Bagão
Félix, que foi Ministro da Segurança Social no Governo de Durão Barroso e Ministro
das Finanças no Governo de Santana Lopes, mostra-se
preocupado com o silêncio em torno da possível entrada da Santa Casa da Misericórdia
de Lisboa (SCML) no Montepio Geral.
Na verdade, é de perguntar pela massa crítica
dos que se preocupam com a economia social e pela afetação dos dinheiros dos contribuintes
e dos benfeitores das causas sociais, quando a ligação entre a SCML e o Montepio pode redundar num
investimento, que pode muito bem ser pseudoinvestimento, até aos 200 milhões de euros. À TSF, o economista e ex-Ministro avisa que a
operação pode ser “ruinosa”. Diz ele:
“A operação,
aliás, revela-se aparentemente e potencialmente ruinosa,
porque estamos em primeiro lugar a falar de 200 milhões de euros, não é uma
minudência na vida da Misericórdia de Lisboa”.
Trata-se de um valor que se calcula corresponder a cerca de um terço do que
podem ser considerados capitais próprios da instituição e significa para o
comentador “uma concentração de risco muito elevada, brutal e
desaconselhável”.
O economista estranha desde logo o silêncio do Presidente
da República. A seguir, aponta o silêncio dos “partidos à esquerda, que em
situações de tentativa de resolução ou de soluções bancárias sempre se pronunciaram”
e que “agora nada dizem”. E os partidos à direita “estão numa situação de
indiferença de todo inexplicável”. O Governo, que tomou a iniciativa de avançar
com a sugestão, vem agora assumir “um pouco a posição de Pôncio Pilatos, ou
seja, de ausência tática deixando o tempo passar”. O tema “está dormente,
poucas pessoas falam sobre isto e ele torna-se portanto irreversível”.
Segundo o comentador economista, a SCML “de Santa já não tinha muito,
mas agora de Misericórdia passou a banqueira, ou passará, se a operação
se concretizar”. E ajuíza que, se a operação fosse atrativa, já teriam surgido “vários
candidatos”. Além da operação ser “potencialmente ruinosa”, a SCML “ficará com 10% do capital” do banco, ou seja”, “em tese, o valor
total do banco corresponderia a dois mil milhões de euros, coisa que
evidentemente não é verdade”, pois, como é sabido a avaliação resulta do
martelamento das contas.
Há uns dias, pegando nos estatutos da SCML, eu concluía que a participação da
instituição no capital dum banco não se enquadra nos fins estatutários da Santa
Casa nem constituía um dos meios previstos para atingir os preditos fins. Agora,
Bagão Félix, que sabe muito mais disto do que eu, vai mais longe ao dizer que
se trata de uma fatia “caríssima” para criar um banco social. E, frisando não saber “o que é um banco social” (um
banco é para comprar e vender dinheiro), entende que o negócio viola vários princípios,
desde logo o estatutário da Misericórdia de Lisboa, “cuja essência é a
realização do bem-estar social das pessoas, prioritariamente dos mais
desprotegidos”, mas também o “da própria probidade institucional”, o “do
equilíbrio estrutural financeiro da Misericórdia” e o “da sua própria matriz
cristã que está nos estatutos”. E sublinha que dar à banca “em desfavor dos
necessitados” “não é nenhuma tradição cristã”.
Interrogando-se se já “não há pobreza” em Lisboa, confessa-se “bastante desconfortável como cidadão” e “como contribuinte,
porque a fatura mais tarde ou mais cedo vai acontecer”. E adianta que a
Santa Casa tem o monopólio de jogos sociais e aqueles “200 milhões” a aplicar
no capital do banco resultam de uma aplicação de um monopólio por força legal,
não propriamente da atividade da SCML.
***
Bagão Félix, para lá do silêncio do Presidente
da República, que se pronuncia sobre tudo e mais alguma coisa, e do silêncio dos
partidos à esquerda e à direita, aponta a cumplicidade sorrateira do Governo
que parece fazer de Pilatos. Mas não é bem assim.
O Governo pediu a Santana Lopes a participação
da Santa Casa no Montepio. E Vieira da Silva não desmente o pedido, mas desmente
qualquer pressão, o que é típico de Vieira da Silva nos últimos tempos. Primeiro,
não sabe de nada; depois, sabe, mas não foi como dizem.
O candidato à liderança do PSD confirma que o
Governo e o Banco de Portugal “viam com bons olhos” a entrada da Santa Casa da
Misericórdia no capital do Montepio Geral.
Pedro Santana Lopes veio, no dia 19, em comunicado enviado às
redações citado pelo Observador,
confirmar que a SCML recebeu um pedido do Governo e do Banco de Portugal (BdP) para entrar no capital do Montepio Geral, e esclarecer
que pediu, enquanto provedor, uma auditoria. Mas o Ministro Vieira da Silva
desmente que o Executivo tenha feito qualquer pressão sobre Santana Lopes.
O militante e candidato à liderança do PSD corrobora assim a informação
dada por José Miguel Júdice no seu comentário na TVI e num artigo de opinião publicado no ECO, de que Pedro Santana Lopes, enquanto provedor, foi alvo de
pressões para a Santa Casa entrar no Montepio Geral. No entanto, Santana Lopes
não acusa a “pressão” que José Miguel Júdice referiu.
Santana Lopes escreveu no comunicado que “as duas entidades”, Governo e o BdP, “assumiram ver com bons olhos essa possibilidade, tendo declarado
sempre que respeitavam a esfera da autonomia da SCML [Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa]” e pediram que fosse feita a entrada de
capital. Santana Lopes, em vez de dizer imediatamente que sim, pediu uma
auditoria.
O ex-provedor da Santa Casa não confirma diretamente, assim, o escrito por
José Miguel Júdice, que descrevia uma pressão irrecusável. Este escreveu:
“De uma forma muito correta e cordial,
Santana Lopes telefonou-me e autorizou-me a relatar aqui do que ele me disse – afinal
não queria ser banqueiro – e se o escândalo me parecia grave, agora acho que é
mesmo gravíssimo”.
E continuou explicando:
“Em resumo, disse-me: há um ano, o Governo e
o Banco de Portugal pressionaram para que a SCML entrasse no capital do Montepio
e Santana Lopes achou que era muito difícil de resistir. Este é o primeiro escândalo que se intuía, mas
agora se confirmou. O Governo e o BdP [Banco de Portugal] intrometem-se no que
deveria ser a gestão autónoma da SCML.[…]. Santana Lopes não queria concordar,
mas não achava que pudesse recusar sem mais conversas.”.
Santana Lopes
optou por pedir uma auditoria, precisamente, por não se sentir capaz de dizer
que não às pressões vindas das instituições. Obviamente que ECO não iria obter do BdP ou do Governo,
tanto do gabinete do Primeiro-Ministro como do gabinete do Ministério do
Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social qualquer resposta às afirmações
de José Miguel Júdice. Fonte oficial da candidatura de Santana Lopes à
liderança do PSD disse o esperado: que o candidato não se pronunciaria agora
sobre o tema.
Entretanto, no final da reunião da Concertação Social, Vieira da Silva, confrontado com as declarações de José
Miguel Júdice, garantiu aos jornalistas: “Não fiz pressão sobre ninguém”. Questionado se a
pressão poderia ter vindo do Executivo, o Ministro do Trabalho assegurou também
que “o Governo não fez pressão
sobre ninguém”.
Mas, afinal, Vieira da Silva quer enganar quem? O lugar
de provedor da SCML é de nomeação governamental e precisamente do Ministro Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da
Segurança Social. É óbvio que se Santana recusasse liminarmente a operação ou o
estudo da sua viabilização, o lugar de provedor estaria a prazo. Por isso, José Miguel Júdice, que nestas
coisas não é inocente ou ingénuo, denunciou – e bem – no seu espaço de comentário,
no Jornal das 8 da TVI, a “pressão”
do Governo e do Banco de Portugal para a entrada da SCML no Montepio e revelou
as condições impostas por Santana Lopes quando era provedor.
Evocando
a plástica expressão “Uma mão lava a
outra”, que há dias José Manuel Fernandes usou, referiu que agora o que lhe
interessava era que um escândalo encobria outros.
Assegurando
que, há um ano que ataca “a hipótese de a SCML enterrar dinheiro dos pobres em
bancos para ricos”, na semana passada, alertou para o escândalo de se prever
que no primeiro trimestre a SCML enterre 200 milhões de euros, e também disse
que isto começou com Santana Lopes a querer ser banqueiro. Depois, assegurou
que Santana Lopes não queria concordar e que não queria ser banqueiro, mas não
achava que pudesse recusar sem mais conversas. Por isso, definiu uma estratégia
em quatro pontos:
Colocou como condição uma que achava impossível de
concretizar: que o sistema de Misericórdias, que, ao invés da SCML, não é do
Estado, entrasse também no capital. E Manuel Lemos, presidente da União das
Misericórdias, numa entrevista, não pôs de lado tal hipótese.
Para o caso de a condição exigida se concretizar,
estabeleceu um limite máximo de entrada em 60 milhões de euros, metade
financiado e metade com capitais próprios – isso era cerca de 10% do ativo líquido
da Santa Casa e, por isso, gerível, mas era muito menos do que quem manda na
SCML (o
Governo) queria.
Exigiu que fosse feito um estudo independente e
competente para determinar quanto vale o Montepio – e achava que 60 milhões provavelmente
dariam direito a muito mais de 10% do capital, o que podia levar ao abandono da
operação.
Encarregou de tratar de tudo o vice-provedor, (o
agora Provedor), resguardando-se
com isso e podendo sempre no final dizer que não.
Durante meses, ninguém lhe apareceu com nenhum
estudo – e este é mais um escândalo, em que o BdP fica mal na foto (mas isso já
nem é novidade) e o novo Provedor também.
Salta Santana Lopes resolve ir para a luta pela
liderança do PSD e rapidamente 200 milhões de euros (33%
do ativo líquido da SCML)
podem ser enterrados, parece que sem estudos e avaliando o Montepio como se
fosse igual ao BPI.
Júdice acha que este é um escândalo a encobrir outros.
E fala de “Raríssimas” e da família socialista no Governo. Ao primeiro, já fiz
referências; o segundo fica para outra ocasião, sem deixar para já vincado que
os sucessivos Governos têm, por norma inquestionada, sido formados por amigos e
familiares. Mas este parece ter ultrapassado as marcas!
António Costa acaba de dizer que a auditoria não
está concluída e que não há decisão tomada. Espero que não seja este um ponto de
diversão para a tomar, como sucedeu várias vezes.
José
Miguel Júdice acredita que o Presidente da República é uma pessoa sensata, mas
não sabe se pode evitar o negócio porque não é o primeiro-ministro. Aí,
discordo, pois Marcelo tem usado e abusado da sua magistratura de influência,
tornando-a magistratura de interferência e já condicionou o Governo em vários
domínios, incluindo o da banca. Porque não o faz neste caso? É a SCML e os seus
beneficiários que estão em risco e o produto e suor dos cidadãos.
2017.12.20 – Louro de
Carvalho
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