Como prometia na
videomensagem prévia à visita, o Papa foi ao Bangladesh “como
ministro do Evangelho de Jesus Cristo, para proclamar a sua mensagem de
reconciliação, perdão e paz” – o que
passava por “confirmar a comunidade católica do Bangladesh na sua fé e no seu
testemunho do Evangelho, que ensina a dignidade de cada homem e mulher e nos
chama a abrir o coração ao próximo, particularmente aos mais pobres e
necessitados”. Mas também desejou encontrar-se “com todo o povo” e, em
especial, “com os líderes religiosos em Ramna, num tempo “em
que os crentes e os homens de boa vontade em toda a parte são chamados a
promover a compreensão recíproca e o respeito, a ajudar-se uns aos outros como
membros da única família humana”.
***
No encontro com as Autoridades,
Sociedade Civil e Corpo Diplomático, disse seguir as pegadas de Paulo VI e João Paulo II “para rezar” com os
irmãos e irmãs católicos e “oferecer-lhes uma mensagem de estima e encorajamento”,
referindo que “o Bangladesh é um Estado jovem e, todavia, ocupou sempre um
lugar especial no coração dos Papas, que desde o princípio expressaram
solidariedade ao seu povo, procurando acompanhá-lo na superação das
dificuldades iniciais e apoiando-o na tarefa exigente da construção da nação e
do seu desenvolvimento”.
Tendo-lhe sido dito que o Bangladesh “é uma nação
interligada por uma vasta rede fluvial e por vias navegáveis, grandes e
pequenas”, afirmou que “esta beleza natural é emblemática” da sua particular
identidade como povo: “uma nação que se
esforça por alcançar uma unidade de linguagem e cultura com o respeito pelas
diferentes tradições e comunidades, que fluem como inúmeros ribeiros vindo
enriquecer o grande curso da vida política e social do país”.
Não podendo ninguém “sobreviver e progredir no
isolamento”, “precisamos uns dos outros e estamos dependentes uns dos outros” como
“membros da única família humana”. A este respeito, enalteceu o papel do
Presidente:
“O Presidente Sheikh Mujibur Rahma
compreendeu e procurou incorporar este princípio na Constituição Nacional.
Imaginou uma sociedade moderna, pluralista e inclusiva, onde cada pessoa e cada
comunidade pudesse viver em liberdade, paz e segurança, respeitando a inata
dignidade e igualdade de direitos de todos.”.
Assegurando que “o futuro desta jovem democracia e a
saúde da sua vida política dependem essencialmente da fidelidade a esta visão
fundadora”, enalteceu o papel do diálogo:
“Só através dum diálogo sincero e do
respeito pelas legítimas diversidades é que um povo pode reconciliar as
divisões, superar perspetivas unilaterais e reconhecer a validade de pontos de
vista divergentes. Uma vez que o diálogo autêntico aposta no futuro, ele
constrói unidade ao serviço do bem comum e está atento às necessidades de todos
os cidadãos, especialmente dos pobres, dos desfavorecidos e daqueles que não
têm voz.”.
Depois, salientou a tangibilidade da generosidade
solidária evidenciada recentemente – sinal caraterístico da sociedade do
Bangladesh – no seu ímpeto humanitário em prol dos refugiados chegados em massa
do Estado de Rakhine, “proporcionando-lhes abrigo temporário e provisões para
as necessidades primárias da vida” – o que foi conseguido à custa de muito
sacrifício e sob o olhar do mundo inteiro. E apelou a que “a comunidade internacional implemente medidas resolutivas face a esta
grave crise, não só trabalhando por resolver as questões políticas que levaram
à massiva deslocação de pessoas, mas também prestando imediata assistência
material ao Bangladesh no seu esforço por responder eficazmente às urgentes
carências humanas”.
Fez larga referência ao encontro que iria ter, no dia
seguinte, com os Responsáveis ecuménicos e inter-religiosos, prometendo que, juntos,
rezariam pela paz e reafirmariam o compromisso de trabalhar pela paz, num
Bangladesh “conhecido pela harmonia que
tradicionalmente existe entre os seguidores de várias religiões”. Com
efeito, a atmosfera de respeito mútuo e clima crescente de diálogo
inter-religioso “permitem aos crentes expressar livremente as suas convicções
mais profundas sobre o significado e a finalidade da vida”, podendo, assim, “contribuir para promover os valores
espirituais que são a base segura para uma sociedade justa e pacífica”. E,
quando a religião é escandalosamente “usada para fomentar a divisão, revela-se
ainda mais necessário um tal género de testemunho do seu poder de reconciliação
e união”. Foi isto o que sucedeu de modo eloquente “na reação comum de
indignação que se seguiu ao brutal ataque terrorista do ano passado” em Daca e “na
mensagem clara enviada pelas autoridades religiosas da nação, segundo a qual o
santíssimo nome de Deus não pode jamais ser invocado para justificar o ódio e a
violência contra outros seres humanos, nossos semelhantes”.
Depois, vincou o papel do reduzido número dos católicos do país no
desenvolvimento da nação, especialmente através das suas escolas, clínicas e
dispensários:
“A Igreja aprecia a liberdade – de que
beneficia toda a nação – de praticar a sua fé e realizar as suas obras sócio- caritativas,
incluindo a de oferecer aos jovens, que representam o futuro da sociedade, uma
educação de qualidade e um exercício de sãos valores éticos e humanos. Nas suas
escolas, a Igreja procura promover uma cultura do encontro, que tornará os
alunos capazes de assumir as suas próprias responsabilidades na vida da
sociedade. Com efeito, nestas escolas, a grande maioria dos estudantes e muitos
dos professores não são cristãos, mas provêm de outras tradições religiosas.
Tenho a certeza de que a Comunidade católica, de acordo com a letra e o
espírito da Constituição Nacional, continuará a gozar da liberdade de levar por
diante estas boas obras como expressão do seu empenho a favor do bem comum.”.
Por fim, assegurou as suas orações, para que os membros daquele
auditório nas suas “nobres responsabilidades” sejam “inspirados pelos altos
ideais de justiça e serviço” aos concidadãos.
***
Antes do
encontro com os Bispos de Bangladesh, dirigiu palavras de improviso à multidão
reunida em frente da Catedral de Daca: “líderes
cristãos, leigos que trabalhais na construção do Reino de Deus”. Veio-lhe à
mente uma palavra que o apóstolo Paulo sentia dentro de si: “Ai de mim, se não evangelizar!”. Na
verdade, o Evangelho vive-se como uma graça, um tesouro que se recebe
gratuitamente. Assim, “devemos pedir ao Senhor que nos dê a graça de sentir o
mesmo que Paulo: sentir aquele fogo, sentir no coração aquela ânsia de
evangelizar”. Porém, advertiu contra o proselitismo e em prol do testemunho:
“A Igreja, Reino de Deus, não cresce com proselitismo, cresce com o
testemunho. Trata-se de mostrar, com a palavra e a vida, o tesouro que nos foi
dado. Isto é evangelizar. Eu vivo assim, vivo esta palavra, e que os outros
vejam; mas não é fazer proselitismo.”.
E pediu que
se guardasse este tesouro, sobretudo pela via da oração e do exercício:
“Guardai o tesouro que Deus nos deu no
Evangelho. E a melhor maneira para o conseguirdes é a graça de Deus. Por isso,
vos peço: rezai muito, rezai muito para receberdes a graça de cuidar daquele
tesouro. Continuemos a caminhar, fazendo ver este tesouro que Deus nos deu
gratuitamente e que, gratuitamente, devemos oferecer aos outros. Agora como
irmãos, todos juntos, peçamos uns para os outros esta graça, rezando a oração
que Jesus nos ensinou.”.
E rezaram
todos o Pai Nosso…
Depois, discursou para os Bispos, começando por se referir às variadas atividades espirituais e pastorais da
Igreja no Bangladesh, apresentadas pelo representante dos Bispos do país. E
apreciou “a sua referência ao clarividente Plano Pastoral de 1985, que pôs em
evidência os princípios evangélicos e as prioridades que guiaram a vida e a
missão da comunidade eclesial nesta jovem nação”, dizendo que a sua experiência
pessoal de Aparecida, onde se lançou a Missão Continental na América do Sul, o
convenceu da “fecundidade de tais planos, que envolvem todo o povo de Deus num
processo contínuo de discernimento e ação”. E apreciou a “duração deste plano
pastoral, porque uma das doenças dos planos pastorais é que morrem jovens”,
sendo que “este está vivo desde 1985”. É porque “foi bem feito, reflete a
realidade do país e as necessidades pastorais; e reflete também a perseverança
dos bispos”.
Frisou a
presença, no coração do Plano Pastoral, da realidade da comunhão,
colegialidade e apoio mútuo, que inspira o zelo missionário da Igreja no Bangladesh,
e o facto de este espírito de afeto colegial ser compartilhado pelos sacerdotes
e, através deles, se propagar “pelas paróquias, pelas comunidades e pelos
multiformes serviços de apostolado” das “Igrejas locais”.
Depois,
pediu que perseverem neste ministério de presença espelhado na seriedade com que se dedicam às
visitas pastorais e na demonstração do real interesse pelo bem do povo.
E destacou o
que se quer dizer com isto:
“É uma presença semelhante à de Deus em nós:
uma presença que se fez vizinhança, que se fez proximidade na Encarnação do
Verbo, na condescendência, a condescendência do Pai que enviou o Filho para Se
fazer um de nós. Gosto de como cunhastes esta expressão: ‘ministério de presença’. O bispo é alguém que está presente e está
próximo. Sempre. Repito: perseverar neste ministério de presença, o único que
pode estreitar laços de comunhão unindo-vos aos vossos sacerdotes, que são
vossos irmãos, filhos e colaboradores na vinha do Senhor, e aos religiosos e
religiosas que prestam uma contribuição fundamental para a vida católica neste
país.”.
Relevou, a
seguir, a essência dos religiosos. Contestou a redução dos caminhos de santificação
na Igreja a dois: o presbiteral e o laical. Disse que “é preciso desenvolver a ideia de que há um terceiro caminho de
santificação: o caminho da vida consagrada” e que “não se trata de um
adjetivo – ‘este é um leigo consagrado, esta é uma leiga consagrada’ – mas de
um substantivo: ‘Este é um consagrado, esta é uma consagrada’, tal como
dizemos: Este é um leigo, ou esta é uma leiga, e este é um sacerdote”.
Pediu, ao
mesmo tempo, “uma proximidade ainda maior aos fiéis leigos”, pois “eles têm de
crescer”. E sobre a participação e o espaço, que é dos leigos, e não só de lei
ou de ajuda, referiu, aludindo aos catequistas como pilares da evangelização:
“É preciso promover a sua real participação
na vida das vossas Igrejas particulares, nomeadamente através das estruturas
canónicas que asseguram que as suas vozes sejam ouvidas e as suas experiências apreciadas.
Reconhecei e valorizai os carismas dos leigos, homens e mulheres, e
encorajai-os a colocarem os seus dons ao serviço da Igreja e do conjunto da
sociedade. Penso aqui nos numerosos e zelosos catequistas desta nação – os
catequistas são os pilares da evangelização –, cujo apostolado é essencial para
o crescimento da fé e para a formação cristã das novas gerações. São
verdadeiros missionários e guias de oração, especialmente nas áreas mais
remotas.”.
E exortou:
“Cuidai das suas necessidades espirituais e
da sua constante formação na fé. Os catequistas. Mas também os leigos que nos
ajudam e acompanham, os conselheiros: os conselheiros pastorais, os
conselheiros nos assuntos económicos.”.
Supondo que
talvez pouco mais de metade das dioceses teria os dois conselhos que o Direito
Canónico pede – o pastoral e o dos assuntos económicos –, questionou; “E a outra metade?”.
Falando do
próximo Sínodo dos Bispos, disse que “todos somos instados a pensar como tornar
os nossos jovens mais participantes da alegria, verdade e beleza da nossa fé”. E,
notando que o Bangladesh foi abençoado com vocações para o sacerdócio e para a
vida religiosa, assegurou:
“É importante garantir que os candidatos
sejam bem preparados para comunicar as riquezas da fé aos outros,
particularmente aos seus coetâneos”.
E exortou à
formação no entusiasmo, na alegria, no enraizamento histórico e religioso, no
diálogo intergeracional e no espírito apostólico, para que toda a boa obra
frutifique:
“Num espírito de comunhão que une as
gerações, ajudai-os a ocupar-se com alegria e entusiasmo do trabalho que outros
começaram, sabendo que um dia serão eles próprios chamados a transmiti-lo. Esta
disposição interior de receber a herança, fazê-la crescer e transmiti-la é o
espírito apostólico de um presbitério. Que os jovens saibam que o mundo não
começa com eles, que devem procurar as raízes, devem procurar as raízes históricas,
religiosas... Fazer crescer aquelas raízes e transmitir os frutos. Ensinai os
jovens a não ser desarraigados; ensinai-os a conversar com os idosos. […]. Os
formadores do Seminário devem educar os jovens seminaristas para ouvir os
sacerdotes anciãos: ali estão as raízes, ali está a sabedoria da Igreja.”.
Frisando a
relevância da atividade social da Igreja do Bangladesh, voltada para a
assistência das famílias e, especificamente, o empenho na promoção das mulheres,
destacou:
“O povo desta nação é conhecido pelo amor à
família, pelo sentido de hospitalidade, pelo respeito que demonstra para com os
pais e os avós e os cuidados que reserva aos idosos, aos doentes e aos mais
inermes. Estes valores são confirmados e sublimados pelo Evangelho de Jesus
Cristo. Uma expressão de especial gratidão é devida a todos aqueles que
trabalham, silenciosamente, por apoiar as famílias cristãs na sua missão de dar
testemunho diário do amor reconciliador do Senhor e tornar conhecido o seu
poder de redenção. Como assinalou a Exortação Ecclesia in Asia, a família ‘não
é simplesmente objeto dos cuidados pastorais da Igreja, mas um dos mais eficazes
agentes da evangelização’ (n.º 46).”.
E não deixou
de tocar “um objetivo significativo indicado no Plano Pastoral – intuição que
se demonstrou verdadeiramente profética – é a opção pelos pobres”, dizendo:
“A Comunidade católica no Bangladesh pode
orgulhar-se da sua história de serviço aos pobres, especialmente nas áreas mais
remotas e nas comunidades tribais; continua diariamente este serviço através
das suas obras de apostolado educacional, dos seus hospitais, clínicas e
centros de saúde, e das obras sócio-caritativas em toda a sua variedade.
Contudo não cessam de aumentar, especialmente à luz da atual crise dos refugiados,
as necessidades a colmatar. A inspiração para as vossas obras de assistência
aos necessitados deve ser sempre a caridade pastoral, que se mostra solícita no
reconhecimento das feridas humanas procurando responder com generosidade a cada
pessoa individualmente. Trabalhando por criar uma ‘cultura de misericórdia’ (Carta ap. Misericordia et misera, 20), as vossas Igrejas locais demonstram –
com este trabalho – a sua opção pelos pobres, reforçam a sua proclamação da
misericórdia infinita do Pai e contribuem consideravelmente para o
desenvolvimento integral da sua pátria.”.
Sobre a
reunião inter-religiosa e ecuménica que iria ter lugar logo a seguir, disse:
“A vossa é uma nação onde a diversidade
étnica reflete a diversidade das tradições religiosas. O esforço da Igreja por
fazer avançar a compreensão inter-religiosa, com seminários e programas
didáticos e também por contactos e convites pessoais, contribui para a difusão
da boa vontade e da harmonia. Trabalhai incessantemente por construir pontes e
promover o diálogo, porque estes esforços não só facilitam a comunicação entre
diferentes grupos religiosos, mas despertam também as energias espirituais
necessárias para a obra de construção da nação na unidade, na justiça e na paz.”.
Frisou que, quando
“os líderes religiosos se pronunciam
publicamente, a uma só voz, contra a violência revestida de religiosidade e
procuram substituir a cultura do conflito pela cultura do encontro, inspiram-se
nas raízes espirituais mais profundas das respetivas tradições” e prestam “um serviço inestimável ao futuro dos seus
países e do nosso mundo, ensinando aos jovens o caminho da justiça”.
E, testemunhando
a vitalidade e o ardor missionário da Igreja no país e elevando ao Senhor as
alegrias e dificuldades das comunidades locais, exortou a que os bispos
rogassem em conjunto: a renovada efusão do Espírito Santo, para
que nos conceda ‘a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia em
voz alta e em todo o tempo e lugar, mesmo contracorrente’; e que os sacerdotes,
os consagrados e os leigos possam experimentar uma força constantemente
renovada nos seus esforços por serem ‘evangelizadores que anunciem a Boa Nova,
não apenas com palavras mas sobretudo com uma vida transfigurada pela presença
de Deus’.
***
É o ser e força
da Igreja aberta: de comunhão, colegial, missionária e de opção pelos pobres!
Para quem
diz que este Papa não é teólogo ou tem um discurso disperso ou pouco sustentado…
2017.12.07 –
Louro de Carvalho
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