O Reino
Unido vai sair da União Europeia a 29 de março de 2019, em virtude do referendo
que assim levou o Governo britânico, com a necessária autorização parlamentar,
a negociar o brexit.
As negociações já produziram, numa primeira fase, um acordo de princípios
que, segundo foi vertido para a comunicação social, foram efetuados “progressos
suficientes” nos três domínios prioritários: direitos dos cidadãos; diálogo
sobre a Irlanda/Irlanda do Norte; e acordo
financeiro com o Reino Unido. Mais foi referido que, no atinente aos
direitos dos cidadãos, “serão protegidas
as opções de vida dos cidadãos da UE que vivem no Reino Unido”. Por conseguinte,
“estes cidadãos, assim como os cidadãos britânicos que vivem na UE a 27,
conservarão os seus direitos após a saída do Reino Unido da UE; e a Comissão Europeia
garantiu que “todos os procedimentos administrativos para os cidadãos da UE que
vivem no Reino Unido serão simples e pouco dispendiosos”.
Em fevereiro, iniciar-se-á a segunda fase das negociações, que se reputa
mais difícil, mas que se espera chegar a bom porto.
***
Entretanto, David Davis, o Ministro do brexit, diz que o acordo não passa de declaração
de intenções e garante que, se Londres e UE não
se entenderem sobre o comércio, os britânicos não pagarão a fatura da saída.
Há pouco mais
de uma semana, o DUP rejeitava a proposta de acordo para passar à fase seguinte
do brexit e Theresa May tremia no poder, com o seu governo dependente
dos dez deputados dos unionistas irlandeses para ter maioria absoluta no
Parlamento. Finalmente, a Primeira-Ministra surgia como heroína depois de uma
madrugada de trabalho em Bruxelas resultar num acordo para passar à segunda fase.
Com o fim de semana tudo mudou, com um ministro a garantir que os britânicos
vão poder alterar o acordo e a dizer que a parte sobre a fronteira entre a
Irlanda do Norte e a Irlanda não passa de uma “declaração de intenções”,
adiantando que, sem um acordo comercial, Londres não pagará a fatura do
divórcio.
Com os
chefes de Estado e de Governo da UE a reunirem-se em Bruxelas nos dias 14 e 15
para decidirem se dão luz verde ao acordo para viabilizar a fase seguinte das
negociações (a futura relação entre Reino Unido e UE), David Davis veio levantar mais dúvidas. No programa Andrew Marr da BBC, o
Ministro explicou que o acordo obtido por May “não é legalmente vinculativo” e,
se, no final deste período, as duas partes não chegarem a um entendimento sobre
o comércio, Londres poderá não pagar os 40 a 45 mil milhões de euros definidos.
O Ministro pressupõe,
no entanto, que as hipóteses de o Reino Unido sair sem um acordo baixaram e
frisou que Londres espera conseguir uma relação comercial com os 27 semelhante
à obtida, este ano, pelo Canadá, mas mais vantajosa ainda, pois, além de
retirar a maioria das barreiras aduaneiras aos bens trocados entre as duas
partes – como sucede com o Canadá –, o acordo com o Reino Unido deverá incluir
a livre circulação de serviços.
Quanto à
fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, depois da recusa do DUP em
assinar o primeiro acordo, o segundo texto garante um “alinhamento total” entre
Reino Unido e UE, que evite uma fronteira rígida [hard border] após março
de 2019. Davis, que garantiu que o predito “alinhamento total” se aplicaria ao
Reino Unido como um todo e não apenas à Irlanda do Norte, veio explicar que a
ideia é “proteger o processo de paz e proteger a Irlanda do impacto do brexit”. Trata-se de “uma declaração de intenções
mais do que outra coisa”. E, se não houver acordo, terá de se encontrar maneira
de garantir uma fronteira sem atritos”.
Face a estas
declarações, o governo de Dublin veio dizer que para si o acordo é vinculativo.
O Ministro de Estado irlandês, Joe McHugh, garantindo que “a UE vai pedir
contas ao Reino Unido”, afirmou, em entrevista à rádio RTE, que a sua questão
para todos no governo britânico é, “porque haveria um acordo, um conjunto de
princípios acordados, para passar à fase II, se não era para serem respeitados?”.
E, depois de
o Ministro do Ambiente, Michael Gove, ter garantido que os britânicos ainda
podem mudar os termos do acordo, as palavras de Davis revelam que, depois dos
elogios a May, esta terá de voltar a lidar com as divisões dentro do Governo e controlar
os brexiteers radicais.
***
***
A Chefe de Governo britânico assegurou à Câmara dos Comuns que
apresentará ao Parlamento nacional o acordo final sobre o ‘brexit’ “muito antes”
da data de saída da União Europeia (UE), a
tempo de se poderem fazer eventuais alterações.
O anúncio da Primeira-Ministra
conservadora foi feito horas antes de um grupo de deputados do seu partido,
liderado por Dominic Grieve, levar a votação uma emenda à proposta de lei de
saída da UE em que exigem garantias legais de que o Parlamento de Westminster
poderá pronunciar-se sobre o acordo final.
Se
for aprovada, a emenda, que tem o apoio da oposição trabalhista, será uma
derrota da Primeira-Ministra, imposta pelos seus próprios deputados.
Porém, May antecipou-se em fazer-lhes
a vontade, garantindo no debate parlamentar semanal:
“Submeteremos a votação na Câmara dos Comuns e na Câmara dos Lordes o
acordo final entre o Reino Unido e a União Europeia antes que entre em vigor”.
E, numa outra tentativa para travar a
emenda, o Ministro para o ‘brexit’, David Davis, escreveu aos deputados “rebeldes”
a assegurar-lhes que poderão pronunciar-se sobre o acordo “de maneira
significativa” e não apenas simbólica.
Apesar disso, Grieve afirmou que as
promessas de Davis não são suficientes e que quer uma garantia legal.
A proposta de lei de saída da UE vai
transpor a legislação europeia para a legislação britânica.
***
Neste contexto
de rumores, contestação e indefinição, os peritos sustentam que o programa para
legalizar cidadãos dos países-membros da UE no Reino Unido pode excluir pessoas
que cumprem condições para ficar após o brexit. Segundo o The Guardian, os peritos em migrações concluíram que centenas de
milhares de cidadãos de países da UE que estejam a viver no Reino Unido podem
ter problemas para garantir uma autorização para ficarem no país após o brexit.
Com efeito,
o Observatório das Migrações da Universidade de Oxford admite que centenas de
milhares de pessoas terão dificuldades em cumprir com as exigências do programa
que se inicia na segunda metade de 2018 e deverão ser excluídos todos os que
não provarem que viveram legalmente no Reino Unido nos últimos 5 anos, os que
não se candidatarem ao programa no período estipulado e os que se tenham
ausentado do Reino Unido por períodos significativos, embora com justificação. Madeleine
Sumption, diretora do observatório, disse àquele jornal:
“A maioria dos cidadãos da União Europeia deverá ter poucos problemas a
resolver o seu estatuto se o sistema simplificado proposto pelo governo for
adiante. Mas há ainda grandes questões sobre o que irá acontecer à minoria que
não tem provas oficiais de que vive no Reino Unido.”.
O Ministro
da Imigração britânico, Brandon Lewis, anunciou que o programa de candidaturas
para os três milhões de cidadãos da UE que vivem no Reino Unido incluirá um
questionário online com 6 a 8 questões, custará a cada cidadão sensivelmente o
mesmo que um passaporte britânico – 72 libras, cerca de 80 euros – e deverá dar
resposta a cada pedido num prazo de duas semanas a partir da entrega.
A propósito
disto, lê-se num relatório do Observatório das Migrações:
“Dependendo da documentação solicitada, algumas pessoas poderão não ter
capacidade para oferecer o ónus da prova. Por exemplo, pessoas que estão a
trabalhar sem declarar os rendimentos podem ter dificuldades em demonstrar que
estiveram a trabalhar no Reino Unido durante cinco anos”.
O mesmo
relatório aponta razões para os cidadãos não fazerem prova:
“Algumas pessoas elegíveis para ficarem podem não se candidatar no
período de dois anos proposto, por exemplo, porque não têm noção de que têm de
o fazer, julgam que não são elegíveis, não falam inglês suficiente para
navegarem o processo, não têm acesso a um computador ou têm outros problemas,
como indigência ou deficiências que constituem entraves”.
Ora, quem
não entrar com o processo online no período designado torna-se um residente
ilegal e pode ser detido e expulso do Reino Unido. A este respeito, Madeleine
Sumption concluiu:
“O processo de registo para os cidadãos da União Europeia é propenso à
controvérsia. Alguma indicação de fraude irá fazer rapidamente manchetes, mas,
se o ónus da prova for forte e pessoas elegíveis para permanecerem perderem o
estatuto legal, será perdida a confiança no sistema”.
***
Afinal, as
coisas não são tão simples como o eurodeputado António Marinho e Pinto declarava
ao semanário “O Diabo”, pois dizia
que as coisas ficavam quase na mesma depois do ‘brexit’.
Compreendo que
seja muito difícil May aguentar a pedalada em sede de negociação com a UE, mas
a Chefe do Governo britânico não pode esquecer o poder do Parlamento e tem de
ter isso presente quando está à mesa das negociações, devendo saber até onde
pode ir e onde pode ceder. Por seu turno, o Parlamento, cujos membros não
passam pelo incómodo das negociações internacionais não pode exercer o seu
poder de forma caprichosa ignorando o ónus da negociação nem colocar o Reino
Unido acima de toda a relação com a Europa ou com o Mundo.
Seja como
for, nada se ganha, em termos do bem-estar e dos direitos dos cidadãos, em
fazer acordos pouco claros ou em andar para diante e para trás em matérias que jogam
com a vida e os legítimos interesses das pessoas e, no fim de tudo, com a paz.
Em suma, tem
de ser garantido o direito dos cidadãos britânicos a permanecerem na UE e
cidadãos da UE a permanecer no Reino Unido. E, se é difícil provar a situação adquirida
por parte dos interessados, sobretudo se for por causa das questões da língua (não direi o
mesmo se for por falta de declaração de rendimentos), devem as autoridades usar de espera e paciência
para com as pessoas até que elas possam resolver a sua situação num prazo
considerado razoável e ajudá-las nas suas dificuldades. Para isso também servem
as autoridades.
O ‘brexit’
não pode ser restauracionista nem revanchista. Não é por acaso que se pertenceu
à UE ou que com ela se estabelecem negociações. Que uns e outros ponderem o bem
comum e a paz pública na relação diplomática e na relação comercial.
2017.12.13 - Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário