Já o disse noutra ocasião e vou repeti-lo. Obviamente,
estou de acordo com o colunista do Eco,
António Costa, quando se interroga se “a Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa vai mesmo jogar com 200 milhões de euros no ‘euromilhões’
do Montepio” e no atinente a outra questão “A
quem devemos pedir responsabilidades por esta irresponsabilidade?”.
***
O novo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa,
Edmundo Martinho – que sucede a Pedro Santana Lopes, de quem foi número dois
desde 2016 –, acompanhado pelo Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança
Social, José Vieira da Silva, e pelo vice-provedor, João Pedro Correia,
discursou durante a cerimónia da sua tomada de posse na sede da instituição, em
Lisboa, a 6 de dezembro pp. E reafirmou a intenção da Santa Casa em se tornar acionista do Montepio Geral, uma ideia preparada por
Santana Lopes.
Em
entrevista à TSF/Diário de Notícias abordou a questão política da entrada no capital
da Caixa Económica Montepio Geral, explicitando não ser pressionado pelo
Governo, embora saiba que este vê a medida com bons olhos:
“Naturalmente
que tem havido do lado do Governo uma atitude de simpatia em relação a essa
possibilidade, como tem havido, aliás, do lado do regulador. Mas a Santa Casa
não negoceia a pedido do Governo uma entrada no capital social do Montepio
Geral. Aquilo que eu sei é que, de facto, o Governo vê com bons olhos e
com simpatia a possibilidade de se reforçar esta área da economia social também
no domínio financeiro. É nessa perspetiva que a Santa Casa se tem colocado.”.
Martinho
adiantou sobre o papel da Santa Casa na sua sustentabilidade e na economia
social:
“O entendimento
que fazemos é que a Santa Casa tem um papel a desempenhar no domínio da
economia social, mas tem também um outro domínio que é o que tem que ver com a
própria sustentabilidade da Santa Casa enquanto entidade capaz de continuar a
responder”.
E sobre
a vantagem do Montepio em relação à sustentabilidade da Santa Casa, justificou:
“É nessa
linha que entendemos que a entrada estratégica no capital de uma entidade
bancária, como é o caso da Caixa Económica Montepio Geral, pode servir estes
fins de garantia de sustentabilidade da Santa Casa”.
Assegurando
tratar-se duma aposta estratégica e não conjuntural, garantiu:
“Estamos
a falar de sustentabilidade a médio e longo prazo. Esta não é uma operação
financeira de comprar hoje para vender amanhã para obter mais-valias. Não é
disso que se trata; trata-se de uma aposta estratégica neste grande setor da
economia social, onde a Santa Casa quer ter uma palavra a dizer, não apenas nas
instâncias que regulam o setor, mas também naquilo que são instrumentos
essenciais para o exercício capaz e cabal daquilo que é a natureza das
entidades do setor social. E um desses instrumentos é naturalmente o instrumento
de financiamento.”.
Edmundo
Martinho gostava de que “isto estivesse arrumado no próximo mês, mês e meio.
Não sabendo se conseguirá consumar a proeza até ao final do ano, disse gostar
de que, no início de 2018, tudo “estivesse arrumado”, no sentido da entrada ou
não entrada”.
Por seu
turno, Tomás Correia, Presidente da Associação Mutualista, no almoço de Natal
dos associados – o responsável pelo estado a que a instituição chegou –, disse que
a entrada da Santa Casa no capital do banco deveria ficar fechada até ao Natal.
Segundo
os responsáveis pela operação, “está a ser feito um processo de avaliação desta
participação, que não pode ser vista apenas naquilo que é o valor nominal
correspondente às ações, porque tem este valor estratégico da entrada e de
reforço da economia social no setor financeiro”, coisa que, do ponto de vista deles,
“representa um objetivo importante, mas tem outra caraterística”: a entrada de
capital, apesar de muito minoritária (10%), “tem
a contrapartida de a Santa Casa ter uma palavra a dizer e um papel a
desempenhar na governance do grupo financeiro da Caixa Económica”.
Porém,
esta é a questão polémica, porquanto José Félix Morgado está contra a mudança
dos órgãos sociais. Entretanto, o predito provedor, assegurando que a Santa Casa
não tem “linhas vermelhas”, esclareceu:
“Portanto,
é isso que é preciso apreciar e que está a ser avaliado, que está a ser muito ponderado
com o apoio, obviamente, de entidades financeiras independentes que nos ajudam
a perceber esses passos que faltam e a dizer qual é o valor justo que este
conjunto de caraterísticas representa numa operação desta natureza”.
A
Santa Casa terá cerca de 10% no máximo do Montepio Geral, a importância de 220
mil euros. No entanto, esta quota percentual, de acordo com o que vem sendo
conversado, permitirá ao novo acionista ter de facto uma palavra a dizer, o que
não é comum. Ou seja, uma participação de 10%, a não ser numa entidade
financeira que tenha o capital muito pulverizado, dificilmente daria direito a
participação plena na governance do banco, como reconhece o provedor.
Mais admite o provedor que a entrada da Santa Casa no capital da Caixa Económica Montepio Geral leve o
banco a recentrar a sua atividade como caixa mutualista. E explicita o seu
objetivo:
“Eu
diria que essa é uma das razões centrais do nosso interesse, ou seja, termos a
possibilidade de internamente poder influenciar para que o Montepio se mantenha
nesse caminho de banco mutualista, de banco ao serviço das pessoas, ao serviço
das instituições do setor social e, com isso, do desenvolvimento das respostas
sociais de que o país precisa”.
***
A este respeito, o já mencionado colunista do Eco põe o dedo na ferida, apontando “tudo o que se passou na banca
portuguesa nos últimos dez anos”, com os “milhares de milhões destruídos em
capital, do que sabemos, e do que ainda não sabemos”, e questiona:
“Como
é que é possível admitir que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML)
invista 200 milhões de euros para ser acionista do Montepio Geral? A quem vamos
pedir responsabilidades por esta irresponsabilidade, que põe em causa o papel
da Santa Casa como instituição destinada a apoiar os mais desfavorecidos?”.
Reconhece que o Montepio Geral, para sair da crise, está “a fazer um
trabalho de casa difícil, o de limpeza de um balanço que, salvaguardada a
escala, tinha os mesmos padrões do BES no perfil de financiamento, e de risco,
às empresas”. Foi para isto que José Félix Morgado foi contratado, mas “vai
acabar fora do banco por causa disso”.
Todavia, o trabalho de Morgado não pode excluir a necessidade dum aumento
de capital e dum novo acionista, porque a Associação Mutualista, o acionista do
banco, não tem condições para sobreviver sozinha.
E Costa, contrariando “os silêncios e cumplicidades” que “já nos custaram
muito”, abre o livro:
“O valor do Montepio nas contas da
Associação Mutualista está insuflado. O Montepio não vale cerca de dois mil milhões
de euros, e basta para isso comparar o valor do BCP (3,9 mil milhões de euros)
ou do BPI (1,65 mil milhões de euros) em bolsa para perceber isso. Mas, como o
Montepio não está cotado, é possível manter o teatro, sem fazer um ajustamento
do seu valor. Só que, num aumento de capital, um novo acionista que tenha uma
avaliação racional e puramente económica e financeira do negócio também não
pagaria o que está nas contas. É por isso que aparece a Santa Casa da
Misericórdia, que depende do Governo, para fazer esta operação por um valor que
não reflete a realidade do banco, este supervisionado pelo Banco de Portugal.”.
Isto quer dizer que, além dos riscos que corre investindo num banco que não
dá garantias de sobrevivência, hipotecando dinheiros do povo que são destinados
ao apoio aos pobres, débeis, doentes,refugiados e outros cidadãos em perigo, a
SCML contribuirá para mascarar as contas insuficientes e quiçá fraudulentas da
associação mutualista… Quer o Governo concorde, quer não, a operação desdiz dos
fins estatutários e objetivos da SCML, junto de quem, bem ou mal (recordo que
o Estado usurpou as prerrogativas fundacionais da SCML), o Estado tem responsabilidades. Além disso, a
participação no capital social de um banco não constitui meio adequado para a
consecução dos fins da SCML nem está prevista nos estatutos. E não creio que a
SCML tenha a capacidade para levar o Montepio a recentrar a sua dimensão
mutualista e social.
António Costa, o colunista mencionado, lembra que “Pedro Santana Lopes
estava disponível para fazer o negócio”, o que, na sua opinião, “não é um bom
cartão de visita para quem quer ser líder do PSD e Primeiro-Ministro”. E o novo
provedor espera que a operação se faça no início do ano. E o colunista pergunta
de que modo e com que garantias isso vai ser feito e critica a falta de escrutínio,
não lhe parecendo suficiente a explicação de que “os 200 milhões de euros por
10% do capital não refletem apenas o valor contabilístico e financeiro, mas o
valor estratégico do negócio”. E interroga-se com pertinência:
“Qual é o valor estratégico do negócio
bancário para a Santa Casa da Misericórdia, a não ser fazer um negócio
arriscado, como se estivesse a jogar no Euromilhões? Pode ser que dê certo, é
isso? Um banco social? É mesmo isso que querem vender-nos, mas já agora
poderiam explicar em que é que se traduz essa estratégia bancária. Vai
financiar as misericórdias por esse país fora, instituições que, sabe-se, vivem
de subsídios do Estado e estão, a maioria delas, em situação financeira
desesperada? Mas isso é para perder dinheiro.”.
António Costa avisa que “ainda estamos a tempo de impedir um negócio
desastroso, desenhado para resolver um problema que foi sendo chutado para
debaixo da mesa nos últimos anos porque já tínhamos tido o BPN, o BPP e o BES,
para não falar nas recapitalizações dos outros com empréstimos do Estado”. BCP,
BPI, CGD, Banif... E faz reparo:
“Não é aceitável jogar com o dinheiro da
Santa Casa para resolver o problema da Associação Mutualista Montepio Geral,
que não pode reconhecer nas suas contas o verdadeiro valor do banco Montepio. E
para manter em funções Tomás Correia, quem na verdade foi o responsável por
esse caminho, no banco e na associação mutualista.”.
Advertindo que, “se este negócio vier a ser feito, são todos responsáveis
pelo que daí resultar”, especifica: o presidente da Associação Mutualista,
Tomás Correia; o provedor da Santa Casa, Edmundo Martinho; o Ministro do
Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Vieira da Silva; o
Primeiro-Ministro, António Costa; o governador do Banco de Portugal, Carlos
Costa; e “também os que, pelo silêncio, não exigirem explicações, como Marcelo
Rebelo de Sousa”.
***
Não me
convence a cantilena do provedor da Santa Casa ao clamar que o investimento no
Montepio faz sentido porque a Santa Casa tem na sua “tradição” ser “pioneiro”,
o que não é o mesmo que ser “aventureiro”. Não é aventureirismo arriscar na
situação em que está a banca e, em concreto, aquele banco?
De que vale
poder vir a nomear um ou dois gestores executivos, como disse em entrevista
ao Público, tendo em conta um investimento que
irá até 10% do capital da instituição financeira mas que representará quase 20%
dos ativos da Santa Casa? Como é que pode Edmundo Martinho dizer que o possível
investimento pela Santa Casa é feito “com alguma tranquilidade”, já que “a
análise que fazemos do Montepio, nesta altura, aponta para um conjunto de
rácios com alguma solidez”?
Talvez seja
de recordar:
“A
SCML tem como fins a realização da melhoria do bem-estar das pessoas,
prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação
social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, de
acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso
originário e da sua secular atuação em prol da comunidade, bem como a promoção,
apoio e realização de atividades que visem a inovação, a qualidade e a
segurança na prestação de serviços e, ainda, o desenvolvimento de iniciativas
no âmbito da economia social” (art.º 4.º/1 dos estatutos, aprovados pelo DL
n.º 235/2008, de 3 de dezembro).
Será que a participação no capital dum banco em crise e de contas
mascaradas será um meio adequado à prossecução destes fins estatutários?
2017.12.12 –
Louro de Carvalho
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