quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Afinal, não é só em Portugal que desaparecem materiais

A Comunicação Social tem relevado nos últimos dias o facto de o Governo britânico ter perdido milhares de documentos oficiais sobre matérias sensíveis. A denúncia pública é feita pelo diário de referência “The Guardian”.
Com efeito, segundo as notícias, milhares de documentos oficiais do Governo britânico, alguns deles com informações sensíveis sobre episódios controversos da história do Reino Unido do século XX, desapareceram dos Arquivos Nacionais.
Segundo o diário britânico “The Guardian”, entre o material desaparecido figuram documentos sobre a Guerra das Malvinas-Falkland ou sobre o conflito na Irlanda do Norte.
Aquele diário salienta que os documentos foram levados para Whitehall (edifícios governamentais) dos Arquivos Nacionais por funcionários do executivo britânico, dando, posteriormente, conta do desaparecimento.
E o referido jornal acrescenta que outra documentação, que não foi possível recuperar, contém dados sobre o mandato colonial britânico da Palestina, provas da vacina contra a poliomielite ou sobre a disputa territorial mantida entre o Reino Unidos e a Argentina sobre as Malvinas (ou Falkland).
Nalguns casos, ninguém do Governo britânico ou próximo dele sabe as razões por que alguma documentação foi retirada dos Arquivos nacionais, como se perdeu ou mesmo se existem cópias.
Noutros casos, foram retirados documentos específicos de algumas pastas, sem que se saiba quais ou sobre que temas.
Segundo aquele jornal britânico, em 2015, vários funcionários do Foreign Office – departamento equivalente ao nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros – tiraram um “pequeno número de documentos de um ficheiro” que armazenava informação sobre o assassínio, em 1978, do jornalista búlgaro dissidente Georgi Markov, morto a tiro quando atravessava a ponte de Waterloo, em Londres. Essa documentação, como refere o “The Guardian”, “também foi extraviada”.
Interpelado por aquele diário sobre o desaparecimento da documentação, o Foreign Office indicou ter conseguido recuperar a “maioria” dos documentos, devolvendo-os aos Arquivos Nacionais, admitindo, porém, que “ainda existem uns poucos” desaparecidos.
Segundo fontes dos Arquivos Nacionais, alguns dos documentos estão dados como perdidos depois de terem sido “emprestados”, a pedido, a vários departamentos governamentais, que não os devolveram nem sabem dar conta deles.
O “The Guardian” releva que o desaparecimento dos ficheiros põe a nu a facilidade com que os diferentes ministérios podem requisitar documentos oficiais sem que, depois, sejam devolvidos ou tenha de haver justificação sobre o quer que seja.
A este respeito, um porta-voz oficial da instituição, com sede no bairro de Kew, no sudoeste de Londres, disse ao “The Guardian” que “os Arquivos Nacionais enviam regularmente aos departamentos governamentais listas com os ficheiros disponibilizados”. E acrescentou que os Arquivos Nacionais do Reino Unido, como é natural, “pedem encarecidamente” aos ministérios que devolvam “com rapidez” os documentos que detêm na sua posse, ainda que estes não tenham nenhuma obrigação legal de o fazer.
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Comparando este facto – que já não acontece pela primeira vez – com o volume de tinta que se fez correr e as vozes que se levantaram a propósito do furto de material bélico dos paióis de Tancos, tenho de aceitar que somos apenas meros aprendizes daquilo que não se deve fazer: a falta de vigilância, a incúria, o não registo a não justificação dos atos e a não prestação de contas.
No caso português, em que o material foi recuperado quase na sua totalidade, foi posta em causa, tanto a nível interno como a nível externo, a incompetência dos políticos, que não dão meios ou que se perdem e nos fazem perder na teia da burocracia, e dos militares, sobre quem recai a responsabilidade operacional da vigilância, guarda e cuidado, bem como o estado de depauperamento a que chegaram as nossas forças armadas, em termos de pessoal e de logística.
Podem dizer que aqui se tratava de material de guerra. Sim. E. apesar de eventualmente obsoleto, continuava a ser perigoso em si e pelas mãos onde poderia estar. Porém, tão importante como o material bélico – ou mais até – é o material informativo que espelha a diplomacia, sustenta o segredo de Estado e suporta a defesa e a segurança.
É difícil num regimento militar saber qual é mais importante: a secção de informação ou a secção de operações. Nalguns casos, as duas têm chefia comum.
É que a segurança do Estado reside em muito grande parte na qualidade dos seus serviços de informação, que deve ser partilhada por quem e com quem de direito e cujo acesso deve ser fortemente limitado.
Pode ainda dizer-se que, no caso britânico, se trata de papéis, documentos. Pois, mas devassar informação sobre o conflito com a Argentina sobre as Malvinas pode tornar-se melindroso para a diplomacia que acompanhava necessariamente o conflito, podendo revelar inutilmente posicionamento britânico ou argentino já ultrapassado. Penso que não se lucra nada tirar das arcas da memória o que se passou nos tempos do conflito com a Irlanda. E as informações sobre as circunstâncias do assassinato do jornalista búlgaro dissidente Georgi Markov dizem respeito à justiça britânica e provavelmente às estruturas diplomáticas.
A revelação intempestiva de dados que atinjam o mandato colonial britânico na Palestina em tempos idos podem prejudicar desnecessariamente a diplomacia do Reino Unido nos tempos atuais e constituir mais um elemento de fragilidade para o Governo já bastante desacreditado pelos casos de ministros indiciados de assédio sexual ou de encontros com entidades estrangeiras não autorizados, bem como pela manifesta dificuldade da Primeira-Ministra em se desembaraçar no processo de concretização do “Brexit”.
Todos lembram o incómodo e o não benefício resultantes da fuga de informações posta a circular em anos recentes tanto sobre grandes Estados como os EUA ou a Alemanha ou sobre o pequeno Estado da Cidade do Vaticano.
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E, se em Portugal Tancos não levou o Governo a tirar consequências políticas do furto de material – apesar de o Ministro ora ter referido tratar-se de um caso muito grave, um crime organizado, ora ter dito que no limite nem terá havido furto – o caso levou os generais a ajoelhar vergonhosamente junto do poder político assumindo toda a responsabilidade, as vozes clamaram contra o não encontro dos responsáveis, fizeram-se aproveitamentos partidários e concluía-se que a culpa, como é usual entre nós, mais uma vez morria solteira.
Ora, no Reino Unido, a propósito disto, nem Rainha, nem Governo, nem diretores-gerais, ninguém levanta a voz. Tudo normal. Apenas um porta-voz dos Arquivos Nacionais pede aos diversos departamentos que devolvam os documentos que detêm, embora saiba e diga que não têm obrigação de o fazer.
Depois, o nosso é que é o país dos brandos costumes!
Ou será que a nossa velha aliada persiste em desembaraçar-se da UE, dos conflitos passados, desvalorizando-os, para se entregar com os EUA à gestação dum novo imperialismo onde tenha voz decisória. Se assim é, talvez não vá a tempo, até porque, segundo creio, o Império trumpista não tem pernas para andar muito tempo. Ou acaba com outros ou acaba sozinho.
Cedeu as suas velhas colónias a todos, mas como quem não quer e como quem quer. Mantém alguns redutos, mas acabou por se vergar à China entregando Hong Kong. 
Quanto aos materiais não devolvidos ainda, apetece-me a recomendar, com alguém das redes sociais, que contactem a nossa Polícia Judiciária e a nossa Polícia Judiciária Militar, que até podem aparecer mais documentos que os efetivamente furtados. Por cá ainda se acredita em milagres!

2017.12.27 – Louro de Carvalho  

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