sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Antífonas do Ó” e acróstico invertido de Deus: “Estarei (aí) amanhã!”

A Liturgia das Horas a partir do dia 17 ao dia 23 de dezembro exprime de forma poética o anseio pela chegada do Senhor, nas antífonas das Vésperas, chamadas “Antífonas do Ó”. Esta forma poética, sustentada na Sagrada Escritura, vem desde a Idade Média e tomou grande destaque porque estas antífonas foram solenemente cantadas como envolvimento ao cântico evangélico do “Magnificat”, o cantar exultante da Virgem Maria em Deus que fez maravilhas. Aparecem pela primeira vez no Responsório atribuído ao Papa São Gregório Magno (Sumo Pontífice entre 3 de setembro de 590 e 12 de março de 604). E, porque num destes dias se celebrava uma missa especialmente dedicada a Nossa Senhora, a da Senhora da Expectação (da espera do nascimento de Seus Filho, o Messias) nos sete dias que antecedem o Natal, passou a ser invocada popularmente como Senhora do Ó, obviamente grávida do Salvador.
Ainda agora a Liturgia centra a sua atenção no Cristo, da Casa de David, para o qual convergem as diversas gerações (Gn 49,2.8-10; Mt 1,1-17) – dia 17; que nasceu da Virgem Maria como rebento justo em cumprimento da promessa anunciada pelo profeta (Jr 23,5-8; Mt 1,18-25) – dia 18; que foi precedido pelo mensageiro bíblico cujo nascimento fora anunciado pelo anjo como fora o de Sansão (Jz 13,2-7.24-25a; Lc 1,5-25) – dia 19; que foi anunciado pelo anjo como o Filho do Altíssimo e como o grande sinal dado ao povo como profetizou Isaías (Is 7,10-14; Lc 1,26-38) – dia 20; que está no meio de nós como Deus-connosco para nossa consolação, alegria e júbilo (Sf 3,14-18a; Lc 1,39-43) – dia 21; Aquele por quem devemos dar graças ao Senhor porque veio revelar-nos o rosto fiel e misericordioso de Deus (1Sm 1,24-28; Lc 1,46-56) – dia 22; Aquele cuja vinda foi preparada pelo Profeta-mensageiro para reconduzir o coração dos pais aos filhos e o dos filhos aos pais e cujo nascimento provocou o soltar da língua para bendizer a Deus (Ml 3,1-4.23-24; Lc 1,57-66) – dia 23; e Aquele que, pela visita redentora ao seu povo, tornará permanente diante do Senhor o novo Reino de David (2Sm 7,1-5.8b-12.14a.16; Lc 1,67-79) – dia 24.
Estas antífonas têm atravessado séculos ressoando na voz orante da Igreja, ajudando o povo cristão a invocar a vinda do Senhor e ensinando-lhe quem é Aquele a quem deve esperar e cuja vinda deve pedir para encher o coração de cada pessoa e o centro de cada comunidade.
Nos mosteiros, há muito tempo se costumavam cantar essas antífonas, como as suas melodias majestosas, acompanhadas a toque do órgão e eventualmente a toque dos sinos da igreja. O sacerdote, que entoa a antífona, usa alva e capa e incensa o altar durante o canto do Magnificat. Assim, estas antífonas são significativas não só pelo seu texto e pela música, mas também pelo imponente cerimonial que as cerca. Pierre Journel, especialista francês em liturgia, escreveu:
As grandes antífonas não são apenas uma síntese da mais pura esperança messiânica do Antigo Testamento: por meio das imagens da Bíblia, mas enumeram também os títulos divinos do Verbo encarnado; e o seu Veni (vinde) exprime todo o anseio presente da Igreja. Nelas, a liturgia do Advento chega ao auge.”. 
As grandes antífonas são usadas na Igreja romana desde o século VIII. O autor, cuja identidade é desconhecida, deveria ser versado na Escritura Sagrada, pois nessas composições entreteceu passagens do Antigo Testamento com que congraçou segmentos do Novo Testamento e criou algo nitidamente novo. São 7 antífonas que evocam a plenitude de Deus que é “tudo em todos”.
Além disso, elas iniciam-se com as letras que constituem o acróstico invertido: “ERO CRAS”, isto é, Estarei (aí) amanhã! Veja-se a ordem dos nomes que iniciam cada antífona: Sapientia; Adonai; Radix Jesse; Clavis David; Oriens; Rex Gentium; e Emmanuel.
Além de rezadas ou cantadas em Vésperas, também são sugeridas como versículo aleluiático nas missas feriais dos dias 17 a 24, como adiante se verá.
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Aqui ficam elas, com reflexão sustentada em alguns dos lugares bíblicos citáveis – reflexão inspirada nas meditações de Dom Edmar Peron, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo, Vigário Episcopal para a Região Belém, obviamente com as convenientes adaptações e o cunho pessoal:
- O Sapientia17 de dezembro (e Aleluia da Missa): “Ó Sabedoria do Altíssimo (Sir 24,3), que tudo governais com firmeza e suavidade (cf Sb 8,1): Vinde ensinar-nos o caminho da salvação (cf Is 40,14)!”
Cristo é força, poder e sabedoria de Deus (1Cor 1,24). Isaías quando enuncia os dons que o Espírito do Senhor concede ao Menino, ao Emanuel (Deus connosco), coloca logo a cabeça o espírito de inteligência e sabedoria (Is 11,2). Quem é sábio age com a prudência (cf 1Rs 3,9.12) que distingue o bem do mal e avalia as situações e o impacto das decisões, sabendo escolher as palavras, os silêncios e as medidas a tomar. Na espera amorosa do nascimento, pedimos a Deus Pai que possamos descobrir, nos ensinamentos do Filho, a prudência como o dom de sua sabedoria infinita, a guiar-nos em nossas ações.
- O Adonai18 de dezembro (e Aleluia da Missa): “Ó Chefe da casa de Israel (cf Mt 2,6), que no Sinai destes a Lei a Moisés: Vinde resgatar-nos com o poder do vosso braço (cf Jr 32,21)!”
 Adonai, isto é, “Meu Senhor”, é o nome santo de Deus, o libertador (Ex 6,6; cf Dt 16,5-9). O salmo 130 proclama a esperança de quem confia que o Senhor virá (5-8). Para os cristãos esta espera é já uma realidade em constante devir e que se realizará na plenitude no fim dos tempos. O Senhor veio e ofereceu sua vida para o resgate de todos. Jesus, o Emanuel, o Deus connosco acompanha-nos em todas as situações de nossa vida, fazendo-nos o bem e estimulando-nos à prática do mesmo bem para com Deus, connosco próprios e com os irmãos.
- O Radix Iesse19 de dezembro (e Aleluia da Missa): “Ó Rebento da raiz de Jessé, sinal erguido diante dos povos (cf Is 11,10; Is 52,15):Vinde libertar-nos, não tardeis mais (cf Hab 2,3)!”
Segundo a promessa, o Messias pertenceria à dinastia de David, cuja raiz e tronco é Jessé (cf 1Sm 16,4-13; 2Sm 7,5ss), o qual brotará (Is 11,1). O Menino Jesus, para cumprir a profecia, nasceu “em Belém da Judeia”, a cidade de David (Mt 2,5-6; Mq 5,1). Ele vem sem demora ao nosso encontro para nos salvar, libertando-nos de tudo o que nos impede de ser livres, filhos em pleno e herdeiros da promessa e do seu Reino de paz e justiça.
- O Clavis David20 de dezembro (e Aleluia da Missa): “Ó Chave da Casa de David,  que abris e ninguém pode fechar, fechais e ninguém pode abrir (Is 22,22): Vinde libertar os que vivem nas trevas do cativeiro e nas sombras da morte (Sl 106,10)!”
A chave é símbolo do poder com autoridade (cf Is 22, 22) e de serventia para facilitar o acesso. O Messias, Jesus de Nazaré, recebeu do Pai todo o poder no céu e na terra (Mt 28,18; Ap 1,18); em suas mãos estão “as chaves do Reino” (Mt 16,19). Ele tem em suas mãos a “Chave de David” (Ap 3,7) e anuncia, ainda hoje, a liberdade aos cativos (Lc 4,18).
- O Oriens21 de dezembro (e Aleluia da Missa do dia 24): “Ó Sol nascente, esplendor da luz eterna e sol de justiça (Hab 3,4): Vinde iluminar os que vivem nas trevas e na sombra da morte (Lc 1,78)!”
A profecia anunciou que Deus mesmo seria a Luz do seu povo (cf Is 60,19-20). E nós, hoje, vivendo no meio às trevas do mundo, da confusão de valores e ideais da nossa época, pedimos que o esplendor da luz, que irradia o Presépio, penetre na obscuridade do mundo e, por vezes, na nossa, para que todos os homens e mulheres beneficiem gostosamente desse resplendor divino, que é Jesus Cristo. Sim, “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz!” (Is 9,1). E agora os seus olhos veem claramente a Salvação (cf Lc 2,30), que os discípulos têm a obrigação de comunicar e testemunhar quais sentinelas do divino, profetas do Deus inefável e apóstolos da vida e ressurreição (cf Lc 26,48).
- O Rex Gentium22 de dezembro (e Aleluia da Missa dos dias 22 e 23): “Ó Rei das nações (cf Ag 2,8) e Pedra angular da Igreja (Ef 2,20): Vinde salvar o homem que formastes do pó da terra (Gn 2,7)!”
O salmista canta frequentemente a realeza do Senhor (Sl 24,7-9; 47; 95; 96; 97; 98; 99; 101); os profetas anunciam que o Menino será o “Príncipe da paz”, e estenderá seu poder assegurando a oferta da paz e o serviço à paz, porque o seu reinado se consolidará no direito e na justiça (cf Is 9,1-6). Ele é o Rei que assumiu a nossa fragilidade humana, elevando-a, fazendo-nos, pelo mistério da sua Encarnação, Morte e ressurreição, participantes de sua natureza divina! Assim, o Rei é, ao mesmo tempo, o bom Pastor! Usa o cetro não como afirmação do poder, mas como cajado orientador das ovelhas e arma contra os lobos que podem atacar o rebanho. A sua função é apascentar nas melhores pastagens da vida e fomentar a vida, mesmo que tenha de morrer.
- O Emmanuel23 de dezembro (e Aleluia da Missa do dia 21): “Ó Emanuel, nosso rei e legislador, esperança das nações e salvador do mundo: Vinde salvar-nos, Senhor nosso Deus (cf Is 7,14; Mt 1,23; Is 33,22; Gn 49,10)!”
“Tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor havia dito pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de Emanuel, o que significa: “Deus está connosco” (Mt 1,22-23; Is 7,14). Aquele Menino nascido em Belém, o Jesus de Nazaré, é a definitiva e contagiante presença de Deus, que responde realmente ao nome de Deus-connosco, a nossa Esperança e a nossa Salvação!
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Esta última das Antífonas Ó, a do Emanuel, é, como se vê, inspirada em Isaías e tem o sabor do Evangelho de Mateus, os dois livros da Escritura nos quais aparece o título de Emanuel para o Messias Senhor. Ele é Rei porque é o Messias, o filho de David prometido pelo Senhor Deus e anunciado pelos profetas; é o Legislador porque é o novo Moisés, o verdadeiro Moisés, tema muito presente no Evangelho de Mateus. Aí Jesus faz cinco discursos, como Moisés a quem se atribui a “autoria” dos cinco livros da Torá. Jesus fala no monte, como Moisés recebeu a Lei no monte. Mas, sobretudo, coroando todos os títulos dados ao Senhor que vem, a Antífona refere-se ao Cristo como “Senhor nosso Deus”. É o que Ele é para nós. E este é o motivo da esperança que nele temos e da alegria pelo Seu nascimento. “Esperança e Salvador das Nações” – esperança e Salvador de toda a humanidade: é isto, essencialmente, que Aquele que a Virgem concebeu e deu à luz é para a fé cristã!
Que fique no coração de cada crente a certeza expressa na frase formada pela primeira letra de cada antífona, tomada de trás para frente: Emanuel, Rei das Nações, Oriente, Chave da Casa de David, Raiz de Jessé, Adonai, Sabedoria – ERO CRAS, isto é “Amanhã Eu estarei”!
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Porém, não se pode deixar em silêncio ou de lado o vigor das antífonas que envolvem o cântico evangélico do “Benedictus” da Hora de Laudes nos dias 17 a 24 de dezembro, bem como o da oração conclusiva das diversas Horas e que é tomada como oração coleta da missa. Assim:
- A 17, em “Sabei que está próximo o reino de Deus; em verdade vos digo: Ele não tardará”, temos o anúncio da proximidade do Reino. E a oração evoca a realização da Encarnação no seio de Maria para nos tornar participantes da vida de Deus.
Deus, criador e redentor do género humano, que no seio da bem-aventurada Virgem Maria quisestes realizar o grande mistério da Encarnação do Verbo, ouvi a nossa oração e concedei que o vosso Filho Unigénito, feito homem como nós, nos torne participantes da sua vida divina”.
- A 18, em “Vigiai e orai: está perto o Senhor vosso Deus”, além do anúncio da proximidade do Reino, vem o apelo à vigilância. E, à oração, pede-se a libertação do pecado mercê do Natal.
Concedei-nos, Deus omnipotente, que o esperado nascimento de vosso Filho Unigénito nos liberte da antiga escravidão do pecado”.
- A 19, em “O Salvador do mundo aparecerá como sol nascente e descerá ao seio da Virgem como chuva sobre a relva. Aleluia ”, evoca-se o Salvador como o Sol Nascente cujo nascimento do seio da Virgem é simples como a chuva a cair sobre a relva. Na oração, roga-se a celebração do mistério da encarnação com fé e piedade.
Senhor nosso Deus, que revelastes ao mundo o esplendor da vossa glória pelo nascimento do Filho da Virgem Maria, concedei-nos a graça de celebrar o grande mistério da Encarnação com verdadeira fé e sincera piedade”.
- A 20, em “O anjo Gabriel foi enviado à Virgem Maria, desposada com José”, temos o facto do anúncio angélico. E a oração sublinha a maternidade divina de Maria por obra da luz do Espírito Santo e o facto de a Virgem se tornar templo do Senhor.
Senhor nosso Deus, que pela anunciação do Anjo quisestes que a Virgem Imaculada se tornasse Mãe do vosso Verbo e, envolvida na luz do Espírito Santo, fosse consagrada templo da divindade, ajudai-nos a ser humildes como ela, para cumprirmos fielmente a vossa vontade”.
- A 21, em “Não temais: dentro de cinco dias virá o Senhor”, temos o apelo não ter medo, porque o Senhor virá em breve (em 5 dias). E a oração evoca a alegria do povo pelo humilde nascimento do Salvador e roga-se, nela, o dom da vida eterna.
Atendei, Senhor, a oração do vosso povo, que se alegra com a vinda de vosso Filho na humildade da nossa carne, e concedei-nos o dom da vida eterna quando Ele vier na sua glória”.
- A 22, em “Quando a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino exultou de alegria no meu seio. Aleluia”, sublinha-se o efeito da saudação de Maria a Isabel, que fez exultar João no seio materno. E, na oração, pede-se o merecimento dos frutos da redenção.
Senhor, que, vendo o homem sujeito ao poder da morte, o quisestes resgatar com a vinda de vosso Filho Unigénito, concedei que, celebrando com sincera humildade o mistério da sua Encarnação, mereçamos alcançar os frutos da sua redenção gloriosa”.
- A 23, em “Bendita sois Vós, ó Maria, que acreditastes: há de realizar-se tudo quanto Vos foi dito da parte do Senhor”, sublinha-se a fé de Maria. E, na oração, pede-se a misericórdia.
Deus eterno e omnipotente: ao aproximar-se o nascimento de vosso Filho em nossa carne mortal, fazei-nos sentir a abundância da vossa misericórdia, que O fez encarnar no seio da Virgem Santa Maria e habitar entre nós”.
- E, a 24, em “Chegou o tempo de Maria dar à luz e ela teve o seu Filho primogénito”, assinala-se o facto da Natividade do Senhor por meio de Maria. E, na oração, a única destas que é dirigida a Jesus, pede-se o conforto pela vinha do Senhor e a esperança aos crentes no amor.
Apressai-Vos, Senhor Jesus, e não tardeis: dai conforto e esperança àqueles que acreditam no vosso amor. Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo”.
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Assim, Cristo merece que a festa natalina seja santa da nossa parte, por dom de Deus. Aleluia!

2017.12.22 – Louro de Carvalho

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