É
natural que os professores que estiveram na linha da frente contra Maria de
Lurdes Rodrigues em 2007 e 2008 fiquem com uma certa satisfação depois de lerem
a peça de Isabel Leiria na página 18 do primeiro caderno da edição do Expresso de hoje, dia 16 de dezembro. É
certo que a vingança é feia, mas também, como diz o povo, “quem se não sente
não é filho de boa gente.
No
consulado de José Sócrates, com o apoio explícito de Cavaco Silva e de muita
gente que gostaria de ver Maria de Lurdes Rodrigues como Ministra da Educação
de qualquer governo do PSD/CDS, apresentou um plano de divisão dos professores
em professores titulares, categoria a que ascenderiam no máximo 30% dos
docentes, e professores, categoria a que teriam acesso os restantes, a maioria.
Para erigir o seu projeto e o consolidar, preparou com os então presidentes do
conselho executivo, de que fez eleger alguns para um novo órgão, o Conselho de
Escolas – e com apoio dos municípios – um modelo de autonomia, administração e
gestão de escolas (o do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de
abril), ainda em
vigor com alterações introduzidas por Nuno Crato, e um modelo de avaliação de
desempenho docente importado do Chile e lá rapidamente abandonado (Decreto
Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de janeiro).
Os
professores vieram em massa para a rua por diversas vezes a protestar contra a
divisão da carreira docente, contra o regime de autonomia, administração e gestão
das escolas e contra o pesado modelo de avaliação dos docentes.
A
Ministra, agora ex-ministra, que publicamente confessou ter perdido os
professores, alegrava-se por ter conquistado os pais dos alunos.
***
Agora,
segundo o Expresso, a Milu vem entre
o grupo de 6 docentes do ISCTE, num universo de 289 docentes daquela
instituição universitária, que obtiveram a classificação de “inadequado”, no
âmbito do processo regular de avaliação de desempenho.
A
classificação negativa não decorre de uma apreciação incidente na qualidade do
seu ensino ou da índole da sua investigação no período a que se reporta (2014-2016), mas do facto de Maria de
Lurdes não ter sido capaz de inserir toda a sua produção científica e outros
elementos considerados pertinentes nas plataformas de informação
institucionais.
E a
docente criticou por diversas vezes o Instituto pelo esforço e dispêndio de
tempo a que este sistema obriga. Era exatamente esta a crítica que lhe faziam
os professores da educação e do ensino não superior naqueles anos de 2007 e
2008. Não era a qualidade de ensino que se avaliava, mas a capacidade de
resistência ao peso burocrático que o número e o peso de instrumentos e
avaliadores (pais, alunos, diretor e coordenador) que o sistema mobilizava.
O
Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de janeiro, é um documento que fica para
a História da Educação e da administração educativa de Maia de Lurdes
Rodrigues.
Logo o
n.º 1 do seu art.º 6.º prevê os instrumentos de registo para a avaliação do
desempenho: “
“… os avaliadores procedem, em cada ano escolar, à recolha, através de
instrumentos de registo normalizados, de toda a informação que for considerada
relevante para efeitos da avaliação do desempenho”.
O art.º
8.º estabelece os elementos de referência:
“1 – A avaliação do
desempenho tem por referência: a) Os objetivos
e metas fixados no projeto educativo e no plano anual de atividades para
o agrupamento de escolas ou escola não agrupada; b) Os indicadores de medida previamente estabelecidos pelo
agrupamento de escolas ou escola não agrupada, nomeadamente quanto ao progresso
dos resultados escolares esperados para os alunos e a redução das taxas de
abandono escolar tendo em conta o contexto socioeducativo. 2 - Pode ainda o
agrupamento de escolas ou escola não agrupada, por decisão fixada no respetivo
regulamento interno, estabelecer que a avaliação de desempenho tenha também por
referência os objetivos fixados no
projeto curricular de turma.”.
O art.º
9.º estabelece sobre os objetivos individuais de avaliação do desempenho:
“Os objetivos individuais são formulados tendo por referência os
seguintes itens:
a)
A melhoria dos resultados escolares dos alunos;
b)
A redução do abandono escolar;
c)
A prestação de apoio à aprendizagem dos alunos incluindo aqueles com
dificuldades de aprendizagem;
d)
A participação nas estruturas de orientação educativa e dos órgãos de gestão do
agrupamento ou escola não agrupada;
e)
A relação com a comunidade;
f)
A formação contínua adequada ao cumprimento de um plano individual de
desenvolvimento profissional do docente;
g)
A participação e a dinamização:
i) De projetos e ou atividades
constantes do plano anual de atividades e dos projetos curriculares de turma;
ii) De outros projetos e atividades
extracurriculares.”.
O art.º
15.º estabelece as fases de avaliação:
“O processo de avaliação compreende as seguintes fases sequenciais:
a)
Preenchimento da ficha de autoavaliação;
b)
Preenchimento das fichas de avaliação pelos avaliadores;
c)
Conferência e validação das propostas de avaliação com menção qualitativa de Excelente, Muito bom ou de Insuficiente,
pela comissão de coordenação da avaliação;
d)
Realização da entrevista individual dos avaliadores com o respetivo avaliado;
e)
Realização da reunião conjunta dos avaliadores para atribuição da avaliação
final.”.
Depois,
seria curioso verificar o montão de itens que enformavam cada um daqueles
instrumentos que preencheriam cada uma das fases enunciadas.
Não se
tratava, na prática, de avaliar a qualidade do ensino, apesar de esse ser o fim
explicitado na documentação, mas pôr à prova a resistência à burocracia e
mobilizar para a candidatura à simpatia dos chefes, que possuíam a partir dali
um instrumento de seleção quando fosse necessário.
***
Quando
Maria de Lurdes teve conhecimento da nota negativa da sua avaliação, pediu a
constituição de um painel de avaliadores para apreciação qualitativa do seu
trabalho, o que foi recusado pelo facto de o regulamento impor um prazo para
isso e esse prazo não ter sido observado. Nem lhe valeu a alegação de que, à
data, não existia a estrutura competente para atender um pedido daqueles, o Conselho
Coordenador da Avaliação do Desempenho dos Docentes (CCADD), nem o facto de alegadamente
outros prazos não terem sido cumpridos pelas estruturas responsáveis pela
avaliação.
E
insistiu. Segundo o Expresso, a 23 de
outubro, pediu ao CCADD a reabertura e reavaliação do seu processo, bem como a
análise dos fundamentos, desta vez apresentados por escrito, da sua decisão de
não preenchimento das plataformas do Instituto. Afinal, ela decidiu não
preencher a dita plataforma!
Recentemente
declarou lamentar que o processo tenha saído da esfera da instituição, que
assim sai prejudicada e a avaliação descredibilizada. Diz que o modelo precisa
de melhoria, como acontece com todos os modelos. Esquece que era exatamente o
que lhe diziam os professores quando era Ministra: admitiam que o Decreto
Regulamentar n.º 11/98, de 15 de maio, precisava de ser melhorado e que isso
bastava. Mas ela não quis saber.
Por seu
turno, o Reitor do ISCTE-IUL refere que o sistema funciona, tanto assim que foram
avaliados, por estes sistema 289 docentes, todos os que deviam ser avaliados,
tendo a esmagadora maioria uma classificação positiva.
A ex-Ministra
assegura que defende a avaliação dos docentes para melhoria do ensino (Era
o que faltava não a defender quem a quis impor a outrem e face ao caldo de cultura
avaliativa que perpassa a sociedade!)
e recorda que, mesmo quando dispensada de avaliação como docente por estar na
FLAD, apresentava a sua autoavaliação e que a sua atividade científica era
conhecida internamente e que estava na plataforma Degois (da
Fundação para a Ciência e Tecnologia).
Alega que nunca faltou aos serviços informação sobre o seu trabalho e produção
científica, desenvolveu intensamente a atividade de ensino, investigação e
extensão – de que se orgulha e de que o Instituto tem beneficiado nas suas
avaliações institucionais. Era isto que muitos lhe diziam em 2008 e ela não
acreditava. Convém sofrer na pele o mal que se infligiu aos outros.
Também
Helena Carreiras, diretora da Escola de Sociologia e Políticas Públicas do IUL,
onde Maria de Lurdes da aulas, confirma essas dificuldades e essas virtudes da
Milu. Não preencheu a plataforma por motivos de saúde incapacitantes de que os
responsáveis pela instituição não quiseram tomar conhecimento; a outros
docentes foi concedido mais tempo para o preenchimento das plataformas; e quem
desenhou aquelas plataformas, colocando sobre os docentes os ónus do
preenchimento, não pensou no tempo de trabalho despendido, nas dificuldades de
preenchimento nem nas dificuldades decorrentes da incapacidade física que
alguns docentes possam ter eventualmente.
A ser
verdade, porque não interpõe recurso contencioso. Quem não deve não teme. Se tem
razão, aja e não se fique com o hipócrita entendimento de que o “mais
importante é que o modelo de avaliação continue a ser melhorado”. Isso todos o
dizem…
É para
que veja. Quando foi aprovado o modelo de avaliação de desempenho dos
professores em 2008, a crítica mais ouvida era a referente à carga burocrática
que a construção das fichas e outros instrumentos de avaliação implicavam para
os professores. E ainda não se colocava de imediato a utilização duma
plataforma informática, mas a Ministra já estava a prepará-la, quando urgia o
estado dos professores em termos da literacia informática e queria submetê-los
a exame nesta área.
É certo
que tem razão ao clamar que a avaliação não pode transformar-se “num processo
burocrático e administrativo e que o papel do conselho científico não deveria
resumir-se apenas à validação de
resultados”. Mas estará somente a colher a tempestade dos ventos que
semeou. Cá se fazem, cá se pagam. Em todo, o caso, que Deus lhe perdoe, que não
sei se os professores querem!
2017.12.16 – Louro
de Carvalho
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