A Comunicação Social tem relevado nos últimos
dias o facto de o Governo britânico ter perdido milhares de documentos oficiais
sobre matérias sensíveis. A denúncia pública é feita pelo diário de referência “The Guardian”.
Com efeito, segundo as notícias, milhares de
documentos oficiais do Governo britânico, alguns deles com informações
sensíveis sobre episódios controversos da história do Reino Unido do século XX,
desapareceram dos Arquivos Nacionais.
Segundo o diário britânico “The Guardian”, entre o material
desaparecido figuram documentos sobre a Guerra das Malvinas-Falkland ou sobre o
conflito na Irlanda do Norte.
Aquele diário salienta que os documentos
foram levados para Whitehall (edifícios
governamentais) dos Arquivos Nacionais por funcionários do executivo britânico, dando,
posteriormente, conta do desaparecimento.
E o referido jornal acrescenta que outra
documentação, que não foi possível recuperar, contém dados sobre o mandato
colonial britânico da Palestina, provas da vacina contra a poliomielite ou
sobre a disputa territorial mantida entre o Reino Unidos e a Argentina sobre as
Malvinas (ou Falkland).
Nalguns casos, ninguém do Governo
britânico ou próximo dele sabe as razões por que alguma documentação foi
retirada dos Arquivos nacionais, como se perdeu ou mesmo se existem cópias.
Noutros casos, foram retirados
documentos específicos de algumas pastas, sem que se saiba quais ou sobre que
temas.
Segundo aquele jornal britânico, em 2015,
vários funcionários do Foreign Office – departamento equivalente ao nosso Ministério
dos Negócios Estrangeiros – tiraram um “pequeno número de documentos de um
ficheiro” que armazenava informação sobre o assassínio, em 1978, do jornalista
búlgaro dissidente Georgi Markov, morto a tiro quando atravessava a ponte de
Waterloo, em Londres. Essa documentação, como refere o “The Guardian”, “também foi extraviada”.
Interpelado por aquele diário sobre o
desaparecimento da documentação, o Foreign Office indicou ter conseguido
recuperar a “maioria” dos documentos, devolvendo-os aos Arquivos Nacionais, admitindo,
porém, que “ainda existem uns poucos” desaparecidos.
Segundo fontes dos Arquivos Nacionais,
alguns dos documentos estão dados como perdidos depois de terem sido “emprestados”,
a pedido, a vários departamentos governamentais, que não os devolveram nem
sabem dar conta deles.
O “The
Guardian” releva que o desaparecimento dos ficheiros põe a nu a facilidade
com que os diferentes ministérios podem requisitar documentos oficiais sem que,
depois, sejam devolvidos ou tenha de haver justificação sobre o quer que seja.
A este respeito, um porta-voz oficial da
instituição, com sede no bairro de Kew, no sudoeste de Londres, disse ao “The Guardian” que “os Arquivos Nacionais
enviam regularmente aos departamentos governamentais listas com os ficheiros
disponibilizados”. E acrescentou que os Arquivos Nacionais do Reino Unido, como
é natural, “pedem encarecidamente” aos ministérios que devolvam “com rapidez” os
documentos que detêm na sua posse, ainda que estes não tenham nenhuma obrigação
legal de o fazer.
***
Comparando este facto – que já não acontece
pela primeira vez – com o volume de tinta que se fez correr e as vozes que se
levantaram a propósito do furto de material bélico dos paióis de Tancos, tenho
de aceitar que somos apenas meros aprendizes daquilo que não se deve fazer: a
falta de vigilância, a incúria, o não registo a não justificação dos atos e a
não prestação de contas.
No caso português, em que o material foi
recuperado quase na sua totalidade, foi posta em causa, tanto a nível interno
como a nível externo, a incompetência dos políticos, que não dão meios ou que
se perdem e nos fazem perder na teia da burocracia, e dos militares, sobre quem
recai a responsabilidade operacional da vigilância, guarda e cuidado, bem como
o estado de depauperamento a que chegaram as nossas forças armadas, em termos
de pessoal e de logística.
Podem dizer que aqui se tratava de material
de guerra. Sim. E. apesar de eventualmente obsoleto, continuava a ser perigoso
em si e pelas mãos onde poderia estar. Porém, tão importante como o material
bélico – ou mais até – é o material informativo que espelha a diplomacia,
sustenta o segredo de Estado e suporta a defesa e a segurança.
É difícil num regimento militar saber
qual é mais importante: a secção de informação ou a secção de operações. Nalguns
casos, as duas têm chefia comum.
É que a segurança do Estado reside em
muito grande parte na qualidade dos seus serviços de informação, que deve ser partilhada
por quem e com quem de direito e cujo acesso deve ser fortemente limitado.
Pode ainda dizer-se que, no caso
britânico, se trata de papéis, documentos. Pois, mas devassar informação sobre
o conflito com a Argentina sobre as Malvinas pode tornar-se melindroso para a diplomacia
que acompanhava necessariamente o conflito, podendo revelar inutilmente
posicionamento britânico ou argentino já ultrapassado. Penso que não se lucra
nada tirar das arcas da memória o que se passou nos tempos do conflito com a
Irlanda. E as informações sobre as circunstâncias do assassinato do jornalista
búlgaro dissidente Georgi Markov dizem respeito à justiça britânica e provavelmente
às estruturas diplomáticas.
A revelação intempestiva de dados que
atinjam o mandato colonial britânico na Palestina em tempos idos podem prejudicar
desnecessariamente a diplomacia do Reino Unido nos tempos atuais e constituir
mais um elemento de fragilidade para o Governo já bastante desacreditado pelos
casos de ministros indiciados de assédio sexual ou de encontros com entidades
estrangeiras não autorizados, bem como pela manifesta dificuldade da
Primeira-Ministra em se desembaraçar no processo de concretização do “Brexit”.
Todos lembram o incómodo e o não benefício
resultantes da fuga de informações posta a circular em anos recentes tanto
sobre grandes Estados como os EUA ou a Alemanha ou sobre o pequeno Estado da
Cidade do Vaticano.
***
E, se em Portugal Tancos não levou o
Governo a tirar consequências políticas do furto de material – apesar de o
Ministro ora ter referido tratar-se de um caso muito grave, um crime
organizado, ora ter dito que no limite nem terá havido furto – o caso levou os
generais a ajoelhar vergonhosamente junto do poder político assumindo toda a
responsabilidade, as vozes clamaram contra o não encontro dos responsáveis,
fizeram-se aproveitamentos partidários e concluía-se que a culpa, como é usual
entre nós, mais uma vez morria solteira.
Ora, no Reino Unido, a propósito disto,
nem Rainha, nem Governo, nem diretores-gerais, ninguém levanta a voz. Tudo normal.
Apenas um porta-voz dos Arquivos Nacionais pede aos diversos departamentos que
devolvam os documentos que detêm, embora saiba e diga que não têm obrigação de
o fazer.
Depois, o nosso é que é o país dos
brandos costumes!
Ou será que a nossa velha aliada persiste
em desembaraçar-se da UE, dos conflitos passados, desvalorizando-os, para se
entregar com os EUA à gestação dum novo imperialismo onde tenha voz decisória. Se
assim é, talvez não vá a tempo, até porque, segundo creio, o Império trumpista não
tem pernas para andar muito tempo. Ou acaba com outros ou acaba sozinho.
Cedeu as suas velhas colónias a todos,
mas como quem não quer e como quem quer. Mantém alguns redutos, mas acabou por
se vergar à China entregando Hong Kong.
Quanto aos materiais não devolvidos
ainda, apetece-me a recomendar, com alguém das redes sociais, que contactem a
nossa Polícia Judiciária e a nossa Polícia Judiciária Militar, que até podem
aparecer mais documentos que os efetivamente furtados. Por cá ainda se acredita
em milagres!
2017.12.27 – Louro de Carvalho
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