quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Não é lícito à SCML dar prenda de Natal irreversível ao Montepio

O clamor de José Miguel Júdice contra a operação da entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) no capital do Montepio e o espanto de António Bagão Félix pelo silêncio dos partidos à esquerda e à direita fizeram com que PSD e CDS saíssem a terreiro levantar a voz.
No entanto, fizeram-no, do meu ponto de vista da pior maneira. Em vez de se mostrarem contra a operação de forma devidamente fundamentada e esgrimindo argumentos de princípio, prenderam-se com a falta de transparência, que é importante, mas não essencial, as faltas de esclarecimento, que é necessário, eventuais interesses da família socialista e questões sobre quem mandou o quê ou quem se opôs e que condições se terão posto.
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A líder do CDS é, na ausência de mais esclarecimentos, “frontalmente contra” o negócio que diz ser “pouco transparente”. E alerta para o que provavelmente estará a preparar a “grande família socialista”, mais odiada que outras, não sei bem porquê.
Assunção Cristas tem dúvidas e António Costa não a esclarece, pois, como diz, “as respostas são sempre vagas”. 
Por outro lado, questiona o facto de “o dinheiro dedicado às pessoas mais pobres ser alocado para um banco, quando a banca tem este histórico que acabámos por ver nos últimos anos”, reprovando a entrada da SCML no Montepio por não ter existido um estudo.
A meu ver, é necessário insistir na iniquidade da operação por constituir um esbanjamento do dinheiro de muitos destinado aos mais carenciados, que a SCML tem de atender. Para isso é que ela existe no quadro da sua matriz cristã, muito embora tutelada por um Governo dum Estado laico e aconfessional, mas que não pode desvirtuar os fins estatutários da instituição, sob pena de trair o povo que diz servir. E não é um estudo – bem sabemos o que valem os estudos no país – que valida a bondade da operação, ainda que o histórico da banca neste momento seja um fator de agravamento do risco e da iniquidade da operação.
Todavia, Assunção Cristas tem razão ao questionar: “Dizem-nos que o Montepio está muito bem, que não precisa de dinheiro nenhum. Então porquê pôr lá a Santa Casa?.
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Hoje, dia 21, o PSD e o CDS vêm exigir ao Governo esclarecimentos sobre a operação Santa Casa/Montepio, pedindo ainda uma audição do Provedor e de Vieira da Silva e enviando dez perguntas enviadas a António Costa.
Os socialdemocratas exigem que todo o esclarecimento sobre a possível entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa no Montepio seja prestado ao Parlamento já no início do ano e que nenhuma operação avance até lá.
“No debate quinzenal de ontem, as dúvidas e preocupações agravaram-se”, segundo o vice-presidente da bancada do PSD Leitão Amaro. O socialdemocrata recordou uma entrevista recente de Edmundo Martinho em que este afirmou que já havia uma decisão e precisava até o valor a investir pela Santa Casa no Montepio, 200 milhões de euros.
Porém, segundo o deputado do PSD, “o Primeiro-Ministro fugiu às perguntas”, parecendo até “entrar em contradição com o Provedor”. E o deputado considerou “questionável” que o património da Santa Casa, que tem por missão apoiar os mais necessitados, seja injetado numa instituição financeira. Por essa razão, o PSD exige que, já no início do próximo ano, “o Parlamento seja plenamente esclarecido se há ou não decisão, se há ou não uma auditoria” a decorrer.
Por outro lado, exige ao Governo que não haja qualquer concretização de uma operação entre a Santa Casa e o Montepio Geral até esses esclarecimentos serem dados, pois, segundo declarou, “não pode haver nenhuma decisão de execução, nenhuma concretização enquanto os esclarecimentos e avaliação não sejam [forem] plenamente realizados”. E, caso estes esclarecimentos não sejam prestados logo na abertura dos trabalhos parlamentares, o PSD admite utilizar outros instrumentos regimentais, como perguntas escritas ou pedidos de audição.
Por seu turno, o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, em conferência de imprensa na Assembleia da República, lamentou que o Primeiro-Ministro não tenha respondido, em diversas ocasiões, às perguntas da líder do partido sobre esta matéria. Afirmou que entendiam que “este assunto não pode ser alvo de notícias e contra notícias” e que o país tem de saber a verdade. E considerou que esta eventual operação é “matéria de relevante interesse nacional” pelo “papel do Montepio no sistema bancário” e pelas “especificidades das funções da Santa Casa”.
O CDS pretende ouvir “com caráter de urgência” no Parlamento o Ministro Vieira da Silva e o atual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho. Nas questões dirigidas a Costa, o CDS quer saber se a Santa Casa vai ou não entrar no capital do Montepio e com que valor; a que parte do capital do Montepio corresponde tal valor; onde está o estudo de avaliação desta operação e quem o mandou fazer.
Os democratas-cristãos perguntam ainda “quem teve a ideia original do negócio”, já que são contraditórias as afirmações sobre este ponto entre o Primeiro-Ministro e o ex-provedor e candidato à liderança do PSD, Pedro Santana Lopes. Ou seja, há uma questão importante de fundo na conjuntura: o CDS questiona se “o Governo deu ou não indicações ao anterior Provedor para fazer esta operação” e se “houve ou não condições impostas”, assim como questiona que investimentos da Santa Casa deixarão de ser feitos se este negócio avançar.
Mais: o CDS-PP quer saber porque se colocou esta questão, se o Montepio não precisa de capital, e se o Primeiro-Ministro entende que “é um bom negócio” para a Santa Casa.
Sam questões que o CDS quer ver respondidas em 30 dias.
Questionado se o CDS-PP é ou não contra esta operação, Nuno Magalhães respondeu que o partido “tem uma posição de princípio contrária”, mas quer ouvir as motivações para a operação e em que condições estaria a ser preparada esta entrada de capital da Santa Casa no Montepio Geral.
Quer dizer, a questão, para os partidos é política e de conjuntura: se os estudos apontarem para a falta de risco ou para lucros, estará tudo bem – o que não e de todo aceitável, pois são os princípios que devem nortear as ações e não os interesses.
Também o PSD exigiu, perante os jornalistas, que o Governo esclareça cabalmente este assunto, dando um prazo ao executivo para que o faça já no início do próximo ano.
Mais audaz este partido no prazo, o principio do ano, quando o CDS dá um prazo de 30 dias!
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Entretanto, apesar de Júdice entender que Marcelo Rebelo de Sousa pouco poderá fazer porque não é Primeiro-Ministro e Bagão Félix ter estranhado também o silêncio presidencial, o Presidente já falou. E o que disse pode ser reduzido a dois nadas.
O comentário de Marcelo sobre Montepio é: “não há problema”, não há comentário.
Relativamente à operação da entrada da Santa Casa no Montepio, Marcelo Rebelo de Sousa defende que o Presidente da República não tem de intervir sobre “uma realidade que não existe”. Ou seja, justificou a falta de comentários com a ausência de qualquer decisão problemática ou estudo sobre a matéria.
Não há estudo? E não há uma pré-decisão já quantificada? Pode o Presidente lavar as mãos nesta matéria, o que não faz em muitas outras?
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Estando os partidos com um discurso mole e disperso, é bom que se levantem os especialistas da sociedade civil e das Igrejas contra a iniquidade da entrada da SCML e eventualmente das Misericórdias Portuguesas no capital de um banco, mesmo que ele esteja de boa saúde e diga que está na economia social. Os recursos a alocar aos carenciados não se investem no capital, ainda apor cima num capital de risco.
Continuo a insistir nesta tecla por dever de consciência e de lealdade a quem tinha visão semelhante nesta matéria.
Não é lícito à SCML dar prenda de Natal irreversível ao Montepio ou um presente de Ano Novo. O Banco tem de saber angariar recursos e fazer por si boa governança. Não pode necessitar de recorrer a acionistas não voluntários, nem estar à espera de prendas ou a exigi-las.

2017.12.21 – Louro de Carvalho

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