domingo, 3 de dezembro de 2017

Para obviar à falta de água…

A falta de pluviosidade tem como consequência a falta de humidade e de água, o que potencia as condições de incêndio, de que o país foi palco, pasto e vítima na primavera, no verão e no outono. A seca extrema e severa pela praticamente ausência de chuvas fez desaparecer a água em nascentes, incluindo a do rio Douro, e diminuir até ao limite o volume de água nas barragens. Secam fontes, arroios, corgos, regatos e ribeiros. E as pessoas não têm água para rega, cozinha, lavagens – o que é agravado pela acumulação de hábitos de alto consumo de água. Como sói dizer-se, o precioso líquido é um bem cada vez mais escasso. E isto agrava as alterações climáticas que, por sua vez, agravam a falta deste recurso vital. Faltam forragens e pastagens, estiolam as plantas, definham e morrem os animais, desidratam-se as pessoas a ponto de poderem encontrar a morte.   
Alertados os portugueses pelo tinir das campainhas, pergunta-se pela situação que os ambientalistas conhecem e pelas medidas que tem na mesa o Governo da República, parecendo o panorama muito insuficiente.
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De momento, apenas 1,2% das águas residuais tratadas são reutilizadas, metade da média registada na UE. A Zero defende medidas prioritárias em algumas bacias hidrográficas.
As águas residuais podem ser tratadas e depois reutilizadas para vários fins, como a rega na agricultura ou em jardins, a lavagem de pavimentos
Só 1,2% das águas residuais tratadas são reutilizadas, metade da média registada na UE, o que os ambientalistas da Zero (Associação Sistema Terrestre Sustentável) consideram uma contradição num país tão suscetível à seca, pelo que defendem ser prioritário o aproveitamento. Na verdade, como declarou à agência Lusa Paulo Lucas, das 265 entidades com ETAR (estações de tratamento de águas residuais) existentes, apenas 23 têm por prática reutilizar as águas tratadas, o que é metade daquilo que se faz na UE, onde a média é de 2,4%. Para a Zero – que partiu dos dados disponibilizados pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos) relativos a 2015 – esta situação revela “alguma contradição”, já que Portugal é um dos países europeus mais suscetíveis à seca – em junho, cerca de 80% do território estava em seca severa (73%) e extrema (7%) – e às alterações climáticas. Por isso, propõe a maior reutilização das águas tratadas nas regiões onde os recursos hídricos são mais escassos, o que deve ser uma prioridade de investimento e elemento essencial do Plano de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca apresentado recentemente.
As águas residuais podem ser tratadas e depois reutilizadas para vários fins, como a rega na agricultura ou em jardins e a lavagem de pavimentos, de viaturas ou de contentores do lixo. Entre as entidades identificadas como mais relevantes no aproveitamento de águas residuais, destacam-se a Águas do Algarve, que reutiliza 3,5% das que foram tratadas para lavagem de equipamentos e rega de espaços verdes. Esta prática, segundo refere o Observador, é adotada em 13 ETAR algarvias: Almargem, Vila Real de Santo António, Loulé, Quinta do Lago, Vilamoura, Olhão Nascente, Faro Noroeste, Albufeira Poente, Ferreiras, Vale Faro, Boavista, Silves e Lagos. Paulo Lucas salientou:
Identificámos as Águas de Lisboa e Vale do Tejo, agora dividida em Águas do Vale do Tejo, Águas do Tejo Atlântico e Simarsul, os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Sintra, o município de Ourém e os serviços municipalizados de Almada, mas quem se destaca mesmo pela positiva são as Águas do Algarve”.
Esta entidade, segundo o ambientalista, “tem uma particularidade interessante”, é que, além de reutilizar esta água nas suas instalações, fornece a entidades externas, nomeadamente para regar campos de golfe.
A Zero defende que algumas das medidas são prioritárias em algumas bacias hidrográficas, nomeadamente nas dos rios Leça, Tejo, Sado, Guadiana e das ribeiras do Oeste e do Algarve, que se encontram na categoria de “escassez severa”. Para esta associação, “a legislação não é clara relativamente à reutilização de águas tratadas e há um trabalho de regulamentação que o Governo tem de fazer”. Refere Paulo Lucas:
Pensamos que deve haver uma articulação entre os ministérios do Ambiente e da Agricultura, porque existe um grande potencial de utilização destas águas residuais para regar uma área estimada entre 35 a 100 mil hectares, permitindo a reciclagem de nutrientes”.
Na União Europeia são reutilizados anualmente cerca de mil milhões de metros cúbicos, cerca de 2,4% da água tratada, mas o objetivo é chegar aos seis mil milhões de metros cúbicos, sendo Portugal considerado um dos países onde o potencial de reutilização é maior.
Atualmente, em Portugal, as 23 entidades que seguem aquela prática reutilizam apenas um total de 7,8 milhões metros cúbicos (1,2% do total do país, como se disse).
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Por seu turno, o Governo promete uma estratégia para reutilizar água tratada. Com efeito, o Secretário de Estado do Ambiente e o Ministro da tutela estiveram no Parlamento, a pedido do PEV, para abordar a situação de seca severa ou extrema que afeta o país. E, na sua audição parlamentar, ficou assente que o Governo vai definir uma estratégia para a reutilização de águas tratadas, como anunciou o secretário de Estado do Ambiente. Carlos Martins apontou para junho do próximo ano a conclusão dessa mesma estratégia, que inclui a definição de planos de ação para vender 80% dos efluentes que saem das 50 maiores ETAR. De facto, atualmente apenas 2% desses caudais são aproveitados para rega, limpeza de pavimentos, rede de incêndios e sistema de refrigeração de edifícios.
O Secretário de Estado do Ambiente falava no Parlamento, na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, numa audição do Ministro do Ambiente, sobre a situação de seca severa ou extrema que afeta o país, a pedido do grupo parlamentar do Partido Ecologista os Verdes (PEV).
Está efetivamente a ser preparado, como se disse, um plano de ação para entidades gestoras com as 50 maiores ETAR, representado 80% da totalidade dos caudais tratados. As restantes 1.250 não ETAR não têm caudais significativos que tornem viável aquela solução. Além disso, embora as águas residuais tratadas tenham um grande potencial económico, nas estações que produzem em maior quantidade, o fornecimento terá de ser limitado a um raio de 10 Km da ETAR, pois, ao invés, o preço a pagar pela água seria superior ao da rede pública e deixaria de ser atrativo para quem compra.
As águas residuais tratadas podem ser usadas para vários fins, como se disse. E Carlos Martins deu alguns exemplos de edifícios que já as utilizam na rega de jardins, como o Marl (Mercado Abastecedor de Lisboa). O governante reconheceu a dificuldade de alargar esta possibilidade a construções já existentes, mas apontou que os novos edifícios e os reabilitados podem integrar uma solução de uso de águas tratadas, inclusive separando as águas para cozinha das redes de esgoto, inventando para elas uma terceira rede – o que é difícil conseguir nos edifícios existentes. Esta separação de águas consta na proposta do novo regulamento de águas nos edifícios a apresentar em breve pela ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas Residuais). Porém, o Secretário de Estado tem muitas dúvidas da generalização desta medida aos edifícios existentes.
Além da questão do cumprimento e da eventual revisão da Convenção de Albufeira, que rege as relações entre Portugal e Espanha na gestão dos rios partilhados entre os dois países, a necessidade de utilizar de forma eficiente a água foi um dos temas mais focados na reunião.
“O tratamento de águas residuais é uma grande oportunidade”, como diz o Secretário de Estado, já que atualmente não chega a 2%. Recorde-se que o Governo admitiu o racionamento da água durante a noite, em algumas localidades, e prevê um aumento das tarifas de água.
Em resposta a uma pergunta de Heloísa Apolónia do PEV, o governante afastou a possibilidade de aproveitamento da água da chuva devido à distribuição temporal (muito concentrada numa época do ano) e geográfica da precipitação. É inviável na maior parte do território sobretudo na zona de Lisboa, sendo que o volume de precipitação não o justifica.
Por outro lado, a construção de grandes barragens não está nas intenções do Governo, que prefere licenciar estruturas de pequena dimensão, como e sobretudo as barragens para rega, aumentar as cotas das existentes barragens, avançar com o desassoreamento de albufeiras para aumentar a capacidade de armazenagem de água e financiar as perdas de água. Em relação a este último ponto, foi dito que, em 2018, será publicado o anúncio do PO SEUR (Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos), no valor de 50 milhões de euros, para que as entidades gestoras da água em baixa possam investir na redução de perdas, nomeadamente através da diminuição da pressão de água e na substituição de condutas.
Em resposta a questões sobre a Convenção de Albufeira, o Ministro do Ambiente insistiu que “Espanha honrou o seu compromisso”. E disse que a convenção é “referida como a mais robusta entre dois países onde existe falta de água” e, durante o último ano, “Portugal orgulha-se de ter cumprido em cem por cento”. Repetiu também que Espanha cumpriu totalmente os caudais no que respeita ao Guadiana e ao Douro e que no Tejo houve incumprimento durante uma semana, em junho, situação justificada pela realização de obras.
A deputada Heloísa Apolónia, do PEV, transmitiu preocupação com o facto de o Ministro “não garantir perentoriamente que está a fazer esforços para a revisão da Convenção”. E avançou que estará em discussão no Parlamento um projeto de resolução de “Os Verdes” no sentido de a Assembleia da República recomendar ao Governo a revisão da Convenção de Albufeira.
O Ministro voltou a defender que rever a Convenção em ano de seca não é uma boa ideia e recordou que Espanha enfrenta uma situação de seca há cinco anos, mais do que Portugal.
Apesar de a Ministra do Ambiente espanhola ter rejeitado as recentes conversações sobre o estabelecimento dum caudal mínimo ecológico diário no Tejo, Matos Fernandes entende que isso vai ser possível, mas não será possível ir buscar mais água a Espanha.
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O Governo deve explorar todas as hipóteses de armazenamento de água, mesmo através das grandes barragens e pela recolha de água da chuva onde e quando foro possível. Porque não? O Governo não pode circunscrever o país à região de Lisboa.

2016.12.03 – Louro de Carvalho

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