sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Há silêncio a menos a propósito da nova lei de financiamento dos partidos

A Lei foi aprovada no Parlamento por esmagadora maioria e parece que a crítica à metodologia adotada não passa duma postura de falta de atenção à Assembleia da República cujas sessões plenárias, bem como as reuniões das comissões, nomeadamente as da comissão de assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias, são públicas (para estas o caráter público pode ser dispensado em casos excecionais), embora as reuniões dos grupos de trabalho não tenham de ser públicas, podendo decorrer à porta fechada. Criticar o facto de a votação final ser a 5 dias do Natal não faz sentido e pode significar a tentativa de condicionamento da atividade parlamentar.O decreto da Assembleia da República está em Belém para apreciação do Presidente, que, não tendo de o fazer, avisou a opinião pública de que, tratando-se de uma lei orgânica, o Primeiro-Ministro e/ou um quinto dos deputados em funções poderiam suscitar ao TC (Tribunal Constitucional) a fiscalização prévia da sua constitucionalidade. Não se trata de uma ação de atirar com a responsabilidade para o Governo ou para os partidos como já vi e ouvi defender.
Quando o Presidente diz que não se pode pronunciar nestes 8 dias sobre o diploma, quer dizer apenas que não pode promulgá-lo nem vetá-lo. Mas poderia efetivamente tomar a iniciativa de o sujeitar à fiscalização prévia do TC. Poderia ainda tecer comentários políticos sobre a matéria, o que não lhe ficaria bem. E, desta vez, conteve-se.
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Porém, o Venerável Presidente do TC, um dos responsáveis pelo processo que levou à aprovação do novo diploma, que não se pronuncia sobre as alterações ao financiamento em si, afirmou, em declarações ao Diário de Notícias , que a nova lei do financiamento dos partidos políticos responde, “no essencial” à sua “preocupação relativamente ao modelo de fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
Costa Andrade recorda que, em 2016, o TC manifestara ao Presidente da Assembleia da República e aos deputados as suas preocupações relativamente à fiscalização dos partidos, o que agora fonte oficial do Palácio Ratton confirmou. Nesse âmbito, sustenta que “a lei recentemente aprovada pela Assembleia da República reflete essa preocupação, a que no essencial dá resposta”. Contudo, no que toca às alterações do financiamento em si, o TC não se pronuncia”, di-lo, em conformidade com uma nota emitida, no dia 27 pela, Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), onde “entende não dever comentar as alterações legislativas em matéria de financiamento dos partidos políticos, designadamente as que se referem aos limites do financiamento partidário e à isenção do IVA”. Assim, ficamos a saber que os pontos polémicos ficam de fora daquelas observações, pois, segundo o seu Presidente, “sobre as alterações relativas ao financiamento em si mesmo, o TC não se pronuncia”.
Primeiro, não era relevante saber se o Presidente do TC esteve ou não envolvido pessoalmente no processo legislativo. É relevante saber, isso sim, se o TC como órgão foi ou não ouvido nesta produção legislativa, mas não mais do que isso. Por outro lado, nesta fase de defeso, parece que ninguém do TC deveria ter feito declarações públicas, assim como é cedo para que a ECFP venha pronunciar-se sobre o objeto da lei e sobre a eventual falta de meios em virtude do acréscimo de competências que lhe são atribuídas.
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Também a ECFP reconheceu, em declarações ao ECO que “o extraordinário aumento de competências que a lei recentemente aprovada pela Assembleia da República lhe confere tem de ser necessariamente acompanhada de um significativo reforço dos seus meios materiais e humanos”. Com efeito, a Entidade de Contas passará a fiscalizar as contas dos partidos e passará a ter o poder de aplicar coimas.
Noutra nota, tornada pública, a ECFP segue a linha de argumentação do TC, para informar que “entende não dever comentar as alterações legislativas em matéria de financiamento dos partidos políticos, designadamente as que se referem aos limites do financiamento partidário e à isenção do IVA”. Esta entidade – que tem sido muito criticada pelos partidos neste processo – avisa que “o extraordinário aumento de competências que a lei recentemente aprovada pela Assembleia da República lhe confere tem de ser necessariamente acompanhada de um significativo reforço dos seus meios materiais e humanos”. A esta exigência, acresce para a Entidade um “motivo de grande apreensão”, que é “a revogação da norma que lhe atribui competência regulamentar, decisiva para a normalização de procedimentos relativos à apresentação de despesas pelos partidos políticos e campanhas eleitorais”.
Ficaram a saber-se detalhes do contributo de Manuel da Costa Andrade, que esteve na origem do processo (alegadamente conduzido no segredo dos gabinetes parlamentares) que culminou na aprovação a 21 de dezembro da lei que altera pressupostos no financiamento partidário, nomeadamente com a devolução total de IVA aos partidos e o fim do limite global para donativos. O Presidente do TC, talvez por não ter perdido o dedo da docência universitária, entregou propostas concretas ao Parlamento, em que enumerou hipóteses de trabalho sobre o processo de fiscalização das contas e campanhas eleitorais. Na altura foi criado um grupo de trabalho – o tal que alegadamente trabalhou à porta fechada, sem registos escritos e atas dos trabalhos.
O caderno de encargos de Costa Andrade incluía duas vias para resolver a questão da fiscalização dos partidos, na qual a preferida era “cometer à ECFP a investigação das irregularidades e ilegalidades e, sendo caso disso, a aplicação de coimas, com a possibilidade de recurso para o TC”. Numa síntese publicada pelo Público, a 3 de maio pp, o TC defendia que esta “solução maximizaria a satisfação dos interesses em jogo: eficácia/celeridade (economia processual), alinhamento com a Constituição e com o ordenamento jurídico”.
Noutros pontos antecipados por aquele juiz conselheiro para serem desatados o nó górdio (como o reforço de meios ou a extinção de partidos, por exemplo), propunha-se “que o Parlamento” encontrasse “uma forma adequada de integrar estes grandes eventos partidários na lei”.
E é esta gente que nos quer convencer da separação de poderes e do respeito pela Constituição. E, se calhar, também nos querem pregar ética e ética republicana, quando um dos autores materiais da lei e, em certa medida, em representação do órgão de soberania fiscalizador da constitucionalidade e da legalidade, se predispõe a fazer comentários sobre a lei e a proceder, eventualmente, à sua fiscalização prévia ou sucessiva se o TC, por acaso for “estimulado”.
Por seu turno, a ECFP, em vez de clamar por mais meios, que os vá procurar aonde eles estão.
Se até agora, como refere, apenas auxiliava, através de pareceres, o TC na fiscalização das contas partidárias e de campanhas eleitorais, agora que os poderes de fiscalização e de definição e aplicação de coimas passam do TC para a ECFP, então que requisite os meios materiais e humanos a quem os detém. Não sei se é o legislador que deve alocar os meios ou se é o órgão que superintende na administração pública que o deve fazer.
No entanto, a ECFP, liderada desde outubro por José Figueiredo Dias tem a seguinte posição:
Entende que o extraordinário aumento de competências que a lei recentemente aprovada pela Assembleia da República lhe confere tem de ser necessariamente acompanhada de um significativo reforço dos seus meios materiais e humanos”.
Com efeito, a Entidade das Contas passará a ser responsável por investigar “irregularidades e ilegalidades das contas dos políticos e das campanhas eleitorais”, podendo aplicar coimas. Mas a composição da ECFP não foi alterada, mantendo-se a estrutura de um presidente e dois vogais, que terão dificuldade em absorver a carga de trabalho do TC, dado que não há um reforço da sua equipa. E sublinha que o TC conta com 13 juízes, mas esquece que o TC tem muitas mais atribuições que as atinentes às contas.
Já quando tomou posse em outubro, o novo presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que sucedeu a Margarida Salema, dizia esperar mais meios para fiscalizar os financiamentos partidários. Portanto, a questão dos meios não se prende apenas com as mudanças operadas na lei. Segundo a LusaJosé Figueiredo Dias alertava já na altura para a “escassez de meios qualificados em face do crescente volume de trabalho” e a “exiguidade dos prazos legais cujo cumprimento rigoroso se revela irrealista”.
Também anteriormente, num documento que deu origem ao polémico grupo de trabalho, Manuel da Costa Andrade, Presidente do TC, afirmava a urgência do reforço dos recursos humanos da ECFP, de acordo com a Lusa, para evitar a “paralisia” e os “atrasos crónicos” na avaliação das contas dos partidos. Seria por solidariedade? Se era por força da insuficiência de meios a que a Lei devia obviar, porque não o propôs já que estava com as mãos na massa?
Embora entenda não dever comentar as alterações legislativas em matéria de financiamento dos partidos políticos, designadamente as que se referem aos limites do financiamento partidário e à isenção do IVA, a ECFP, relativamente a uma alteração introduzida na lei, sente “grande apreensão”. Está em causa o artigo 10.º da Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Constas e Financiamentos políticos que permitia à ECFP “definir, através de regulamento, as regras necessárias à normalização de procedimentos no que se refere à apresentação de despesas pelos partidos políticos e campanhas eleitorais”. E este artigo é revogado pelo novo projeto de lei que foi aprovado pelo PSD, PS, PCP, BE e PEV.
Neste sentido, a Entidade das Contas não compreende que, numa alteração legislativa que lhe dá mais poder, se lhe possa retirar este poder regulamentar. Assim, com a nova lei orgânica, ECFP deixa de poder definir como é que os partidos devem apresentar as suas contas, tendo em vista a sua uniformização, o que facilitava a fiscalização.
Em suma, com as alterações agora introduzidas, a ECFP passa a ser a responsável em primeira instância pela fiscalização das contas com a competência para aplicar as coimas e sanções. Se os partidos discordarem, podem recorrer, com efeitos suspensivos, da decisão da ECFP, para o plenário do Tribunal Constitucional.
Contudo, além destas e outras alterações de processo, o PS, PSD, PCP, BE e PEV concordaram em mudar outras disposições relativas ao financiamento partidário, entre os quais o fim do limite para as verbas obtidas através de iniciativas de angariação de fundos e o alargamento do benefício da isenção do IVA a todas as atividades partidárias.
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Também o Bloco de Esquerda veio justificar porque votou a favor embora não se reveja inteiramente no teor da nova lei, que pode e deve ser melhorada. Aduz tê-lo feito apenas para evitar que não haja um órgão fiscalizador das contas que funcione eficazmente.
Ora, do meu ponto de vista, é cedo para antecipar melhorias à lei ora aprovada, a menos que façam o que já vi: pedir ao Presidente que a devolva para melhoria, o que não se faz.
Por seu turno, o PCP vem agora dizer que pretendia mais alterações à lei de financiamento dos partidos e fala em “alteração desta lei absurda, antidemocrática e inconstitucional”.
Afirmou, em comunicado do dia 27, que a aprovação das alterações à lei do financiamento dos partidos políticos, com o voto dos comunistas, se deveu às questões suscitadas pelo TC, mas considerando as mudanças “insuficientes”. No comunicado, pode ler-se:
A posição do PCP de consenso para a alteração desta lei absurda, antidemocrática e inconstitucional, como agora, 14 anos após a sua aprovação, é reconhecido, verifica-se face ao pronunciamento do Tribunal Constitucional e a melhorias introduzidas, apesar de insuficientes”.
O PCP refere que a lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais foi “aprovada em 2003 por PS, PSD e CDS” e “teve e tem” a oposição do PCP. E esclarece:
Mesmo as soluções propostas pelo TC e que ficaram plasmadas nas alterações consensualizadas, não são as nossas soluções, nomeadamente no que se refere às competências próprias que são atribuídas à Entidade das Contas”.
Mais o PCP diz que esta é uma “lei antidemocrática”, já que “impõe limitações à liberdade de atuação dos partidos e confunde fiscalização com ingerência”, continuando a “limitar a autonomia de financiamento” dos partidos políticos face ao Estado e às entidades públicas.
E o documento refere que “o PCP é um partido com identidade própria, não é nem será um departamento do Estado ou uma sucursal política dos grupos económicos e financeiros”.
Já a devolução de IVA, segundo o PCP, visa “pôr fim à discricionariedade de interpretações que tem existido por parte da Autoridade Tributária, ao mesmo tempo que se mantém o pagamento para tudo o que não tem a ver com atividade política”.
São comentários a mais. Votou, está votado!
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Também, segundo o Jornal de Negócios a nova lei poderá enfrentar um outro crivo para lá do crivo presidencial. De acordo com o jornal, as questões relacionadas com a isenção de IVA para partidos poderão esbarrar nas regras europeias. Está em causa a regra que dita que quem beneficia de isenção de IVA nas vendas de bens e serviços não pode deduzir o IVA também nas compras, a não ser em alguns casos excecionais onde, pelos vistos, não entram os partidos.
Também segundo o Jornal de Negócios, alguns constitucionalistas consideram que o novo regime de IVA para os partidos ultrapassa os benefícios concedidos às IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social). Através dele, não só os partidos não entregam IVA ao Estado como podem pedir o reembolso do imposto que vierem a suportar durante a sua atividade, de uma forma genérica – o que, segundo o PCP se restringe à atividade política.
E Ana Catarina Mendes, do PS vem baralhar a questão da retroatividade, dizendo que a devolução do IVA não se aplica aos processos pendentes do PS (A lei é para o futuro!). Mas é clara a lei quando estabelece como norma transitória:
A presente lei aplica-se aos processos novos e aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor que se encontrem a aguardar julgamento, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior”.
A ser verdade, deveria explicar como se entende a norma. Mas os partidos não interpretam leis, a não ser em sede legislativa. E essa já passou, devendo esperar-se por outra.
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Convenhamos que nestes oito dias, há ruído a mais e falta de contenção, com recuos e mais recuos. E a teoria da separação dos poderes sai debilitada.

2017.12.29 – Louro de Carvalho

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