No encontro com os membros da Cúria Romana
para a apresentação dos votos natalícios na Sala Clementina, a 21 de dezembro de 2017, o
Papa quis falar da atividade da Cúria Romana.
Porém, reconhecendo ser muito
ampla essa atividade, desta vez, optou por falar, ainda que genericamente da Cúria ad extra, selecionando alguns aspetos fundamentais, “a partir dos quais
não será difícil, no futuro próximo, elencar e aprofundar os outros campos” da
sua ação.
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No quadro da Cúria e a relação com as Nações, salientou o
“papel fundamental” que “a Diplomacia
Vaticana” exerce na “busca sincera e constante de tornar a Santa Sé construtora
de pontes, de paz e de diálogo entre as nações”. É “uma Diplomacia ao serviço
da humanidade e do homem, da mão estendida e da porta aberta”, que se esforça
por “escutar, entender, ajudar, assinalar e intervir pronta e respeitosamente
em qualquer situação para colmar distâncias e tecer confiança”, sendo o seu único
interesse “permanecer livre de qualquer interesse mundano ou material”.
“Presente no
cenário mundial”, a Santa Sé colabora “com todas as pessoas e as nações de boa
vontade” e reitera “incessantemente a importância de preservar a nossa
casa comum de todo o egoísmo destrutivo”; afirma a índole de morte e
destruição das guerras; extrai, do passado, as lições necessárias que nos levam
“a viver melhor o presente, a construir solidamente o futuro e a salvaguardá-lo
para as novas gerações”. Como instrumento para a consecução destes objetivos,
evidenciam-se “os encontros com os Chefes das nações e com as várias Delegações”
e “as Viagens Apostólicas”. E foi por este motivo que se constituiu “a Terceira
Secção da Secretaria de Estado”. Ou seja, esta Secção foi constituída “com a
finalidade de demonstrar a solicitude e a proximidade do Papa e dos Superiores
da Secretaria de Estado ao pessoal de quadro diplomático e também aos
religiosos e religiosas, aos leigos e leigas que trabalham nas Representações
Pontifícias”. É “uma Secção que se ocupa das questões atinentes às pessoas que
trabalham no serviço diplomático da Santa Sé ou que para isso se preparam, em
estreita colaboração com a Secção para os Assuntos Gerais e com a Secção para
as Relações com os Estados.
Com efeito,
o perfil da Secretaria de Estado inserido no site da Santa Sé dispõe o seguinte:
“O Papa
Francisco constituiu a terceira Secção da Secretaria de Estado com a
denominação de Secção para o pessoal com função diplomática da Santa Sé,
reforçando o atual departamento do delegado para as Representações pontifícias […].
“A Secção, que dependerá
do secretário de Estado, será presidida pelo delegado para as Representações
pontifícias. […]. Terá a finalidade de demonstrar a atenção e a proximidade do
Pontífice e dos superiores da Secretaria de Estado aos funcionários
diplomáticos. Para tal finalidade o delegado para as Representações pontifícias
poderá prever visitas às sedes das representações pontifícias com regularidade.
“A terceira
Secção ocupar-se-á exclusivamente das questões atinentes às pessoas que
trabalham no serviço diplomático da Santa Sé ou que se preparam para isto, como
por exemplo a seleção, a formação inicial e permanente, as condições de vida e
de serviço, as promoções, as autorizações.
“No exercício
destas funções gozará da justa autonomia e, ao mesmo tempo, procurará
estabelecer uma estreita colaboração com a Secção para os Assuntos gerais, que
continuará a ocupar-se das questões gerais das representações pontifícias, e
com a Secção para as Relações com os Estados, que se ocupará dos aspetos
políticos do trabalho das representações pontifícias. Neste sentido, o delegado
para as Representações pontifícias participará, juntamente com o substituto
para os Assuntos gerais e o secretário para as Relações com os Estados, nas reuniões
semanais de coordenação presididas pelo Secretário de Estado. Além disso, ele
convocará e presidirá às reuniões ad hoc para a preparação das
nomeações dos representantes pontifícios. Por fim, será responsável, juntamente
com o presidente da Pontifícia Academia Eclesiástica, no que diz respeito à
seleção e à formação dos candidatos.”.
Esta
particular solicitude da Cúria e da terceira Secção baseia-se, segundo o Pontífice,
“na dúplice dimensão do serviço do pessoal diplomático de quadro: pastores e diplomatas, ao serviço das
Igrejas particulares e das nações onde trabalham”.
***
Quanto à relação da Cúria com as Igrejas particulares –
as dioceses e as eparquias – o Papa entende ser esta uma relação “de primordial
importância”, pois, trata-se de uma relação
baseada “na colaboração, na confiança e nunca na superioridade ou na
contrariedade”. Na verdade, as Igreja
particulares encontram na Cúria “o apoio e suporte necessários de que
possam precisar”. A fonte desta relação está patente “no Decreto conciliar
sobre o ministério pastoral dos Bispos” (o Christus Dominus), “onde se explica mais amplamente que o trabalho da
Cúria é um trabalho realizado para bem
das Igrejas e em serviço dos sagrados pastores”.
Assim, a
Cúria tem como ponto de referência, além do Bispo de Roma, “de quem recebe a
autoridade, “as Igrejas particulares e os
seus pastores em todo o mundo, para cujo bem trabalha e atua”. Por isso, é
recorrente a referência de Francisco, nos encontros anuais com a Cúria, a esta sua
“caraterística de serviço ao Papa e aos
Bispos, à Igreja universal, às Igrejas particulares e ao mundo inteiro”. Logo
no primeiro desses encontros, assinalou que, “na Cúria romana, de um modo
especial aprende-se, ‘respira-se’ esta dupla dimensão da Igreja, esta
interpenetração entre universal e particular”, tendo acrescentado pensar que esta
“seria uma das mais belas experiências de quem vive e trabalha em Roma”.
Neste âmbito,
destacou “as visitas ad limina Apostolorum” como “uma grande
oportunidade de encontro, diálogo e enriquecimento mútuo”. É por isso que
prefere, no encontro com os Bispos, “um diálogo de escuta mútua, diálogo livre,
reservado, sincero, que ultrapassa os esquemas protocolares e a troca habitual
de discursos e recomendações”. E pensa ser importante “o diálogo entre os
Bispos e os vários Dicastérios”. A este respeito, revelou que, ao “retomar as
visitas ad limina depois do Ano do Jubileu”, os Bispos lhe
confidenciaram terem sido “bem acolhidos e atendidos por todos os Dicastérios”,
o que o deixa feliz e grato aos Chefes de Dicastério”.
Foi ainda no
quadro das relações da Cúria com as Igrejas locais que chamou a atenção de
todos “para a próxima XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos,
convocada sobre o tema Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
A este respeito, esclareceu que “chamar a
Cúria, os Bispos e toda a Igreja a prestar atenção especial à pessoa dos jovens
não significa apenas pôr neles os olhos, mas também concentrar-se num tema nodal
para um complexo de relações e urgências: as relações intergeracionais, a
família, os campos da pastoral, a vida social...”. E, a propósito, citou o Documento
preparatório, que diz na sua introdução:
“A Igreja decidiu interrogar-se sobre o
modo de acompanhar os jovens a reconhecer e a acolher a chamada ao amor e à
vida em plenitude, e também pedir aos próprios jovens que a ajudem a
identificar as modalidades hoje mais eficazes para anunciar a Boa Notícia.
Através dos jovens, a Igreja poderá ouvir a voz do Senhor que ressoa inclusive
nos dias de hoje. Assim como outrora Samuel (cf 1Sm 3,1-21) e Jeremias (cf Jr 1,4-10), existem jovens que sabem vislumbrar aqueles
sinais do nosso tempo, apontados pelo Espírito. Ouvindo as suas aspirações,
podemos entrever o mundo de amanhã que vem ao nosso encontro e os caminhos que
a Igreja é chamada a percorrer.”.
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Sobe a relação da Cúria com as Igrejas Orientais, o Papa
salienta como “exemplo concreto de
riqueza na diversidade para toda a Igreja” a notável unidade e comunhão, “que
caraterizam a relação entre a Igreja de Roma e as Igrejas Orientais. Na verdade,
elas “experimentam e realizam a Oração Sacerdotal de Cristo” (cf Jo 17) “na fidelidade às suas próprias Tradições
bimilenárias e na ecclesiastica communio”.
E o Bispo de
Roma referiu que foi neste sentido que, “no último encontro com os Patriarcas e
Arcebispos-Mores das Igrejas Orientais, ao falar do primado diaconal”, vincou
a “importância de aprofundar e rever a delicada questão da eleição dos novos
Bispos e Eparcas, que deve corresponder à autonomia das Igrejas Orientais e, ao
mesmo tempo, ao espírito de responsabilidade evangélica e ao desejo de
fortalecer cada vez mais a unidade com a Igreja Católica”. Assim, realizada “na
mais convicta aplicação daquela autêntica prática sinodal, que é distintiva das
Igrejas do Oriente”, Francisco lembrou que “a eleição de cada Bispo deve
refletir e fortalecer a unidade e a comunhão entre o Sucessor de Pedro e todo o
Colégio Episcopal”.
Mais salientou
que “a relação entre Roma e o Oriente é de mútuo enriquecimento espiritual e
litúrgico”. De facto, segundo o Papa, “a Igreja de Roma não seria
verdadeiramente católica sem as riquezas inestimáveis das Igrejas Orientais e
sem o testemunho heroico de muitos dos nossos irmãos e irmãs orientais que
purificam a Igreja, aceitando o martírio e dando a sua vida para não renegar a
Cristo”.
***
No atinente à Cúria na relação com o diálogo ecuménico, Francisco
frisa que “há espaços onde está
particularmente empenhada a Igreja Católica, especialmente depois do Vaticano
II”, entre os quais se inclui “a unidade dos cristãos que é uma exigência essencial da nossa fé, uma exigência que brota do
íntimo do nosso ser crentes em Jesus Cristo”. E, embora se trate de um
caminho, “é um caminho irreversível e
não em inversão de marcha”.
A este respeito, assegurou:
“Gosto de repetir que a unidade se faz
caminhando, para recordar que, quando caminhamos juntos, ou seja, quando
nos encontramos como irmãos, rezamos juntos, colaboramos juntos no anúncio do
Evangelho e no serviço aos últimos, já estamos unidos. Todas as divergências
teológicas e eclesiológicas que ainda dividem os cristãos serão superadas
unicamente por este caminho, sem que nós saibamos como nem quando, mas isto
acontecerá segundo aquilo que o Espírito Santo quiser sugerir para o bem da
Igreja.”.
Nesta linha
de caminhada, a Cúria trabalha “para favorecer o encontro com o irmão, desatar
os nós das incompreensões e hostilidades e contrastar os preconceitos e o
receio do outro que impediram de ver a riqueza da diversidade e na diversidade
e a profundidade do Mistério de Cristo e da Igreja, que permanece sempre maior
do que qualquer expressão humana”. E, neste contexto ecuménico, o Papa testemunha
a sua alegria e gratidão pelos “encontros verificados com os Papas, os
Patriarcas e os Chefes das várias Igrejas e Comunidades”.
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Em termos da relação da Cúria com o Judaísmo, o Islamismo, as
outras religiões, diz o Papa Bergoglio que essa relação se baseia “na doutrina do Concílio Vaticano II e na necessidade
do diálogo”. Com efeito, “a única alternativa à civilização do encontro é a
incivilidade do conflito”. Porém, segundo o Pontífice, “o diálogo é construído
sobre três diretrizes fundamentais: o dever
da identidade, a coragem da
alteridade e a sinceridade das
intenções”. Pelo dever da identidade, sabemos que “não se pode construir um
verdadeiro diálogo sobre a ambiguidade nem sobre o sacrifício do bem para
agradar ao outro”; no âmbito da coragem da alteridade, sabemos que “quem é
cultural ou religiosamente diferente, não pode nem deve “ser visto e tratado
como um inimigo, mas recebido como um companheiro de viagem, na genuína
convicção de que o bem de cada um reside no bem de todos”; e, pela sinceridade
das intenções, sabemos que “o diálogo, enquanto expressão autêntica do humano,
não é uma estratégia para se conseguir segundos fins, mas um caminho de
verdade, que merece ser pacientemente empreendido para transformar a competição
em colaboração”.
A ilustrar a
saúde d linha do diálogo inter-religioso, temos a evidência dos “encontros
realizados com as autoridades religiosas nas diferentes viagens apostólicas e
nos encontros no Vaticano”.
***
Por fim, Francisco
advertiu que “estes são apenas alguns aspetos, importantes mas não exaustivos,
da atividade da Cúria ad extra”, que foram selecionados pela sua conexão
com os temas “do primado diaconal, dos sentidos institucionais e
das antenas emissoras e recetoras fiéis” aderentes aos organismos da
Santa Sé.
E concluiu falando
do Natal “como a festa da fé”.
E, neste âmbito, frisou “que o Natal nos lembra que uma fé que não nos põe em
crise é uma fé em crise”; que “uma fé que não nos faz crescer é uma fé que deve
crescer”; que “uma fé que não nos questiona é uma fé sobre a qual nos devemos
questionar”; que “uma fé que não nos anima é uma fé que deve ser animada”;
e que “uma fé que não nos sacode é uma fé que deve ser sacudida”.
Nestes termos,
a fé deve pôr-nos em crise, deve crescer, deve questionar-nos, deve animar-nos
e mexer connosco. Deve passar da fé intelectual à fé que envolve “o coração, a
alma, o espírito e todo o nosso ser. Deve permitir que Deus nasça “sempre de
novo na manjedoura do coração” e deve permitir que a estrela de Belém nos guie precisamente
“para o lugar onde jaz o Filho de Deus, não entre os reis e o luxo, mas entre
os pobres e os humildes”. E, citando o livro “Il Pellegrino cherubico”, de Angelo Silesio, disse:
“Depende apenas de ti: Ah, se o teu coração
pudesse tornar-se uma manjedoura! Deus voltaria a nascer Menino na terra.”.
E, depois de
renovar os votos natalícios mais calorosos a todos, deixou, como prenda de Natal,
a versão italiana da obra “Je veux voir Dieu” (Quero ver Deus), do Beato
Padre Maria Eugénio do Menino Jesus – “uma obra de teologia espiritual que nos
fará bem a todos”, talvez não a lendo toda, mas procurando no índice aquilo que
mais interessa ou de que mais se precisa. E anunciou que o Cardeal Piacenza
fora tão generoso que, com o trabalho da Penitenciaria (nomeadamente
de Mons. Nykiel), fez o
livro “La festa del perdono” (A Festa do
Perdão), em “resultado do Jubileu da
Misericórdia” e o quis “oferecer de prenda”.
E, como já é
recorrente neste Papa, pronunciou a bênção e pediu que rezassem por ele.
***
Só gostaria
que as nossas cúrias e os nossos serviços públicos escutassem discursos como estes
que Francisco profere junto da Cúria Romana. Há tanto que mudar nas relações
com os diferentes destinatários e com a diferenciação das situações, sem deixar
de respeitar a dignidade de todos e de cada um.
Tanto a
mudar, contra o carreirismo e pelo profissionalismo e modo de bem servir!
2017.12.28 –
Louro de Carvalho
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