Saímos da crise, não saímos
da crise. Em que ficamos?
O Banco de Portugal (BdP), vê melhoria nos rácios de malparado, mas alerta para o elevado
endividamento e pondera apertar os critérios de avaliação por parte dos bancos na
concessão de crédito. O alerta consta do Relatório de Estabilidade
Financeira publicado no passado dia 5, evidenciando os riscos que pode
correr o sistema financeiro português.
“É fundamental que as instituições financeiras continuem a avaliar adequadamente e de forma prospetiva a capacidade de
crédito dos mutuários, evitando a assunção de riscos excessivos nos
novos fluxos de crédito, nomeadamente no crédito à habitação”.
Por isso, o BdP adotará medidas de “reforço da avaliação,
pelas instituições de crédito, da capacidade creditícia dos mutuários
particulares”. Entre aos elementos a ponderar “incluem-se, por exemplo, uma
maior exigência na taxa de esforço e na apresentação de mais garantias”.
Este ano a
banca, segundo o Eco, deu quase 6 mil milhões em crédito da casa. Com efeito,
no atual contexto económico com taxas de juro historicamente
baixas, a banca tem potenciado a adoção de critérios
menos exigentes no atinente à concessão de crédito às famílias,
sobretudo no concernente à compra de casa. Neste sentido, como sinal de maior
predisposição para emprestar dinheiro verifica-se que os spreads têm vindo a ser gradualmente revistos em
baixa pelas instituições financeiras nacionais, desde 2015. E a maior vontade
dos bancos em disponibilizar crédito vê-se no crescimento da concessão de
crédito à habitação. Os dados disponibilizados pelo BdP indicam
que nos primeiros 9 meses do ano, os bancos nacionais disponibilizaram
quase seis mil milhões de euros em empréstimos à compra de casa, elevando
a concessão a máximos anteriores à crise. É um crescimento de 43% face ao mesmo
período do ano passado.
Ante esta
situação, o regulador salienta a importância de as instituições
financeiras basearem
“As decisões de concessão de crédito em
análises adequadas da capacidade de serviço da dívida por
parte dos clientes, em particular em condições macroeconómicas e financeiras
mais adversas”.
Os preços do
imobiliário são um dos temas em que o BdP foca a sua atenção neste relatório e
sobre o qual mostra preocupação, pois “a evolução dos preços no mercado imobiliário residencial poderá
também ter consequências sobre os riscos para a estabilidade
financeira, caso acentue essa menor restritividade no caso particular do
crédito à habitação”.
***
A questão que se levanta é se
Carlos Costa tem razão neste alerta.
Além da referida compressão dos spreads na concessão de empréstimos para a compra de casa que
se observa sobretudo desde 2015, em resultado do aumento da concorrência entre
bancos – considerando que, estes apesar de estarem muito acima dos praticados
antes da crise, “já se encontram em níveis relativamente baixos no contexto da área
Euro“ – o BdP refere outros critérios de concessão de crédito que julga
também apresentarem sinais de menor restritividade. Referindo-se ao aumento da
maturidade dos empréstimos e à subida dos rácios de LTV (proporção do
empréstimo do banco face ao valor de compra da casa), antecipa que o nível muito baixo das taxas
de juro deverá continuar a contribuir para a menor restritividade dos critérios
de concessão de crédito, criando incentivos a desalavancagem mais lenta da
economia.
E o regulador considera que também a evolução dos preços no mercado
imobiliário residencial poderá ter consequências de risco para a estabilidade
financeira, caso acentue essa menor restritividade no caso do crédito à
habitação, apesar de reconhecer que não há uma bolha no setor.
Ora, à luz da questão
levantada supra, pergunta-se se efetivamente os bancos estarão mesmo a
facilitar na hora de dar crédito. Vamos aos factos.
O aviso do BdP de que imporá medidas de reforço da avaliação da capacidade
dos clientes dos bancos em cumprirem com os seus compromissos no crédito à
habitação acontece num período em que a concessão de empréstimos com esse fim
está em máximos. Os dados do regulador indicam que nos 9 primeiros meses deste
ano, os bancos disponibilizaram 5.953 milhões em crédito a habitação, 43% face
ao período homólogo do ano anterior – um nível de concessão mais elevado desde
o início da crise, sendo necessário recuar até ao mesmo
período de 2010 para assistir a valores mais elevados. Este aumento da
concessão de crédito tem sido suportado por diversos fatores, nomeadamente, a propalada
recuperação da economia e do emprego, que leva mais pessoas a avançarem com a
decisão de recorrer ao crédito para compra de casa – procura que os bancos
dizem que deverá continuar, de acordo com o último inquérito trimestral aos
bancos sobre o mercado de crédito realizado pelo BdP.
O BdP receia que a evolução da concessão de crédito possa ter impacto
negativo sobre os níveis de endividamento familiar e, assim, constituir risco
para os bancos e para o setor imobiliário, pois a crise económica do país teve
um efeito devastador nas famílias e elevou os respetivos níveis de
sobre-endividamento e incumprimento para valores recorde, que têm vindo a
aliviar.
Segundo o BdP, o endividamento das famílias atingiu em junho deste ano 74%
do PIB (103% do
rendimento disponível), tendo-se reduzido
em cerca de 20 pontos percentuais desde o máximo observado em 2009.
Também o incumprimento no crédito por parte das famílias tem vindo a baixar
de forma gradual – diminuição que tem ocorrido pela via da recuperação
económica e da saúde financeira das famílias, que as leva a serem mais
cumpridoras, e pelo facto de o ritmo de crescimento da nova concessão não ser
suficiente para fazer crescer o stock do
crédito detido pelos bancos, sendo, pelo contrário, a tendência de queda do stock.
Em setembro deste ano, como se lê no
Eco, as famílias detinham 115.106 milhões de euros em créditos, com este valor
a rondar assim mínimos do início do ano de 2007. Desse total, 4,77 mil milhões
de euros, ou o equivalente a 4,14%, estavam em situação de incumprimento. Este
rácio de incumprimento chegou a atingir o máximo de 4,48% em maio de 2015. A
mesma realidade atinge o crédito à habitação. O stock de
crédito mantém a tendência de quebra, acontecendo o mesmo com montante do
malparado e o respetivo rácio face ao total de crédito. No final de setembro
deste ano, o stock de crédito à habitação
ascendia a 93.568 milhões de euros, ficando assim próximo de mínimos do início
de 2007. Desse total, cerca de 2,1 mil milhões de euros, ou 2,23% estavam em
incumprimento. É o rácio de malparado mais baixo dos últimos 4 anos.
***
Por outro lado, a maior procura de crédito para habitação sucede num
contexto de indexantes associados (as Euribor) historicamente baixos, mesmo negativos, em resultado
da política monetária do Banco Central Europeu (BCE) – contexto que incentiva os bancos a libertarem liquidez na economia.
Para isso, vêm fazendo revisões em baixa dos spreads que
cobram no crédito à habitação. Os spreads mínimos
exigidos para concessão de crédito variam atualmente entre os
1,15% e os 1,75%, bastante abaixo dos que vigoravam após o início da
crise: cerca de 4%. A combinação destes dois fatores torna o acesso
ao crédito atrativo no atual contexto.
A maior vontade de emprestar dinheiro, que se alia a recuperação dos preços
do imobiliário, reflete-se num aumento da avaliação dos imóveis por parte dos
bancos para efeitos de concessão de crédito. De acordo com o INE, em outubro, o
valor da avaliação bancária atingiu um novo máximo de maio de 2011. Fixou-se
nesse mês nos 1.141 euros por metro quadrado.
Ora, quanto maior for essa avaliação, maior é a probabilidade de os
clientes bancários terem acesso a um rácio de financiamento face ao preço do
imóvel mais alto: o chamado rácio LTV (Loan To Value). Segundo o regulador, o rácio LTV médio tem vindo a
subir desde 2014.
Outra das realidades que marca a tendência observada nos últimos anos é o
aumento da maturidade dos créditos à habitação concedidos. De acordo com o BdP,
Portugal tem este indicador no patamar mais elevado da Europa, revelando que,
no final de 2016, a maturidade média dos empréstimos para a compra de casa era
de 33 anos.
O mercado imobiliário e os preços dos imóveis estão em forte recuperação.
Após acumularem uma redução de 16% em termos reais no pico da crise, ou seja, entre
2010 e 2013, os preços do imobiliário residencial em Portugal registaram taxas
de crescimento anuais elevadas. Entre o final de 2013 e o primeiro semestre de
2017, os preços cresceram cerca de 20%. Só na primeira metade deste ano, a
subida real dos preços da habitação em Portugal foi de 7%.
Alguns dos fatores que suportam esta evolução dos preços do imobiliário em
Portugal são: os vistos gold, o crescimento
económico, a canalização de poupanças para a compra de habitações, a procura
turística (com o crescimento do alojamento local) e a aposta
dos investidores internacionais.
***
Face aos factos, as preocupações do BdP fazem sentido, embora não pareça
que os riscos sejam imediatos. Carlos Costa e o BdP têm razão quando se referem
ao alívio da restritividade dos critérios de avaliação da concessão
de crédito. São uma realidade a diminuição dos spreads,
o aumento dos rácios de LTV e das maturidades. Todavia, a dimensão não tem paralelo ao que aconteceu antes
da crise. O mesmo sucede com os níveis de concessão de crédito
à habitação que, embora esteja em máximos de 2010, ainda não são suficientes
para repor o stock de crédito. Ademais, o puxão de orelhas do BdP aos bancos deve ser enquadrado no
cenário das reduzidas taxas de juro que promovem o aumento dos empréstimos. Mesmo
assim, ante o alívio das regras dos bancos para conceder crédito e num
ambiente em que se começa a perspetivar uma subida gradual dos juros, o alerta
de Carlos Costa visa sobretudo antecipar um eventual agravamento das condições
económicas e financeiras das famílias, que as deixariam com menor margem para
cumprir com os seus contratos de crédito, com impacto negativo no sistema
financeiro.
Porém,
se a banca tiver de criar demasiadas dificuldades para a concessão de crédito às
famílias e às empresas, pergunta-se qual o papel da banca no sistema económico.
Não podemos esquecer que hoje, apesar dos
spreads estarem em baixa, os bancos sacrificam os clientes nas taxas e
taxinhas por informações, serviços, cartões, cheques – há comissões para tudo! Por
outro lado, ninguém tem pena dos clientes, investidores e contribuintes quando
um banco estoira, habitualmente por má gestão, por empréstimos a amigos ou a
poderosos, sem as garantias mínimas. Não posso esquecer o dinheiro que a troika
disponibilizou para a banca através do Estado, a procissão dos lesados e enganados
e o sacrifícios dos portugueses pró banca – BPP, BPN, BES, Banif, BCP, Montepio…!
2017.12.07 – Louro de Carvalho
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