Está assente, dito e percebido que é o Parlamento
britânico quem manda e não o Governo. Neste aspeto, os órgãos do poder
legislativo de outros países poderiam e deveriam colher a lição. Com efeito, a
partir do momento em que se estabeleceu o sistema de contrapesos na articulação
dos diversos órgãos de soberania, com a separação e a interdependência desses
órgãos do poder político soberano, poder que lhes é outorgado pelo povo,
deveria ter-se como princípio que a supremacia deverá caber ao parlamento
enquanto a estrutura mais representativa do povo por via da eleição e da
pluralidade da sua composição. Tanto assim é que a função parlamentar se
desdobra em função legislativa, função fiscalizadora e, em certo modo, função
judiciária (Não enquanto
ministração a justiça, mas como inquirição de casos em que é suposto estarem
gravemente em causa os interesses do Estado. Alguns parlamentos servem como
instância última de apelação e outros limitam-se a amnistiar).
***
O caso inglês do Brexit é emblemático quer no
aspeto positivo quer no aspeto negativo.
Por iniciativa do executivo de David Cameron, os
britânicos votaram em “plebiscito” (consulta ao povo) a saída da União
Europeia (UE) ou
Brexit, não tendo, assim, “referendado” (“referendo” significa em rigor aprovação pelo provo de norma já decidida,
mas cuja vigência está pendente de consulta popular) a permanência
na UE. Por consequência, o Governo resolveu acionar o artigo 50.º do Tratado de
Lisboa com vista à negociação do acordo de saída com a UE, mas não sem ter
ocorrido a substituição de Cameron à frente do partido conservador e no Governo
por Theresa Mary May (que,
sendo contra o Brexit, aceitou os resultados do plebiscito).
Não obstante, as negociações não se iniciaram sem
que o Parlamento tivesse discutido a matéria. E, depois de negociações intensas
e complexas, marcadas por dois problemas pertinentes – a questão da fronteira
da Irlanda, soberana, com a Irlanda do Norte, integrada no Reino Unido, e o
caso de Gibraltar –, a Primeira-Ministra conseguiu a aprovação de um acordo,
elogiado por muitos, com as competentes instâncias europeias, para uma saída
limpa da UE, mantendo, contudo, uma boa relação com o mercado e o espaço
europeus.
Entretanto, o acordo, apesar dos elogios europeus
e da sua defesa acérrima por Theresa May, foi rejeitado no Parlamento, no
passado dia 15, por 432 votos
contra e apenas 202 a favor – a pior
derrota infligida a um governante britânico desde a década de 1920. E Corbyn, líder do partido trabalhista, apresentou
moção de censura ao Governo com vista a eleições antecipadas e provavelmente
para originar novo plebiscito.
Assim, a dois meses e meio da data prevista para a saída da
UE, os deputados da Câmara dos Comuns rejeitaram de forma maciça o acordo, apesar
do último apelo feito pela Primeira-Ministra, antes da votação, contra “a
incerteza” que a rejeição do texto iria provocar.
No final do
debate, May sublinhou que os deputados se preparavam para tomar “uma decisão
histórica que determinará o futuro do Reino Unido durante várias gerações” e
declarou que “nós temos o dever de respeitar” o resultado do referendo sobre a
permanência na UE ou saída da mesma UE, de 23 de junho de 2016, que viu 52% dos
britânicos votarem a favor do Brexit. E continuou insistindo:
“Um voto contra este acordo nada mais é que
um voto a favor da incerteza, da divisão e da ameaça muito real de não haver
acordo”.
Previa-se
que o Reino Unido deixasse a UE no final de março de 2019, dois anos após o
lançamento oficial do processo de saída e quase três anos após o referendo.
Ora, o Parlamento usou em força o seu poder,
obviamente com a cooperação de deputados da área partidária de May, o que
talvez mostre a incapacidade de a Chefe do Governo timonar os seus pares
partidários (Não é a Margaret Thatcher!). A
pergunta que se levanta é se agiu com eficácia e em nome do efetivo interesse
britânico. Na verdade, a relação entre países faz-se através dos líderes do
Governo ou de Chefes de Estado. E, como no Reino Unido a Chefe de Estado tem apenas
poder simbólico e de representação cimeira do Reino e da Comunidade da Nações (Commonwealth of Nations),
cabe à Chefe do Governo liderar as negociações internacionais.
Agora, com a rejeição do acordo, haverá Brexit
sem acordo, manter-se-á o Reino Unido na UE, proceder-se-á a novo plebiscito?
Alguns líderes europeus veem disponibilidade para a manutenção do Reino Unido
na União, ao passo que outros entendem que o Reino Unido deve assumir as
consequências da eclosão do processo e outros admitem colocar a hipótese da
concessão de mais tempo para clarificar a situação.
Enfim, um nevoeiro político-diplomático muito
semelhante ao nevoeiro climatérico recorrente nas ilhas britânicas – o que não
tem impedido os ingleses de, a partir da sua posição insular, quererem dar
lições de democracia ao resto do mundo, à mistura com a ambição de domínio, um
forte estilo colonizador e abusivamente conquistador, para lá da resistência a
outros domínios como o bloqueio continental e o código napoleónico. Da ilha
pensam poder olhar o mundo todo! Há dias um bispo dizia coisa parecida,
obviamente com outra intenção, não em Inglaterra.
***
A moção de
censura ao Governo apresentada no dia 15 pelo Partido Trabalhista foi submetida
a votação pelas 19 horas do dia 16 e o Governo venceu-a por 19 votos, tendo poucas
hipóteses de ser aprovada, já que o partido conservador de May e o pequeno
partido unionista norte-irlandês DUP, seu aliado, apesar de ter abandonado a
coligação e votado contra o acordo de Brexit, cerraram fileiras e dispõem,
juntos, de maioria absoluta.
Para o líder trabalhista, o Governo de May perdeu, não só a
“confiança” do parlamento, mas também dos seus aliados do Governo – ao que a Primeira-Ministra respondeu a Corbyn dizendo que
eleições gerais seriam “o pior” que podia acontecer neste momento, já que o
país precisa de unidade e as eleições trariam “caos” e atrasos “quando o que é
preciso é seguir em frente”.
A Chefe do
Governo lembrou que o Parlamento aceitou o referendo sobre o Brexit e o seu
resultado e pediu a ativação do artigo 50.º do Tratado de Lisboa, que deu lugar
as negociações com a UE para a saída do Reino Unido, e agora deve “terminar o
trabalho”. “É o que os cidadãos esperam”, disse, reiterando a rejeição de uma
nova consulta.
***
Em Portugal, o Governo reagiu ao chumbo do acordo
confessando “essencial evitar uma saída descontrolada do Reino Unido”.
No Portal do Governo, pôde ler-se, no dia 15 de janeiro,
que Portugal espera que o Reino Unido rapidamente
informe a UE do que pretende fazer nos próximos passos, pois há algo essencial
a evitar: uma saída descontrolada, como disse o Primeiro-Ministro em declarações
à imprensa.
Tal cenário,
na ótica do Executivo, obriga todos os governos da UE à adoção de planos de contingência, como o que tem sido apresentado pelo Governo
português, quer para os cidadãos, quer para
as empresas. Nesse
sentido, António Costa declarou:
“No próximo Conselho de Ministros, iremos
aprovar um plano de contingência, tendo em vista garantir a todos os britânicos
residentes em Portugal paz, tranquilidade, segurança, que não serão
incomodados. Da mesma forma, estamos certos de que o Reino Unido respeitará os
direitos dos portugueses residentes naquele país.”.
Costa
lamentou que “não tenha sido possível aprovar o acordo que foi longamente negociado”
entre a UE e o Governo de May, “porque era um bom acordo”, correspondendo às
necessidades dos cidadãos britânicos na UE e dos cidadãos da UE residentes no
Reino Unido. E acrescentou:
“O acordo criava boas condições para uma
transição para a saída do Reino Unido, que a União Europeia não deseja, mas que
respeita, permitindo tempo para uma negociação calma e serena sobre a relação
futura, que todos desejamos que seja o mais próxima possível”.
Como a
eventualidade de não haver mesmo nenhum acordo até às 23 horas de 29 de março
implica tomar medidas transitórias que assegurem que o funcionamento regular
das transações comerciais ou da movimentação aérea entre os países, o
Primeiro-Ministro afirmou:
“Temos de ter esse plano de contingência preparado,
mas o que desejamos é que o Reino Unido possa informar a União Europeia sobre
qual é o caminho que pretende seguir”.
Costa
recorda que “não há outro acordo com a União Europeia” do que o que foi negociado
durante dois anos e meio e “satisfez 27 Estados-membros da União Europeia e o
Governo britânico”. E apontou à coligação negativa de várias forças o facto de
não ter apresentado uma alternativa à UE quando chumbou o acordo, sendo que o
fizeram uns por quererem eleições, outros por não gostarem de May, outros por
não quererem o Brexit, outros por quererem uma saída descontrolada e outros pelas
razões mais diversas.
Ora, para o
Governo, esta decisão do Parlamento britânico “é particularmente preocupante,
porque se está ainda na fase mais fácil da negociação: escolher qual o modelo
da próxima relação entre a União Europeia e o Reino Unido”. Por isso,
Costa insiste:
“É fundamental que o Reino Unido compreenda
que seria muito mau para todos se houvesse uma rutura descontrolada no dia 29 de
março. Tem de dizer à União Europeia o que pretende fazer.”.
***
Por outro lado, sabe-se que as empresas vão ter
linha de crédito para se adaptarem ao Brexit.
Na verdade, o Primeiro-Ministro presidiu à reunião do Conselho de
Internacionalização da Economia, em Lisboa, a 15 janeiro, tendo anunciado, no
final, que o Governo disponibilizará 50 milhões de euros para
apoio a empresas portuguesas que exportam para o Reino Unido, para mitigar o
impacto da saída da UE – decisão que deverá ser aprovada no Conselho de
Ministros.
E, sim, de
acordo com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou hoje, dia
17, o Plano de Preparação e de Contingência para a saída do Reino Unido da UE.
O Plano
contém, por um lado, medidas de apoio aos cidadãos, de que se destacam o
reforço dos meios consulares ao dispor dos portugueses residentes no Reino
Unido e a garantia do respeito por todos os direitos dos britânicos residentes
em Portugal. E, por outro lado, inclui medidas de apoio às empresas e
setores económicos mais expostos ao Brexit, designadamente o reforço dos
recursos humanos nos serviços aduaneiros e a abertura duma linha de apoio às
PME, no valor, renovável, de 50 M€.
Na predita
reunião de 15 de janeiro, o Governo apresentou ao Conselho de
Internacionalização da Economia as Medidas de preparação e o Plano de Contingência para o Brexit, como fora anunciado na
apresentação da parte das medidas e do plano relativo aos direitos dos cidadãos.
Neste
sentido, Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, afirmou que
a referida linha de financiamento se destina a apoiar as empresas, quer o
Parlamento britânico aprove quer recuse o acordo negociado entre o Governo
britânico e a União Europeia porque a saída do Reino Unido terá na mesma
implicações importantes para a economia portuguesa e para as empresas. E disse:
“O facto de poder haver a linha de apoio
aplica-se no caso de haver acordo, porque também neste caso as empresas terão
de se adaptar, mas terão mais tempo para se adaptar”.
Por seu turno, Pedro Siza
Vieira, Ministro-Adjunto e da Economia, disse que, “se não houver acordo sobre
os termos da saída da União Europeia, o Reino Unido será a partir de 30 março
um Estado terceiro (…) e isso significa que as empresas que exportam para o
Reino Unido passam a ter controlo alfandegário e aduaneiro, com custos e
dificuldades” acrescidas. Assim, “a linha de financiamento a empresas de
50 milhões de euros” destina-se precisamente a “adaptações internas e
diversificação de mercado”, como acrescentou.
Mais disse
que a linha de crédito será direcionada a Pequenas e Médias Empresas através do
sistema de garantia mútua e servirá para se adaptarem internamente aos novos
procedimentos de exportação que serão exigidos, à procura de novos mercados,
mas também a necessidades de fundo de maneio, já que os prazos de recebimento
podem aumentar. Por outro lado, as medidas apresentadas às associações
empresariais incluem incentivos à análise do impacto do Brexit em cada empresa
e a ações de formação para as empresas sobre o tema, desde logo com o apoio
nomeadamente do IAPMEI, Agência para a Competitividade e Inovação.
O Ministro-Adjunto
e da Economia referiu que a saída do Reino Unido da UE poderá impacto no
turismo, nomeadamente devido à possibilidade de desvalorização da libra face ao
euro. “Ao nível do turismo, onde o Reino Unido é o maior e principal mercado
para Portugal, vamos tentar assegurar os fluxos turísticos”, afirmou Siza
Vieira, razão pela qual o Governo vai levar a cabo campanhas institucionais.
O Governo já
tinha anunciado que, não havendo acordo de saída, Portugal reforçará o
atendimento aos turistas do Reino Unido nos aeroportos portugueses, sobretudo
nos mais usados – Faro e Funchal –, para que o controlo de passaportes se faça
rapidamente.
***
Enfim, será necessária
a mútua adaptação.
2019.01.17 –
Louro de Carvalho
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