quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Afinal, cidadãos da UE podem perder direito a ficar no Reino Unido

O Reino Unido vai sair da União Europeia a 29 de março de 2019, em virtude do referendo que assim levou o Governo britânico, com a necessária autorização parlamentar, a negociar o brexit.
As negociações já produziram, numa primeira fase, um acordo de princípios que, segundo foi vertido para a comunicação social, foram efetuados “progressos suficientes” nos três domínios prioritários: direitos dos cidadãos; diálogo sobre a Irlanda/Irlanda do Norte; e acordo financeiro com o Reino Unido. Mais foi referido que, no atinente aos direitos dos cidadãos, “serão protegidas as opções de vida dos cidadãos da UE que vivem no Reino Unido”. Por conseguinte, “estes cidadãos, assim como os cidadãos britânicos que vivem na UE a 27, conservarão os seus direitos após a saída do Reino Unido da UE; e a Comissão Europeia garantiu que “todos os procedimentos administrativos para os cidadãos da UE que vivem no Reino Unido serão simples e pouco dispendiosos”.
Em fevereiro, iniciar-se-á a segunda fase das negociações, que se reputa mais difícil, mas que se espera chegar a bom porto.
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Entretanto, David Davis, o Ministro do brexit, diz que o acordo não passa de declaração de intenções e garante que, se Londres e UE não se entenderem sobre o comércio, os britânicos não pagarão a fatura da saída.
Há pouco mais de uma semana, o DUP rejeitava a proposta de acordo para passar à fase seguinte do brexit e Theresa May tremia no poder, com o seu governo dependente dos dez deputados dos unionistas irlandeses para ter maioria absoluta no Parlamento. Finalmente, a Primeira-Ministra surgia como heroína depois de uma madrugada de trabalho em Bruxelas resultar num acordo para passar à segunda fase. Com o fim de semana tudo mudou, com um ministro a garantir que os britânicos vão poder alterar o acordo e a dizer que a parte sobre a fronteira entre a Irlanda do Norte e a Irlanda não passa de uma “declaração de intenções”, adiantando que, sem um acordo comercial, Londres não pagará a fatura do divórcio.
Com os chefes de Estado e de Governo da UE a reunirem-se em Bruxelas nos dias 14 e 15 para decidirem se dão luz verde ao acordo para viabilizar a fase seguinte das negociações (a futura relação entre Reino Unido e UE), David Davis veio levantar mais dúvidas. No programa Andrew Marr da BBC, o Ministro explicou que o acordo obtido por May “não é legalmente vinculativo” e, se, no final deste período, as duas partes não chegarem a um entendimento sobre o comércio, Londres poderá não pagar os 40 a 45 mil milhões de euros definidos.
O Ministro pressupõe, no entanto, que as hipóteses de o Reino Unido sair sem um acordo baixaram e frisou que Londres espera conseguir uma relação comercial com os 27 semelhante à obtida, este ano, pelo Canadá, mas mais vantajosa ainda, pois, além de retirar a maioria das barreiras aduaneiras aos bens trocados entre as duas partes – como sucede com o Canadá –, o acordo com o Reino Unido deverá incluir a livre circulação de serviços.
Quanto à fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, depois da recusa do DUP em assinar o primeiro acordo, o segundo texto garante um “alinhamento total” entre Reino Unido e UE, que evite uma fronteira rígida [hard border] após março de 2019. Davis, que garantiu que o predito “alinhamento total” se aplicaria ao Reino Unido como um todo e não apenas à Irlanda do Norte, veio explicar que a ideia é “proteger o processo de paz e proteger a Irlanda do impacto do brexit”. Trata-se de “uma declaração de intenções mais do que outra coisa”. E, se não houver acordo, terá de se encontrar maneira de garantir uma fronteira sem atritos”.
Face a estas declarações, o governo de Dublin veio dizer que para si o acordo é vinculativo. O Ministro de Estado irlandês, Joe McHugh, garantindo que “a UE vai pedir contas ao Reino Unido”, afirmou, em entrevista à rádio RTE, que a sua questão para todos no governo britânico é, “porque haveria um acordo, um conjunto de princípios acordados, para passar à fase II, se não era para serem respeitados?”.
E, depois de o Ministro do Ambiente, Michael Gove, ter garantido que os britânicos ainda podem mudar os termos do acordo, as palavras de Davis revelam que, depois dos elogios a May, esta terá de voltar a lidar com as divisões dentro do Governo e controlar os brexiteers radicais.
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A Chefe de Governo britânico assegurou à Câmara dos Comuns que apresentará ao Parlamento nacional o acordo final sobre o ‘brexit’ “muito antes” da data de saída da União Europeia (UE), a tempo de se poderem fazer eventuais alterações.
O anúncio da Primeira-Ministra conservadora foi feito horas antes de um grupo de deputados do seu partido, liderado por Dominic Grieve, levar a votação uma emenda à proposta de lei de saída da UE em que exigem garantias legais de que o Parlamento de Westminster poderá pronunciar-se sobre o acordo final.
Se for aprovada, a emenda, que tem o apoio da oposição trabalhista, será uma derrota da Primeira-Ministra, imposta pelos seus próprios deputados.
Porém, May antecipou-se em fazer-lhes a vontade, garantindo no debate parlamentar semanal:
Submeteremos a votação na Câmara dos Comuns e na Câmara dos Lordes o acordo final entre o Reino Unido e a União Europeia antes que entre em vigor”.
E, numa outra tentativa para travar a emenda, o Ministro para o ‘brexit’, David Davis, escreveu aos deputados “rebeldes” a assegurar-lhes que poderão pronunciar-se sobre o acordo “de maneira significativa” e não apenas simbólica.
Apesar disso, Grieve afirmou que as promessas de Davis não são suficientes e que quer uma garantia legal.
A proposta de lei de saída da UE vai transpor a legislação europeia para a legislação britânica.
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Neste contexto de rumores, contestação e indefinição, os peritos sustentam que o programa para legalizar cidadãos dos países-membros da UE no Reino Unido pode excluir pessoas que cumprem condições para ficar após o brexit. Segundo o The Guardian, os peritos em migrações concluíram que centenas de milhares de cidadãos de países da UE que estejam a viver no Reino Unido podem ter problemas para garantir uma autorização para ficarem no país após o brexit.
Com efeito, o Observatório das Migrações da Universidade de Oxford admite que centenas de milhares de pessoas terão dificuldades em cumprir com as exigências do programa que se inicia na segunda metade de 2018 e deverão ser excluídos todos os que não provarem que viveram legalmente no Reino Unido nos últimos 5 anos, os que não se candidatarem ao programa no período estipulado e os que se tenham ausentado do Reino Unido por períodos significativos, embora com justificação. Madeleine Sumption, diretora do observatório, disse àquele jornal:  
A maioria dos cidadãos da União Europeia deverá ter poucos problemas a resolver o seu estatuto se o sistema simplificado proposto pelo governo for adiante. Mas há ainda grandes questões sobre o que irá acontecer à minoria que não tem provas oficiais de que vive no Reino Unido.”.
O Ministro da Imigração britânico, Brandon Lewis, anunciou que o programa de candidaturas para os três milhões de cidadãos da UE que vivem no Reino Unido incluirá um questionário online com 6 a 8 questões, custará a cada cidadão sensivelmente o mesmo que um passaporte britânico – 72 libras, cerca de 80 euros – e deverá dar resposta a cada pedido num prazo de duas semanas a partir da entrega.
A propósito disto, lê-se num relatório do Observatório das Migrações:
Dependendo da documentação solicitada, algumas pessoas poderão não ter capacidade para oferecer o ónus da prova. Por exemplo, pessoas que estão a trabalhar sem declarar os rendimentos podem ter dificuldades em demonstrar que estiveram a trabalhar no Reino Unido durante cinco anos”.
O mesmo relatório aponta razões para os cidadãos não fazerem prova:
Algumas pessoas elegíveis para ficarem podem não se candidatar no período de dois anos proposto, por exemplo, porque não têm noção de que têm de o fazer, julgam que não são elegíveis, não falam inglês suficiente para navegarem o processo, não têm acesso a um computador ou têm outros problemas, como indigência ou deficiências que constituem entraves”.
Ora, quem não entrar com o processo online no período designado torna-se um residente ilegal e pode ser detido e expulso do Reino Unido. A este respeito, Madeleine Sumption concluiu:
O processo de registo para os cidadãos da União Europeia é propenso à controvérsia. Alguma indicação de fraude irá fazer rapidamente manchetes, mas, se o ónus da prova for forte e pessoas elegíveis para permanecerem perderem o estatuto legal, será perdida a confiança no sistema”.
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Afinal, as coisas não são tão simples como o eurodeputado António Marinho e Pinto declarava ao semanário “O Diabo”, pois dizia que as coisas ficavam quase na mesma depois do ‘brexit’.
Compreendo que seja muito difícil May aguentar a pedalada em sede de negociação com a UE, mas a Chefe do Governo britânico não pode esquecer o poder do Parlamento e tem de ter isso presente quando está à mesa das negociações, devendo saber até onde pode ir e onde pode ceder. Por seu turno, o Parlamento, cujos membros não passam pelo incómodo das negociações internacionais não pode exercer o seu poder de forma caprichosa ignorando o ónus da negociação nem colocar o Reino Unido acima de toda a relação com a Europa ou com o Mundo.
Seja como for, nada se ganha, em termos do bem-estar e dos direitos dos cidadãos, em fazer acordos pouco claros ou em andar para diante e para trás em matérias que jogam com a vida e os legítimos interesses das pessoas e, no fim de tudo, com a paz.   
Em suma, tem de ser garantido o direito dos cidadãos britânicos a permanecerem na UE e cidadãos da UE a permanecer no Reino Unido. E, se é difícil provar a situação adquirida por parte dos interessados, sobretudo se for por causa das questões da língua (não direi o mesmo se for por falta de declaração de rendimentos), devem as autoridades usar de espera e paciência para com as pessoas até que elas possam resolver a sua situação num prazo considerado razoável e ajudá-las nas suas dificuldades. Para isso também servem as autoridades.
O ‘brexit’ não pode ser restauracionista nem revanchista. Não é por acaso que se pertenceu à UE ou que com ela se estabelecem negociações. Que uns e outros ponderem o bem comum e a paz pública na relação diplomática e na relação comercial.
2017.12.13 - Louro de Carvalho

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