domingo, 17 de dezembro de 2017

Raríssimas – Não confundir a árvore com a floresta!

“Raríssimas” tornou-se notícia pelos piores motivos e criou-se uma situação de visão parcial e talvez injusta da realidade.
Uma IPSS (instituição particular de solidariedade social) desta ordem vive dos donativos pessoais, do mecenato empresarial e das comparticipações do Estado. É, a par de outros bem conseguidos, um exemplo de interação da sociedade civil e do Estado no atendimento a necessidades das pessoas e, neste caso, de pessoas raras que sofrem de doenças incapacitantes e raras.
Houve desvio de fundos do Estado ou dos donativos de cidadãos ou de empresas para gastos pessoais ou de família, ao arrepio da lei e do direito consignado nos estatutos? Investigue-se tudo até ao último cêntimo e os implicados respondam civil e criminalmente nos tribunais e, se são funcionários, respondam também disciplinarmente. Caso se trate de dirigentes, sejam destituídos e substituídos tão rapidamente como possível. E o bom senso não deve impedir que o Estado, as empresas e os cidadãos continuem a colaborar no funcionamento da associação, porque os utentes precisam e a necessidade não se compadece com amuos e confusões.
Mas, no meio disto tudo que aconteceu, são de lamentar ambiguidades e situações menos claras.
Um ex-tesoureiro denunciou ao MTSSS (Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social), à Presidência da República e a uma estação televisiva a situação irregular. Pergunta-se porque não o fez quando era trabalhador ao serviço da associação perante o Conselho Fiscal e na Assembleia Geral onde apresentava as contas? Medo de retaliação? Sentimento de intimidação perante altas figuras da sociedade lá presentes? Com esta atitude arriscou-se a que no desfecho do imbróglio a despeitada Presidente da Direção o tenha classificado de incompetente.
Independentemente de ter ou não participado na aprovação das contas, o Ministro tem a obrigação de mandar fazer sindicância às contas e ao apuramento dos factos e, no caso de suspeita de ilícito criminal, mandar fazer participação ao Ministério Público. Só lhe ficou mal, do meu ponto de vista, andar para trás e para a frente dando a entender que não sabia das denúncias e que sabia. Podia não saber, mas o seu eventual desconhecimento é irrelevante. Após tomada de conhecimento, tinha que mandar atuar e tão depressa quanto possível.
Dizer que o senhor foi vice-presidente da assembleia geral de “Raríssimas” e querer responsabilizá-lo pelos desvarios da Direção é excessivo e revela que os atacantes não sabem como funciona a assembleia geral duma associação ou duma sociedade. À mesa cabe a condução dos trabalhos e não o juízo de valor sobre as contas nem a decisão sobre as matérias, que é sempre coletiva e tomada à pluralidade de votos. E, quanto a contas, o tesoureiro ou o contabilista, faz a sua apresentação por rubricas onde não estão inscritas “gambas” ou “vestidos” e fá-las acompanhar do parecer do Conselho Fiscal e do parecer do auditor, se a isso houver lugar. Portanto, o presidente da mesa, o vice-presidente ou o secretário não têm responsabilidade pessoal – civil ou criminal – pelas contas, como, aliás, nenhum dos associados ou sócios.
Um colaborador que foi avençado para fazer trabalho de natureza técnica e/ou administrativa tem direito ao quantitativo acordado, a não ser que não tenha efetivamente feito o trabalho de que foi incumbido. Neste sentido, não percebo o motivo por que o Secretário de Estado da Saúde se demitiu, a não ser que os motivos tenham ultrapassado o que dele se disse que apenas tem a ver com a vida privada. E não percebo como é que alguns se mantiveram no Governo sob suspeição e este se dissipou em 48 horas. Até era trabalhador antes de ser governante!
Se um voluntário vai a uma conferência, encontro ou congresso em benefício da instituição que apoia, não tem direito a um vencimento, mas deve-se-lhe a compensação por despesas feitas, seja em deslocações, seja em alimentação e alojamento. Por isso, não percebo o porquê de uma colaboradora que foi a um encontro vir agora dizer que reembolsou a associação.
Porém, é de lamentar a inocência hipócrita daqueles diretores que, a nível central ou regional, participavam no estado-maior de Paula Brito e Costa. Eles não podem ignorar o estado das contas, dos contactos e do expediente geral. Faço justiça aos que não se declararam inocentes e abjuro dos inocentes de última hora como se estivessem a servir de jarra de flores com que a Presidenta decorava o gabinete!
É inadmissível que haja um conjunto de pessoas a querer demarcar-se da instituição dizendo que nunca fizeram parte do seu Conselho Consultivo. Os membros do Conselho Consultivo dum corpo associativo ou societário emitem opiniões que podem ou não ser acolhidas, mas não assumem responsabilidades estratégicas nem de gestão. Pelo que é irrelevante tal demarcação.
Neste aspeto, é de louvar a postura de Maria Cavaco Silva, de quem, por vezes, se diz mal com razão. Confessou-se “espantada”, porque não esperava uma situação destas, e “assustada”, porque as pessoas e as empresas podem tentar-se a retirar o apoio à associação e ela continua a precisar dele. Porém, a madrinha de “Raríssimas” apelou aos cidadãos e às empresas para que mantivessem o seu apoio ao menos tal como até agora, porque os utentes precisam mesmo.
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Quanto ao trabalho dos dirigentes da IPSS, acho que devem seguir o que é habitual nestes casos segundo os estatutos: não estarem à espera de proveito por este facto, já que voluntariado é voluntariado. Dirigir estrategicamente uma instituição destas não deve ter como contrapartida um salário. Nas Misericórdias, antes de se candidatarem a membros dos corpos sociais, os irmãos têm de assinar o compromisso da renúncia a qualquer vencimento. É óbvio que, se intervêm numa ação em favor da instituição que os obriga a despesas, percebem o necessário para compensar as despesas feitas, seja em deslocações, seja em alimentação e alojamento.
O alçapão criado no ordenamento estatutário das IPSS para as instituições de maior complexidade e projeção que permite aos diretores a perceção de vencimento até 4 IAS (entre 1600 a 1700 euros) não devia existir. O regime de direção estratégica das IPSS deveria ser o do voluntariado. Um diretor executivo ou diretor-geral, que esteja ali a tempo inteiro terá direito ao vencimento da sua categoria como os outros funcionários, mas nunca em valores próximos dos 6000 euros ou bónus de poupança-reforma nem prémios de desempenho.
No caso da “Raríssimas” estamos confrontados com uma Presidente da Direção da instituição que acumula funções com o cargo de diretora-geral de uma das casas da mesma instituição. Quer dizer: por um lado é voluntária; por outro, é funcionária. Como voluntária, demitiu-se; como funcionária, continua, a não ser que seja despedida com indemnização e subsídio de desemprego. Era dispensável esta confusão, não era?!
Quanto aos funcionários, as IPSS têm de cumprir com a lei e os estatutos e devem respeitar as tabelas salariais de cada categoria de trabalhadores, bem como os demais contratos e acordos decorrentes do fornecimento e das parcerias.
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Como se pode ler na sua página web, a “Raríssimas” é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em abril de 2002, para apoiar todos os cidadãos portadores de doenças menos comuns e todos aqueles que com eles se correlacionam. Presta serviços diferenciados, de excelência técnica e científica, que permitem ao utente a melhoria significativa da sua qualidade de vida.
A razão da sua existência prende-se com os cerca de 800 mil portugueses portadores de doenças raras e das várias centenas de doentes por diagnosticar que precisam da instituição e com os milhões de cidadãos pelo mundo fora que fazem do know-how da “Raríssimas” a sua bandeira.
A “Raríssimas”, com os seus serviços centrais e as delegações regionais do Norte, Centro, Sul e Açores, tem como missão dar uma resposta inovadora às necessidades dos portadores de patologia rara, famílias, cuidadores e amigos, através da disponibilização de um conjunto de serviços especializados – tratamentos, terapias, atividades raras que precisam da ajuda de todos, pois o impacto na família, por vezes, é demasiado pesado.
Está aberta: aos donativos individuais em regime simples ou de contribuição para necessidades específicas; ao mecenato por parte de empresas ou de particulares; ao apadrinhamento dos tratamentos de um menino raro; e ao voluntariado de auxiliar ou de acompanhamento de doentes ou de famílias.
Como Instituição Particular de Solidariedade Social, a “Raríssimas” encontra-se abrangida pelo Estatuto do Mecenato, o qual considera formas de benefícios fiscais às pessoas singulares e coletivas que apoiem e financiem determinadas atividades, reconhecidas legitimamente como de proveito para a sociedade, nomeadamente ações de solidariedade social, conforme disposto nos art.os 61.º a 66.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.  
A revista “Páginas Raras”, de caráter bimestral mostra todas as atividades desenvolvidas pela associação, reportagens, entrevistas e todas as notícias do momento que interessam a toda a comunidade Rara. Os associados podem receber esta publicação de forma gratuita, pelo correio.
A associação, em conformidade com os seus estatutos, dispõe das seguintes categorias de associados, integrando todos a assembleia geral: os fundadores, aqueles que se constituíram em assembleia para a fundação de “Raríssimas; os efetivos, aqueles que se proponham colaborar na realização da missão e objetivos da associação; e os honorários, aqueles que, mercê de serviços e donativos, contribuem de forma relevante para os fins da associação. E poderão ser pessoas singulares (cidadãos maiores) e pessoas coletivas.
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Posto isto, é de reconhecer que, apesar de algumas pessoas se tentarem aproveitar do prestígio, poder e até dinheiro que lhes possam advir da convivência com as IPSS, estas desenvolvem um inquestionável trabalho meritório ao serviço dos mais frágeis, assumindo tarefas de que o Estado se alheou ou para que não tem capacidades, dada a sua não proximidade, e substituindo o Estado em algumas das suas competências sociais. Por isso, o Estado tem de comparticipar em razão das suas responsabilidades próprias ou em regime de complementaridade; e os cidadãos e as empresas devem contribuir em nome da sua responsabilidade social e da função social da propriedade e da colocação dos bens ao serviço dos que precisam, no quadro do destino universal dos bens. Quanto à tentação de desvio, pede-se a participação cívica e escrutinadora nos órgãos sociais, junto das autoridades e na comunicação social e a fiscalização rigorosa e assídua da parte do Estado enquanto zelador da aplicação dos dinheiros de todos.   

2017.12.17 – Louro de Carvalho

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