O Presidente da República usou de extrema
rapidez na análise do decreto da Assembleia da República que aprovou o Orçamento
do Estado para 2018. E promulgou-o aduzindo quatro boas razões, as razões
verdes, e quatro avisos à navegação, o que poderíamos chamar de pontos
vermelhos ou, ao menos, amarelos – tudo em consonância com as cores nacionais.
Como era de esperar, o abutrismo da comunicação
social salienta a negrito os avisos que, ao invés do que seria de esperar da
parte de Marcelo Rebelo de Sousa, nem são nada de especial.
O Presidente habituou-se e habituou-nos ao comentário
sobre o teor dos principais diplomas que promulga e também assim aconteceu
desta vez.
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O que diz de positivo o Chefe de Estado? Ou que
razões o levaram a promulgar?
Elas são quatro e vêm detalhadas na página web da Presidência. O orçamento:
1.ª - Não suscita questões de constitucionalidade que
determinem a sua fiscalização preventiva.
2.ª - Traduz um compromisso, exprimindo uma clara
maioria parlamentar.
3.ª - Insere-se numa linha correta de redução do
défice orçamental e, por conseguinte, da dívida pública, linha essa a que –
embora com ajuda do ambiente externo – tem correspondido crescimento, emprego,
reposição de rendimentos e crescente credibilização na União Europeia e nas
mais diversas instâncias financeiras internacionais.
4.ª - Representa um sinal mais no domínio da
estabilidade política e institucional.
Ora, se suscitasse questões de
constitucionalidade, o Presidente teria de as submete ao Tribunal Constitucional
para apreciação e não podia promulgar o diploma. Bem podia ter eclipsado a
explicitação desta razão.
É óbvio que a sua aprovação resulta do
compromisso de clara maioria parlamentar, ainda que fosse aprovado só por mais
um voto. Aqui pode dizer-se que Marcelo incorreu numa tautologia latente. Seria
temerário opor-lhe o veto político só porque era necessário mostrar a força do
Presidente. Era perder tempo, porque a maioria que o aprovou o confirmaria facilmente.
Insere-se na linha de redução do défice e da
dívida em consonância com a UE, bem como na linha do crescimento, emprego,
reposição de rendimento e credibilização. Mas isso todos os Governos o dizem
dos seus orçamentos.
É mais um sinal de estabilidade política e
institucional. Bolas, para quem em meados de outubro chamava a atenção do
Parlamento para o poder dos deputados de dizerem se queriam que o Governo se mantivesse
em funções ou que fosse substituído (todos o
sabem), agora
este discurso sabe a rota errática, para não dizer hipocrisia. Afinal, que mérito
acrescido é atribuível ao Governo desde outubro. Conforta-nos a eleição de
Centeno para a presidência do Eurogrupo? Aliás, Marcelo olhou para esta eleição
com cautelas e dúvidas! E a execução orçamental e a redução do défice não são
produtos de milagre ocorrido apenas nos últimos meses.
Obviamente, o rosto dos incêndios com vítimas mortais
e rasto de destruição avassaladora desfigurou o Governo, que ficou beliscado
com o caso de Tancos, o de “Raríssimas”, o da EMA e do Infarmed e o do Montepio
e a SCML. Mas isso não quer dizer que o Governo não tenha travado com afinco a
batalha da governação cm baterias assestadas no défice, na dívida pública, no
investimento e na coesão social.
Parece que o Presidente se quis redimir de
algum dos seus excessos verbais e de algum distanciamento tático que assumiu em
relação ao Governo.
***
Todavia, a comunicação social releva os avisos,
que podem ser lidos na mesma página web.
1ª - Apesar do panorama positivo na economia europeia
e mundial, a sua evolução em 2018 pode não ser tão favorável como em 2017.
2ª - A existência de duas eleições em 2019 não pode,
nem deve, significar cedência a eleitoralismos, que, além do mais, acabem por
alimentar surtos sociais inorgânicos, depois difíceis de enquadrar e
satisfazer.
3ª - O debate em torno das despesas de funcionamento
do Estado não pode deixar de atender à igualdade de situações, sensatez
orçamental e liberdade de escolha nas eleições parlamentares que definirão o
Governo na próxima legislatura, em domínio em que não é aconselhável haver
mudanças todos os quatro anos.
4ª - A necessidade de garantir duradouramente
crescimento e emprego, e redução das desigualdades sociais, deve apontar para o
papel crucial do investimento interno e externo, que o mesmo é dizer para o
incentivo ao determinante tecido empresarial, em particular, às micro, pequenas
e médias empresas, assim como para a prudência do sistema financeiro,
nomeadamente quanto ao crédito imobiliário e ao consumo.
É óbvio que o ano de 2018 pode não apresentar
uma evolução tão favorável como o ano corrente. Porém, essa hipótese é um pressuposto
do OE 2018 e está em linha com todas as previsões oficiais. Porquê esta
especial advertência de Marcelo?
Antecipar as preocupações eleitorais de 2019
para 2018 fazendo aí nascer surtos sociais inorgânicos é lembrar ao Governo o
que ele ainda não teve a ousadia de fazer, é ensiná-lo, como se ele o não
soubesse. E qual é o Governo que não tem preocupações e intentos
eleitoralistas?
O terceiro aviso corresponde a um discurso que
tanto fica bem no Presidente como no Primeiro-Ministro. É o que todo o
governante diz, mesmo que o não faça. Por isso, não representa qualquer mais-valia
para o país.
Quanto à prudência relativamente ao crédito, já
o Banco de Portugal (BdP) lançou o alerta e prometeu tomar
medidas, não devendo o Estado sobrepor-se às competências do regulador, a menos
que este não esteja atento e não tome as devidas providências. Mas não sei se o
Presidente quer mesmo uma mexida na estrutura administrativa do BdP! Quanto à
atração do investimento interno e externo, há que dizer que esta é a batalha de
todos os dias. E Marcelo bem poderia aproveitar as entrevistas semanais com
António Costa para o motivar à reforma fiscal e das rendas que, sem pesar nos
trabalhadores, contribua para a redução do custo da produção. É, por exemplo,
extremamente oneroso o custo da corrente elétrica e o imposto sobre o valor
acrescentado que incide na fatura familiar ou empresarial. Contudo, o Presidente
não tem que fazer tais considerações a propósito do orçamento.
***
Seja como for, Marcelo promulgou, em pouco tempo, o
Orçamento do Estado para 2018 que
resultou das negociações na Assembleia da República. Termina assim o processo
que começou a 13 de outubro com a proposta de Lei do Governo do OE 2018. O
Presidente da República esteve a analisar o documento e, depois, promulgou-o,
mas não sem deixar quatro chamadas de atenção e de apresentar quatro motivos
justificativos da promulgação.
Já o tinha dito, mas reiterou-o no comunicado que fez publicar no site da Presidência, que estava a acompanhar
a complexa redação final do Orçamento nas últimas semanas. Agora, refere que, “confrontando
as sucessivas versões com o correspondente ao Decreto da Assembleia da
República n.º 176/XIII, publicado no Diário da Assembleia da República em 15 de
dezembro de 2017, decidiu o Presidente da República proceder à sua
promulgação”.
Pessoalmente, não entendo como é que o Presidente, a partir de Belém, consegue
acompanhar essa redação que se processa em São Bento, a menos que, por si, por
algum dos seus assessores ou por fuga de informação de deputados, fiscalize a
operação e interfira nela – o que é contrário à separação de poderes.
Ou será que Marcelo arranjou essa ideia para justificar a não demora na
análise do documento em Belém? Mas, se por artes mágicas acompanhou a redação final
do documento, não pode continuar a dizer que em Portugal se legisla mal.
Já no dia 17, o Presidente avisava que já vira “praticamente tudo” em
relação ao conteúdo do Orçamento do Estado para 2018. E, anteriormente, tinha
referido que queria que o próximo ano fosse “descontaminado” do “clima
eleitoral” de 2019. E prometeu – e isto era prudente (não sei se o
terá realmente feito):
“Irei ver a versão final, logo que a receba,
com todo o cuidado e com toda a atenção e interesse”.
Por seu turno, o Primeiro-Ministro disse, no dia 18, que não
esperava qualquer tipo de problema constitucional na promulgação do OE 2018.
E sublinhou que o Chefe de Estado “tem todas as competências pessoais e
institucionais para apreciar essa matéria”, sendo que o Governo agirá “em
conformidade”.
O Orçamento do Estado para 2018 foi, como é sabido, aprovado a 27 de novembro com
os votos favoráveis do PS, BE, PCP e PAN e teve os votos contra do PSD e
CDS-PP. A sessão ficou marcada pela fricção entre o Bloco de Esquerda e o
Partido Socialista relativamente à taxa extra para as renováveis.
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É de
registar que o Presidente também promulgou o
Decreto da Assembleia da República n. º 175/XIII, que aprova as Grandes Opções
do Plano para 2018. São estas que estão na base das políticas orçamentais
e é o Orçamento que lhes dá operacionalização.
Enquadram-se
nas estratégias de desenvolvimento económico e social e de consolidação das
contas públicas consagradas no Programa do XXI Governo Constitucional. E integram
o seguinte conjunto de seis compromissos e de políticas: qualificação dos portugueses (menos insucesso, mais
conhecimento, mais e melhor emprego);
promoção da inovação na economia
portuguesa (mais conhecimento, mais inovação, mais
competitividade); valorização do território (fundamental
para a melhoria das condições económicas e sociais do país e condição essencial
para a aplicação equitativa das políticas públicas); modernização do Estado (com uma Administração
Pública qualificada, competente e motivada, Estado mais próximo e eficaz); redução do endividamento da economia (agilizar
o acesso das PME ao financiamento, promover a sua capitalização e o reforço do
equilíbrio das estruturas financeiras, e criar condições que garantam a
sobrevivência de empresas consideradas economicamente viáveis); e reforço da igualdade e da coesão social (combate
à pobreza e desigualdades, elevação do rendimento disponível das famílias, promoção
do acesso a bens e serviços públicos de primeira necessidade).
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Enfim, apesar
de tudo, não seria por culpa dos deputados ou do Presidente que o Estado não disporia
de dois instrumentos de opções políticas e de meios legais adequados à sua operacionalização
e concretização. As Grandes Opções do Plano e o Orçamento têm pernas para andar.
Compete ao Governo arregaçar as mangas para o trabalho e cuidar menos da sua família
política. E o Chefe de Estado que não se abstenha do comentário, que disso nós precisamos.
E já agora
que tenham todos um bom Natal, que também precisam dele.
2017.12.23 –
Louro de Carvalho
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