Já está.
O homem que Carlos César, Presidente do PS e da bancada parlamentar do mesmo
partido, não convidaria para discursar num comício foi eleito Presidente do
Eurogrupo na segunda volta de votações, pois na primeira não obtivera os 10
votos necessários para ser eleito.
A volta em que o Ministro das Finanças português foi
eleito foi disputada apenas com o luxemburguês Pierre Gramegna, pois o eslovaco
Peter Kazimir e a candidata da Letónia Dana Reizniece-Ozola retiraram a sua
candidatura depois da primeira ronda de votações
Centeno partia como favorito na corrida à liderança do
Eurogrupo, depois de ter conseguido reunir um grande número de apoios, entre
eles o da Alemanha, França, Itália e Espanha. Ao início da tarde de hoje, dia 4
de dezembro, Jeroen Dijssembloem já tinha cometido a gafe de dar Centeno
como seu sucessor, corrigindo imediatamente depois a sua declaração. Não
admira: Bento XVI no dia da sua renúncia ao Sumo Pontificado também se dirigiu
à multidão apinhada em Castel Gandolfo dizendo: “Já não sou Sumo Pontífice”.
Mas corrigiu de imediato: “Ainda o sou até às oito horas, mas depois não”. Mas Dijssembloem
não tem a idade e as debilidades que tinha Bento XVI…
À entrada para a reunião do Eurogrupo, em Bruxelas,
onde viria a ser escolhido o novo líder, o ex-Ministro das Finanças holandês
afirmou: “Sou presidente do Eurogrupo até
12 de janeiro e Mário Centeno sê-lo-á a 13”. Percebendo o deslize, corrigiu
de imediato:
“Eu
disse Mário Centeno? Obviamente, não sei quem vai ganhar. Aparentemente, o nome
dele estava na minha cabeça. Façam-me um favor; não me citem sobre este tema.”.
O processo de eleição previa a realização de quantas
voltas fossem necessárias até ser alcançada a maioria simples por um dos
candidatos. Ou seja, pelo menos 10 votos entre os 19 membros da área do euro. Mas
Centeno, à entrada para a reunião do Eurogrupo, afirmou que o objetivo “é
obviamente ganhar” e, se possível, à 1.ª volta. A este respeito, explicou:
“O objetivo em qualquer eleição em
que nos colocamos é obviamente ganhar. Fizemos o que tínhamos que fazer dentro
do grupo dos países com governos sociais-democratas (socialistas), depois
conversando de forma muito aberta com os outros grupos políticos.”.
Referindo-se à eleição do novo líder do Eurogrupo como
“o início de um novo ciclo político em muitos países na Europa”, o Ministro
português frisou a importância de iniciar um “processo de reformas que completem algumas das instituições-chave da
área do euro que todos identificam como não estando completas, começando
seguramente pela união bancária”. E reiterou que o objetivo da sua candidatura
passa por “gerar consensos”:
“Mostrámos a todos que podemos
alcançar consensos, podemos trabalhar com outras partes, com as instituições.
Portugal é um exemplo disso ultimamente. Por isso, penso que estou numa boa
posição.”.
Como se deixou perceber, Mário Centeno assumirá as rédeas
do Eurogrupo a 13 de janeiro, quando acaba o mandato de Dijsselbloem, e permanecerá
no cargo por dois anos e meio.
***
O Eurogrupo é um órgão informal que reúne os ministros das
Finanças dos países da Zona Euro, mas é onde se decide o futuro destes 19
Estados-Membros. Foi em longas maratonas do Eurogrupo que ficaram fechados os
programas de assistência a Portugal e à Grécia e é o Presidente que representa
a Zona Euro nas cimeiras do G7 ou do FMI.
Criado
em 1997, o Eurogrupo não é uma instituição oficial da UE, como a Comissão ou o Parlamento,
Conselho e o Tribunal de Justiça, mas acabou por se tornar num dos principais
centros de decisão em matéria política económica e monetária europeia,
sobretudo no que diz respeito à moeda única.
Por
isso, a voz do Presidente, eleito pelos membros do Eurogrupo por um mandato de
dois anos e meio, é ouvida em Bruxelas. Jeroen Dijsselbloem teve de gerir o
difícil dossiê da crise grega durante o seu mandato que termina a 12 de
janeiro. O seu sucessor – Mário Centeno – terá de se debruçar sobre uma reforma
profunda na Zona Euro.
O
Presidente deste órgão, eleito pelos membros do Eurogrupo por um mandato de
dois anos e meio, por maioria simples, acumula esta função com a de Ministro
das Finanças do seu país; elabora as agendas das reuniões bem como um programa
de trabalho a longo prazo para o Eurogrupo; assegura a preparação adequada e as
contribuições para as reuniões; preside às reuniões; distribui conclusões
informais por escrito; informa os ministros do Ecofin (todos os ministros das Finanças da UE), se solicitado, sobre o resultado
das discussões do Eurogrupo; apresenta os resultados das discussões do
Eurogrupo e do Ecofin ao Parlamento Europeu e ao público; e representa o
Eurogrupo em reuniões com terceiros e em fóruns internacionais.
Centeno passará a ter gabinete em
Bruxelas, não pode faltar a nenhuma reunião e deverá aumentar o seu gabinete à
custa do Orçamento do Estado português.
Ficar com a cadeira de presidente do Eurogrupo significa aceitar
uma tarefa que podia ser a “tempo inteiro” e que é desempenhada sem receber
qualquer salário por isso. Em compensação, o vencedor da eleição de hoje, 4 de dezembro,
entrará a 13 de janeiro numa esfera de poder e de decisões que lhe dará uma
maior influência política.
Centeno passará a ir,
como se disse, às reuniões do G7 e terá de saber impor-se como líder do grupo
dos 19 países da moeda única. Terá de preparar cada reunião – praticamente uma
por mês – e chegar a ela com os consensos alinhavados, para evitar ficar com as
culpas se falhar o entendimento entre os Ministros das Finanças do Euro. Não pode
falhar nenhuma reunião. E Centeno, ainda em outubro passado, faltou ao encontro
no Luxemburgo por motivo de fecho das contas do OE 2018 português. Em abril,
também não esteve na reunião de Malta, onde foi substituído pelo secretário de
Estado Adjunto e das Finanças. Agora, terá de saber acumular a pasta nacional e
a europeia, e isso, a olhar para o exemplo holandês, deverá implicar um reforço
da equipa que trabalha com ele, quer ao nível técnico e político quer ao nível
da comunicação – um reforço que deverá ser custeado pelas finanças portuguesas.
E, a ter de ser substituído, sê-lo-á em Portugal
Em Bruxelas, no edifício do Conselho, terá uma “pequena suíte”
reservada para si. Mas o Ministro português não terá de mudar-se para ali, tal
como Jeroen Dijsselbloem não o fez.
Há cinco anos, o holandês
não era o animal político feroz em que se transformou ao longo do tempo, em
particular durante a crise grega, quando fez frente ao então ministro Yanis
Varoufakis e aguentou um braço de ferro que culminou no terceiro programa de
resgate à Grécia. É o Eurogrupo que dá o aval à avaliação do programa de
assistência e que autoriza o desembolso das tranches financeiras para Atenas. A
responsabilidade de dar a cara pelas decisões difíceis ou pelas exigências do
Grupo do Euro e de fazer avisos aos incumpridores passará agora para as mãos de
Centeno.
O Ministro prometeu um
novo estilo e uma viragem em relação à presidência anterior, mas a pressão
política não deverá diminuir para que faça cumprir as regras. Centeno quer uma instância
mais transparente numa estrutura conhecida pela opacidade. Trata-se de um grupo
informal, onde o rumo tem sido muitas vezes ditado pelo Ministro das Finanças
alemão. Mário Centeno terá de ser capaz do jogo político para impor uma nova
dinâmica, sem ficar refém do eixo franco-alemão ou de qualquer outra
dependência e terá de saber lidar com toda a imprensa que segue os assuntos
económicos em Bruxelas. O Ministro raramente falava à entrada para as reuniões
do Eurogrupo, mas agora terá de falar antes e depois dos encontros. Por isso,
tem necessidade de uma boa assessoria de imprensa e um bom cuidador da imagem e
do discurso. Já agora que tenha cuidado com os e-mails e com os SMS. É que pode
ter pela frente um Marcelo europeu que lhe estrague o jogo.
***
E, a propósito de Marcelo, registe-se que o Presidente da
República, que tem dito que é mais importante a gestão da pasta das Finanças
portuguesa, já veio dizer, depois da eleição que “tudo o que é bom tem um preço”
e que “não se brinca em serviço”. Isto,
para assinalar a sua preocupação pela sorte de Centeno na Europa, que, na ótica
presidencial, “nunca se pode esquecer de que é Ministro das Finanças de Portugal”
e para avisar que “há que continuar a ter muito juízo e não ter aventuras”. Ó Professor,
isto não se diz a um Ministro e Presidente do Euro! Contudo,
ao contrário do que diz o PCP, que a eleição de Centeno não traz qualquer
vantagem para Portugal, o Presidente da República elogiou o Ministro das Finanças (Uma no cravo outra na
ferradura!) e
disse que “é o reconhecimento daquilo que fez nos últimos dois anos”. Para
Marcelo, a eleição de Centeno representa “uma exigência acrescida em termos de
caminho seguido em termos financeiros”. O Orçamento para 2018 e a sua execução têm
de corresponder “à exigência de alguém que dá o exemplo no Eurogrupo”.
***
Reconhecendo que o lugar é prestigiante para Portugal, mas sem
alinhar na relevância que Centeno lhe deu depois de eleito ou no entusiasmo de Durão
Barroso que sustenta que a eleição do português calara todos os profetas da
desgraça, devo interrogar-me sobre quais as reais vantagens da eleição de
Centeno para Portugal. Terá ele a capacidade negocial de António Costa? Saberá
articular as exigências da UE e do Euro com as necessidades de Portugal ou
viremos a ter Centeno contra Centeno? Duvido da certeza de que haja uma primavera
Centenista no Euro e na UE.
É que só o facto de ser português não quer dizer que traga
vantagens para Portugal ou que tenha força anímica para reformar a zona Euro e tornar
a moeda única mais igualitária (não sei se a Europa está para aí virada e o que pensa Juncker
neste momento),
mas também não significa que se condene a ser um novo Miguel de Vasconcelos, ao
serviço da estranja!
2017.12.04 –
Louro de Carvalho
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