sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Acabar ou não com número de eleitor

O Governo quer acabar com número de eleitor e a CNE é contra.

A proposta de lei do Governo para o recenseamento automático dos residentes no estrangeiro prevê também que, “encontrando-se já o recenseamento eleitoral construído a partir do cartão do cidadão, torna-se desnecessária a manutenção do número de eleitor para a elaboração dos cadernos eleitorais, pelo que se procede à sua eliminação”.
Já em fevereiro de 2011, a comissão de investigadores da Universidade do Minho que analisou os problemas ocorridos nas eleições presidenciais daquele ano alvitrava que devia ser ponderada a abolição futura deste número.
Os autores do relatório que evidenciava as razões que estiveram na base de alguns eleitores não terem conseguido votar nas presidenciais de 23 de Janeiro consideravam que, por isso, se devia refletir sobre as vantagens de acabar com o número de eleitor.
Apesar de a comissão responsável pelo relatório reconhecer os avanços da criação automática de um número de eleitor com o Cartão do Cidadão e do Regime Jurídico do Recenseamento, achava que a lei tinha de ser ajustada.
E a comissão sustentava que o ajustamento teria de ser feito com o objectivo de adequar a atribuição automática à falta de suporte físico do número que não aparece escrito em lado nenhum.
Por esta razão, a comissão liderada por Luís Amaral dizia que merecia ser ponderada a abolição futura deste número, desde que a lei fosse alterada e que houvesse as necessárias adaptações organizativas.
O documento destes investigadores da Universidade do Minho apontava para a convergência de razões de natureza operacional e tecnológica para explicar os problemas que se passaram nas eleições presidenciais do ano de 2011.
Estes investigadores apontavam que foram feitos 2,5 milhões de pedidos de número de eleitor entre as 14 horas e as 17 do dia das eleições presidenciais, mais do que os pedidos feitos durante o dia das eleições autárquicas de 2009.
A comissão, que reconheceu a existência de problemas de manutenção, explicou ainda que os problemas se agravaram uma vez que houve pessoas que fizeram mais que um pedido de número de eleitor antes de receber a resposta pretendida, que, em alguns casos, demorou meia hora a chegar.
Esta comissão recomendou ainda que a base de dados do recenseamento eleitoral fosse mais bem conciliada com outras bases de dados, incluindo a de identificação civil.
Agora a proposta de lei de alteração do regime jurídico do recenseamento eleitoral e a proposta de lei de alteração da Lei Eleitoral da Assembleia da República e da Lei Eleitoral do Presidente da República, que estabelece as condições para a concretização do voto antecipado, embora presencial, nas eleições de âmbito nacional, vêm responder às preocupações da referida comissão de investigadores da Universidade do Minho e dos objetivos do programa do XXI Governo em termos de simplificação e ajustamento de medidas e registos. É a segunda edição do Simplex que o Governo quer pôr em ação também em matéria de recenseamento eleitoral e eleições de âmbito nacional.
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Porém, não é única a proposta do Governo que está na mesa da discussão parlamentar. Também o PSD e o BE apresentaram projetos de lei sobre o recenseamento automático de portugueses residentes no estrangeiro.
O PSD tem um projeto de lei para tornar “oficioso e automático o recenseamento” e “uniformizar o modo de exercício do direito de voto dos eleitores residentes no estrangeiro nas eleições para o Presidente da República, para a Assembleia da República e para o Parlamento Europeu, conferindo a possibilidade de estes eleitores optarem, em todas elas, entre votar presencialmente ou por via postal”, não constando das propostas de oei do Governo a hipótese de opção de voto por via postal.
Os socialdemocratas, “procurando também dar satisfação a um dos anseios” da petição “Também somos portugueses”, pedem ainda a “realização de um projeto-piloto não vinculativo de voto eletrónico não presencial para os eleitores residentes no estrangeiro”, o que parece viável por ser viável e, se generalizado, constituir um avanço considerável.
O Bloco de Esquerda também defende que cidadãos portugueses maiores de 17 anos, residentes no estrangeiro devem estar automaticamente inscritos e apresenta igualmente uma iniciativa para tornar gratuito o exercício de voto daqueles cidadãos, considerando que, na “situação presente o pagamento da franquia configura uma ‘taxa’ que deve ser eliminada”.
Quando o Governo aprovou esta medida em Conselho de Ministros, o secretário de Estado das Comunidades, José Luís Carneiro, disse à Lusa que o direito de voto dos emigrantes passa a ser automático, abrangendo 1,2 milhões de cidadãos portugueses no estrangeiro.
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A Comissão Nacional de Eleições (CNE), face àquela pretensão do Governo de eliminar o número de eleitor, veio exprimir a sua posição de condenação por considerar o número de eleitor um “precioso auxiliar”, argumentando que a ordem alfabética introduz dificuldades, agravadas pelos níveis de analfabetismo e iliteracia da população.
A CNE, ouvida no Parlamento, no âmbito do grupo de trabalho para a alteração às leis eleitorais e do regime jurídico do recenseamento eleitoral, que analisa propostas de lei do Governo e os projetos de lei do PSD e do BE, manifestou-se contra e apresentou verbalmente a sua justificação. E, no parecer enviado ao grupo de trabalho da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, argumentou que, “no plano local, o número de eleitor é unívoco e um precioso auxiliar para inúmeras operações práticas” e alerta:
A organização dos cadernos eleitorais por ordem alfabética introduz dificuldades de consulta com potenciais consequências na possibilidade de reclamar e, em geral, manter o direito para grande número de cidadãos”.
Segundo a CNE, os níveis de analfabetismo e de iliteracia da população apontam para um considerável número de cidadãos incapazes de pôr em prática e de reconhecer a ordenação alfabética das palavras. E sabem ler números e contar? –apetece-me perguntar.
O documento da CNE contou com declarações de voto dos seus membros João Almeida e Jorge Miguéis. Este último sublinha que a opção “coloca os vários e não negligenciáveis riscos referidos no parecer” e retira do recenseamento eleitoral “o seu elemento nuclear e exclusivo que, na prática e desde 1979, tem revelado ser o único apto a fornecer aos eleitores uma fácil e cómoda localização das suas assembleias eleitorais no dia da votação”.
Não sei porque o declarante baliza o efeito alegadamente benéfico a partir de 1979 e não de 1975, o ano das primeiras eleições gerais, em que ainda não havia cartão de eleitor e o propalado civismo do povo português não conheceu situações de caos nem de irregularidades verificadas na fase da democracia estabilizada.
A CNE sugere a manutenção do número de eleitor, “pelo menos transitoriamente e até que sejam criadas condições para que o eleitor vote em qualquer ponto da sua circunscrição de recenseamento eleitoral”. Ora, a Proposta de Lei 77/XIII prevê casos em que o eleitor pode escolher a mesa de voto em que pretende exercer o seu direito – situações em que tem de declarar por escrito essa vontade para exercer o direito de voto por antecipação com a identificação com o nome completo, o número do cartão de cidadão, a designação da freguesia por que foi recenseado, a morada e o e-mail.
Também a CNE sugere que se possa “desmaterializar e interconectar as descargas dos cadernos de recenseamento, permitindo que cada eleitor vote, indiferentemente em qualquer ponto do menor dos círculos em que decorra eleição”. Penso que teremos de ir mesmo por aí, independentemente da manutenção ou da eliminação do número de eleitor.
Deve ainda ser autorizada “expressamente a divulgação do número de identificação civil ou da autorização de residência com o nome abreviado em todos os documentos a publicitar no âmbito do recenseamento e dos processos eleitorais ou referendários”.
A CNE recomenda ainda que, “mantendo a eliminação imediata do número de eleitor” se possam “organizar os cadernos de recenseamento por códigos postais e outros meios de identificação de moradas e, na impossibilidade, por idade dos eleitores” – o que é fácil.
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As dúvidas lançadas pela CNE sobre a iliteracia da população e o analfabetismo dos participantes nas eleições fazem-me lembrar as razões invocadas no tempo de Salazar e Caetano sobre a alegada não preparação do povo para a democracia e para a participação em atos eleitorais, bem como para ser ouvido na manifestação da sua opinião. Aliás, esse espectro da alegada iliteracia pairou nalguns espíritos à esquerda e à direita na fase aguda da revolução abrilina, quando tantos faziam o apelo ao voto em branco no caso de não estarem esclarecidos e outros queriam ensinar as pessoas a votar a pretexto de as levarem a votar neste ou naquele partido, tendo alguns concluído com êxito a sua pretensão.
Ora, o povo pode ser iletrado, mas não é estúpido. E nunca se pode repetir ou olhar com simpatia a atitude retrógrada de quem pretende deixar as pessoas na sua ignorância ou não acreditar que elas aprendam os elementos essenciais da participação. Primeiro, as pessoas mudam e evoluem, desde que as informem e instruam; segundo, na manifesta incapacidade das pessoas em perceberem as questões a ponto de intervirem clara e independentemente com o seu voto, há que ter a paciência de as esclarecer e ajudar.
Quanto ao número de eleitor, não vejo vantagem na sua manutenção. Conforme o MAI, através do site para os assuntos eleitorais ou por SMS em telemóvel, a pedido com indicação do n.º do CC (cartão e cidadão) e data de nascimento ou freguesia de recenseamento, nos informa do número de eleitor e da secção de voto onde cada um vai votar, pode fazer exatamente o mesmo com o nome completo. Mais: É menos confundível o nome completo, com o n.º do CC, que o n.º de eleitor. Devem apenas as juntas de freguesia estar abertas aquando da eleição e as mesas de voto ter pessoal para orientar os eleitores em ordem à sua secção de voto, o que já se vem fazendo.

 2017.12.15 – Louro de Carvalho

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