quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Ainda é possível travar a entrada da SCML no Montepio Geral

Bagão Félix, que foi Ministro da Segurança Social no Governo de Durão Barroso e Ministro das Finanças no Governo de Santana Lopes, mostra-se preocupado com o silêncio em torno da possível entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) no Montepio Geral.
Na verdade, é de perguntar pela massa crítica dos que se preocupam com a economia social e pela afetação dos dinheiros dos contribuintes e dos benfeitores das causas sociais, quando a ligação entre a SCML e o Montepio pode redundar num investimento, que pode muito bem ser pseudoinvestimento, até aos 200 milhões de euros. À TSF, o economista e ex-Ministro avisa que a operação pode ser “ruinosa”. Diz ele:
A operação, aliás, revela-se aparentemente e potencialmente ruinosa, porque estamos em primeiro lugar a falar de 200 milhões de euros, não é uma minudência na vida da Misericórdia de Lisboa”.
Trata-se de um valor que se calcula corresponder a cerca de um terço do que podem ser considerados capitais próprios da instituição e significa para o comentador “uma concentração de risco muito elevada, brutal e desaconselhável”.
O economista estranha desde logo o silêncio do Presidente da República. A seguir, aponta o silêncio dos “partidos à esquerda, que em situações de tentativa de resolução ou de soluções bancárias sempre se pronunciaram” e que “agora nada dizem”. E os partidos à direita “estão numa situação de indiferença de todo inexplicável”. O Governo, que tomou a iniciativa de avançar com a sugestão, vem agora assumir “um pouco a posição de Pôncio Pilatos, ou seja, de ausência tática deixando o tempo passar”. O tema “está dormente, poucas pessoas falam sobre isto e ele torna-se portanto irreversível”.
Segundo o comentador economista, a SCML “de Santa já não tinha muito, mas agora de Misericórdia passou a banqueira, ou passará, se a operação se concretizar”. E ajuíza que, se a operação fosse atrativa, já teriam surgido “vários candidatos”. Além da operação ser “potencialmente ruinosa”, a SCML “ficará com 10% do capital” do banco, ou seja”, “em tese, o valor total do banco corresponderia a dois mil milhões de euros, coisa que evidentemente não é verdade”, pois, como é sabido a avaliação resulta do martelamento das contas.
Há uns dias, pegando nos estatutos da SCML, eu concluía que a participação da instituição no capital dum banco não se enquadra nos fins estatutários da Santa Casa nem constituía um dos meios previstos para atingir os preditos fins. Agora, Bagão Félix, que sabe muito mais disto do que eu, vai mais longe ao dizer que se trata de uma fatia “caríssima” para criar um banco social. E, frisando não saber “o que é um banco social” (um banco é para comprar e vender dinheiro), entende que o negócio viola vários princípios, desde logo o estatutário da Misericórdia de Lisboa, “cuja essência é a realização do bem-estar social das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos”, mas também o “da própria probidade institucional”, o “do equilíbrio estrutural financeiro da Misericórdia” e o “da sua própria matriz cristã que está nos estatutos”. E sublinha que dar à banca “em desfavor dos necessitados” “não é nenhuma tradição cristã”.
Interrogando-se se já “não há pobreza” em Lisboa, confessa-se “bastante desconfortável como cidadão” e “como contribuinte, porque a fatura mais tarde ou mais cedo vai acontecer”. E adianta que a Santa Casa tem o monopólio de jogos sociais e aqueles “200 milhões” a aplicar no capital do banco resultam de uma aplicação de um monopólio por força legal, não propriamente da atividade da SCML.
***
Bagão Félix, para lá do silêncio do Presidente da República, que se pronuncia sobre tudo e mais alguma coisa, e do silêncio dos partidos à esquerda e à direita, aponta a cumplicidade sorrateira do Governo que parece fazer de Pilatos. Mas não é bem assim.
O Governo pediu a Santana Lopes a participação da Santa Casa no Montepio. E Vieira da Silva não desmente o pedido, mas desmente qualquer pressão, o que é típico de Vieira da Silva nos últimos tempos. Primeiro, não sabe de nada; depois, sabe, mas não foi como dizem.
O candidato à liderança do PSD confirma que o Governo e o Banco de Portugal “viam com bons olhos” a entrada da Santa Casa da Misericórdia no capital do Montepio Geral.
Pedro Santana Lopes veio, no dia 19, em comunicado enviado às redações citado pelo Observador, confirmar que a SCML recebeu um pedido do Governo e do Banco de Portugal (BdP) para entrar no capital do Montepio Geral, e esclarecer que pediu, enquanto provedor, uma auditoria. Mas o Ministro Vieira da Silva desmente que o Executivo tenha feito qualquer pressão sobre Santana Lopes.
O militante e candidato à liderança do PSD corrobora assim a informação dada por José Miguel Júdice no seu comentário na TVI e num artigo de opinião publicado no ECO, de que Pedro Santana Lopes, enquanto provedor, foi alvo de pressões para a Santa Casa entrar no Montepio Geral. No entanto, Santana Lopes não acusa a “pressão” que José Miguel Júdice referiu.
Santana Lopes escreveu no comunicado que “as duas entidades”, Governo e o BdP, “assumiram ver com bons olhos essa possibilidade, tendo declarado sempre que respeitavam a esfera da autonomia da SCML [Santa Casa da Misericórdia de Lisboa]” e pediram que fosse feita a entrada de capital. Santana Lopes, em vez de dizer imediatamente que sim, pediu uma auditoria.
O ex-provedor da Santa Casa não confirma diretamente, assim, o escrito por José Miguel Júdice, que descrevia uma pressão irrecusável. Este escreveu:
De uma forma muito correta e cordial, Santana Lopes telefonou-me e autorizou-me a relatar aqui do que ele me disse – afinal não queria ser banqueiro – e se o escândalo me parecia grave, agora acho que é mesmo gravíssimo”.
E continuou explicando:
Em resumo, disse-me: há um ano, o Governo e o Banco de Portugal pressionaram para que a SCML entrasse no capital do Montepio e Santana Lopes achou que era muito difícil de resistir. Este é o primeiro escândalo que se intuía, mas agora se confirmou. O Governo e o BdP [Banco de Portugal] intrometem-se no que deveria ser a gestão autónoma da SCML.[…]. Santana Lopes não queria concordar, mas não achava que pudesse recusar sem mais conversas.”.
Santana Lopes optou por pedir uma auditoria, precisamente, por não se sentir capaz de dizer que não às pressões vindas das instituições. Obviamente que ECO não iria obter do BdP ou do Governo, tanto do gabinete do Primeiro-Ministro como do gabinete do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social qualquer resposta às afirmações de José Miguel Júdice. Fonte oficial da candidatura de Santana Lopes à liderança do PSD disse o esperado: que o candidato não se pronunciaria agora sobre o tema.
Entretanto, no final da reunião da Concertação Social, Vieira da Silva, confrontado com as declarações de José Miguel Júdice, garantiu aos jornalistas: Não fiz pressão sobre ninguém”. Questionado se a pressão poderia ter vindo do Executivo, o Ministro do Trabalho assegurou também que o Governo não fez pressão sobre ninguém”.
Mas, afinal, Vieira da Silva quer enganar quem? O lugar de provedor da SCML é de nomeação governamental e precisamente do Ministro Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social. É óbvio que se Santana recusasse liminarmente a operação ou o estudo da sua viabilização, o lugar de provedor estaria a prazo. Por isso, José Miguel Júdice, que nestas coisas não é inocente ou ingénuo, denunciou – e bem – no seu espaço de comentário, no Jornal das 8 da TVI, a “pressão” do Governo e do Banco de Portugal para a entrada da SCML no Montepio e revelou as condições impostas por Santana Lopes quando era provedor.
Evocando a plástica expressão “Uma mão lava a outra”, que há dias José Manuel Fernandes usou, referiu que agora o que lhe interessava era que um escândalo encobria outros.
Assegurando que, há um ano que ataca “a hipótese de a SCML enterrar dinheiro dos pobres em bancos para ricos”, na semana passada, alertou para o escândalo de se prever que no primeiro trimestre a SCML enterre 200 milhões de euros, e também disse que isto começou com Santana Lopes a querer ser banqueiro. Depois, assegurou que Santana Lopes não queria concordar e que não queria ser banqueiro, mas não achava que pudesse recusar sem mais conversas. Por isso, definiu uma estratégia em quatro pontos:
Colocou como condição uma que achava impossível de concretizar: que o sistema de Misericórdias, que, ao invés da SCML, não é do Estado, entrasse também no capital. E Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias, numa entrevista, não pôs de lado tal hipótese.
Para o caso de a condição exigida se concretizar, estabeleceu um limite máximo de entrada em 60 milhões de euros, metade financiado e metade com capitais próprios – isso era cerca de 10% do ativo líquido da Santa Casa e, por isso, gerível, mas era muito menos do que quem manda na SCML (o Governo) queria.
Exigiu que fosse feito um estudo independente e competente para determinar quanto vale o Montepio – e achava que 60 milhões provavelmente dariam direito a muito mais de 10% do capital, o que podia levar ao abandono da operação.
Encarregou de tratar de tudo o vice-provedor, (o agora Provedor), resguardando-se com isso e podendo sempre no final dizer que não.
Durante meses, ninguém lhe apareceu com nenhum estudo – e este é mais um escândalo, em que o BdP fica mal na foto (mas isso já nem é novidade) e o novo Provedor também.
Salta Santana Lopes resolve ir para a luta pela liderança do PSD e rapidamente 200 milhões de euros (33% do ativo líquido da SCML) podem ser enterrados, parece que sem estudos e avaliando o Montepio como se fosse igual ao BPI.
Júdice acha que este é um escândalo a encobrir outros. E fala de “Raríssimas” e da família socialista no Governo. Ao primeiro, já fiz referências; o segundo fica para outra ocasião, sem deixar para já vincado que os sucessivos Governos têm, por norma inquestionada, sido formados por amigos e familiares. Mas este parece ter ultrapassado as marcas!
António Costa acaba de dizer que a auditoria não está concluída e que não há decisão tomada. Espero que não seja este um ponto de diversão para a tomar, como sucedeu várias vezes.
José Miguel Júdice acredita que o Presidente da República é uma pessoa sensata, mas não sabe se pode evitar o negócio porque não é o primeiro-ministro. Aí, discordo, pois Marcelo tem usado e abusado da sua magistratura de influência, tornando-a magistratura de interferência e já condicionou o Governo em vários domínios, incluindo o da banca. Porque não o faz neste caso? É a SCML e os seus beneficiários que estão em risco e o produto e suor dos cidadãos.

2017.12.20 – Louro de Carvalho

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