Marcelo
Rebelo de Sousa é professor catedrático de direito público, ciência política e,
obviamente, de direito constitucional. Mas, desde que foi eleito por voto
direto, secreto e universal para o cargo, é Presidente da República. E, nesta
qualidade, cabe-lhe garantir o cumprimento da Constituição, a independência
nacional e o funcionamento regular das instituições democráticas.
Para garantir
o cumprimento da Constituição tem de dar o exemplo e não se intrometer nas competências
dos demais órgãos de Soberania, deixando que eles funcionem autonomamente e tomando
posição quando as matérias chegarem à mesa presidencial para se pronunciar nos termos
da Constituição.
É óbvio que
lhe resta a magistratura de influência que desenvolve no contacto com as
populações, nos discursos a propósito das grandes celebrações e efemérides, na
palavra que profere nas cerimónias para que é convidado, nas mensagens que pode
dirigir à Assembleia da República e nas audiências semanais que concede ao
Primeiro-Ministro.
É certo
que a Constituição também estabelece a interdependência e a cooperação entre os
poderes. Tanto assim é que lhe cabe a promulgação, sem a qual o decreto da Assembleia
da República não se torna lei e o decreto do Governo não se torna decreto-lei,
como lhe cabe o direito de veto a diplomas do Parlamento e do Governo e ainda a
submissão prévia ou sucessiva ao Tribunal Constitucional dos diplomas do
Parlamento e do Governo para apreciação abstrata da sua constitucionalidade. E,
embora a definição da política de defesa nacional seja da competência do Governo,
o Presidente é o comandante supremo das forças armadas, que preside ao Conselho
Superior de Defesa Nacional. Nomeia sob proposta do Governo, o Presidente do
Tribunal de Contas e o Procurador-Geral da República, o Chefe de Estado-Maior General
da Forças Armadas e o Vice-Chefe de Estado-Maior General da Forças Armadas, bem
como os Chefes de Estado-Maior do Exército, da Armada e da Força Aérea (ouvido
também o Chefe de Estado-Maior General da Forças Armadas). Cabe-lhe a dissolução do
Parlamento e das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, como lhe cabe nomear
cinco membros do Conselho de Estado e dois vogais do Conselho Superior da
Magistratura.
***
Tem razão
quando diz que ninguém o impede de exercer todos os poderes que a Constituição
lhe confere. O que se pergunta é se não tem, às vezes, ultrapassado os seus
poderes, ainda que de forma subtil em nome da magistratura de influência, tornando-a
magistratura de interferência. É que a colaboração com o Governo não implica
substituí-lo nem dizer o que toda a gente sabe: que incumbe aos deputados no
Parlamento decidir se querem manter em funções um Governo ou substituí-lo. Dizê-lo
quando está agendada a apresentação de uma moção de censura por parte de um dos
partidos não me digam que não é tentativa suave de interferência com os
deputados.
Mas há
mais: Marcelo aquando da votação final do OE 2018 referiu que tem recebido
mensagens de insatisfação da parte dos empresários portugueses e garantiu que
vai estar atento aos sinais e fazer tudo o que lhe for possível em prol da
competitividade. O diploma orçamental está na respetiva comissão para redação
final, tornando-se impossível, de momento, tomar novas opções. Será que pensa
Marcelo vetar a lei do orçamento, impor-lhe alterações, submetê-la à apreciação
prévia do TC, instruir o Governo para que apresente ao Parlamento propostas de
legislação complementar onde se consagrem as reivindicações dos empresários portugueses?
Isto não é ferir a separação dos poderes? E é incoerente zelar os interesses
dos empresários e depois vir para a rua carpir-se pelos pobrezinhos, sem-abrigo,
vítimas de incêndios e da seca. Se todo os que podem não forem instados a pagar
as despesas públicas, não há Governo que assuma os encargos que deve assumir, porque
não sabe nem pode fazer milagres.
***
Já tenho
denunciado outras situações irregulares da parte do Presidente, como a solene
declaração de que o DL que tira os gestores da CGD da alçada do estatuto de
gestor público não o faz para efeitos declarativos junto do TC em relação a rendimentos
e património, a exposição pública a que pôs Centeno a propósito dos alegados
SMS com Domingues, o intempestivo puxão de orelhas ao Governo a propósito dos incêndios
de outubro. E, recentemente, veio a declaração de que é mais importante o cargo
de Ministro das Finanças de Portugal que o de Presidente do Eurogrupo, feita
nas barbas da candidatura de Centeno.
Por fim,
devo referir o que se passou nas comemorações do 1.º de dezembro em Lisboa,
segundo o que refere o JN e outros órgãos
de comunicação social.
Depois das cerimónias
comemorativas da restauração da independência, umas cinco dezenas de
professores abordaram o Presidente. Lamentaram estar a dar aulas a muitos quilómetros de
casa, sentindo-se ultrapassados por colegas mais novos, e pedem a realização de
novo concurso de colocação de professores a nível nacional, mas rejeitam a ideia
dum concurso só para eles. Diziam, como explicou Marta Alves, uma das organizadoras
do protesto:
“Não queremos
um concurso só para nós, isso é um concurso fantasma, que servirá apenas para
estes lesados fazerem uma permuta de vagas”.
Estes docentes querem um concurso geral.
Está em causa a publicação das listas definitivas do Concurso
de Mobilidade Interna no dia 25 de agosto pp, que veio a colocar docentes,
alguns com 15 e 20 anos de serviço de profissão, em locais que os
impossibilitam de ficar perto das suas casas, alguns a centenas de quilómetros.
Queixam-se de que não são ouvidos pelo Ministério da Educação (ME) e que a resposta que a tutela encontrou de fazer um
concurso para eles em 2018 não é solução. Dizem isto com base num projeto de
decreto-lei que está ser preparado pelo ME.
Marcelo ouviu-os, disse desconhecer o projeto de Decreto-Lei
sobre a matéria e pediu que fossem entregar a Belém os “documentos” demonstrativos
das suas situações para poder avaliar o caso.
Os professores pediam ao Presidente que não seja
conivente e clamavam por justiça para os docentes lesados. Alguns dos manifestantes
detalharam ao Chefe de Estado situações de pessoas a dar aulas na Guarda, tendo
a família e a casa em Braga, e lamentaram que haja docentes mais novos, com
menos tempo de serviço e menor graduação a ocuparem vagas que, no seu entender,
deviam ser suas. O Presidente ouviu-os e repetidamente pediu que entregassem em
Belém documentação para o caso ser avaliado. Aqui, o Presidente esqueceu-se de
que os colegas mais novos na profissão e menos graduados não são professores do
quadro, pelo que não ocupam vagas, mas lugares supervenientes. Portanto,
argumentar com a sorte precária de outrem não será tão válido como parece. E,
se cabe a Marcelo ouvir os professores como quaisquer manifestantes, não lhe
cabe em Belém estudar e avaliar a situação de cada um. Isso nem ao Governo
cabe, mas à respetiva Direção-Geral. Quanto ao desconhecimento de qualquer projeto
de decreto-lei, é bom que não o tenha para não se tentar a emitir opinião antes
de lhe ser apresentado já aprovado em Conselho de Ministros para promulgação.
Marcelo já se meteu demasiado nas questões da educação antes dos diplomas a ela
atinentes lhe chegarem à mesa.
Já agora, porque se furtou a discursar nas cerimónias
comemorativas da restauração da independência. Não é da sua competência
garantir a independência nacional e comandar supremamente a defesa militar da
República? Obviamente, tal prerrogativa não tira nada à responsabilidade e à
palavra do Ministro da Defesa Nacional, que bem disse, no seu discurso, que a
independência nacional se afirma e defende hoje em todos os recantos do mundo.
Mas a interdependência dos poderes e a cooperação
mútua também são um imperativo constitucional que o Presidente não pode
esquecer.
2017.12.02 – Louro de Carvalho
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