O clamor
de José Miguel Júdice contra a operação da entrada da Santa Casa da Misericórdia
de Lisboa (SCML)
no capital do Montepio e o espanto de António Bagão Félix pelo silêncio dos partidos
à esquerda e à direita fizeram com que PSD e CDS saíssem a terreiro levantar a
voz.
No entanto,
fizeram-no, do meu ponto de vista da pior maneira. Em vez de se mostrarem contra
a operação de forma devidamente fundamentada e esgrimindo argumentos de princípio,
prenderam-se com a falta de transparência, que é importante, mas não essencial,
as faltas de esclarecimento, que é necessário, eventuais interesses da família socialista
e questões sobre quem mandou o quê ou quem se opôs e que condições se terão
posto.
***
A líder do CDS é, na ausência de
mais esclarecimentos, “frontalmente contra” o negócio que diz ser “pouco
transparente”. E alerta para o que provavelmente estará a preparar a “grande
família socialista”, mais odiada que outras, não sei bem porquê.
Assunção Cristas tem dúvidas e António Costa não a esclarece, pois,
como diz, “as respostas são sempre vagas”.
Por outro lado, questiona o facto de “o dinheiro dedicado às pessoas mais pobres ser alocado para um banco, quando a banca tem este histórico que acabámos por ver nos últimos anos”, reprovando a entrada da SCML no Montepio por não ter existido um estudo.
Por outro lado, questiona o facto de “o dinheiro dedicado às pessoas mais pobres ser alocado para um banco, quando a banca tem este histórico que acabámos por ver nos últimos anos”, reprovando a entrada da SCML no Montepio por não ter existido um estudo.
A meu
ver, é necessário insistir na iniquidade da operação por constituir um esbanjamento
do dinheiro de muitos destinado aos mais carenciados, que a SCML tem de atender.
Para isso é que ela existe no quadro da sua matriz cristã, muito embora
tutelada por um Governo dum Estado laico e aconfessional, mas que não pode
desvirtuar os fins estatutários da instituição, sob pena de trair o povo que
diz servir. E não é um estudo – bem sabemos o que valem os estudos no país –
que valida a bondade da operação, ainda que o histórico da banca neste momento
seja um fator de agravamento do risco e da iniquidade da operação.
Todavia,
Assunção Cristas tem razão ao questionar: “Dizem-nos
que o Montepio está muito bem, que não precisa de dinheiro nenhum. Então porquê
pôr lá a Santa Casa?”.
***
Hoje,
dia 21, o PSD e o CDS vêm exigir ao
Governo esclarecimentos sobre a operação Santa Casa/Montepio, pedindo ainda uma
audição do Provedor e de Vieira da Silva e enviando dez perguntas enviadas a
António Costa.
Os socialdemocratas exigem que todo o esclarecimento
sobre a possível entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no Montepio
seja prestado ao Parlamento já no início do ano e que nenhuma operação avance até lá.
“No debate quinzenal de ontem, as dúvidas e preocupações agravaram-se”,
segundo o vice-presidente da bancada do PSD Leitão Amaro. O socialdemocrata
recordou uma entrevista recente de Edmundo Martinho em que este afirmou que já
havia uma decisão e precisava até o valor a investir pela Santa Casa no Montepio, 200 milhões de euros.
Porém, segundo o deputado do PSD, “o Primeiro-Ministro fugiu às perguntas”,
parecendo até “entrar em contradição com o Provedor”. E o deputado considerou
“questionável” que o património da Santa Casa, que tem por missão apoiar os
mais necessitados, seja injetado numa instituição financeira. Por essa razão, o PSD exige que, já no início do próximo ano, “o Parlamento
seja plenamente esclarecido se há ou não decisão, se há ou não uma auditoria” a
decorrer.
Por outro lado, exige ao Governo que não haja qualquer concretização
de uma operação entre a Santa Casa e o Montepio Geral até esses
esclarecimentos serem dados, pois, segundo declarou, “não pode haver nenhuma
decisão de execução, nenhuma concretização enquanto os esclarecimentos e
avaliação não sejam [forem] plenamente
realizados”. E, caso estes esclarecimentos não sejam prestados logo na abertura
dos trabalhos parlamentares, o PSD admite utilizar outros
instrumentos regimentais, como perguntas escritas ou pedidos de audição.
Por seu turno, o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, em conferência de imprensa na Assembleia da República, lamentou
que o Primeiro-Ministro não tenha respondido, em diversas ocasiões, às
perguntas da líder do partido sobre esta matéria. Afirmou que entendiam que “este assunto não pode ser alvo de notícias e contra
notícias” e que o país tem de saber a verdade. E considerou que esta
eventual operação é “matéria de relevante interesse nacional” pelo “papel
do Montepio no sistema bancário” e pelas “especificidades das funções da Santa
Casa”.
O CDS pretende ouvir “com caráter de urgência” no Parlamento o
Ministro Vieira da Silva e o atual provedor da Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa, Edmundo Martinho. Nas questões dirigidas a Costa, o CDS quer saber se a Santa Casa vai ou não entrar no capital do
Montepio e com que valor; a que parte do capital do Montepio corresponde
tal valor; onde está o estudo de avaliação desta operação e quem o mandou
fazer.
Os democratas-cristãos perguntam ainda “quem teve a ideia original do
negócio”, já que são contraditórias as afirmações sobre este ponto entre
o Primeiro-Ministro e o ex-provedor e candidato à liderança do PSD, Pedro Santana
Lopes. Ou seja, há uma questão importante de fundo na conjuntura: o CDS
questiona se “o Governo deu ou não indicações ao anterior Provedor para fazer
esta operação” e se “houve ou não condições impostas”, assim como questiona que
investimentos da Santa Casa deixarão de ser feitos se este negócio avançar.
Mais: o CDS-PP quer saber porque se colocou esta questão, se o Montepio não precisa de capital, e se o Primeiro-Ministro
entende que “é um bom negócio” para a Santa Casa.
Sam questões que o CDS quer ver respondidas em 30
dias.
Questionado se o CDS-PP é ou não contra esta operação, Nuno Magalhães
respondeu que o partido “tem uma posição de princípio
contrária”, mas quer ouvir as motivações para a operação e
em que condições estaria a ser preparada esta entrada de capital da Santa Casa
no Montepio Geral.
Quer dizer, a questão, para os partidos é política e de conjuntura: se os
estudos apontarem para a falta de risco ou para lucros, estará tudo bem – o que
não e de todo aceitável, pois são os princípios que devem nortear as ações e
não os interesses.
Também o PSD exigiu, perante os jornalistas, que o Governo esclareça
cabalmente este assunto, dando um prazo ao executivo para que o
faça já no início do próximo ano.
Mais audaz este partido no prazo, o principio do ano, quando
o CDS dá um prazo de 30 dias!
***
Entretanto, apesar de Júdice entender que
Marcelo Rebelo de Sousa pouco poderá fazer porque não é Primeiro-Ministro e
Bagão Félix ter estranhado também o silêncio presidencial, o Presidente já
falou. E o que disse pode ser reduzido a dois nadas.
O comentário de Marcelo sobre Montepio é: “não
há problema”, não há comentário.
Relativamente à operação da entrada da Santa Casa
no Montepio, Marcelo Rebelo de Sousa defende que o Presidente da República não
tem de intervir sobre “uma realidade que não existe”. Ou seja, justificou a falta de comentários com a ausência de
qualquer decisão problemática ou estudo sobre a matéria.
Não há estudo? E não há uma pré-decisão já quantificada? Pode o Presidente
lavar as mãos nesta matéria, o que não faz em muitas outras?
***
Estando os partidos com um discurso mole e disperso, é bom que se levantem
os especialistas da sociedade civil e das Igrejas contra a iniquidade da entrada
da SCML e eventualmente das Misericórdias Portuguesas no capital de um banco,
mesmo que ele esteja de boa saúde e diga que está na economia social. Os recursos
a alocar aos carenciados não se investem no capital, ainda apor cima num
capital de risco.
Continuo a insistir nesta tecla por dever de consciência e de lealdade a
quem tinha visão semelhante nesta matéria.
Não é
lícito à SCML dar prenda de Natal irreversível ao Montepio ou um presente de
Ano Novo. O Banco tem de saber angariar recursos e fazer por si boa governança.
Não pode necessitar de recorrer a acionistas não voluntários, nem estar à espera
de prendas ou a exigi-las.
2017.12.21 –
Louro de Carvalho
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