sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Sobre a presença pastoral de Francisco no Bangladesh

Como prometia na videomensagem prévia à visita, o Papa foi ao Bangladesh “como ministro do Evangelho de Jesus Cristo, para proclamar a sua mensagem de reconciliação, perdão e paz” – o que passava por “confirmar a comunidade católica do Bangladesh na sua fé e no seu testemunho do Evangelho, que ensina a dignidade de cada homem e mulher e nos chama a abrir o coração ao próximo, particularmente aos mais pobres e necessitados”. Mas também desejou encontrar-se “com todo o povo” e, em especial, “com os líderes religiosos em Ramna, num tempo “em que os crentes e os homens de boa vontade em toda a parte são chamados a promover a compreensão recíproca e o respeito, a ajudar-se uns aos outros como membros da única família humana”.
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No encontro com as Autoridades, Sociedade Civil e Corpo Diplomático, disse seguir as pegadas de Paulo VI e João Paulo II “para rezar” com os irmãos e irmãs católicos e “oferecer-lhes uma mensagem de estima e encorajamento”, referindo que “o Bangladesh é um Estado jovem e, todavia, ocupou sempre um lugar especial no coração dos Papas, que desde o princípio expressaram solidariedade ao seu povo, procurando acompanhá-lo na superação das dificuldades iniciais e apoiando-o na tarefa exigente da construção da nação e do seu desenvolvimento”.
Tendo-lhe sido dito que o Bangladesh “é uma nação interligada por uma vasta rede fluvial e por vias navegáveis, grandes e pequenas”, afirmou que “esta beleza natural é emblemática” da sua particular identidade como povo: “uma nação que se esforça por alcançar uma unidade de linguagem e cultura com o respeito pelas diferentes tradições e comunidades, que fluem como inúmeros ribeiros vindo enriquecer o grande curso da vida política e social do país”.
Não podendo ninguém “sobreviver e progredir no isolamento”, “precisamos uns dos outros e estamos dependentes uns dos outros” como “membros da única família humana”. A este respeito, enalteceu o papel do Presidente:
O Presidente Sheikh Mujibur Rahma compreendeu e procurou incorporar este princípio na Constituição Nacional. Imaginou uma sociedade moderna, pluralista e inclusiva, onde cada pessoa e cada comunidade pudesse viver em liberdade, paz e segurança, respeitando a inata dignidade e igualdade de direitos de todos.”.
Assegurando que “o futuro desta jovem democracia e a saúde da sua vida política dependem essencialmente da fidelidade a esta visão fundadora”, enalteceu o papel do diálogo:
Só através dum diálogo sincero e do respeito pelas legítimas diversidades é que um povo pode reconciliar as divisões, superar perspetivas unilaterais e reconhecer a validade de pontos de vista divergentes. Uma vez que o diálogo autêntico aposta no futuro, ele constrói unidade ao serviço do bem comum e está atento às necessidades de todos os cidadãos, especialmente dos pobres, dos desfavorecidos e daqueles que não têm voz.”.
Depois, salientou a tangibilidade da generosidade solidária evidenciada recentemente – sinal caraterístico da sociedade do Bangladesh – no seu ímpeto humanitário em prol dos refugiados chegados em massa do Estado de Rakhine, “proporcionando-lhes abrigo temporário e provisões para as necessidades primárias da vida” – o que foi conseguido à custa de muito sacrifício e sob o olhar do mundo inteiro. E apelou a que “a comunidade internacional implemente medidas resolutivas face a esta grave crise, não só trabalhando por resolver as questões políticas que levaram à massiva deslocação de pessoas, mas também prestando imediata assistência material ao Bangladesh no seu esforço por responder eficazmente às urgentes carências humanas”.
Fez larga referência ao encontro que iria ter, no dia seguinte, com os Responsáveis ecuménicos e inter-religiosos, prometendo que, juntos, rezariam pela paz e reafirmariam o compromisso de trabalhar pela paz, num Bangladesh “conhecido pela harmonia que tradicionalmente existe entre os seguidores de várias religiões”. Com efeito, a atmosfera de respeito mútuo e clima crescente de diálogo inter-religioso “permitem aos crentes expressar livremente as suas convicções mais profundas sobre o significado e a finalidade da vida”, podendo, assim, “contribuir para promover os valores espirituais que são a base segura para uma sociedade justa e pacífica”. E, quando a religião é escandalosamente “usada para fomentar a divisão, revela-se ainda mais necessário um tal género de testemunho do seu poder de reconciliação e união”. Foi isto o que sucedeu de modo eloquente “na reação comum de indignação que se seguiu ao brutal ataque terrorista do ano passado” em Daca e “na mensagem clara enviada pelas autoridades religiosas da nação, segundo a qual o santíssimo nome de Deus não pode jamais ser invocado para justificar o ódio e a violência contra outros seres humanos, nossos semelhantes”.
Depois, vincou o papel do reduzido número dos católicos do país no desenvolvimento da nação, especialmente através das suas escolas, clínicas e dispensários:
A Igreja aprecia a liberdade – de que beneficia toda a nação – de praticar a sua fé e realizar as suas obras sócio- caritativas, incluindo a de oferecer aos jovens, que representam o futuro da sociedade, uma educação de qualidade e um exercício de sãos valores éticos e humanos. Nas suas escolas, a Igreja procura promover uma cultura do encontro, que tornará os alunos capazes de assumir as suas próprias responsabilidades na vida da sociedade. Com efeito, nestas escolas, a grande maioria dos estudantes e muitos dos professores não são cristãos, mas provêm de outras tradições religiosas. Tenho a certeza de que a Comunidade católica, de acordo com a letra e o espírito da Constituição Nacional, continuará a gozar da liberdade de levar por diante estas boas obras como expressão do seu empenho a favor do bem comum.”.
Por fim, assegurou as suas orações, para que os membros daquele auditório nas suas “nobres responsabilidades” sejam “inspirados pelos altos ideais de justiça e serviço” aos concidadãos.
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Antes do encontro com os Bispos de Bangladesh, dirigiu palavras de improviso à multidão reunida em frente da Catedral de Daca: “líderes cristãos, leigos que trabalhais na construção do Reino de Deus”. Veio-lhe à mente uma palavra que o apóstolo Paulo sentia dentro de si: “Ai de mim, se não evangelizar!”. Na verdade, o Evangelho vive-se como uma graça, um tesouro que se recebe gratuitamente. Assim, “devemos pedir ao Senhor que nos dê a graça de sentir o mesmo que Paulo: sentir aquele fogo, sentir no coração aquela ânsia de evangelizar”. Porém, advertiu contra o proselitismo e em prol do testemunho:
A Igreja, Reino de Deus, não cresce com proselitismo, cresce com o testemunho. Trata-se de mostrar, com a palavra e a vida, o tesouro que nos foi dado. Isto é evangelizar. Eu vivo assim, vivo esta palavra, e que os outros vejam; mas não é fazer proselitismo.”.
E pediu que se guardasse este tesouro, sobretudo pela via da oração e do exercício:
Guardai o tesouro que Deus nos deu no Evangelho. E a melhor maneira para o conseguirdes é a graça de Deus. Por isso, vos peço: rezai muito, rezai muito para receberdes a graça de cuidar daquele tesouro. Continuemos a caminhar, fazendo ver este tesouro que Deus nos deu gratuitamente e que, gratuitamente, devemos oferecer aos outros. Agora como irmãos, todos juntos, peçamos uns para os outros esta graça, rezando a oração que Jesus nos ensinou.”.
E rezaram todos o Pai Nosso…
Depois, discursou para os Bispos, começando por se referir às variadas atividades espirituais e pastorais da Igreja no Bangladesh, apresentadas pelo representante dos Bispos do país. E apreciou “a sua referência ao clarividente Plano Pastoral de 1985, que pôs em evidência os princípios evangélicos e as prioridades que guiaram a vida e a missão da comunidade eclesial nesta jovem nação”, dizendo que a sua experiência pessoal de Aparecida, onde se lançou a Missão Continental na América do Sul, o convenceu da “fecundidade de tais planos, que envolvem todo o povo de Deus num processo contínuo de discernimento e ação”. E apreciou a “duração deste plano pastoral, porque uma das doenças dos planos pastorais é que morrem jovens”, sendo que “este está vivo desde 1985”. É porque “foi bem feito, reflete a realidade do país e as necessidades pastorais; e reflete também a perseverança dos bispos”.
Frisou a presença, no coração do Plano Pastoral, da realidade da comunhão, colegialidade e apoio mútuo, que inspira o zelo missionário da Igreja no Bangladesh, e o facto de este espírito de afeto colegial ser compartilhado pelos sacerdotes e, através deles, se propagar “pelas paróquias, pelas comunidades e pelos multiformes serviços de apostolado” das “Igrejas locais”.
Depois, pediu que perseverem neste ministério de presença espelhado na seriedade com que se dedicam às visitas pastorais e na demonstração do real interesse pelo bem do povo.
E destacou o que se quer dizer com isto:
É uma presença semelhante à de Deus em nós: uma presença que se fez vizinhança, que se fez proximidade na Encarnação do Verbo, na condescendência, a condescendência do Pai que enviou o Filho para Se fazer um de nós. Gosto de como cunhastes esta expressão: ‘ministério de presença’. O bispo é alguém que está presente e está próximo. Sempre. Repito: perseverar neste ministério de presença, o único que pode estreitar laços de comunhão unindo-vos aos vossos sacerdotes, que são vossos irmãos, filhos e colaboradores na vinha do Senhor, e aos religiosos e religiosas que prestam uma contribuição fundamental para a vida católica neste país.”.
Relevou, a seguir, a essência dos religiosos. Contestou a redução dos caminhos de santificação na Igreja a dois: o presbiteral e o laical. Disse que “é preciso desenvolver a ideia de que há um terceiro caminho de santificação: o caminho da vida consagrada” e que “não se trata de um adjetivo – ‘este é um leigo consagrado, esta é uma leiga consagrada’ – mas de um substantivo: ‘Este é um consagrado, esta é uma consagrada’, tal como dizemos: Este é um leigo, ou esta é uma leiga, e este é um sacerdote”.
Pediu, ao mesmo tempo, “uma proximidade ainda maior aos fiéis leigos”, pois “eles têm de crescer”. E sobre a participação e o espaço, que é dos leigos, e não só de lei ou de ajuda, referiu, aludindo aos catequistas como pilares da evangelização:
É preciso promover a sua real participação na vida das vossas Igrejas particulares, nomeadamente através das estruturas canónicas que asseguram que as suas vozes sejam ouvidas e as suas experiências apreciadas. Reconhecei e valorizai os carismas dos leigos, homens e mulheres, e encorajai-os a colocarem os seus dons ao serviço da Igreja e do conjunto da sociedade. Penso aqui nos numerosos e zelosos catequistas desta nação – os catequistas são os pilares da evangelização –, cujo apostolado é essencial para o crescimento da fé e para a formação cristã das novas gerações. São verdadeiros missionários e guias de oração, especialmente nas áreas mais remotas.”.
E exortou:
Cuidai das suas necessidades espirituais e da sua constante formação na fé. Os catequistas. Mas também os leigos que nos ajudam e acompanham, os conselheiros: os conselheiros pastorais, os conselheiros nos assuntos económicos.”.
Supondo que talvez pouco mais de metade das dioceses teria os dois conselhos que o Direito Canónico pede – o pastoral e o dos assuntos económicos –, questionou; “E a outra metade?”.
Falando do próximo Sínodo dos Bispos, disse que “todos somos instados a pensar como tornar os nossos jovens mais participantes da alegria, verdade e beleza da nossa fé”. E, notando que o Bangladesh foi abençoado com vocações para o sacerdócio e para a vida religiosa, assegurou:
É importante garantir que os candidatos sejam bem preparados para comunicar as riquezas da fé aos outros, particularmente aos seus coetâneos”.
E exortou à formação no entusiasmo, na alegria, no enraizamento histórico e religioso, no diálogo intergeracional e no espírito apostólico, para que toda a boa obra frutifique:
Num espírito de comunhão que une as gerações, ajudai-os a ocupar-se com alegria e entusiasmo do trabalho que outros começaram, sabendo que um dia serão eles próprios chamados a transmiti-lo. Esta disposição interior de receber a herança, fazê-la crescer e transmiti-la é o espírito apostólico de um presbitério. Que os jovens saibam que o mundo não começa com eles, que devem procurar as raízes, devem procurar as raízes históricas, religiosas... Fazer crescer aquelas raízes e transmitir os frutos. Ensinai os jovens a não ser desarraigados; ensinai-os a conversar com os idosos. […]. Os formadores do Seminário devem educar os jovens seminaristas para ouvir os sacerdotes anciãos: ali estão as raízes, ali está a sabedoria da Igreja.”.
Frisando a relevância da atividade social da Igreja do Bangladesh, voltada para a assistência das famílias e, especificamente, o empenho na promoção das mulheres, destacou:
O povo desta nação é conhecido pelo amor à família, pelo sentido de hospitalidade, pelo respeito que demonstra para com os pais e os avós e os cuidados que reserva aos idosos, aos doentes e aos mais inermes. Estes valores são confirmados e sublimados pelo Evangelho de Jesus Cristo. Uma expressão de especial gratidão é devida a todos aqueles que trabalham, silenciosamente, por apoiar as famílias cristãs na sua missão de dar testemunho diário do amor reconciliador do Senhor e tornar conhecido o seu poder de redenção. Como assinalou a Exortação Ecclesia in Asia, a família ‘não é simplesmente objeto dos cuidados pastorais da Igreja, mas um dos mais eficazes agentes da evangelização (n.º 46).”.
E não deixou de tocar “um objetivo significativo indicado no Plano Pastoral – intuição que se demonstrou verdadeiramente profética – é a opção pelos pobres”, dizendo:
A Comunidade católica no Bangladesh pode orgulhar-se da sua história de serviço aos pobres, especialmente nas áreas mais remotas e nas comunidades tribais; continua diariamente este serviço através das suas obras de apostolado educacional, dos seus hospitais, clínicas e centros de saúde, e das obras sócio-caritativas em toda a sua variedade. Contudo não cessam de aumentar, especialmente à luz da atual crise dos refugiados, as necessidades a colmatar. A inspiração para as vossas obras de assistência aos necessitados deve ser sempre a caridade pastoral, que se mostra solícita no reconhecimento das feridas humanas procurando responder com generosidade a cada pessoa individualmente. Trabalhando por criar uma ‘cultura de misericórdia’ (Carta ap. Misericordia et misera, 20), as vossas Igrejas locais demonstram – com este trabalho – a sua opção pelos pobres, reforçam a sua proclamação da misericórdia infinita do Pai e contribuem consideravelmente para o desenvolvimento integral da sua pátria.”.
Sobre a reunião inter-religiosa e ecuménica que iria ter lugar logo a seguir, disse:
A vossa é uma nação onde a diversidade étnica reflete a diversidade das tradições religiosas. O esforço da Igreja por fazer avançar a compreensão inter-religiosa, com seminários e programas didáticos e também por contactos e convites pessoais, contribui para a difusão da boa vontade e da harmonia. Trabalhai incessantemente por construir pontes e promover o diálogo, porque estes esforços não só facilitam a comunicação entre diferentes grupos religiosos, mas despertam também as energias espirituais necessárias para a obra de construção da nação na unidade, na justiça e na paz.”.
Frisou que, quando “os líderes religiosos se pronunciam publicamente, a uma só voz, contra a violência revestida de religiosidade e procuram substituir a cultura do conflito pela cultura do encontro, inspiram-se nas raízes espirituais mais profundas das respetivas tradições” e prestam “um serviço inestimável ao futuro dos seus países e do nosso mundo, ensinando aos jovens o caminho da justiça”.
E, testemunhando a vitalidade e o ardor missionário da Igreja no país e elevando ao Senhor as alegrias e dificuldades das comunidades locais, exortou a que os bispos rogassem em conjunto: a renovada efusão do Espírito Santo, para que nos conceda ‘a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia em voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contracorrente’; e que os sacerdotes, os consagrados e os leigos possam experimentar uma força constantemente renovada nos seus esforços por serem ‘evangelizadores que anunciem a Boa Nova, não apenas com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença de Deus’.
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É o ser e força da Igreja aberta: de comunhão, colegial, missionária e de opção pelos pobres!
Para quem diz que este Papa não é teólogo ou tem um discurso disperso ou pouco sustentado…

2017.12.07 – Louro de Carvalho

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