quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Banca está a facilitar na concessão de crédito?

Saímos da crise, não saímos da crise. Em que ficamos?
O Banco de Portugal (BdP), vê melhoria nos rácios de malparado, mas alerta para o elevado endividamento e pondera apertar os critérios de avaliação por parte dos bancos na concessão de crédito. O alerta consta do Relatório de Estabilidade Financeira publicado no passado dia 5, evidenciando os riscos que pode correr o sistema financeiro português.
Em nota que acompanha o predito relatório, o BdP refere:
É fundamental que as instituições financeiras continuem a avaliar adequadamente e de forma prospetiva a capacidade de crédito dos mutuários, evitando a assunção de riscos excessivos nos novos fluxos de crédito, nomeadamente no crédito à habitação”.
Por isso, o BdP adotará medidas de “reforço da avaliação, pelas instituições de crédito, da capacidade creditícia dos mutuários particulares”. Entre aos elementos a ponderar “incluem-se, por exemplo, uma maior exigência na taxa de esforço e na apresentação de mais garantias”.
Este ano a banca, segundo o Eco, deu quase 6 mil milhões em crédito da casa. Com efeito, no atual contexto económico com taxas de juro historicamente baixas, a banca tem potenciado a adoção de critérios menos exigentes no atinente à concessão de crédito às famílias, sobretudo no concernente à compra de casa. Neste sentido, como sinal de maior predisposição para emprestar dinheiro verifica-se que os spreads  têm vindo a ser gradualmente revistos em baixa pelas instituições financeiras nacionais, desde 2015. E a maior vontade dos bancos em disponibilizar crédito vê-se no  crescimento da concessão de crédito à habitação. Os dados disponibilizados pelo BdP indicam que nos primeiros 9 meses do ano, os bancos nacionais disponibilizaram quase seis mil milhões de euros em empréstimos à compra de casa, elevando a concessão a máximos anteriores à crise. É um crescimento de 43% face ao mesmo período do ano passado.
Ante esta situação, o regulador salienta a importância de as instituições financeiras basearem
As decisões de concessão de crédito em análises adequadas da capacidade de serviço da dívida por parte dos clientes, em particular em condições macroeconómicas e financeiras mais adversas”.
Os preços do imobiliário são um dos temas em que o BdP foca a sua atenção neste relatório e sobre o qual mostra preocupação, pois “evolução dos preços no mercado imobiliário residencial poderá também ter consequências sobre os riscos para a estabilidade financeira, caso acentue essa menor restritividade no caso particular do crédito à habitação”.
***
A questão que se levanta é se Carlos Costa tem razão neste alerta.
Além da referida compressão dos spreads na concessão de empréstimos para a compra de casa que se observa sobretudo desde 2015, em resultado do aumento da concorrência entre bancos – considerando que, estes apesar de estarem muito acima dos praticados antes da crise, “já se encontram em níveis relativamente baixos no contexto da área Euro“ – o BdP refere outros critérios de concessão de crédito que julga também apresentarem sinais de menor restritividade. Referindo-se ao aumento da maturidade dos empréstimos e à subida dos rácios de LTV (proporção do empréstimo do banco face ao valor de compra da casa), antecipa que o nível muito baixo das taxas de juro deverá continuar a contribuir para a menor restritividade dos critérios de concessão de crédito, criando incentivos a desalavancagem mais lenta da economia.
E o regulador considera que também a evolução dos preços no mercado imobiliário residencial poderá ter consequências de risco para a estabilidade financeira, caso acentue essa menor restritividade no caso do crédito à habitação, apesar de reconhecer que não há uma bolha no setor.
Ora, à luz da questão levantada supra, pergunta-se se efetivamente os bancos estarão mesmo a facilitar na hora de dar crédito. Vamos aos factos.
O aviso do BdP de que imporá medidas de reforço da avaliação da capacidade dos clientes dos bancos em cumprirem com os seus compromissos no crédito à habitação acontece num período em que a concessão de empréstimos com esse fim está em máximos. Os dados do regulador indicam que nos 9 primeiros meses deste ano, os bancos disponibilizaram 5.953 milhões em crédito a habitação, 43% face ao período homólogo do ano anterior – um nível de concessão mais elevado desde o início da crise, sendo necessário recuar até ao mesmo período de 2010 para assistir a valores mais elevados. Este aumento da concessão de crédito tem sido suportado por diversos fatores, nomeadamente, a propalada recuperação da economia e do emprego, que leva mais pessoas a avançarem com a decisão de recorrer ao crédito para compra de casa – procura que os bancos dizem que deverá continuar, de acordo com o último inquérito trimestral aos bancos sobre o mercado de crédito realizado pelo BdP.
O BdP receia que a evolução da concessão de crédito possa ter impacto negativo sobre os níveis de endividamento familiar e, assim, constituir risco para os bancos e para o setor imobiliário, pois a crise económica do país teve um efeito devastador nas famílias e elevou os respetivos níveis de sobre-endividamento e incumprimento para valores recorde, que têm vindo a aliviar.
Segundo o BdP, o endividamento das famílias atingiu em junho deste ano 74% do PIB (103% do rendimento disponível), tendo-se reduzido em cerca de 20 pontos percentuais desde o máximo observado em 2009.
Também o incumprimento no crédito por parte das famílias tem vindo a baixar de forma gradual – diminuição que tem ocorrido pela via da recuperação económica e da saúde financeira das famílias, que as leva a serem mais cumpridoras, e pelo facto de o ritmo de crescimento da nova concessão não ser suficiente para fazer crescer o stock do crédito detido pelos bancos, sendo, pelo contrário, a tendência de queda do stock.
Em setembro deste ano, como se lê no Eco, as famílias detinham 115.106 milhões de euros em créditos, com este valor a rondar assim mínimos do início do ano de 2007. Desse total, 4,77 mil milhões de euros, ou o equivalente a 4,14%, estavam em situação de incumprimento. Este rácio de incumprimento chegou a atingir o máximo de 4,48% em maio de 2015. A mesma realidade atinge o crédito à habitação. O stock de crédito mantém a tendência de quebra, acontecendo o mesmo com montante do malparado e o respetivo rácio face ao total de crédito. No final de setembro deste ano, o stock de crédito à habitação ascendia a 93.568 milhões de euros, ficando assim próximo de mínimos do início de 2007. Desse total, cerca de 2,1 mil milhões de euros, ou 2,23% estavam em incumprimento. É o rácio de malparado mais baixo dos últimos 4 anos.
***
Por outro lado, a maior procura de crédito para habitação sucede num contexto de indexantes associados (as Euribor) historicamente baixos, mesmo negativos, em resultado da política monetária do Banco Central Europeu (BCE) – contexto que incentiva os bancos a libertarem liquidez na economia. Para isso, vêm fazendo revisões em baixa dos spreads que cobram no crédito à habitação. Os spreads mínimos exigidos para concessão de crédito variam atualmente entre os 1,15% e os 1,75%, bastante abaixo dos que vigoravam após o início da crise: cerca de 4%. A combinação destes dois fatores torna o acesso ao crédito atrativo no atual contexto.
A maior vontade de emprestar dinheiro, que se alia a recuperação dos preços do imobiliário, reflete-se num aumento da avaliação dos imóveis por parte dos bancos para efeitos de concessão de crédito. De acordo com o INE, em outubro, o valor da avaliação bancária atingiu um novo máximo de maio de 2011. Fixou-se nesse mês nos 1.141 euros por metro quadrado.
Ora, quanto maior for essa avaliação, maior é a probabilidade de os clientes bancários terem acesso a um rácio de financiamento face ao preço do imóvel mais alto: o chamado rácio LTV (Loan To Value). Segundo o regulador, o rácio LTV médio tem vindo a subir desde 2014.
Outra das realidades que marca a tendência observada nos últimos anos é o aumento da maturidade dos créditos à habitação concedidos. De acordo com o BdP, Portugal tem este indicador no patamar mais elevado da Europa, revelando que, no final de 2016, a maturidade média dos empréstimos para a compra de casa era de 33 anos.
O mercado imobiliário e os preços dos imóveis estão em forte recuperação. Após acumularem uma redução de 16% em termos reais no pico da crise, ou seja, entre 2010 e 2013, os preços do imobiliário residencial em Portugal registaram taxas de crescimento anuais elevadas. Entre o final de 2013 e o primeiro semestre de 2017, os preços cresceram cerca de 20%. Só na primeira metade deste ano, a subida real dos preços da habitação em Portugal foi de 7%.
Alguns dos fatores que suportam esta evolução dos preços do imobiliário em Portugal são: os vistos gold, o crescimento económico, a canalização de poupanças para a compra de habitações, a procura turística (com o crescimento do alojamento local) e a aposta dos investidores internacionais.
***
Face aos factos, as preocupações do BdP fazem sentido, embora não pareça que os riscos sejam imediatos. Carlos Costa e o BdP têm razão quando se referem ao alívio da restritividade dos critérios de avaliação da concessão de crédito. São uma realidade a diminuição dos spreads, o aumento dos rácios de LTV e das maturidades. Todavia, a dimensão não tem paralelo ao que aconteceu antes da crise. O mesmo sucede com os níveis de concessão de crédito à habitação que, embora esteja em máximos de 2010, ainda não são suficientes para repor o stock de crédito. Ademais, o puxão de orelhas do BdP aos bancos deve ser enquadrado no cenário das reduzidas taxas de juro que promovem o aumento dos empréstimos. Mesmo assim, ante o alívio das regras dos bancos para conceder crédito e num ambiente em que se começa a perspetivar uma subida gradual dos juros, o alerta de Carlos Costa visa sobretudo antecipar um eventual agravamento das condições económicas e financeiras das famílias, que as deixariam com menor margem para cumprir com os seus contratos de crédito, com impacto negativo no sistema financeiro.
Porém, se a banca tiver de criar demasiadas dificuldades para a concessão de crédito às famílias e às empresas, pergunta-se qual o papel da banca no sistema económico. Não podemos esquecer que hoje, apesar dos spreads estarem em baixa, os bancos sacrificam os clientes nas taxas e taxinhas por informações, serviços, cartões, cheques – há comissões para tudo! Por outro lado, ninguém tem pena dos clientes, investidores e contribuintes quando um banco estoira, habitualmente por má gestão, por empréstimos a amigos ou a poderosos, sem as garantias mínimas. Não posso esquecer o dinheiro que a troika disponibilizou para a banca através do Estado, a procissão dos lesados e enganados e o sacrifícios dos portugueses pró banca – BPP, BPN, BES, Banif, BCP, Montepio…!

2017.12.07 – Louro de Carvalho  

Sem comentários:

Enviar um comentário