinheiro nas respetivas toponímias”.
Nesta nova iniciativa parlamentar, o grupo parlamentar do PS pretende homenagear este marinheiro e outros dois militares do exército – um capitão de infantaria e um major de artilharia que morreram ao serviço de Portugal na I Guerra Mundial. João Francisco de Sousa e José Afonso Palla perderam a vida na sequência de combates em Môngua, no sul de Angola: o primeiro em batalha, o segundo semanas mais tarde, por via dos ferimentos sofridos.
Como consta do site Portugal 14-18 (iniciativa do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dedicada à “memória da participação portuguesa no conflito de 1914-1918”), nos dias 18, 19 e 20 de agosto de 1915, “as forças expedicionárias comandadas pelo general Pereira d’Eça dispersaram um ataque contra os depósitos de água de Môngua, que haviam sido ocupadas no dia 17 de agosto”.
E, no DN de 21 de agosto desse mesmo ano de 1915, escreve-se ao fundo da 1.ª página sob o título “As operações militares em África”, que o Ministro das colónias lera, na véspera, na Câmara dos Deputados, um telegrama do governador-geral de Angola a referir o ataque com muita violência “pela gente do Cuanhama, na Môngua, a 45 quilómetros de N’Xiva e a 60 quilómetros do Huambo, pelas 9.30 horas de 18, durando o fogo duas horas e meia, sendo o inimigo repelido e perseguido pela cavalaria”.
Ao contrário da notícia do ataque do submarino alemão, as baixas foram contabilizadas no DN três anos antes daquela:
Tivemos 30 feridos dos quais 6 oficiais, 6 praças europeias mortas e outras tantas indígenas mortas [sic]. A muita violência do fogo originou um grande consumo de munições que devido à falta de água e à dificuldade de abastecimento a coloca em situação grave, exigindo demora na Môngua para prosseguir.”.
E o governador apela: “Urgentíssimo venha tudo quanto tenho pedido para automóveis sob pena de a situação ser desesperada”.
Entre os oficiais mortos estava, como reza o predito projeto de resolução, o capitão de infantaria e senador eleito da República em 1915 pelo círculo de Ponta Delgada, João Francisco de Sousa, que morreu em combate a 19 de agosto de 1915, naquela que o historiador Filipe Ribeiro de Menezes descreve como “uma das maiores batalhas campais entre tropas africanas e europeias” e que o historiador francês René Pélissier descreve como “a única vitória franca e decisiva do Exército Português metropolitano em África”. E José Afonso Palla, outro dos oficiais que sucumbiram, era um “ilustre republicano e herói do movimento revolucionário de 5 de outubro de 1910”, como explica o PS na sua nota evocativa, deputado à Assembleia Constituinte em 1911 e reeleito deputado em 1915 por Lisboa, e morreu a 8 de setembro de 1915, em consequência de combate, gravemente ferido na batalha de Môngua.
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2019.01.15 – Louro de Carvalho

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