O relatório de auditoria da EY a
atos de gestão da CGD (Caixa Geral de Depósitos) entre 2000 e 2015 – uma
versão preliminar do relatório com data de novembro de 2017 – releva a perda de 1.200 milhões em crédito de
risco, já que foram concedidos empréstimos sem respeitar regras de concessão de
crédito. Não foi por acaso que, em 2017, o banco do Estado teve
necessidade de ser recapitalizado em quase 4.000 milhões de euros.
Na verdade, como revelou, no domingo à noite, a comentadora da CMTV Joana Amaral
Dias, o banco público perdeu 1200 milhões de euros em crédito de risco, dos quais 555
milhões num só negócio com o BCP, e, entre 2007 e 2012, 7% das
operações de crédito analisadas em sede de auditoria foram aprovadas contra os
pareceres desfavoráveis da Direção Global de Risco, sem que existam
justificações para tais decisões.
Por conseguinte, o Governo pediu à administração da CGD a adoção de todas
as medidas necessárias ao apuramento das responsabilidades resultantes do relatório da auditoria sobre os atos de gestão do banco público
entre 2000 e 2015. Além disso, Macedo foi instruído no sentido de enviar
o relatório às autoridades competentes e proteger a situação patrimonial da
Caixa.
Com efeito, uma nota do
Ministério das Finanças, que foi enviada para a TSF que
está a dedicar o Fórum ao tema da auditoria à Caixa refere:
“O Governo solicitou à Administração da CGD
que fossem efetuadas todas as diligências necessárias para apurar quaisquer
responsabilidades que possam advir da informação constante do relatório”.
Este pedido dirigido a Paulo Macedo foi feito apesar de o Governo sustentar
que, dado o relatório de auditoria conter informação sujeita a sigilo
bancário, “não é suscetível de disponibilização ao acionista”. E a nota em
causa pormenoriza:
“O Governo solicitou a realização de uma
auditoria independente a atos de gestão da CGD entre 2000 e 2015 e, no âmbito
do exercício da sua função acionista, deu instruções à CGD para que
relatório fosse remetido ao Banco de Portugal e ao Mecanismo Único de
Supervisão do Banco Central Europeu, bem como a outras autoridades judiciais,
de inspeção, de supervisão ou em matéria tributária, caso os elementos do
relatório se afigurassem relevantes para o exercício das suas atribuições”.
A nota não refere qual o momento exato em que o Governo fez este pedido à
administração do banco público e se o apuramento de responsabilidades que pede
a Paulo Macedo pode ser também interno. Porém, fonte oficial do Ministério das
Finanças salienta que o pedido terá sido feito no
momento em que foi pedida a auditoria, ainda em 2016.
E, segundo o Ministério das Finanças, “o Governo
continuará a acompanhar este tema, tendo transmitido ao Conselho de Administração
da CGD a necessidade de tomar as medidas adequadas para a defesa da situação
patrimonial da CGD”.
Porém, nem o Ministério das Finanças nem a administração da CGD aceitaram o
convite para participar no debate que a TSF,
a rádio do grupo Global Notícias, está a fazer.
No entanto, o Governo, segundo a mencionada nota, “está focado no presente
e no futuro da CGD, através da implementação do seu plano
estratégico, para garantir que a Caixa está em condições de exercer a
sua função ao serviço da economia portuguesa”.
***
Ao longo daqueles anos a que se reporta o relatório, as sucessivas
administrações do banco público ignoraram os pareceres dos órgãos
competentes ou aprovaram operações que não apresentavam garantias
suficientes, concretizando negócios que, afinal, se revelaram de risco
“considerado elevado ou grave”. E o ECO
publicou, a 21 de janeiro, pela pena de Rafaela Burd Relvas, uma lista de
grandes devedores e teceu considerações do teor seguinte.
A consultora identificou 4 tipos de operações caraterizadas como “exceções
face ao normativo e ao enquadramento regulamentar aplicável”, ou seja, sem o
cumprimento das regras que tinham sido estabelecidas. São os seguintes os
preditos tipos de operações:
- Operações aprovadas com parecer de análise de risco
desfavorável ou condicionado, sem que
estejam documentadas as justificações para a tomada de risco contrária ao
parecer da Direção Global de Risco;
- Operações para as quais não foi apresentado parecer
técnico da Direção Global de Risco, nem
justificação para tal situação;
- Operações onde não existe evidência de
que tenha sido obtida toda a informação exigível para fundamento da
sua aprovação (estudo de viabilidade, licenças associadas ao projeto);
- Operações em que as garantias assinadas em contrato
não são suficientes para cobrir o rácio de cobertura de 120% conforme exposto no normativo.
Entre os 200 devedores que foram identificados pela EY como tendo gerado as
maiores perdas para o banco público, há 64 casos em que ocorreu pelo menos uma
das situações descritas. A 31 de dezembro de 2015, a CGD
ainda tinha exposição a 46 desses clientes, num montante total de 2,96 mil
milhões de euros em dívida. Quase metade desse montante fora dado como
perdido no final de 2015: as perdas por imparidades com estes
créditos totalizavam, por essa altura, 1.198.082.600 euros.
O montante perdido com cada cliente é muito variável. A Artlant representa a maior perda, num total que
ultrapassa os 211 milhões de euros. Segue-se a Investifino (detida pelo
empresário Manuel Fino), com
perdas superiores a 138 milhões, a Fundação Berardo, com
mais de 124 milhões, e a AE Douro Litoral, com
122,6 milhões.
Cada um destes créditos foi concedido entre 2000 e
2015, mas a EY não revela a data exata da concessão, nem o montante inicial de
cada crédito.
***
A auditoria da EY questiona decisões da
administração do banco público em 2008, quando aprovou a gestão do BCP que
incluía um ex-presidente e ex-membros da CGD.
O investimento da CGD no BCP entre 2000 e
2013 gerou uma perda efetiva de 595 milhões de euros para o banco público,
prejuízo apenas ligeiramente compensado pelo recebimento de 40 milhões de euros
em dividendos neste período – o negócio mais ruinoso entre as operações de
aquisição e alienação de ativos que constam da auditoria.
A CGD entrou no BCP em março de 2000, quando os dois bancos, o público e o privado,
anunciaram um acordo segundo o qual a seguradora Mundial Confiança vendera ao
BCP a sua posição maioritária de 53% no Banco Pinto Sotto Maior. Em troca, a
seguradora ficou com 8,5% do capital do BCP (950 milhões de euros, tendo cada
ação sido vendida por 5,28 euros).
Em 2001, a Mundial Confiança, “sob orientações do conselho de administração
da CGD”, exerceu os direitos de subscrição no âmbito dum aumento de
capital, elevando o investimento para 1.009,5 milhões de euros. A
totalidade das ações foi, depois, vendida pela seguradora ao banco estatal, em
2001 e 2002, ao preço que haviam custado. Porém, em 2002 e 2003, as ações do
BCP registaram uma desvalorização acentuada no mercado (-67% em
relação à cotação inicial na data da transação). A CGD não acompanhou o aumento de capital do BCP no ano de 2003, obtendo
um ganho de 22 milhões de euros pela venda dos direitos de subscrição. E, foi
entre 2004 e 2006, quando decidiu alienar 4,19% do capital do BCP, que o banco
público veio a efetivar as primeiras perdas com o investimento: -366 milhões de euros. E, entre 2007 e 2009, o BCP voltou a
perder valor no mercado (-70%).
E a EY expõe dúvidas sobre decisões tomadas pelo conselho de administração
da CGD, nomeadamente quanto ao facto de ter aprovado a gestão do banco rival
que incluía um seu ex-presidente (Carlos Santos Ferreira) e alguns ex-membros (Armando Vara) sem discutir “eventuais conflitos de interesse”
e de ter reforçado o investimento no BCP mesmo com o parecer contrário da
direção de risco. Mesmo assim, a auditoria diz que, de 2007 e 2009, a CGD
seguiu uma “estratégia de aquisição e alienação de ações de forma a diluir o
custo de aquisição, registando perdas nesse período perdas de 142 milhões de euros, correspondentes a 43% do
valor do investimento no final de 2006″.
Posteriormente, entre 2010 e 2013, manteve-se a queda do valor das ações do
BCP (-89%): “Com o desinvestimento final das ações, a CGD
registou 109 milhões de euros de perdas adicionais“, como calcularam
os auditores da EY. E a EY lembra que todas as operações relativas a esta
participação foram aprovadas pelo conselho de administração da CGD em cada
momento e com base no preço de mercado, “exceto a transferência da posição da
Mundial Confiança para a CGD em 2001 e 2002, que foi realizada ao custo de
aquisição, transferindo as menos valias potenciais para a CGD”.
Em termos gerais, em relação a este investimento no BCP, a EY conclui: a tomada de posição inicial inseriu-se no
processo de consolidação do setor bancário em Portugal com intervenção do
Estado português (racional de investimento); a evolução
da cotação das ações do BCP no mercado no período em análise foi muito
desfavorável (valor por ação passou de 5,28 euros em 4 de abril de 2000 para 0,09 euros
em 4 de julho de 2013 – desvalorização de 98%) (influência de fatores externos); e as
decisões de gestão subsequente da participação com aquisições e alienações
adicionais permitiram reduzir as perdas associadas de 98% para 63% do valor
total investido (por diluição do custo unitário), de que resultaram perdas efetivas nesta posição no
montante de 595 milhões de euros (resultado final).
***
Além de tudo isto, os administradores da CGD receberam “remuneração
variável” e “voto de confiança”, mesmo com resultados negativos. O
documento, cujo teor foi revelado na CMTV por Joana Amaral Dias, é crítico,
sobretudo, do período 2000-2008 em que “não foi obtida evidência dos
princípios orientadores para a remuneração variável aplicada, concluindo-se que
as decisões foram tomadas de forma avulsa”, pois, ante “resultados
negativos foi decidido atribuir remuneração variável e emitido voto de confiança”.
E a auditoria realçou que nunca foi identificada “a atribuição de remunerações
variáveis em forma de instrumento financeiro” que incentivassem a um equilíbrio
entre capital e riscos, nem a implementação de cláusulas de ‘clawback’, que
permitem vincular os gestores com as decisões passadas.
A EY acredita que estas medidas poderiam ter contribuído para um
“processo de decisão de crédito mais sustentado e atento ao risco, tendo por
referência as operações analisadas na presente auditoria”, permitindo
ainda apurar responsabilidades “nas perdas significativas verificadas entre
2011 e 2015”. Mas revelou que “o volume de imparidades da CGD evoluiu de 46,9%
em 2013 para 58,1% em 2015” no setor da construção e imobiliário, quando os
restantes bancos apresentaram todos a situação inversa, reduzindo as
imparidades na concessão de crédito às empresas deste segmento.
***
Confrontado com estes dados, Fernando
Faria de Oliveira, antigo presidente da CGD, recusa ter facilitado na
concessão de crédito durante o tempo em que esteve à frente do banco público. E
diz não se lembrar (Mais um exemplo de bavismo!) de qualquer operação de crédito
ter sido aprovada pela gestão do banco contra qualquer declaração de voto
desfavorável do conselho de risco.
Estranho, não?! Faria de Oliveira é presidente da APB (Associação Portuguesa de Bancos), associação que representa o setor. Mas, antes disso,
foi presidente executivo (2008-2011) e chairman (2011-2013) do banco público. E o relatório da auditoria forense
da EY aos atos de gestão da CGD, que abrange o período em que Faria de Oliveira
esteve à frente do banco (compreende os anos entre 2000 e 2015), concluiu que, ao longo destes anos, as sucessivas
administrações ignoraram os pareceres dos órgãos competentes ou aprovaram
operações de crédito que não apresentavam garantias suficientes, concretizando
negócios que vieram a revelar-se de risco “considerado elevado ou grave”.
Este relatório
já está nas mãos do Ministério Público e também do Banco Central Europeu (BCE), o que pode levar a que nomes de antigos
responsáveis da CGD venham a enfrentar dificuldades caso necessitem de aval do
supervisor para exercício de funções na banca.
***
Para tudo isto não faltou dinheiro, senhor Ministro das Finanças e
senhores/as seus/as antecessores/as. Mas, para recuperação integral dos
salários dos trabalhadores públicos, sua progressão na carreira e fixação de
pensões decentes de suas reformas e aposentações não há. Quer dizer: o Governo só vê com um dos olhos – o
esquerdo ou o direito, conforme alegadamente seja a sua composição… E o Zé
que os ature!
2019.01.22 –
Louro de Carvalho
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