A falta
de pluviosidade tem como consequência a falta de humidade e de água, o que
potencia as condições de incêndio, de que o país foi palco, pasto e vítima na
primavera, no verão e no outono. A seca extrema e severa pela praticamente ausência
de chuvas fez desaparecer a água em nascentes, incluindo a do rio Douro, e
diminuir até ao limite o volume de água nas barragens. Secam fontes, arroios, corgos,
regatos e ribeiros. E as pessoas não têm água para rega, cozinha, lavagens – o que
é agravado pela acumulação de hábitos de alto consumo de água. Como sói
dizer-se, o precioso líquido é um bem cada vez mais escasso. E isto agrava as
alterações climáticas que, por sua vez, agravam a falta deste recurso vital. Faltam
forragens e pastagens, estiolam as plantas, definham e morrem os animais,
desidratam-se as pessoas a ponto de poderem encontrar a morte.
Alertados
os portugueses pelo tinir das campainhas, pergunta-se pela situação que os
ambientalistas conhecem e pelas medidas que tem na mesa o Governo da República,
parecendo o panorama muito insuficiente.
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De momento, apenas 1,2% das águas residuais tratadas são reutilizadas,
metade da média registada na UE. A Zero
defende medidas prioritárias em algumas bacias hidrográficas.
As águas residuais podem ser tratadas e depois reutilizadas para vários
fins, como a rega na agricultura ou em jardins, a lavagem de pavimentos
Só 1,2% das águas residuais tratadas são reutilizadas, metade da média
registada na UE, o que os ambientalistas da Zero
(Associação Sistema Terrestre Sustentável) consideram uma contradição num país tão suscetível à
seca, pelo que defendem ser prioritário o aproveitamento. Na verdade, como declarou à agência Lusa Paulo Lucas, das 265 entidades com ETAR
(estações de
tratamento de águas residuais) existentes,
apenas 23 têm por prática reutilizar as águas tratadas, o que é metade daquilo
que se faz na UE, onde a média é de 2,4%. Para a Zero
– que partiu dos dados disponibilizados pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos) relativos a 2015 – esta situação
revela “alguma contradição”, já que Portugal é um dos países europeus mais
suscetíveis à seca – em junho, cerca de 80% do território estava em seca severa
(73%) e extrema (7%) – e às alterações
climáticas. Por isso, propõe a maior reutilização das águas tratadas nas
regiões onde os recursos hídricos são mais escassos, o que deve ser uma
prioridade de investimento e elemento essencial do Plano de Prevenção,
Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca apresentado recentemente.
As águas residuais podem ser tratadas e depois reutilizadas para vários
fins, como a rega na agricultura ou em jardins e a lavagem de pavimentos, de
viaturas ou de contentores do lixo. Entre as entidades identificadas como mais
relevantes no aproveitamento de águas residuais, destacam-se a Águas do Algarve, que reutiliza 3,5% das
que foram tratadas para lavagem de equipamentos e rega de espaços verdes. Esta
prática, segundo refere o Observador,
é adotada em 13 ETAR algarvias: Almargem, Vila Real de Santo António, Loulé,
Quinta do Lago, Vilamoura, Olhão Nascente, Faro Noroeste, Albufeira Poente,
Ferreiras, Vale Faro, Boavista, Silves e Lagos. Paulo Lucas salientou:
“Identificámos as Águas de Lisboa e
Vale do Tejo, agora dividida em Águas do Vale do Tejo, Águas do Tejo Atlântico
e Simarsul, os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Sintra, o
município de Ourém e os serviços municipalizados de Almada, mas quem se destaca
mesmo pela positiva são as Águas do Algarve”.
Esta entidade, segundo o ambientalista, “tem uma particularidade
interessante”, é que, além de reutilizar esta água nas suas instalações,
fornece a entidades externas, nomeadamente para regar campos de golfe.
A Zero defende que algumas das medidas são prioritárias em algumas bacias
hidrográficas, nomeadamente nas dos rios Leça, Tejo, Sado, Guadiana e das
ribeiras do Oeste e do Algarve, que se encontram na categoria de “escassez
severa”. Para esta associação, “a legislação não é clara relativamente à
reutilização de águas tratadas e há um trabalho de regulamentação que o Governo
tem de fazer”. Refere Paulo Lucas:
“Pensamos que deve haver uma
articulação entre os ministérios do Ambiente e da Agricultura, porque existe um
grande potencial de utilização destas águas residuais para regar uma área estimada
entre 35 a 100 mil hectares, permitindo a reciclagem de nutrientes”.
Na União Europeia são reutilizados anualmente
cerca de mil milhões de metros cúbicos, cerca de 2,4% da água tratada, mas o objetivo é chegar aos seis mil
milhões de metros cúbicos, sendo Portugal considerado um dos países onde o
potencial de reutilização é maior.
Atualmente, em Portugal, as 23 entidades que seguem aquela prática
reutilizam apenas um total de 7,8 milhões metros cúbicos (1,2% do total do país, como se disse).
***
Por seu turno, o Governo promete uma
estratégia para reutilizar água tratada. Com efeito, o Secretário de
Estado do Ambiente e o Ministro da tutela estiveram no Parlamento, a pedido do
PEV, para abordar a situação de seca severa ou extrema que afeta o país. E, na
sua audição parlamentar, ficou assente que o Governo vai definir uma estratégia
para a reutilização de águas tratadas, como anunciou o secretário de Estado do
Ambiente. Carlos Martins apontou para junho do próximo ano a conclusão dessa
mesma estratégia, que inclui a definição de planos de ação para vender 80% dos
efluentes que saem das 50 maiores ETAR. De facto, atualmente apenas 2% desses
caudais são aproveitados para rega, limpeza de pavimentos, rede de incêndios e
sistema de refrigeração de edifícios.
O
Secretário de Estado do Ambiente falava no Parlamento, na Comissão de Ambiente,
Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, numa
audição do Ministro do Ambiente, sobre a situação de seca severa ou extrema que
afeta o país, a pedido do grupo parlamentar do Partido Ecologista os Verdes (PEV).
Está
efetivamente a ser preparado, como se disse, um plano de ação para entidades
gestoras com as 50 maiores ETAR, representado 80% da totalidade dos caudais
tratados. As restantes 1.250 não ETAR não têm caudais significativos que tornem
viável aquela solução. Além disso, embora as águas residuais tratadas tenham um
grande potencial económico, nas estações que produzem em maior quantidade, o
fornecimento terá de ser limitado a um raio de 10 Km da ETAR, pois, ao invés, o
preço a pagar pela água seria superior ao da rede pública e deixaria de ser
atrativo para quem compra.
As águas residuais tratadas podem ser usadas para
vários fins, como se disse. E Carlos Martins deu alguns
exemplos de edifícios que já as utilizam na rega de jardins, como o Marl (Mercado Abastecedor de Lisboa). O governante reconheceu a
dificuldade de alargar esta possibilidade a construções já existentes, mas
apontou que os novos edifícios e os reabilitados podem integrar uma solução de
uso de águas tratadas, inclusive separando as águas para cozinha das redes de
esgoto, inventando para elas uma terceira rede – o que é difícil conseguir nos edifícios
existentes. Esta separação de águas consta na proposta do novo regulamento de águas
nos edifícios a apresentar em breve pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas Residuais). Porém, o Secretário de Estado
tem muitas dúvidas da generalização desta medida aos edifícios existentes.
Além
da questão do cumprimento e da eventual revisão da Convenção de Albufeira, que
rege as relações entre Portugal e Espanha na gestão dos rios partilhados entre
os dois países, a necessidade de utilizar de forma eficiente a água foi um dos
temas mais focados na reunião.
“O
tratamento de águas residuais é uma grande oportunidade”, como diz o Secretário
de Estado, já que atualmente não chega a 2%. Recorde-se que o Governo admitiu o racionamento
da água durante a noite, em algumas localidades, e prevê um aumento das
tarifas de água.
Em
resposta a uma pergunta de Heloísa Apolónia do PEV, o governante afastou a possibilidade
de aproveitamento da água da chuva devido à distribuição temporal (muito concentrada numa época do
ano) e geográfica da precipitação.
É inviável na maior parte do território sobretudo na zona de Lisboa, sendo que
o volume de precipitação não o justifica.
Por
outro lado, a construção de grandes barragens não está nas intenções do Governo,
que prefere licenciar estruturas de pequena dimensão, como e sobretudo as
barragens para rega, aumentar as cotas das existentes barragens, avançar com o
desassoreamento de albufeiras para aumentar a capacidade de armazenagem de água
e financiar as perdas de água. Em relação a este último ponto, foi dito que, em
2018, será publicado o anúncio do PO SEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de
Recursos), no valor de 50 milhões de
euros, para que as entidades gestoras da água em baixa possam investir na
redução de perdas, nomeadamente através da diminuição da pressão de água e na
substituição de condutas.
Em
resposta a questões sobre a Convenção de Albufeira, o Ministro do Ambiente
insistiu que “Espanha honrou o seu
compromisso”. E disse que a convenção é “referida como a mais robusta entre
dois países onde existe falta de água” e, durante o último ano, “Portugal
orgulha-se de ter cumprido em cem por cento”. Repetiu também que Espanha
cumpriu totalmente os caudais no que respeita ao Guadiana e ao Douro e que no
Tejo houve incumprimento durante uma semana, em junho, situação justificada
pela realização de obras.
A
deputada Heloísa Apolónia, do PEV, transmitiu preocupação com o facto de o Ministro
“não garantir perentoriamente que está a fazer esforços para a revisão da
Convenção”. E avançou que estará em discussão no Parlamento um projeto de
resolução de “Os Verdes” no sentido de a Assembleia da República recomendar ao
Governo a revisão da Convenção de Albufeira.
O
Ministro voltou a defender que rever a Convenção em ano de seca não é uma boa
ideia e recordou que Espanha enfrenta uma situação de seca há cinco anos, mais
do que Portugal.
Apesar
de a Ministra do Ambiente espanhola ter rejeitado as recentes conversações
sobre o estabelecimento dum caudal mínimo ecológico diário no Tejo, Matos
Fernandes entende que isso vai ser possível, mas não será possível ir buscar
mais água a Espanha.
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O Governo
deve explorar todas as hipóteses de armazenamento de água, mesmo através das
grandes barragens e pela recolha de água da chuva onde e quando foro possível. Porque
não? O Governo não pode circunscrever o país à região de Lisboa.
2016.12.03 – Louro de Carvalho
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