O n.º 237 do
Semanário Ecclesia, de hoje, dia 1 de
dezembro, em artigo sob o título interrogativo “Universidade
Católica, um serviço aos mais pobres?”,
da responsabilidade da LOC/MTC (Movimento
de Trabalhadores Cristãos),
faz à nossa UCP uma interpelação que prima pela atualidade e pertinência.
Verificando
que, nos anos de crise “muitos cristãos se interrogaram” quanto ao papel dos
“economistas formados na Universidade Católica, pois a maior parte remeteu-se
ao silêncio ou apoiou as medidas que se tornaram mais prejudiciais aos
trabalhadores e aos mais desfavorecidos”, o articulista tenta levantar a lebre
e suscitar a reflexão e o debate. Aproveita o facto de passar neste ano o
cinquentenário da criação da UCP e o de uma representação da UCP se ter deslocado ao Vaticano, sendo recebida pelo papa
Francisco, a 26 de outubro, na Sala Clementina, em que houve lugar a discursos.
Presidia à
delegação o Grão Chanceler, o Cardeal Patriarca de Lisboa, que saudou o Papa em
nome da UCP, apresentando “as esperanças e lutas de quantos hoje – como ontem –
amam, fazem e são esta comunidade universitária” (Palavras do
Papa). E Francisco “respondeu com uma
interpelação forte e um apelo que nascem de uma interrogação que deve obrigar,
professores e alunos, a um exame sério acerca da orientação que estão a seguir”.
E a grande questão dilemática que o Pontífice levanta às mais altas autoridades
académicas da UCP é::
- Para que
serve uma universidade, mais concretamente uma Universidade Católica? Para
abrir caminho à promoção pessoal dos alunos e professores ou para
responsabilizar numa maior capacidade de servir os mais pobres?
***
O Pontífice
apreciou o gesto simpático da visita daquela representação à Sé de Pedro na
sequência do conhecimento da impossibilidade de Francisco ter visitado “a sede
central da Universidade por ocasião da peregrinação ao Santuário de Fátima em
maio passado”. E congratulou-se com a Igreja em Portugal que quis a UCP, a promove
e apoia, podendo “contar com uma leitura aprofundada dos tempos que correm e
sobretudo com a formação superior dos guias do povo de Deus e dos líderes de que
a sociedade precisa”.
Mas vamos ao
essencial do discurso papal.
Sendo universidade, por natureza e
missão, a UCP abraça “o universo do saber no seu significado humano e divino, para garantir aquele
olhar de universalidade sem o qual a razão, resignada com modelos parciais,
renuncia à sua aspiração mais alta: a de
buscar a verdade”. Mas o orador pontifical avisa:
“À vista da grandeza do seu saber e
do seu poder, a razão cede perante a pressão dos interesses e a atração da
utilidade, acabando por a reconhecer como seu último critério”.
E, baseado
no que escreveu na Laudato Si’,
adverte quanto aos riscos para a liberdade homem:
“Quando o ser humano se entrega às
forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, então a
sua liberdade adoece. ‘Neste sentido, ele
está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter
os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais,
mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma
espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum
lúcido domínio de si’ (LS, 150).”.
O Papa quer
que a UCP não fique no saber, mas vá mais além, até onde se pode e deve ir. Com
efeito, “a verdade significa mais do que saber: o conhecimento da verdade tem
como finalidade o conhecimento do bem”. Assim, “a verdade torna-nos bons, e a
bondade é verdadeira”.
Por isso, é
preciso ajudar “os alunos a não olhar um grau universitário como sinónimo de
maior posição, sinónimo de mais dinheiro ou de maior prestígio social”. Tem que
se encontrar um modo de fazer ver os estudos superiores numa perspetiva
diferente do comum da sociedade. E Francisco interpela: “Ajudamos a ver esta preparação
como sinal de maior responsabilidade perante os problemas de hoje, perante o
cuidado do mais pobre, perante o cuidado do meio ambiente?”. E avisa:
“Não basta realizar análises,
descrições da realidade; é necessário gerar espaços de verdadeira pesquisa,
debates que gerem alternativas para os problemas de hoje. Como é necessário
descer ao concreto!”.
A seguir,
vêm as exigências de a UCP ser não só uma universidade, mas sobretudo de ser universidade católica – “qualificação
que em nada mortifica a universidade, antes a valoriza ao máximo; pois, se a
missão fundamental de toda universidade é “a
investigação contínua da verdade mediante a pesquisa, a preservação e a
comunicação do saber para o bem da sociedade” (João Paulo
II, Cons. ap. Ex corde Ecclesiae,
30), diz o Papa:
“Uma instituição académica católica
distingue-se pela inspiração cristã dos indivíduos e das próprias comunidades,
consentindo-lhes incluir a dimensão moral, espiritual e religiosa na sua
investigação e avaliar as conquistas da ciência e da técnica na perspetiva da
totalidade da pessoa humana”.
E, na linha
de João Paulo II, Francisco considera que
“As ciências humanas, apesar do
grande valor dos conhecimentos que oferecem, não podem ser assumidas como
indicadores decisivos das normas morais deste caminho” (Enc. Veritatis splendor, 112).
Por isso é
que o Pontífice falava de razão equivocada quando ela reconhece como seu último
critério a pressão dos interesses e a atração da utilidade. Na verdade,
“É o Evangelho que descobre a
verdade integral sobre o homem e sobre o seu caminho moral, e assim ilumina e
adverte os pecadores anunciando-lhes a misericórdia de Deus, (…) lembra-lhes a
alegria do perdão, o único capaz de conceder a força para reconhecer na lei
moral uma verdade libertadora, uma graça de esperança, um caminho de vida”
(Vs,112).
A quem objete
que tal docência “tiraria as suas
conclusões da fé e, por isso, não poderia pretender a validade das mesmas para
quantos não partilham desta fé”, o Papa responde:
“É verdade que não partilham a fé,
mas serve-lhes a razão ética proposta. Explico-me. Por detrás do docente
católico fala uma comunidade crente, na qual, durante os séculos da sua
existência, amadureceu uma determinada sabedoria da vida; uma comunidade que
guarda em si um tesouro de conhecimento e de experiência ética, que se revela
importante para toda a humanidade. Neste sentido, o docente fala não tanto como
representante duma crença, como sobretudo testemunha da validade duma razão
ética.”.
Este locus discursivo do Pontífice leva-nos a
refletir e a questionar o que é de facto a investigação e se o seu campo não
será, para lá do laboratório, a comunidade, a história, os movimentos sociais,
os sinais dos tempos, o livro aberto da natureza. Se reduzirmos o conceito e o campo
de investigação, podemos ter uma universidade anquilosada sem responder às legítimas
expectativas das ciências e das pessoas às quais se dirige o produto da investigação
e da sua sistematização numa linha correta e fecunda da produção e oferta do conhecimento.
Mas o Papa
Bergoglio não se fica pelo conceito de universidade
e de universidade católica; frisa
também o facto de ser uma universidade
portuguesa “por fisionomia e presença”. Nesta perspetiva,
a UCP constitui “mais um sinal de esperança, que a Igreja oferece ao País, ao
colocar à disposição da nação uma instituição cultural que, tendo como objetivo
o aperfeiçoamento cristão do homem, é chamada precisamente a servir a causa do
homem, na certeza de que – como ensina o Concílio Vaticano II – aquele que segue Cristo, o homem perfeito,
torna-se mais homem” (Gaudium et
spes, 41).
Se antes
falava da necessidade de descer ao concreto, agora lembra o princípio da
encarnação do Verbo. Nestes termos, a UCP tem de encarnar “na pele do nosso
povo”. As perguntas do povo “ajudam-nos a
questionar-nos; as suas batalhas, sonhos e preocupações possuem um valor
hermenêutico que não podemos ignorar, se quisermos deveras levar a cabo o
princípio da encarnação”. Trata-se de um caminho escolhido por Deus. Com
efeito, Ele
“Encarnou-Se neste mundo,
atravessado por conflitos, injustiças e violências, atravessado por esperanças
e sonhos. Por conseguinte, não temos outro lugar onde O procurar a não ser no
nosso mundo concreto, no vosso Portugal concreto, nas vossas cidades e aldeias,
no vosso povo. É aí que Ele está a salvar.”.
Por fim,
recordou-se de que a UCP foi criada por ocasião da celebração do cinquentenário
das Aparições em Fátima e sublinhou a promessa do Céu deixada em Fátima há cem
anos de que “em Portugal, se conservará sempre o dogma da fé” (Memórias da
Irmã Lúcia, IV, n.º 5). E, querendo
suscitar a cooperação de todos para o cumprimento desta promessa, explica:
“Esta [promessa] é, tão consoladora
como empenhativa, sabendo nós que Deus criou sozinho o homem, mas não quis
salvá-lo sozinho; espera a nossa colaboração [e] também a colaboração da
Universidade Católica Portuguesa, nascida há 50 anos, sendo estes vividos sob o
signo da consagração da comunidade académica ao Imaculado Coração de Maria”.
E deixou um
apontamento evocativo da sua presença em Fátima em 12 e 13 de maio deste ano:
“Fez-me muito bem à alma poder
inserir-me na oração do bom povo português e demais filhos d’Ela. Como então
vos disse, fui lá venerar a Virgem Mãe e
confiar-Lhe os seus filhos e filhas. Sob o seu manto não se perdem; dos seus
braços virá a esperança e a paz de que necessitam” (Homilia, 13/V/2017).
***
Comentando este discurso papal, o Movimento de
Trabalhadores Cristãos reforça,
no Portugal de hoje que “o concreto é a vida real das pessoas, dos
trabalhadores sazonais na Comporta e no Alentejo, dos jovens sem
oportunidade de construir uma família, dos idosos impotentes perante as catástrofes
e os oportunistas, das vítimas de violência doméstica e tráfico humano,…”. Mais: “o
concreto é a aldeia em que nascemos, os bairros abandonados, a violência
crescente, os suicídios fruto do desespero”. O concreto “é toda esta realidade que muitas vezes ‘os
canudos’, nomeadamente na área da economia, esquecem.
E o Movimento
de Trabalhadores Cristãos interroga-se:
Quantos padres fizeram a sua formação
nesta Universidade na Faculdade de Teologia? Distinguem-se pela sua opção pelos
pobres?
É bom que a
UCP nunca se esqueça de que é universidade, universidade católica e
universidade portuguesa. É de questionar se não tem estado mais
interessada na competição com outras escolas do que em atingir a verdade e a
bondade, em orientar os estudos, a investigação e consequentemente a produção
do conhecimento e a sua oferta pelos princípios da liberdade evangélica, da responsabilidade
pela sociedade, da preferência pelos pobres, do serviço a todos e a cada um, em
que os necessitados têm lugar privilegiado. A encarnação
do Verbo acontece privilegiadamente entre os pobres (Mt 11,5; 25,4045; Lc 4,18; 7,20-21).
São de questionar
os critérios para a seleção e graduação de alunos e atribuição das bolsas, bem
como o perfil dos docentes e investigadores. E, se o Movimento
de Trabalhadores Cristãos
interroga os sacerdotes e os economistas, também interrogo os gestores pela ética
e equidade da gestão e da administração que ensinam e praticam e os juristas,
por exemplo na preocupação com o acesso de todos à justiça, pela defesa do papel
social da propriedade, e pela índole mais sadia da ação política. Parece que só
os vemos dum lado! Qual o conteúdo e
orientação das Ciências Sociais e Humanas investigadas, ensinadas e divulgadas
pela nossa UCP?
***
Complementarmente,
recordo que recentemente o Papa Francisco pediu às escolas católicas que ajudem
a restabelecer o pacto educativo, lançando pontes entre as diferentes
instituições, e que marquem a diferença na proposta educativa pela “qualidade
da presença”, sendo que “a diferença se faz, não pela qualidade dos recursos
disponíveis, mas pela qualidade da presença”. É este o teor da mensagem
dirigida aos participantes na I Jornada
das Escolas Católicas, que decorreu em Lisboa no passado dia 25 de novembro.
Nos
trabalhos, Dom Nuno Brás, vogal da Comissão Episcopal da Educação Cristã e
Doutrina da Fé, disse que a presença da Igreja Católica no meio educativo “não
pode ser um gueto”, mas uma proposta “aberta a todos”. Este bispo auxiliar de
Lisboa considerou que o ensino católico terá futuro enquanto proposta
“acessível a todos” e, nesse sentido, “o Estado deve garantir a liberdade do
ensino” e não a limitar impondo a toda a nação o uso de manuais escolhidos ou
de pedagogias nunca neutras”. Concordo em absoluto.
O presidente
da APEC (Associação
das Escolas Católicas), Padre
Querubim Silva, sustentou a urgência de acabar com o impasse à volta da questão
dos contratos de associação com o Estado, pois, em causa estão muitas escolas
que correm o risco de fechar. Porfia que estão abertos ao diálogo, e aquilo que
mais os preocupa é encontrarem uma parede, um muro de betão ciclópico e a nega
permanente ao diálogo”. Se é um muro de betão ciclópico é fácil de abater!
De acordo
com Jorge Cotovio, secretário-geral da APEC, várias escolas deste setor tiveram
de fechar e mais seguirão se não for possível chegar a um entendimento com o
Estado. E admitiu:
“Com as
restrições às escolas com contrato de associação, as poucas que tinham ensino
gratuito cerca de 27 escolas, estão a ser condicionadas. Já fecharam nos dois
últimos anos quatro instituições, algumas de grandes dimensões”.
Não sei se,
num Estado de necessidade, não se deve exigir preferencialmente ao Estado que
cumpra as suas obrigações com as escolas públicas e as escolas católicas assumirem
uma via parecida com a das verdadeiras universidades católicas em organização e
financiamento, mostrando pelos princípios, currículo e projetos que vale a pena
ser escola, escola católica e escola católica em Portugal.
2017.12.01 – Louro de Carvalho
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