quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Nevoeiro político-diplomático no Reino Unido


Está assente, dito e percebido que é o Parlamento britânico quem manda e não o Governo. Neste aspeto, os órgãos do poder legislativo de outros países poderiam e deveriam colher a lição. Com efeito, a partir do momento em que se estabeleceu o sistema de contrapesos na articulação dos diversos órgãos de soberania, com a separação e a interdependência desses órgãos do poder político soberano, poder que lhes é outorgado pelo povo, deveria ter-se como princípio que a supremacia deverá caber ao parlamento enquanto a estrutura mais representativa do povo por via da eleição e da pluralidade da sua composição. Tanto assim é que a função parlamentar se desdobra em função legislativa, função fiscalizadora e, em certo modo, função judiciária (Não enquanto ministração a justiça, mas como inquirição de casos em que é suposto estarem gravemente em causa os interesses do Estado. Alguns parlamentos servem como instância última de apelação e outros limitam-se a amnistiar).
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O caso inglês do Brexit é emblemático quer no aspeto positivo quer no aspeto negativo.
Por iniciativa do executivo de David Cameron, os britânicos votaram em “plebiscito” (consulta ao povo) a saída da União Europeia (UE) ou Brexit, não tendo, assim, “referendado” (“referendo” significa em rigor aprovação pelo provo de norma já decidida, mas cuja vigência está pendente de consulta popular) a permanência na UE. Por consequência, o Governo resolveu acionar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa com vista à negociação do acordo de saída com a UE, mas não sem ter ocorrido a substituição de Cameron à frente do partido conservador e no Governo por Theresa Mary May (que, sendo contra o Brexit, aceitou os resultados do plebiscito).
Não obstante, as negociações não se iniciaram sem que o Parlamento tivesse discutido a matéria. E, depois de negociações intensas e complexas, marcadas por dois problemas pertinentes – a questão da fronteira da Irlanda, soberana, com a Irlanda do Norte, integrada no Reino Unido, e o caso de Gibraltar –, a Primeira-Ministra conseguiu a aprovação de um acordo, elogiado por muitos, com as competentes instâncias europeias, para uma saída limpa da UE, mantendo, contudo, uma boa relação com o mercado e o espaço europeus.
Entretanto, o acordo, apesar dos elogios europeus e da sua defesa acérrima por Theresa May, foi rejeitado no Parlamento, no passado dia 15, por 432 votos contra e apenas 202 a favor – a pior derrota infligida a um governante britânico desde a década de 1920. E Corbyn, líder do partido trabalhista, apresentou moção de censura ao Governo com vista a eleições antecipadas e provavelmente para originar novo plebiscito.      
Assim, a dois meses e meio da data prevista para a saída da UE, os deputados da Câmara dos Comuns rejeitaram de forma maciça o acordo, apesar do último apelo feito pela Primeira-Ministra, antes da votação, contra “a incerteza” que a rejeição do texto iria provocar.
No final do debate, May sublinhou que os deputados se preparavam para tomar “uma decisão histórica que determinará o futuro do Reino Unido durante várias gerações” e declarou que “nós temos o dever de respeitar” o resultado do referendo sobre a permanência na UE ou saída da mesma UE, de 23 de junho de 2016, que viu 52% dos britânicos votarem a favor do Brexit. E continuou insistindo:
Um voto contra este acordo nada mais é que um voto a favor da incerteza, da divisão e da ameaça muito real de não haver acordo”.
Previa-se que o Reino Unido deixasse a UE no final de março de 2019, dois anos após o lançamento oficial do processo de saída e quase três anos após o referendo.
Ora, o Parlamento usou em força o seu poder, obviamente com a cooperação de deputados da área partidária de May, o que talvez mostre a incapacidade de a Chefe do Governo timonar os seus pares partidários (Não é a Margaret Thatcher!). A pergunta que se levanta é se agiu com eficácia e em nome do efetivo interesse britânico. Na verdade, a relação entre países faz-se através dos líderes do Governo ou de Chefes de Estado. E, como no Reino Unido a Chefe de Estado tem apenas poder simbólico e de representação cimeira do Reino e da Comunidade da Nações (Commonwealth of Nations), cabe à Chefe do Governo liderar as negociações internacionais.
Agora, com a rejeição do acordo, haverá Brexit sem acordo, manter-se-á o Reino Unido na UE, proceder-se-á a novo plebiscito? Alguns líderes europeus veem disponibilidade para a manutenção do Reino Unido na União, ao passo que outros entendem que o Reino Unido deve assumir as consequências da eclosão do processo e outros admitem colocar a hipótese da concessão de mais tempo para clarificar a situação.
Enfim, um nevoeiro político-diplomático muito semelhante ao nevoeiro climatérico recorrente nas ilhas britânicas – o que não tem impedido os ingleses de, a partir da sua posição insular, quererem dar lições de democracia ao resto do mundo, à mistura com a ambição de domínio, um forte estilo colonizador e abusivamente conquistador, para lá da resistência a outros domínios como o bloqueio continental e o código napoleónico. Da ilha pensam poder olhar o mundo todo! Há dias um bispo dizia coisa parecida, obviamente com outra intenção, não em Inglaterra.                     
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A moção de censura ao Governo apresentada no dia 15 pelo Partido Trabalhista foi submetida a votação pelas 19 horas do dia 16 e o Governo venceu-a por 19 votos, tendo poucas hipóteses de ser aprovada, já que o partido conservador de May e o pequeno partido unionista norte-irlandês DUP, seu aliado, apesar de ter abandonado a coligação e votado contra o acordo de Brexit, cerraram fileiras e dispõem, juntos, de maioria absoluta.
Para o líder trabalhista, o Governo de May perdeu, não só a “confiança” do parlamento, mas também dos seus aliados do Governo – ao que a Primeira-Ministra respondeu a Corbyn dizendo que eleições gerais seriam “o pior” que podia acontecer neste momento, já que o país precisa de unidade e as eleições trariam “caos” e atrasos “quando o que é preciso é seguir em frente”.
A Chefe do Governo lembrou que o Parlamento aceitou o referendo sobre o Brexit e o seu resultado e pediu a ativação do artigo 50.º do Tratado de Lisboa, que deu lugar as negociações com a UE para a saída do Reino Unido, e agora deve “terminar o trabalho”. “É o que os cidadãos esperam”, disse, reiterando a rejeição de uma nova consulta.
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Em Portugal, o Governo reagiu ao chumbo do acordo confessando “essencial evitar uma saída descontrolada do Reino Unido”.
No Portal do Governo, pôde ler-se, no dia 15 de janeiro, que Portugal espera que o Reino Unido rapidamente informe a UE do que pretende fazer nos próximos passos, pois há algo essencial a evitar: uma saída descontrolada, como disse o Primeiro-Ministro em declarações à imprensa.
Tal cenário, na ótica do Executivo, obriga todos os governos da UE à adoção de planos de contingência, como o que tem sido apresentado pelo Governo português, quer para os cidadãos, quer para as empresas. Nesse sentido, António Costa declarou:
No próximo Conselho de Ministros, iremos aprovar um plano de contingência, tendo em vista garantir a todos os britânicos residentes em Portugal paz, tranquilidade, segurança, que não serão incomodados. Da mesma forma, estamos certos de que o Reino Unido respeitará os direitos dos portugueses residentes naquele país.”.
Costa lamentou que “não tenha sido possível aprovar o acordo que foi longamente negociado” entre a UE e o Governo de May, “porque era um bom acordo”, correspondendo às necessidades dos cidadãos britânicos na UE e dos cidadãos da UE residentes no Reino Unido. E acrescentou: 
O acordo criava boas condições para uma transição para a saída do Reino Unido, que a União Europeia não deseja, mas que respeita, permitindo tempo para uma negociação calma e serena sobre a relação futura, que todos desejamos que seja o mais próxima possível”.
Como a eventualidade de não haver mesmo nenhum acordo até às 23 horas de 29 de março implica tomar medidas transitórias que assegurem que o funcionamento regular das transações comerciais ou da movimentação aérea entre os países, o Primeiro-Ministro afirmou:
Temos de ter esse plano de contingência preparado, mas o que desejamos é que o Reino Unido possa informar a União Europeia sobre qual é o caminho que pretende seguir”.
Costa recorda que “não há outro acordo com a União Europeia” do que o que foi negociado durante dois anos e meio e “satisfez 27 Estados-membros da União Europeia e o Governo britânico”. E apontou à coligação negativa de várias forças o facto de não ter apresentado uma alternativa à UE quando chumbou o acordo, sendo que o fizeram uns por quererem eleições, outros por não gostarem de May, outros por não quererem o Brexit, outros por quererem uma saída descontrolada e outros pelas razões mais diversas.
Ora, para o Governo, esta decisão do Parlamento britânico “é particularmente preocupante, porque se está ainda na fase mais fácil da negociação: escolher qual o modelo da próxima relação entre a União Europeia e o Reino Unido”. Por isso, Costa insiste:
É fundamental que o Reino Unido compreenda que seria muito mau para todos se houvesse uma rutura descontrolada no dia 29 de março. Tem de dizer à União Europeia o que pretende fazer.”.
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Por outro lado, sabe-se que as empresas vão ter linha de crédito para se adaptarem ao Brexit.
Na verdade, o Primeiro-Ministro presidiu à reunião do Conselho de Internacionalização da Economia, em Lisboa, a 15 janeiro, tendo anunciado, no final, que o Governo disponibilizará 50 milhões de euros para apoio a empresas portuguesas que exportam para o Reino Unido, para mitigar o impacto da saída da UE – decisão que deverá ser aprovada no Conselho de Ministros.
E, sim, de acordo com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou hoje, dia 17, o Plano de Preparação e de Contingência para a saída do Reino Unido da UE.
O Plano contém, por um lado, medidas de apoio aos cidadãos, de que se destacam o reforço dos meios consulares ao dispor dos portugueses residentes no Reino Unido e a garantia do respeito por todos os direitos dos britânicos residentes em Portugal. E, por outro lado, inclui medidas de apoio às empresas e setores económicos mais expostos ao Brexit, designadamente o reforço dos recursos humanos nos serviços aduaneiros e a abertura duma linha de apoio às PME, no valor, renovável, de 50 M€.
Na predita reunião de 15 de janeiro, o Governo apresentou ao Conselho de Internacionalização da Economia as Medidas de preparação e o Plano de Contingência para o Brexit, como fora anunciado na apresentação da parte das medidas e do plano relativo aos direitos dos cidadãos.
Neste sentido, Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, afirmou que a referida linha de financiamento se destina a apoiar as empresas, quer o Parlamento britânico aprove quer recuse o acordo negociado entre o Governo britânico e a União Europeia porque a saída do Reino Unido terá na mesma implicações importantes para a economia portuguesa e para as empresas. E disse:
O facto de poder haver a linha de apoio aplica-se no caso de haver acordo, porque também neste caso as empresas terão de se adaptar, mas terão mais tempo para se adaptar”.
Por seu turno, Pedro Siza Vieira, Ministro-Adjunto e da Economia, disse que, “se não houver acordo sobre os termos da saída da União Europeia, o Reino Unido será a partir de 30 março um Estado terceiro (…) e isso significa que as empresas que exportam para o Reino Unido passam a ter controlo alfandegário e aduaneiro, com custos e dificuldades” acrescidas. Assim, “a linha de financiamento a empresas de 50 milhões de euros” destina-se precisamente a “adaptações internas e diversificação de mercado”, como acrescentou.
Mais disse que a linha de crédito será direcionada a Pequenas e Médias Empresas através do sistema de garantia mútua e servirá para se adaptarem internamente aos novos procedimentos de exportação que serão exigidos, à procura de novos mercados, mas também a necessidades de fundo de maneio, já que os prazos de recebimento podem aumentar. Por outro lado, as medidas apresentadas às associações empresariais incluem incentivos à análise do impacto do Brexit em cada empresa e a ações de formação para as empresas sobre o tema, desde logo com o apoio nomeadamente do IAPMEI, Agência para a Competitividade e Inovação.
O Ministro-Adjunto e da Economia referiu que a saída do Reino Unido da UE poderá impacto no turismo, nomeadamente devido à possibilidade de desvalorização da libra face ao euro. “Ao nível do turismo, onde o Reino Unido é o maior e principal mercado para Portugal, vamos tentar assegurar os fluxos turísticos”, afirmou Siza Vieira, razão pela qual o Governo vai levar a cabo campanhas institucionais.
O Governo já tinha anunciado que, não havendo acordo de saída, Portugal reforçará o atendimento aos turistas do Reino Unido nos aeroportos portugueses, sobretudo nos mais usados – Faro e Funchal –, para que o controlo de passaportes se faça rapidamente.
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Enfim, será necessária a mútua adaptação.
2019.01.17 – Louro de Carvalho

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