“Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e
Raras”, uma IPSS (instituição particular
de solidariedade social), adiante nomeada brevemente por “Raríssimas”, visa apoiar
“pessoas raras, com necessidades raras”. Esta associação apresenta um projeto forte
na área da saúde, cujo rosto é o “Projeto
Linha Rara”, uma plataforma de informação e apoio no âmbito das doenças
raras, que permite divulgar a informação sobre as doenças e promover os direitos
e a melhoria da qualidade de vida daqueles que sofrem das mesmas.
Agora, mercê duma larga reportagem da TVI, tornou-se num caso
de comunicação social e num caso de polícia. A reportagem da
Televisão Independente conta como
Paula Brito Costa, a Presidente da Direção, terá usado dinheiro da “Raríssimas”,
utilizando mais de um milhão e quinhentos mil euros do Estado em 2016, dos
quais metade são subsídios do Estado, para fazer compras e satisfazer uma vida
de luxo.
Surgem notícias do alegado envolvimento do Secretário de Estado da Saúde, que foi consultor da
associação recebendo 3 mil euros por mês, e a deputada do PS Sónia Fertuzinhos,
que viajou até à Noruega a expensas da Associação. E também é visado Marcelo
Rebelo de Sousa, aparecendo Paula Brito da Costa filmada a dizer mal do
Presidente da República.
As acusações
contra a Presidente são corroboradas pelo testemunho de vários ex-funcionários
da “Raríssimas”, entre os quais se incluem dois ex-tesoureiros, uma antiga
dirigente e outra pessoa que trabalhou como secretária naquela associação sem
fins lucrativos, munidos de vários documentos que apontam transações ilícitas
que terão beneficiado a Presidente. Ao longo dos anos, a “Raríssimas recebeu” a
visita de ministros, do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e da
rainha Letícia, de Espanha, e tinha o apoio de Maria Cavaco Silva.
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Segundo a
TVI, Paula Brito da Costa recebia 3 mil euros mensais em salário-base, a que
acresciam 1300 em ajudas de custo, 816,67 euros de um plano poupança-reforma e
ainda 1500 euros em deslocações. A esta quantia, que já ultrapassa os 6500
euros, acrescenta-se o aluguer de carro de luxo com o valor mensal de 921,59
euros e compras pessoais feitas com o cartão de crédito da associação. Na
reportagem, é exibida uma fatura dum vestido de 228 euros; outra de 821,92 em
compras; e uma terceira que documenta uma despesa de 364 euros no supermercado,
de que 230 euros dizem respeito a gambas.
A Presidente também cobrava à associação as deslocações diárias de casa
para o trabalho, declarando que eram feitas em carro próprio. Porém, o carro
que usava para fazer o trajeto pertencia à Federação
de Doenças Raras, associação de que também foi Presidente e onde auferia
1315 euros acrescidos de 540 euros de despesas, também elas de deslocação.
Ricardo Chaves, que foi tesoureiro
da “Raríssimas” entre 2016 e 2017 sustenta que “havia mapas de quilómetros mensais com valores elevadíssimos sem
qualquer justificação”: “era
um mapa de deslocações fictício, porque essas deslocações não existiam”. O mesmo
ex-tesoureiro conta como foi confrontado com algumas despesas no El Corte
Inglés com vestidos de marca, pagos com um cartão de crédito que estava em nome
da Presidente, mas custeado pela “Raríssimas”. O contacto foi feito por
contabilista que, segundo declarações do próprio, recebia ordens dela a dizer:
“Não posso mais prestar contas ao
Ricardo, não posso mostrar nada do que se passa na contabilidade ao Ricardo”.
Após esta conversa, Ricardo Chaves demitiu-se.
Por seu
turno, Jorge Nunes, outro ex-tesoureiro (foi-o entre 2010 e 2016), conta como a missão da “Raríssimas” não era
cumprida. Aduz que começou a perceber que o intuito “não era bem trabalharmos
para os meninos, mas era também trabalharmos para nós”. Durante esse período, a
associação nunca teve vida fácil” e várias vezes tinha prejuízo, apesar do
apoio estatal (só no ano de 2016 foi de cerca de 875 mil euros). Segundo Jorge Nunes, “as dificuldades era não
termos dinheiro para fazer os pagamentos aos ordenados e aos fornecedores.”
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Além dos gastos
em proveito próprio, a TVI refere que também o marido e o filho de Paula ganhavam
dinheiro com a “Raríssimas”. O marido, Nelson Oliveira Costa, que era empregado
como encarregado de armazém, recebia 1300 euros de salário-base mais 400 euros
de subsídio e ainda 1500 euros em deslocações em viatura própria. O
filho, César da Costa, estudante
que a mãe considerava “herdeiro da parada” e seu sucessor na
presidência da “Raríssimas”, ganhava 1000 euros de salário-base e 200 euros de
subsídio de coordenação.
Alguns
ex-funcionários fazem referência ao ambiente dentro da associação em que todos
eram obrigados a mostrar o respeito pela Presidente. Paula Duarte,
ex-secretária da associação, conta:
“Sempre que saía ou entrava para o seu
gabinete, todos os elementos que estavam na receção obrigatoriamente e
independentemente das vezes que a senhora Presidente entrasse e saísse, tinham
de se levantar das suas cadeiras à sua passagem”.
Além disso, a
ex-secretária frisa que, “muitas vezes”, lhe era pedido para “fazer as atas
antes das reuniões”, que, depois de redigidas, eram levadas “para os senhores
diretores assinarem”.
Também a
reportagem dá conta de que a “Raríssimas” chegou a contratar, em 2013, o atual
Secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado como consultor. O salário que lhe
foi atribuído era de 3 mil euros. O ex-tesoureiro Jorge Nunes conta:
“Na altura em que foi feita a contratação
achei que era muito dinheiro. Falava-se inclusivamente em o senhor Manuel
Delgado vir a ganhar 12 mil euros por mês. Para a ‘Raríssimas’, ganhava muito
para as possibilidades que a ‘Raríssimas tinha’.”.
O pagamento
dos salários de Manuel Delgado chegou a estar atrasado por falta de fundo de
maneio da empresa. E, quando chegou à “Raríssimas” um novo subsídio estatal, de
15 mil euros, Jorge Nunes enviou um e-mail a Manuel Delgado em que lhe terá
dito que ia “rapar o tacho” para lhe pagar. Ainda assim, na reportagem, não é
apontada a Manuel Delgado a prática de apresentação de despesas fictícias ou do
uso de fundos da empresa para despesas pessoais. Manuel Delgado recebeu da
Associação, em dois anos, 63 mil euros.
O
ex-tesoureiro Jorge Nunes falou ainda duma viagem paga à deputada do PS Sónia
Fertuzinhos, casada com o ministro Viera da Silva, que se terá deslocado à
Noruega a expensas da “Raríssimas”.
Face a tudo
isto, Paula Brito da Costa optou por não responder às perguntas de Ana Leal, a
jornalista da TVI que fez a reportagem.
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Em declarações ao Observador,
fonte do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da
Segurança Social, que atribuiu 665 mil euros em 2016 à “Raríssimas”, diz não ter
recebido qualquer denúncia sobre a gestão de Paula Brito Costa. A Direção da “Raríssimas”
diz que as acusações são “insidiosas” e os documentos apresentados “descontextualizados”,
assegurando o registo contabilístico e a auditoria das despesas da Presidente
em representação da associação, tendo sido aprovadas por todos os órgãos da
direção”. Manuel Delgado, que foi consultor da “Raríssimas”, disse em
entrevista à TVI que o que fez foi uma colaboração técnica e que nunca
participou em decisões de financiamento. E a deputada do PS Sónia Fertuzinhos afirmou
que viajou para uma conferência na Suécia da Organização Europeia para as Doenças Raras, mas que reembolsou a
IPSS.
Por
sua vez, o Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS), Vieira da Silva, viu-se na
necessidade de tomar posição sobre o caso. O governante fez questão de frisar,
contra o que foi propalado, “não ser verdade” que
tanto ele como o Secretário de Estado ou os serviços do Ministério “tenham tido conhecimento destas denúncias de
gestão danosa”. Na conferência de imprensa, em Lisboa, o
Ministro disse que “tiveram conhecimento destes factos, no
momento em que foram contactados pela estação televisiva TVI, há poucos dias”.
No
entanto, o Ministério tutelado por Vieira da Silva já tinha sido notificado
a 12 de outubro sobre a situação da “Raríssimas”, após denúncia do
ex-tesoureiro da associação Jorge Nunes, que pedira a intervenção do Ministro. E
as mesmas denúncias chegaram ao Instituto da Segurança Social em agosto e
setembro.
E o Ministro acabou por
reconhecer que as queixas já tinham dado entrada nos serviços que tutela. Focando
a queixa apresentada por um ex-funcionário da instituição, Vieira da Silva
disse:
“Há efetivamente um processo
que tem corrido no Instituto de Segurança Social e que foi também dirigido ao
meu gabinete (....) relativamente às preocupações, denúncias dum ex-tesoureiro
desta associação que se prenderam exclusivamente com o facto de, segundo ele,
não estarem a ser cumpridas na ‘Raríssima’ todas as normas do estatuto das
IPSS”.
Por isso, Vieira da Silva solicitou
à Inspeção-Geral do seu Ministério, com caráter de urgência, uma inspeção
global à “Raríssimas”, que decorrerá nos próximos dias, devendo “avaliar todas
as dimensões da gestão”, da equipa dirigida por Paula Brito e Costa.
O Ministro assumiu que foi vice-presidente
da assembleia geral da associação entre 2013 e 2015, antes de integrar o Governo,
cargo que, sublinhou, não era executivo nem remunerado.
A TVI revelou uma
investigação em que centenas de documentos põem em causa a gestão da Presidente
da “Raríssimas”, uma IPSS que vive de subsídios do Estado e de donativos. Em
causa, estão mapas de deslocações fictícias, a compra de vestidos de alta
costura, gastos pessoais em supermercados, entre outras despesas suspeitas.
Mais:
em 2013, foi contratado o atual Secretário de Estado da Saúde como consultor.
Manuel Delgado sabia que a situação da “Raríssimas” era insustentável do ponto
de vista financeiro e que lhe seriam pagos 3.000 euros por mês, com os subsídios
do próprio Estado, destinados a apoiarem crianças com doenças raras.
O caso está a ser investigado, além
da Inspeção-Geral do MTSSS, pela Polícia Judiciária e o próprio Ministério Público.
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O Presidente da República, comentando o caso,
disse esperar “que se fiscalize”, pois:
“É preciso que se conclua se houve
ou não ilegalidade ou irregularidade, que as crianças não sejam punidas por
isso e, para o futuro, que não seja preciso denúncias para o Estado saber o que
se passa nestas instituições”.
Congratulando-se
com o facto de o MTSSS ter anunciado ir avaliar a situação e a eventual gestão
danosa ou outras irregularidades, afirmou, à margem de visita ao bairro de
realojamento social da Bela Vista, em Setúbal, que “o Estado tem obrigações
nesse tipo de instituições, primeiro porque lhe cabe fiscalizar, depois porque
financia” e que “faz todo o sentido que tenha sido determinado já um inquérito
para apurar até ao fim aquilo que aconteceu”. E, dizendo que, para já, não
ficava com nenhuma imagem da presidente da associação, pois o que importa é apurar
o que se passa, sublinhou que teve oportunidade de visitar aquela instituição considerada
“um exemplo interno, nacional e internacional”, antes destas denúncias.
***
Fazer duma IPSS que vive de apoios do Estado e de donativos
de pessoas sensíveis um clã familiar significa não ter o mínimo de noção do
social, mas o oportunismo para viver egoisticamente e à grande. Auferir um
salário-base chorudo, com aquele montante em deslocações, despesas de representação,
poupança-reforma, deslocações diárias, ajudas de custo não magras, pode ser
tudo legal, mas é um insulto à pobreza e à doença.
Acredito que Manuel Delgado tenha sido apenas consultor técnico
e cumpridor da legalidade, mas fica chamuscado com a prebenda avantajada que
recebia duma instituição de solidariedade. E Sónia Fertuzinhos, se foi a uma
conferência ou congresso importante para a IPSS, porque é que reembolsou a
associação? Não me convence esta sinceridade, a menos que se trate de um
acrescido ato de generosidade.
E, afinal, o senhor Ministro e o seu Ministério já sabiam ou
não sabiam da narrativa? Porquê as declarações contraditórias? Terá Sua Excelência
de tirar conclusões políticas duma eventual inabilidade conveniente? Que se
investigue tudo e se responsabilizem os verdadeiros abutres!
2017.12.11 – Louro
de Carvalho
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