terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A não celebração do Natal

O Natal é uma das celebrações mais difundidas no mundo, mas não é vista com os mesmos ou com bons olhos em todos os lugares. Em alguns países, as celebrações natalinas são ignoradas, reguladas ou totalmente proibidas; e, noutros lugares, a própria compra e venda de certos produtos e até as reuniões familiares são limitadas.
De facto, a quadra natalícia é um tempo do ano comum em vários países, mas que chega a ser proibida por lei a sua comemoração de qualquer forma em diversas partes do mundo.
O país que mais recentemente entrou na lista dos que proíbem a festividade é o Tajiquistão, na Ásia central. As autoridades do país endurecem as restrições para a celebração do Natal.
O Tajiquistão é uma república que faz fronteira com o Afeganistão a sul, com a China a leste, com o Quirguistão a norte e com o Uzbequistão a oeste. O governo proibiu as seguintes tradições natalinas: as árvores de Natal (naturais ou artificiais); os fogos de artifício; as comidas natalinas; a troca de presentes; a arrecadação de dinheiros; e a fantasia do Pai Natal.
A religião muçulmana é maioritária no país e cresce desde que o Tajiquistão se separou da União Soviética em 1991.
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Por ser uma festa religiosa e cristã, há culturas que não absorvem a tradição. Muitos países da Ásia têm crenças diferentes e outras datas comemorativas. Com efeito, sendo o Natal uma data comemorativa cultural, que evoca, para os cristãos, o nascimento de Jesus Cristo e sendo o feriado festivo do dia 25 de dezembro marcado pela religião, nem todas as culturas absorvem a tradição de celebrar a data. Assim, vários países não comemoram a data e outros atribuem-lhe um significado.
Culturas como as conexas com o islamismo, o budismo, o judaísmo, o hinduísmo, o taoísmo e o xintoísmo são algumas daquelas em que o significado do nascimento de Cristo não faz a relação com o conhecido no cristianismo. Cada qual tem as suas crenças, peculiaridades e até calendários diferentes – consoante a sua própria religião, a que está inerente o caldo próprio de cultura e de tradição, com os seus valores e especificidades.
Os países islâmicos, como a Indonésia, o Paquistão, o Bangladesh, a Turquia, o Egito, a Nigéria, a Líbia, o Irão, dão maior relevância aos ensinamentos de Maomé, profeta que terá vivido entre os anos 570 e 632 dC, portanto, posteriores a Jesus, e que teria vindo completar a mensagem deste.
Os muçulmanos aceitam Jesus como um dos cinco profetas que trouxeram a palavra de Deus ao homem. Por isso, mantêm uma relação de respeito para com a data, mas não a consideram sagrada. Comemoram apenas duas festas religiosas: o Eid wl-Fitr, que é a comemoração após o término do mês de jejum (Ramadão) e o Eid al-Adha, comemoração da obediência do Profeta Abraão a Deus.
O Eid el-Fitr é comemorado no 1.º dia do mês de Shawwal, o 10.º mês do calendário islâmico.
Já o Eid al-Adha, também conhecido como Grande Festa ou Festa do Sacrifício, é um festival muçulmano que sucede à peregrinação para Meca. É comemorado a partir do 10.º dia do mês de Dhu al-Hijjah (no último mês do ano lunar no calendário islâmico), durante quatro dias.
Nessas comemorações, os muçulmanos reúnem-se nas mesquitas para ler e lembrar o nascimento do profeta, a sua vida, os seus valores; e, algumas vezes, há grupos de música que entoam cânticos a enaltecer o nome do profeta e sua lembrança.
Já os países que adotam o budismo como religião, caso de vários países da Ásia como Vietname, China, Tibet, Camboja, Coreia do Sul, Butão, Burma, Hong Kong, Japão, Mongólia, Singapura, Sri Lanka, Tailândia, não se envolvem com a caraterística particular do nascimento de Jesus Cristo. Admiram e respeitam a tradição, mas Jesus para a sua crença é considerado um “Bodhisattva”, ou seja, um ser de sabedoria elevada, que segue e propõe uma prática espiritual que visa remover obstáculos e beneficiar todos os demais seres.
O budismo não possui textos que sejam adotados universalmente entre os adeptos da religião e cada seita budista possui os seus próprios textos sagrados, devendo apenas seguir os ensinamentos de Buda. Assim, os budistas ocidentais não comemoram o dia 25 de dezembro com “cunho” cristão, mas em pensamento espiritual.
A data mais importante para os budistas é chamada Visakha Bucha, já que os adeptos celebram o nascimento, a iluminação e a morte de Buda, seu fundador. Normalmente é comemorado no mês de maio, num dia de lua cheia de acordo com o sexto mês lunar.
O judaísmo não comemora nem o Natal nem o Ano Novo nos “moldes” cristãos – apesar de reconhecerem que Jesus existiu, não há o reconhecimento da sua divindade nem do seu caráter messiânico. Para essa cultura, principalmente em Israel, a comemoração de fim de ano é o Hanukah (festa das luzes, em hebraico), que lembra as vitórias contra a opressão, a discriminação e a perseguição religiosa.  A data marca a vitória dos judeus sobre os gregos há mais de dois mil anos, na batalha pela liberdade de seguir a religião judaica monoteísta.
A festa de Hanukah para os judeus começa no 25.º dia do mês judaico de Kislev e dura oito noites.
A festa consagra a vitória dos judeus contra uma província grega que tentava impor o politeísmo. Segundo os crentes, para cada um dos dias é acesa uma vela até que todo o candelabro esteja aceso no último dia de festa. Também teria havido um milagre: o óleo para acender as velas do templo, que seria suficiente para apenas um dia, durou oito.
Na comemoração, em vez do peru e do bacalhau, degustam-se panquecas de batata e bolinhos fritos em azeite. E em vez de desembrulharem presentes à meia-noite, as crianças recebem dinheiro.
O hinduísmo, cultura tradicionalmente presente na Índia, tem como principais celebrações o Durga Puja, o Dasara, o Ganesh Puja, o Rama Navami, o Krishna Janmashtami, o Diwali, o Holi e o Baishakhi. São festas relacionadas a energias, danças e cantos e que têm apenas um propósito: adorar a “energia Divina”. O Durga Puja é a festa da energia divina. Já o festival de Ganesh é celebrado nos estados do sul, com danças alegres e cantos. O Diwali é o “festival das luzes” em que em cada casa, em cada templo são colocadas milhares de luzes, que ficam acesas toda a noite.
O taoísmo, religião maioritariamente seguida na China, não tem qualquer celebração no Natal. No entanto, a religião tem muitas datas onde se comemora o nascimento ou a ascensão de grandes mestres. O Ano Novo Chinês, comemorado segundo o calendário lunar, assim como no budismo, é a data mais importante para os taoistas. Celebra-se o Senhor do Princípio Inicial. E é um dos períodos mais importantes para a sociedade chinesa, já que fazem uma pausa no trabalho para festejar com a família. Também há rituais de exorcismo, alquimia e magia.
O xintoísmo, cujos deuses são elementos e seres da natureza, é contemplado predominantemente no Japão. O 25 de dezembro não é fixado como Natal, mas como uma data comercial e sem importância religiosa. A data é mais parecida com o dia dos namorados: compram presentes para a pessoa amada.
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Com o avanço da globalização e o crescimento do pluralismo, já era tempo de em todos os países se respeitarem os diversos grupos culturais e religiosos, mesmo os minoritários e não vir um Estado a impor ou a proibir o quer que seja. Se é certo que as decisões são tomadas pelas maiorias ou em nome delas, também é hoje consensual o deve de respeitos pelas minorias e seus legítimos interesses. Porém, nem sempre assim acontece.
Em Brunei, no sudeste asiático, proibiu-se o uso em público de gorros do Pai Natal ou qualquer outro tipo de indumentária relacionada. As pessoas não muçulmanas são autorizadas a celebrar o Natal, desde que não em público. O Islão é a religião oficial do país e o sultão é o chefe religioso neste reino, que faz fronteira com a Malásia.
Como ocorre anualmente, a Arábia Saudita emitiu uma regulamentação anual que proíbe “sinais visíveis” da celebração do Natal. Tanto os muçulmanos como os visitantes não podem participar na celebração. O governo determina que todos se devem orientar pelo calendário lunar e não pelo gregoriano. Em 2012, foram detidos 41 cristãos pela polícia religiosa árabe acusados de “conspirar para celebrar o Natal”.
E, na China, onde convivem a abertura ao capitalismo de mercado e a proteção das tradições, há zonas onde as festividades natalinas continuam vetadas. Uma das cidades onde a celebração é proibida é Wenzhou (na China oriental), cuja prefeitura vetou todas as celebrações natalinas nas escolas e centros comunitários.
No Iraque e na Síria, locais onde aumentaram os ataques a centros de culto cristão, desde que a guerra civil se agravou, o Natal é celebrado com moderação. Um grupo de voluntários vai ao Iraque para celebrar com os cristãos que vivem em campos de refugiados.
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Para alguns protestantes e algumas outras religiões, como para indiferentes e ateus, o Natal é época comercial. Para os pagãos, que celebram o aniversário do deus Tamuz e para diversos países, em sua maioria muçulmanos, é mais do que proibido comemorar o Natal: é crime.
Em alguns países, a comemoração é regulada, ou seja, é possível comemorar desde que se cumpra com algumas normas. É, como se viu, o caso de Brunei, no sudeste asiático. O país é de maioria muçulmana e os não muçulmanos são autorizados à comemorar a data, desde que não seja em público, caso contrário, terão problemas com a justiça local.
Algo parecido acontece na Arábia Saudita, onde existe até uma regulamentação que proíbe terminantemente toda e qualquer demonstração ‘visível’ de comemoração do natal. É proibido que tanto muçulmanos como não muçulmanos participem das festividades, mas algumas pessoas conseguem fazê-lo escondidamente em suas casas. Não dá para decorar a fachada da casa ou comprar roupas do Pai Natal, mas há quem troque presentes.
O pior da situação da Arábia Saudita é que o governo do país exige que utilizem apenas o calendário lunar e não o gregoriano, que é utilizado na maioria dos outros países.
Algumas regiões da China permitem a comemoração normalmente, outras, as que seguem o budismo ou abominam qualquer religião, não só proíbem a comemoração como prendem os infratores e muitos deles são condenados à realizar trabalho forçado.
No Iraque e na Síria, por mais estranho que possa parecer, existe a comemoração do natal, principalmente nos últimos anos, pois a proliferação da guerra santa aumentou o número de cristãos no local. Entretanto, os adeptos têm de ser discretos para evitar represálias do Estado Islâmico ou de outro grupo radical seguidor do EI. Mas de todos, o caso mais explicito de proibição de comemoração do natal é, como se disse, o Tajiquistão, que não só proíbe a comemoração, mas também a troca de presentes, a compra e venda de alimentos comuns no natal, como panetones, frutas secas e cristalizadas, aves prontas para assar, além de fogos de artifício, roupas natalinas e decoração de casas e árvores (tanto as naturais, quanto as artificiais).
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Mas o Natal já foi proibido – e por cristãos. Se hoje, nenhum cristão imagina dezembro sem Natal, este não foi sempre o caso. O feriado religioso já foi proibido nos Estados Unidos e na Inglaterra por várias décadas – pelos próprios cristãos. A maioria dos americanos não sabe ou não se lembra de que o Natal foi banido, por exemplo, em Boston de 1659 a 1681.
A guerra original contra o Natal foi travada nos séculos XVI e XVII pelos puritanos, ou cristãos protestantes, que acreditavam que as pessoas precisavam de regras rígidas para serem religiosas e que qualquer tipo de festa ou animação era pecado. Assim, os próprios seguidores de Jesus, tanto na América quanto na Inglaterra, ajudaram a aprovar leis que tornaram ilegal a celebração do Natal. Acreditavam que era um insulto a Deus honrar um dia que já foi associado com o paganismo antigo. Todas as atividades de Natal, incluindo danças, peças sazonais, jogos, canções natalinas e, sobretudo bebidas, foram proibidas pelo Parlamento dominado pelos puritanos da Inglaterra, em 1644, com os puritanos da Nova Inglaterra seguindo a tendência.
Em Boston, o Natal foi pura e simplesmente proibido. Na colónia de Plymouth, tornou-se um ato criminal. As árvores de Natal e as decorações foram consideradas rituais pagãos impuros; e foram proibidos os alimentos tradicionais da época, como tortas e pudins. As leis puritanas exigiam que as lojas e empresas permanecessem abertas durante todo o dia de Natal; e crentes caminhavam pelas ruas na véspera do evento gritando “Não ao Natal!”.
Na Inglaterra, a proibição do feriado foi levantada em 1660, quando o rei Carlos II ascendeu ao trono. No entanto, a presença puritana permaneceu na Nova Inglaterra, nos EUA, e o Natal não se tornou um feriado legal até 1856. E algumas escolas continuaram a dar aulas em 25 de dezembro até 1870. Embora a mudança tenha sido gradual, as pessoas começaram a abraçar novamente esta comemoração feliz e o feriado do Natal como conhecemos hoje, cheio de viscos e doces, voltou a ser comemorado por todas as colónias americanas.
É certo que alguns grupos intolerantes na Inglaterra fazem guerra ao que seja celebração de Deus e em vários lugares de França e Itália, por falso respeito para com os migrantes islamitas, alguns grupos ditos cristãos inibem-se de celebrar o Natal.
Emblematicamente, na Universidade de Farmacêutica de Shenyang (na província de Laioning, nordeste da China), a Liga da Juventude Comunista proibiu a sindicatos e associações estudantis atividades conexas com os feriados religiosos ocidentais (como o Natal), para ajudar a geração jovem a “estabelecer uma segurança cultural”, devido a que recentemente alguns ficaram “cegamente entusiasmados com as festividades ocidentais”. Já em julho de 2016, milhões de livros de Wen Lisan, ex-editor de uma casa literária proeminente, foram retirados do mercado e seu nome foi apagado para os jovens não serem influenciados pela cultura ocidental.
Esquecem que também o marxismo do PCC foi importado do Ocidente. E isto é a abertura da China ao comércio onde exercem poder, não à cultura que não dominarão!
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É, pois, necessário que os cristãos não abrandem no testemunho natalino e expliquem aos outros as razões da sua esperança e da sua alegria e mostrem a força da sua caridade na justiça.

2017.12.19 – Louro de Carvalho

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