“Raríssimas”
tornou-se notícia pelos piores motivos e criou-se uma situação de visão parcial
e talvez injusta da realidade.
Uma IPSS
(instituição
particular de solidariedade social)
desta ordem vive dos donativos pessoais, do mecenato empresarial e das
comparticipações do Estado. É, a par de outros bem conseguidos, um exemplo de
interação da sociedade civil e do Estado no atendimento a necessidades das
pessoas e, neste caso, de pessoas raras que sofrem de doenças incapacitantes e raras.
Houve desvio
de fundos do Estado ou dos donativos de cidadãos ou de empresas para gastos
pessoais ou de família, ao arrepio da lei e do direito consignado nos
estatutos? Investigue-se tudo até ao último cêntimo e os implicados respondam
civil e criminalmente nos tribunais e, se são funcionários, respondam também disciplinarmente.
Caso se trate de dirigentes, sejam destituídos e substituídos tão rapidamente
como possível. E o bom senso não deve impedir que o Estado, as empresas e os
cidadãos continuem a colaborar no funcionamento da associação, porque os
utentes precisam e a necessidade não se compadece com amuos e confusões.
Mas, no
meio disto tudo que aconteceu, são de lamentar ambiguidades e situações menos
claras.
Um ex-tesoureiro
denunciou ao MTSSS (Ministério do Trabalho, da Solidariedade
e da Segurança Social),
à Presidência da República e a uma estação televisiva a situação irregular. Pergunta-se
porque não o fez quando era trabalhador ao serviço da associação perante o
Conselho Fiscal e na Assembleia Geral onde apresentava as contas? Medo de retaliação?
Sentimento de intimidação perante altas figuras da sociedade lá presentes? Com esta
atitude arriscou-se a que no desfecho do imbróglio a despeitada Presidente da Direção
o tenha classificado de incompetente.
Independentemente
de ter ou não participado na aprovação das contas, o Ministro tem a obrigação
de mandar fazer sindicância às contas e ao apuramento dos factos e, no caso de suspeita
de ilícito criminal, mandar fazer participação ao Ministério Público. Só lhe
ficou mal, do meu ponto de vista, andar para trás e para a frente dando a
entender que não sabia das denúncias e que sabia. Podia não saber, mas o seu eventual
desconhecimento é irrelevante. Após tomada de conhecimento, tinha que mandar atuar
e tão depressa quanto possível.
Dizer que
o senhor foi vice-presidente da assembleia geral de “Raríssimas” e querer
responsabilizá-lo pelos desvarios da Direção é excessivo e revela que os atacantes
não sabem como funciona a assembleia geral duma associação ou duma sociedade. À
mesa cabe a condução dos trabalhos e não o juízo de valor sobre as contas nem a
decisão sobre as matérias, que é sempre coletiva e tomada à pluralidade de votos.
E, quanto a contas, o tesoureiro ou o contabilista, faz a sua apresentação por
rubricas onde não estão inscritas “gambas” ou “vestidos” e fá-las acompanhar do
parecer do Conselho Fiscal e do parecer do auditor, se a isso houver lugar. Portanto,
o presidente da mesa, o vice-presidente ou o secretário não têm
responsabilidade pessoal – civil ou criminal – pelas contas, como, aliás, nenhum
dos associados ou sócios.
Um colaborador
que foi avençado para fazer trabalho de natureza técnica e/ou administrativa tem
direito ao quantitativo acordado, a não ser que não tenha efetivamente feito o
trabalho de que foi incumbido. Neste sentido, não percebo o motivo por que o Secretário
de Estado da Saúde se demitiu, a não ser que os motivos tenham ultrapassado o
que dele se disse que apenas tem a ver com a vida privada. E não percebo como é
que alguns se mantiveram no Governo sob suspeição e este se dissipou em 48
horas. Até era trabalhador antes de ser governante!
Se um voluntário
vai a uma conferência, encontro ou congresso em benefício da instituição que
apoia, não tem direito a um vencimento, mas deve-se-lhe a compensação por
despesas feitas, seja em deslocações, seja em alimentação e alojamento. Por isso,
não percebo o porquê de uma colaboradora que foi a um encontro vir agora dizer
que reembolsou a associação.
Porém, é
de lamentar a inocência hipócrita daqueles diretores que, a nível central ou
regional, participavam no estado-maior de Paula Brito e Costa. Eles não podem
ignorar o estado das contas, dos contactos e do expediente geral. Faço justiça
aos que não se declararam inocentes e abjuro dos inocentes de última hora como
se estivessem a servir de jarra de flores com que a Presidenta decorava o
gabinete!
É inadmissível
que haja um conjunto de pessoas a querer demarcar-se da instituição dizendo que
nunca fizeram parte do seu Conselho Consultivo. Os membros do Conselho
Consultivo dum corpo associativo ou societário emitem opiniões que podem ou não
ser acolhidas, mas não assumem responsabilidades estratégicas nem de gestão. Pelo
que é irrelevante tal demarcação.
Neste aspeto,
é de louvar a postura de Maria Cavaco Silva, de quem, por vezes, se diz mal com
razão. Confessou-se “espantada”,
porque não esperava uma situação destas, e “assustada”,
porque as pessoas e as empresas podem tentar-se a retirar o apoio à associação e
ela continua a precisar dele. Porém, a madrinha de “Raríssimas” apelou aos cidadãos
e às empresas para que mantivessem o seu apoio ao menos tal como até agora,
porque os utentes precisam mesmo.
***
Quanto
ao trabalho dos dirigentes da IPSS, acho que devem seguir o que é habitual nestes
casos segundo os estatutos: não estarem à espera de proveito por este facto, já
que voluntariado é voluntariado. Dirigir estrategicamente uma instituição
destas não deve ter como contrapartida um salário. Nas Misericórdias, antes de
se candidatarem a membros dos corpos sociais, os irmãos têm de assinar o
compromisso da renúncia a qualquer vencimento. É óbvio que, se intervêm numa
ação em favor da instituição que os obriga a despesas, percebem o necessário para
compensar as despesas feitas, seja em deslocações, seja em alimentação e
alojamento.
O alçapão
criado no ordenamento estatutário das IPSS para as instituições de maior
complexidade e projeção que permite aos diretores a perceção de vencimento até
4 IAS (entre
1600 a 1700 euros) não
devia existir. O regime de direção estratégica das IPSS deveria ser o do
voluntariado. Um diretor executivo ou diretor-geral, que esteja ali a tempo
inteiro terá direito ao vencimento da sua categoria como os outros funcionários,
mas nunca em valores próximos dos 6000 euros ou bónus de poupança-reforma nem prémios
de desempenho.
No caso
da “Raríssimas” estamos confrontados com uma Presidente da Direção da
instituição que acumula funções com o cargo de diretora-geral de uma das casas
da mesma instituição. Quer dizer: por um lado é voluntária; por outro, é
funcionária. Como voluntária, demitiu-se; como funcionária, continua, a não ser
que seja despedida com indemnização e subsídio de desemprego. Era dispensável esta
confusão, não era?!
Quanto aos
funcionários, as IPSS têm de cumprir com a lei e os estatutos e devem respeitar
as tabelas salariais de cada categoria de trabalhadores, bem como os demais contratos
e acordos decorrentes do fornecimento e das parcerias.
***
Como se pode
ler na sua página web, a “Raríssimas”
é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em abril de 2002, para apoiar
todos os cidadãos portadores de doenças menos comuns e todos aqueles que com
eles se correlacionam. Presta serviços diferenciados, de excelência técnica e
científica, que permitem ao utente a melhoria significativa da sua qualidade de
vida.
A razão
da sua existência prende-se com os cerca de 800 mil portugueses portadores de doenças
raras e das várias centenas de
doentes por diagnosticar que precisam da instituição e com os milhões de
cidadãos pelo mundo fora que fazem do know-how
da “Raríssimas” a sua bandeira.
A “Raríssimas”, com os seus serviços centrais e
as delegações regionais do Norte, Centro, Sul e Açores, tem como missão dar uma
resposta inovadora às necessidades dos portadores de patologia rara, famílias,
cuidadores e amigos, através da disponibilização de um conjunto de serviços
especializados – tratamentos,
terapias, atividades raras que precisam da ajuda de todos, pois o impacto na família, por
vezes, é demasiado pesado.
Está aberta: aos donativos individuais em
regime simples ou de contribuição para necessidades específicas; ao mecenato
por parte de empresas ou de particulares; ao apadrinhamento dos tratamentos de um
menino raro; e ao voluntariado de auxiliar ou de acompanhamento de doentes ou
de famílias.
Como Instituição Particular de Solidariedade Social, a “Raríssimas”
encontra-se abrangida pelo Estatuto do Mecenato, o qual considera formas de
benefícios fiscais às pessoas singulares e coletivas que apoiem e financiem
determinadas atividades, reconhecidas legitimamente como de proveito para a
sociedade, nomeadamente ações de solidariedade social, conforme disposto nos
art.os 61.º a 66.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
A revista “Páginas
Raras”, de caráter bimestral mostra todas as atividades desenvolvidas pela
associação, reportagens, entrevistas e todas as notícias do momento que
interessam a toda a comunidade Rara. Os associados podem receber esta
publicação de forma gratuita, pelo correio.
A associação, em conformidade com os seus
estatutos, dispõe das seguintes categorias de associados, integrando todos a
assembleia geral: os fundadores, aqueles que se constituíram em assembleia para
a fundação de “Raríssimas; os efetivos, aqueles que se proponham colaborar na realização
da missão e objetivos da associação; e os honorários, aqueles que, mercê de
serviços e donativos, contribuem de forma relevante para os fins da associação.
E poderão ser pessoas singulares (cidadãos maiores) e pessoas coletivas.
***
Posto isto, é de reconhecer que, apesar de algumas pessoas
se tentarem aproveitar do prestígio, poder e até dinheiro que lhes possam advir
da convivência com as IPSS, estas desenvolvem um inquestionável trabalho
meritório ao serviço dos mais frágeis, assumindo tarefas de que o Estado se
alheou ou para que não tem capacidades, dada a sua não proximidade, e
substituindo o Estado em algumas das suas competências sociais. Por isso, o
Estado tem de comparticipar em razão das suas responsabilidades próprias ou em regime
de complementaridade; e os cidadãos e as empresas devem contribuir em nome da
sua responsabilidade social e da função social da propriedade e da colocação dos
bens ao serviço dos que precisam, no quadro do destino universal dos bens. Quanto
à tentação de desvio, pede-se a participação cívica e escrutinadora nos órgãos sociais,
junto das autoridades e na comunicação social e a fiscalização rigorosa e
assídua da parte do Estado enquanto zelador da aplicação dos dinheiros de todos.
2017.12.17
– Louro de Carvalho
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