Foi apresentado ontem, dia 8 de dezembro, às 17,30 horas, na Cripta do Sameiro, depois da
celebração da Eucaristia das 16,30 horas, pelo Cónego José Paulo Abreu na sua
qualidade de Professor de História da Igreja, o livro “Nossa Senhora e a História de Portugal”, de Dom Francisco Senra
Coelho, Bispo Auxiliar de Braga, com prefácio de Dom Manuel Clemente.
Esta breve edição da Paulus Editora,
de índole divulgativa, pretende situar na História de Portugal a devoção mariana
do povo.
Trata-se duma devoção encarnada na vida real do dia a dia e
expressa nas diversas linguagens e simbologias da religiosidade popular, onde a
realidade da promessa é frequente e, muitas vezes, o primeiro momento duma
aliança estabelecida entre o indivíduo ou o povo, devotos, e o sobrenatural, o
Céu; neste caso, as alianças estabelecidas entre o povo português e Santa
Maria.
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A este
respeito, o site da arquidiocese
bracarense, publica, a 30 de novembro pp, uma entrevista com o autor em que ele
se explica.
Começa
por frisar que o interesse do livro de 136 páginas reside na sua génese “a partir da experiência e diálogo com
as pessoas”, em vez de ser elaborado “a partir do próprio autor”. Na verdade, “surge
das necessidades das pessoas com quem o autor trabalhou”, pois, muitas vezes,
as comunidades lhe foram pedindo que falasse de Nossa Senhora. Ora, “como
professor de História muitos anos em Évora”, e agora “como Professor de
História da Igreja Medieval e Moderna, na Faculdade de Teologia, Polo de Braga,
na Universidade Católica Portuguesa”, o tema ia ter sempre à sua
especialização. Em várias localidades do sul e do norte o tema surgia e o autor
percebeu que, “de facto, na génese e no ADN cristão há uma grande relação com
Maria no contexto da Igreja portuguesa, muito especialmente logo no início da
nacionalidade”.
Escrito ao longo do tempo, não é um livro “de secretária”. Dá conta de um
percurso feito em muitas
localidades – Évora, Vila Viçosa, Coruche, Braga, Barcelos, Fafe e outras – e
em artigos escritos, por exemplo para o “Diário
do Minho”, ou reproduzidos no semanário “A Defesa” e na “Família
Cristã”. O livro não foi “escrito num laboratório de mariologia e de
história da Igreja”, mas “com o povo com quem ia falando”. Ademais, o autor foi
juntando conferências, algumas feitas monograficamente, como a de Nossa Senhora e a Nacionalidade de Portugal,
ou A importância de Nossa Senhora da
Conceição de Vila Viçosa. Não é, porém, “uma manta de retalhos”, mas “um
conjunto de vivências compartilhadas”.
Confessa Dom Francisco que “não
traz nada de novo”, todavia, recorda “aquilo que é sempre novo, a origem da
nossa independência e da nossa liberdade como povo e, ao mesmo tempo, a beleza
de Nossa Senhora que, na sua maternidade, no seu colo, no seu coração, na sua
ternura, no seu carinho vem dizer a Portugal que, além de pátria, é mátria”. Sem
novidades científicas e não sendo fruto de novos documentos encontrados, “tem
um novo olhar interpretativo, que nos pode ajudar a reanimar a Esperança que a
contínua presença de Maria na nossa História traz ao nosso presente: não
estamos sós, ‘Temos Mãe’!”, como disse o Papa Francisco em Fátima a 13 de
maio pp. Lembra “esta dimensão humanista e este sentido de maternidade para com
todos os que se abrigam, todos os que batem à porta, todos os que precisam de
acolhimento”. Ora, esta dimensão “está muito presente na génese e história de
Portugal”. Segundo o autor, o país tem uma dimensão muito afetiva evidenciada
nas paredes do património monumental, artístico, imaterial: a ternura. Que Portugal
é um povo de ternura afirma-o valorizadamente a sua própria expressão
artística, incluindo a música, e as diversas expressões da beleza. E “o livro é
um divulgar deste caminho, destas alianças, deste Portugal de Nossa Senhora,
fazendo sublinhar a última, ainda no rescaldo do Centenário de Fátima”.
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Persiste, na ótica do autor, uma lacuna em literatura deste género, isto
é, “a partir das vivências do povo”. E o Papa tem-nos
recordado que “um povo sem memória, no fundo, um povo sem história, é como que
um povo que vive uma situação de Alzheimer, que perde a sua identidade, não se
conhece”. Com efeito, “não há árvores sem raízes” ou “uma árvore sem raízes é
uma árvore seca”. E afirma Dom Francisco que, se “vemos folhas secas ou murchas,
com ausência de flor e de fruto, não resolvemos o problema substituindo-as por
frutos de plástico ou folhas de papel: temos é de cuidar das raízes”. Ora, “o
húmus de Portugal é cristão” e “muitíssimo mariano”. E sustenta de forma
ousada:
“A consciência de que Nossa Senhora é Mãe, é ternura, é colo, é
acolhimento, é tão vincada que se torna espontânea e óbvia em muitas pessoas
que depois, porventura, até nem estão na eucaristia”.
O livro pretende um regresso ao passado onde o povo é protagonista, ir às
raízes. E este percurso
não pode ser feito “de maneira
laboratorial” ou ideológico: “tem de ser um trabalho de campo e esse trabalho
de campo é conhecer o povo”. Sem prescindir das elites da monarquia, o caminho
do livro “assenta num povo que se exprimiu e que se manifestou e reviu nas
consagrações, nos monumentos feitos em louvor de Nossa Senhora pelas elites,
mas que exprimiam o coração de um povo”. Num trabalho de campo desta ordem não
podemos prescindir desta fidelidade, “porque a Igreja não é composta apenas
pelo clero, é um povo de Deus, todos os batizados”.
E a
religiosidade popular, a dimensão profunda dos ‘ex-votos’, a expressão da
confiança que um povo põe nos seus momentos difíceis em Nossa Senhora são “manifestação
genuína daquilo que ele é” e sente. O modo como o povo português reza – o povo
simples, das feiras e das romarias – com as suas singelas orações tradicionais
é “um terreno fértil onde Nossa Senhora tem um papel singular”. É um povo que
se revê claramente na exclamação de Francisco na sua visita a Fátima como
peregrino: “Temos Mãe, temos Mãe!”. E diz o Bispo, ao mesmo tempo que pede
acolhimento, humanização às estruturas sociais e económicas e apreço pela
maternidade:
“Portugal entende bem isso e sabe disso: que temos mãe. Portugal não é
um povo órfão e o grande desafio é que consiga transmitir na complexidade e nos
desafios do século XXI esta maternidade, de um acolhimento e de uma crescente
humanização das suas estruturas, dos seus atendimentos, dos seus serviços. É
necessário que a humanização esteja bem presente em todas as preocupações e
opções que temos de fazer todos os dias para construir esta nação moderna.”.
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Porém, não basta reconhecer que a devoção popular é muita; é preciso
saber como surgiu. É, de facto,
importante relembrar e informar. Na verdade, quando a imagem da Senhora aparece
no meio do povo, temos o fenómeno verificado com a visita de Nossa Senhora de
Fátima a todas as dioceses de Portugal e às casas religiosas, aos mosteiros
contemplativos. Impressiona o acolhimento que recebe e as multidões que se
juntam e que a seguem. Depois, o Minho é um espaço de muitas e enormes
peregrinações. E o Bispo diz que “este fenómeno das peregrinações do Minho é
um campo que está ainda, provavelmente, por aproveitar a nível pastoral e missionário
como ponto de partida, uma vez que congrega as pessoas e as disponibiliza
para uma mensagem”. Por isso, adverte que “é preciso escavar o húmus para
entender o que está por baixo desta terra para que essa expressão aconteça”;
é preciso “entender as sementes que estão na terra e a capacidade que há para as
fazer florir”, pois, “cada semente torna-se depois uma espiga e
faz uma seara na multidão”.
E diz o
autor que este “é o ADN português e muitas pessoas têm essa expressão
espontânea com Nossa Senhora, cujo Dia da Mãe durante muitos anos foi a 8 de dezembro,
mesmo sem serem praticantes ‘quotidianamente’ nas suas paróquias”. No entanto,
persiste “a consciência de que Nossa Senhora é Mãe, é ternura, é colo, é
acolhimento” – uma consciência “tão vincada que se torna espontânea e óbvia”
nas pessoas que, porventura, “até nem estão na eucaristia”. E remata:
“Portugal não é um povo órfão e o grande desafio é que consiga
transmitir na complexidade e nos desafios do século XXI esta maternidade, de um
acolhimento e de uma crescente humanização das suas estruturas, dos seus
atendimentos, dos seus serviços.”.
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Também o Semanário Ecclesia, do dia 8 de dezembro, traz uma entrevista ao
mesmo prelado em torno do livro em que ele afirma que “O berço da Pátria é confundido com o colo de Maria” e nos diz que
que o livro conta a historia da aliança com Maria em sete etapas (sete alianças).
Trata-se de
número bíblico, com a caraterística de plenitude e, por isso, fixou-se nele. E
explica:
- O berço da pátria é confundido com o colo de Maria. A independência de Portugal foi,
desde logo, agradecida por Dom Afonso Henrique a Nossa Senhora. Consagrou-se a
Nossa Senhora da Oliveira em Guimarães. E O Mosteiro de Alcobaça, a Igreja da
Senhora dos Mártires em Lisboa, a Igreja das Alcáçovas, em Santarém, são votos
em ação de graças pela independência de Portugal e a dignidade do reino
reconhecido pelo Papa em 1179. É a 1.ª aliança!
- Depois, veio a crise de 1383-1385, que foi vencida na grande batalha de
Aljubarrota, que se transformou em referência icónica de Portugal. E Nossa
Senhora, a dia 15 de agosto, é invocada como Aquela que nos há de ajudar, em
1385, a readquirir a nossa realeza independente, com a proclamação do
Mestre de Avis, Dom João I, Rei de Portugal. E o Mosteiro da Batalha é, de
facto, a grande e grata proclamação dessa vitória. É a 2.ª aliança!
- A descoberta do caminho marítimo para a Índia é um dado
grandioso para o desígnio de Portugal. Fez do país a 1.ª potência do mundo de então.
A ‘Rota da Seda’, quase mitológica na história da Europa, chegava a Veneza e
fazia dos seus doges grandes figuras da economia e finanças europeias. Agora,
passa para o Terreiro do Paço, em Lisboa. Todo o espólio das especiarias não
chega mais à Europa por terra, mas vem nas caravelas e naus para Lisboa. Fomos
a primeira potência mundial fruto desta proeza. Foi um tempo efémero, mas foi
algo que marcou a grandeza deste povo. E esse rasgar de grandes caminhos e
estradas pelo mundo é atribuído à Senhora. Dom Manuel I faz, por isso, acontecer
a Igreja de Nossa Senhora de Belém e, depois, o Mosteiro dos Jerónimos, numa terceira aliança de Portugal com Nossa
Senhora.
Bem
podia Dom Francisco referir a Senhora da Lapa, cuja devoção se espalhou pelo
mundo e cujo núcleo acontece precisamente em 1498, durante a 1.ª expedição
portuguesa à Índia, e a cujo Santuário rumam os minhotos em peregrinação no 1.º
domingo de setembro de cada ano.
-
Com a dinastia filipina cresceu a dor de Portugal e desenvolveu-se o movimento
da restauração. D. João IV, antigo duque de Bragança, é claro na sua afirmação:
foi Nossa Senhora que nos deu a
independência. O que se traduz na coroação de Nossa Senhora da Conceição de
Vila Viçosa e na abdicação da coroa pelo rei de Portugal, que deixa de a usar
porque a Senhora é, de facto, a Rainha. Isto sucedeu a 25 de março de 1646,
quando foi proclamada como Padroeira de Portugal, depois confirmada por Breve de Urbano VIII. É a 4.ª aliança.
- As invasões francesas trazem muito sofrimento, com
consequências patrimoniais e perda de vidas. Évora foi martirizada e o seu
bispo auxiliar foi morto a tiro de pistola. Há sofrimento por todo o país, temendo-se
a perda da independência. A corte foi para o Brasil e Dom João VI quis
agradecer aos que ficaram em Portugal, com o risco de vida, pela heroicidade na
proclamação do sentido nacional. Criou a Real
Ordem da Senhora da Conceição para homenagem, com o sentido da gratidão, a
todos os que ficaram no Continente e na Madeira e nos Açores. E fez uma
consagração à Senhora da Conceição, voltando à consagração de Vila Viçosa e à
consagração do primeiro rei de Portugal à Senhora da Oliveira, em Guimarães. É
a 5.ª aliança!
- A sexta aliança acontece no
contexto do liberalismo. O liberalismo é importado sobretudo da França. Em Portugal,
ficam as sementes da revolução onde se prescinde
da revelação – judaica, cristã e mesmo islâmica. O iluminismo não aceita a
autoridade da tradição e de modo algum do Livro Sagrado. Aposta na
racionalidade e na compreensão de Deus sem dogmas, apenas pela filosofia,
teodiceia e teologia racional. Essa atitude espanta o povo: Como é que os intelectuais portugueses e os
que nos conduzem se afastaram da nossa matriz e da nossa origem cristã?
Essa reação é expressa no caso muito concreto do Sameiro: um movimento popular,
de cariz espontâneo, acompanhado pelo padre Martinho António Pereira da Silva,
natural de Semelhe, faz colocar no cume da montanha, em 1869, uma imagem de
Nossa Senhora da Conceição. Daqui resulta o imponente Santuário de
Nossa Senhora do Sameiro.
-
E, por fim, a sétima aliança. O ano
de 1917 é duro pela I Guerra Mundial, onde Portugal entrou de modo desastroso.
Estávamos à beira da revolução de Sidónio Pais e era tal a perseguição da
maçonaria à Igreja que a maçonaria mitigada, na figura de Sidónio, fez a
revolução de que resultava a não perseguição dos católicos. Então, o arcebispo
de Braga, Dom Manuel Vieira de Matos, e o arcebispo de Évora, Dom Augusto Eduardo
Nunes, estavam expulsos do país. E Sidónio fez um decreto, após a sua
revolução, a dispensar dessa expulsão os dois metropolitas. E foi morto a tiro
de pistola na Estação do Rossio.
É
neste contexto de sofrimento que, em outubro de 1917, se dá esta grande
manifestação de Nossa Senhora, em Fátima. É aquela com quem um povo fez aliança
e de quem se socorreu que vem pedir ao povo sofrido do extremo da Europa que
leve uma mensagem de paz a todo o Continente e ao Mundo. É este povo, representado
nos mais pequeninos – as três crianças –, que é convocado para uma resposta às
alianças que com ele Nossa Senhora fez ao longo da história.
***
É
um percurso que Dom Francisco Senta Coelho faz pela História e que bem poderia
ser feito pela Geografia. Não há praticamente freguesia em Portugal que não
tenha um memorial a Nossa Senhora – desde uma igreja, ou uma capela, a um
oratório, nicho, imagem ou uma simples lápide – ou tudo isto. Somos mesmo um
povo de Nossa Senhora. Porém, a relação com Ela é, muitas vezes, a da
negociação com a “santinha” a quem se oferecem orações, sacrifícios e dinheiros
pela troca de favores – o que o Papa denunciou em Fátima – quando Ela é Mãe,
Modelo, Testemunha de Deus e Intérprete junto d’Ele dos dramas e dores da
humanidade. É Misericórdia!
É
devoção a purificar e a incrementar no quadro do mistério de Cristo e da missão
da Igreja.
2017.12.09 – Louro
de Carvalho
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