Em relação ao veto presidencial oposto ao decreto do
Governo sobre a recuperação parcial do tempo de serviço dos professores,
congelado até há pouco, perfilam-se duas posições distintas. Os sindicatos
representativos da classe aceitam a solução encontrada na Região Autónoma da
Madeira, enquanto o Ministro das Finanças promete uma postura “muito aberta” no regresso às negociações com os professores,
mas avisa que terão de existir “estímulos dos dois lados”.
***
Os professores vão propor que o tempo integral de
serviço seja recuperado em 7 anos, de forma a não comprometer as contas
públicas, o que Mário Nogueira, dirigente
da Fenprof considera
uma solução suficientemente “criativa.
Numa crítica ao Ministro das Finanças, que deu uma entrevista à RTP no dia
2, Nogueira, em declarações transmitidas pela SIC Notícias,
afirmou que “os professores não estão a exigir a recuperação [do tempo
congelado] em três anos”, mas têm uma proposta “no sentido de o
tempo de serviço no continente poder ser recuperado nos termos em que vai ser
recuperado na Região Autónoma da Madeira, ou seja, em sete anos”.
Sublinhou ainda o dirigente sindical numa resposta ao veto presidencial
oposto ao diploma governamental que pretendia recuperar apenas 2 anos, 9 meses
e 18 dias, quando o tempo integral congelado foi de 9 anos, meses e 2 dias:
“A nossa proposta, que vamos hoje
[quinta-feira] entregar, é uma proposta que, entre outros aspetos, é criativa
também, porque não vai apenas ao encontro
da recuperação do tempo de serviço para carreira, mas também admite que [o
tempo] possa ser usado por opção dos docentes para efeitos de aposentação”.
Mário Nogueira, sobre a questão de o tempo poder ser usado para aposentação
antecipada, deu o exemplo de um professor que tenha 60 anos de idade e 40 anos
de descontos, assegurando:
“Se se aposentar, terá um corte na sua
remuneração de 53%. Esse tempo [em que a carreira esteve congelada] pode ser
usado para esse efeito [de alívio do corte], e há muitos colegas que estão de
acordo com isso.”.
Na visão de Mário Nogueira, se assim for, o Estado não
terá despesa extra, pelo contrário, “o Ministério
da Educação passará até a ter uma despesa menor, porque poderá substituir os
professores do topo por professores mais novos”. E concluiu:
“Esperamos que este mês de janeiro seja mais
do que suficiente para fechar esta negociação”.
***
A posição veiculada por Mário
Nogueira vem na sequência da sua reação apresentada, mal conhecida que foi a decisão do Presidente da República de devolver ao Governo o diploma da contagem
do tempo de carreira dos professores.
Na
ocasião, o dirigente da Fenprof disse, em declarações à SIC Notícias, que a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa
dá força no regresso à mesa das negociações, enfatizando que “regressamos mais fortes, mais fortes e com a disponibilidade de
sempre; com a força de quem sabe que tem a razão do seu lado”.
Na
visão de Mário Nogueira, esta foi uma “decisão natural
do Presidente da República”, tendo em conta que, “claramente, o que o Governo estava a fazer era violar a lei”.
O dirigente da Fenprof lembrou a existência dum “compromisso com os professores” de que seriam
contados para efeitos de progressão os nove anos e quatro meses em que tiveram
as carreiras congeladas, quando o Governo passou a pretendia contabilizar
apenas dois anos, nove meses e 18 dias, uma decisão que custaria 200 milhões de
euros ao longo de vários anos.
Considerando
que os representantes dos professores esperam ser chamados pelo Governo à mesa
de negociações “o mais rápido possível”, alertou que, se isso não acontecer, a
classe laboral poderá sair à rua. De qualquer forma, para Mário
Nogueira, “a prioridade tem de ser para a
negociação”.
Segundo o Correio da Manhã (CM), de hoje, além do que ficou
referido, os professores propõem também que o tempo
possa ser convertido na “dispensa de quotas para acesso às vagas” nos 5.º e 7.º
escalões. Ademais, é dito que a proposta a apresentar ao Governo é levada por
cerca de 30 dirigentes sindicais, de 10 organizações, que serão recebidos por
um assessor de António Costa.
Também o CM lembra que o Presidente da
República se baseou na Lei do Orçamento para 2019 para não promulgar o diploma
do Governo. A isto só posso aduzir que, se o Governo, tomou uma atitude ao abrigo
duma lei que ainda não estava em vigor (promovendo negociações
impostas por ela antes de 1 de janeiro), também
Marcelo agiu antes do tempo opondo um veto em nome duma lei que ainda não estava
em vigor.
***
Por
sua vez, Mário Centeno garante que, do lado do Executivo, a postura será de
“muita abertura”, mas deixa o aviso de que “tem de haver estímulos dos dois
lados” para que seja encontrada uma nova fórmula de contagem do tempo de
serviço. Por outro lado, antecipa que a solução a tomar para os
professores do Continente “vai ser responsável, financeiramente robusta e
passível de ser cumprida”.
O Ministro das Finanças fez estas declarações, no
dia 2, em entrevista à RTP, depois de
ter sido eleito pela publicação The Banker como
o melhor Ministro das Finanças da Europa no ano de 2018. Ao
ser instado a pronunciar-se sobre as negociações com os professores e se terão,
desta vez, um rumo diferente, Centeno começou por referir que, “para que um
contexto negocial tenha resultados distintos, é preciso que os dados em cima da
mesa também mudem”. E frisou que o “problema” é conseguir enquadrar as verbas a
gastar com os professores no conjunto do Orçamento do Estado. E explicitou:
“No fim do processo, é muito importante garantir que o Governo português dessa altura
consegue fazer face a todas as obrigações que tem. Os portugueses têm muito fresco na memória
o que são dificuldades financeiras.”.
Assim,
segundo o governante o Executivo irá “negociar de forma muito aberta” com os
professores, mas também “com muita responsabilidade”.
A
mesma postura é assumida em relação às progressões e pagamento do suplemento de
especialistas para os enfermeiros – uma negociação alegadamente tão complexa
como a dos professores. Centeno sublinha que, ao longo desta legislatura, o
Governo aumentou a despesa com o SNS (Serviço Nacional de Saúde) em 1.300 milhões de euros, um “esforço” que assume que é
para continuar. Todavia, ressalva que “temos todos de ser responsáveis na
utilização destas verbas”. E, quanto às negociações com os enfermeiros, vincou:
“Temos
de ser muito responsáveis na forma como colocamos as nossas ambições. Estamos num
processo negocial e temos de gerir muito
cautelosamente esses impulsos que associamos aos processos negociais.
Para ir mais longe, precisamos de saber exatamente qual é a proposta.
Questionado
sobre possíveis “planos B”, ou mais, para cumprir as metas orçamentais
estabelecidas, o Ministro afirma apenas que todas as metas são para cumprir,
tal como tem acontecido até agora, e que os “mecanismos de adaptação”
têm de existir. E declarou:
“Cumprimos
todas as nossas metas orçamentais até agora. O Orçamento do Estado para 2019
não é exceção, foi construído garantindo que temos a capacidade de cumprir
aquilo que prometemos, quer para a despesa, quer para o défice.”.
E
acrescentou:
“É sempre necessário que o
Governo tenha e disponha de mecanismos de adaptação, o plano B faz parte do
plano central”.
Sobre a
possibilidade se manter como Ministro das Finanças caso esta solução
governativa se repita, Centeno não revelou planos, mas referiu:
“Há
questões que se colocam no seu devido momento. Sou o Ministro das Finanças de Portugal e, até outubro de 2019,
desempenharei o meu cargo o melhor que sei.”.
***
Depois de
ver que o próprio semanário O Diabo (edição
de 2 de janeiro) sabe
que os professores não progridem automaticamente só com a passagem do tempo –
mas que precisam de ter entrado na carreira, sujeitar-se a ações de formação contínua
durante o tempo de permanência em cada escalão, terem o seu desempenho avaliado
com a menção de “Bom”, pelo menos, e, para a passagem para alguns escalões terem
de oferecer a observação de aulas a avaliador externo, bem como, para a
passagem para outros escalões, terem de se sujeitar a vagas –, só acrescento
que nesta carreira não há promoções nem prémios de desempenho e que os cargos
de direção são temporários, sendo que, não sendo reeleitos ou renomeados, os professores
passam ao exercício comum de funções, perdendo as gratificações que percebiam
no exercício de cargos de direção de topo, já que os cargos de gestão intermédia
e os exercidos em órgãos colegiais não gozam de qualquer gratificação para lá
do vencimento base.
Adicionalmente,
devo referir que Eduardo Dâmaso, no editorial da “Sábado”, de hoje, aduz que “a luta dos professores é mais do que
justa e legalmente sólida”. Com efeito, a remuneração do trabalho, no público
ou no privado, é “valor constitucionalmente protegido e moralmente inalienável”,
embora “com formas de proteção diferenciadas”, não sujeita ao capricho dum
Governo. Admitindo-se congelações temporárias de algumas das suas obrigações, nem
por isso se podem eliminar os direitos conexos com elas. Por isso, segundo o
editorialista, Marcelo vetou o diploma com um argumento formal “para ganhar tempo
e tentar ainda um acordo”.
É certo
que as circunstâncias políticas serviram de justificação válida para o
congelamento temporário, “mas não para um varrimento total dos direitos existentes”.
Isto seria aceitar a tirania das Finanças sobre a política e os valores “que a
suportam enquanto ação de ordenação ética e de justiça social”. Bela noção de
política, nem o Papa Francisco!
Depois,
o diretor da revista critica o facto de um governo dito de esquerda “defender
uma impossibilidade orçamental” (não verdadeira sequer) como “o alfa e o ómega de uma restrição
inaceitável de direitos”: “um Governo que fala baixinho” para interesses financeiros
“fala alto para os professores”, que têm uma posição essencial na estruturação
cultural profissional e social dos alunos e das famílias”. Eis uma lufada arejada
num contexto de detração generalizada da classe docente, que é bem-vinda até
por isso, mas sobretudo em nome da justeza observacional!
Alinhado
casual ou propositadamente com as posições sindicais acima enunciadas, Dâmaso admira-se
de Costa, tão hábil em negociar a conciliação de interesses divergentes (vg:
TAP, Banif…), não
ter usado esse trunfo habilmente negocial com os professores, a menos que só
haja interesse em negociar “quando se trata de operações sobre o chamado grande
capital”.
Não me digam
que a força dos professores acabará com o estado de graça hábil e negocial de
Costa. Ah, homem! Que efeito de ti, que tens uma mão cheia de nada e outra de coisa
nenhuma?! O que apresentou aos docentes é mesmo muito menos que poucochinho…
2019.01.03 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário