Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande (AVIPG) “vai
fazer história no país”, por não ficar presa à memória e se virar para o futuro.
Foi o que disse o Presidente da República na inauguração da sede da associação, situada
numa antiga escola primária da aldeia da Figueira. E Marcelo Rebelo de Sousa
considerou que acompanhar o percurso da instituição é também “compreender um
pouco a história” dos últimos seis meses.
Para o Chefe de Estado, a associação apresenta um conceito que “é muito
novo” em Portugal, assumindo três dimensões: a memória, o futuro e o
desenvolvimento económico, social e cultural do território. E observou que “estas
três dimensões juntas são muito raras”, sublinhando o facto de a AVIPG ser “uma
associação virada para o futuro e com um horizonte que não tem limite” e anotando
que essa diferença da associação foi por vezes difícil de compreender pela
sociedade portuguesa.
Não sei se Marcelo, no seu entusiasmo de presença efetiva e afetiva, não
estará a exagerar ou se a associação não pretenderá colher dividendos a partir
da popularidade do Presidente, que tem assumido atitudes persistentes de
inusitada solidariedade política para com as populações vítimas dos incêndios florestais
dos passados meses de junho e de outubro. Se é justo salientar a preocupação e
a presença assídua do Chefe de Estado, é injusta a postura de relegar para o
esquecimento o Chefe do Governo e lançar a suspeita sobre a chegada ao destino
dos produtos da solidariedade civil.
Reconheço que é uma infinidade o tempo para quem espera, mas não é
necessário cair no agravo da suspeita sobre a solidariedade governativa e da
sociedade civil na pessoa dos administradores dos fundos. Aliás, o Presidente
da República pouco mais pode fazer do que estar presente e puxar (no âmbito da magistratura de influência) pelas responsabilidades das entidades
governativas e administrativas e pela generosa contribuição da sociedade civil.
Quanto ao perfil da associação em causa, não vejo que se trate duma
entidade que se possa posicionar fora do quadro das demais associações:
constituir-se por tempo indeterminado; ter como objeto o aperfeiçoamento dos
seus membros; e realizar os fins estatutários a que se propõe. E, como as
demais, deverá ter estabelecido o modo de angariação de meios e previsto o
destino do património em caso de dissolução.
É óbvio que seria muito curto esgotar-se aquela iniciativa naquilo que é
justo relativamente às perdas que existiram; e é natural que no seu objeto
caiba a ideia da sensibilização para o que se passou e o desejo de que situações
das que agora se lamentam não venham a repetir-se, procurando formas mais
eficazes de prevenção e de organização das comunidades para enfrentar os
assomos de tragédia. Porém, com a devida consideração e respeito, neste domínio,
não conseguiu antecipar-se nas intenções às linhas políticas definidas pelo
Governo, uma vez conhecidos os relatórios adrede encomendados.
Não me parece, pois, que Marcelo esteja a fazer senão atribuir, de forma simpática,
mas abusiva, à associação o exclusivo da nova linha a que a sociedade deixou de
estar habituada: colaborar na prevenção e no combate aos incêndios florestais.
***
É verdade, como diz Marcelo, que a associação nasce a partir de um “momento
doloroso” e assume a dimensão da memória, não para ficar presa a ela, mas para
aprender com ela.
E é bom que a associação queira sublinhar a sua dimensão de futuro e a
componente do “desenvolvimento económico, social, cultural e humano destas terras,
sem mudar o nome”. Porém, para isso, tem de ultrapassar as intenções e lançar
pontes para a sociedade civil, sem se fixar em suspeitas, e para o poder
político, distinguindo aquilo que efetivamente cada órgão de poder pode fazer
pelo território e pelas populações e respeitar as competências de cada
departamento do Estado.
É natural que uma entidade criada a partir um evento que ceifou vidas humanas
e semeou um lastro inusitado de destruição se preocupe com a reflorestação, a prevenção
e combate aos incêndios, a proteção das populações e um “olhar para um projeto de
vida diferente nestas terras”. Mas cabe-lhe ser uma voz crítica das políticas
públicas e um forte indutor do povoamento e valorização destes concelhos do
Interior. Sem isso, que não tenha ilusões: pouco poderá fazer.
***
Outra ideia
do Chefe de Estado é que os portugueses visitem Pedrógão Grande até ao próximo
verão, a fim de participarem na “mudança em curso” numa zona devastada pelos
fogos em junho passado. No
final da missa de Natal celebrada pelo bispo de Coimbra, Dom Virgílio Antunes,
na igreja paroquial de Pedrógão Grande, Marcelo disse:
“O que é preciso no futuro próximo, na
próxima primavera, no próximo verão, é as pessoas virem e estarem cá,
contribuírem para esta mudança em curso e reconstruir o futuro das áreas
afetadas”.
Insistiu que
isso “é muito importante porque quem está sente esse calor da presença” dos
outros portugueses e “porque mexe com a vida, mexe com a economia, mexe com a
sociedade”.
· Além dos discursos, o Presidente da República participou na
missa celebrada pelo Bispo de Coimbra e plantou um sobreiro na localidade de Figueira,
Pedrógão Grande, chamando o Bispo para ajudar e enaltecendo o papel da Igreja
na tragédia dos incêndios.
No pátio da antiga escola
primária de Figueira, agora sede da AVIPG, o Chefe de Estado pegou numa pá e,
decidido, assumiu o plantio da árvore. Quando Nádia Piazza, a presidente da
associação alertou com o “Já chega,
senhor Presidente, assim o senhor termina tudo”, Marcelo ‘descobriu’ o Bispo
entre as pessoas que o rodeavam no terreiro da escola e pediu o “contributo” de
Dom Virgílio Antunes na tarefa, dizendo que “Bispo é bispo, tem outra sabedoria”.
Questionado sobre um
eventual regresso à Figueira, para ver se o sobreiro hoje plantado ganhou nova
vida, Marcelo Rebelo de Sousa vaticinou que a árvore “vai rapidamente crescer”.
E, dirigindo-se ao Bispo de Coimbra, observou:
“E daqui por oito,
nove, dez anos, é o ciclo, já temos aqui um símbolo bem frondoso deste momento
agora vivido, com esta colaboração”.
Ao que o prelado respondeu:
“E que seja um símbolo
bem visível do que está a nascer de novo”.
E Marcelo concluiu:
“Exatamente. É o símbolo desta mudança que
se está a dar nesta terra e que significa futuro. Hoje é um dia de lembrança do
passado mas sobretudo de construção do futuro.”.
Interpelado pela agência Lusa
sobre a colaboração entre os poderes públicos e a Igreja católica, Marcelo
Rebelo de Sousa frisou que em Portugal e, em particular, nas zonas atingidas
pelos incêndios, a presença das dioceses e das paróquias “é fundamental e foi
fundamental neste período que foi vivido”. E declarou:
“E eu fui testemunha,
podia não ter acontecido, fui testemunha de como o senhor Dom Virgílio, o Bispo
de Coimbra, esteve ali, no terreno, com o fogo ao lado, naqueles dias (?). E
essa presença hoje também aqui existiu, por maioria de razão, no dia de Natal.”.
***
A presidente da Associação de Vítimas do
Incêndio de Pedrógão Grande, Nádia Piazza, realçou a presença “constante” do Chefe
de Estado no território afetado pelo incêndio de junho, assegurando que a sua
presença tem sido não só física, mas sobretudo “de alma e
coração”.
Segundo Nádia Piazza, este dia era já
aguardado “há muito tempo” pelos familiares das vítimas, sendo que a presença
do Presidente Marcelo aconteceu de forma “muito natural”.
Para a presidente AVIPG, que perdeu um
filho no incêndio, este é “um dia especial”, “um dia muito vazio” em que tentam
não terem “tantas cadeiras vazias”.
Por seu turno, o Presidente da
Câmara Municipal, Valdemar Alves, realçou:
“Receber o Presidente
da República, o Chefe de Estado, em Pedrógão Grande, num dia destes, é muito
importante para aqueles que necessitam de afeto e de um pouco de conforto”.
Para o autarca, a presença de Marcelo neste
dia na zona afetada pelo grande incêndio que deflagrou em junho “é a confirmação
e consolidação de que o Presidente da República está inteiramente solidário e
atento a tudo o que se está aqui a passar”.
E do seu lado, o Bispo de Coimbra alertou para as “trevas
interiores”. Com efeito, na missa celebrada às 11,30 horas na
igreja matriz da vila, Dom Virgílio Antunes, disse que subsistem “trevas
interiores” nos sobreviventes e familiares das vítimas dos incêndios de junho e
apelou à presença humana como forma de as ultrapassar. Referia-se àquela dor
que sentem os familiares das vítimas, dor extremamente preocupante a
acrescentar às trevas exteriores que constituem os prejuízos decorrentes dos
incêndios. Esta dor pelos que partiram e a dor dos que ficam sem os seus familiares
e amigos é muito mais preocupante que a dos prejuízos. As “trevas interiores” provocam
“a descrença, a erosão da alma e o aniquilamento da esperança” (...). O vazio
interior é muito mais difícil de preencher, exige uma fortíssima presença
humana” – declarou o predado conimbricense.
No que definiu como uma luta da luz contra
as trevas, o Bispo de Coimbra assinalou as ações de solidariedade e partilha
para com as vítimas dos incêndios e os apoios públicos e privados, mas notou,
nesta celebração de Natal em Pedrógão Grande, o “silêncio de homens e mulheres
pela perda de alguém, a ruína de sua casa ou a escuridão do panorama envolvente”.
***
A jornada natalícia do Presidente
continuou com a participação num almoço com familiares das vítimas, na assistência
a um concerto em Figueiró dos Vinhos e na visita à Aldeia Natal na vila de
Castanheira de Pera, onde jantou no quartel da corporação local de bombeiros. Foi
uma jornada de solidariedade presente e simbólica que terá como concorrente uma
similar em fim de ano no distrito de Viseu, devendo pronunciar a tradicional mensagem
de Ano Novo a partir de Vouzela.
É bem-vindo nesta presidência de afetos,
este ano bem oportuna, mas de que ninguém devia apropriar-se partidariamente.
2017.12.25 – Louro de Carvalho
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