terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Obviamente, não concordo com a Misericórdia no Montepio Geral

Já o disse noutra ocasião e vou repeti-lo. Obviamente, estou de acordo com o colunista do Eco, António Costa, quando se interroga se “a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa vai mesmo jogar com 200 milhões de euros no ‘euromilhões’ do Montepio” e no atinente a outra questão “A quem devemos pedir responsabilidades por esta irresponsabilidade?”.
***
O novo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho – que sucede a Pedro Santana Lopes, de quem foi número dois desde 2016 –, acompanhado pelo Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, José Vieira da Silva, e pelo vice-provedor, João Pedro Correia, discursou durante a cerimónia da sua tomada de posse na sede da instituição, em Lisboa, a 6 de dezembro pp. E reafirmou a intenção da Santa Casa em se tornar acionista do Montepio Geral, uma ideia preparada por Santana Lopes.
Em entrevista à TSF/Diário de Notícias abordou a questão política da entrada no capital da Caixa Económica Montepio Geral, explicitando não ser pressionado pelo Governo, embora saiba que este vê a medida com bons olhos:
Naturalmente que tem havido do lado do Governo uma atitude de simpatia em relação a essa possibilidade, como tem havido, aliás, do lado do regulador. Mas a Santa Casa não negoceia a pedido do Governo uma entrada no capital social do Montepio Geral. Aquilo que eu sei é que, de facto, o Governo vê com bons olhos e com simpatia a possibilidade de se reforçar esta área da economia social também no domínio financeiro. É nessa perspetiva que a Santa Casa se tem colocado.”.
Martinho adiantou sobre o papel da Santa Casa na sua sustentabilidade e na economia social:
O entendimento que fazemos é que a Santa Casa tem um papel a desempenhar no domínio da economia social, mas tem também um outro domínio que é o que tem que ver com a própria sustentabilidade da Santa Casa enquanto entidade capaz de continuar a responder”.
E sobre a vantagem do Montepio em relação à sustentabilidade da Santa Casa, justificou:
É nessa linha que entendemos que a entrada estratégica no capital de uma entidade bancária, como é o caso da Caixa Económica Montepio Geral, pode servir estes fins de garantia de sustentabilidade da Santa Casa”.
Assegurando tratar-se duma aposta estratégica e não conjuntural, garantiu:
Estamos a falar de sustentabilidade a médio e longo prazo. Esta não é uma operação financeira de comprar hoje para vender amanhã para obter mais-valias. Não é disso que se trata; trata-se de uma aposta estratégica neste grande setor da economia social, onde a Santa Casa quer ter uma palavra a dizer, não apenas nas instâncias que regulam o setor, mas também naquilo que são instrumentos essenciais para o exercício capaz e cabal daquilo que é a natureza das entidades do setor social. E um desses instrumentos é naturalmente o instrumento de financiamento.”.
Edmundo Martinho gostava de que “isto estivesse arrumado no próximo mês, mês e meio. Não sabendo se conseguirá consumar a proeza até ao final do ano, disse gostar de que, no início de 2018, tudo “estivesse arrumado”, no sentido da entrada ou não entrada”.
Por seu turno, Tomás Correia, Presidente da Associação Mutualista, no almoço de Natal dos associados – o responsável pelo estado a que a instituição chegou –, disse que a entrada da Santa Casa no capital do banco deveria ficar fechada até ao Natal.
Segundo os responsáveis pela operação, “está a ser feito um processo de avaliação desta participação, que não pode ser vista apenas naquilo que é o valor nominal correspondente às ações, porque tem este valor estratégico da entrada e de reforço da economia social no setor financeiro”, coisa que, do ponto de vista deles, “representa um objetivo importante, mas tem outra caraterística”: a entrada de capital, apesar de muito minoritária (10%), “tem a contrapartida de a Santa Casa ter uma palavra a dizer e um papel a desempenhar na governance do grupo financeiro da Caixa Económica”.
Porém, esta é a questão polémica, porquanto José Félix Morgado está contra a mudança dos órgãos sociais. Entretanto, o predito provedor, assegurando que a Santa Casa não tem “linhas vermelhas”, esclareceu:
Portanto, é isso que é preciso apreciar e que está a ser avaliado, que está a ser muito ponderado com o apoio, obviamente, de entidades financeiras independentes que nos ajudam a perceber esses passos que faltam e a dizer qual é o valor justo que este conjunto de caraterísticas representa numa operação desta natureza”.
A Santa Casa terá cerca de 10% no máximo do Montepio Geral, a importância de 220 mil euros. No entanto, esta quota percentual, de acordo com o que vem sendo conversado, permitirá ao novo acionista ter de facto uma palavra a dizer, o que não é comum. Ou seja, uma participação de 10%, a não ser numa entidade financeira que tenha o capital muito pulverizado, dificilmente daria direito a participação plena na governance do banco, como reconhece o provedor.
Mais admite o provedor que a entrada da Santa Casa no capital da Caixa Económica Montepio Geral leve o banco a recentrar a sua atividade como caixa mutualista. E explicita o seu objetivo:
Eu diria que essa é uma das razões centrais do nosso interesse, ou seja, termos a possibilidade de internamente poder influenciar para que o Montepio se mantenha nesse caminho de banco mutualista, de banco ao serviço das pessoas, ao serviço das instituições do setor social e, com isso, do desenvolvimento das respostas sociais de que o país precisa”.
***
A este respeito, o já mencionado colunista do Eco põe o dedo na ferida, apontando “tudo o que se passou na banca portuguesa nos últimos dez anos”, com os “milhares de milhões destruídos em capital, do que sabemos, e do que ainda não sabemos”, e questiona:
Como é que é possível admitir que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) invista 200 milhões de euros para ser acionista do Montepio Geral? A quem vamos pedir responsabilidades por esta irresponsabilidade, que põe em causa o papel da Santa Casa como instituição destinada a apoiar os mais desfavorecidos?”.
Reconhece que o Montepio Geral, para sair da crise, está “a fazer um trabalho de casa difícil, o de limpeza de um balanço que, salvaguardada a escala, tinha os mesmos padrões do BES no perfil de financiamento, e de risco, às empresas”. Foi para isto que José Félix Morgado foi contratado, mas “vai acabar fora do banco por causa disso”.
Todavia, o trabalho de Morgado não pode excluir a necessidade dum aumento de capital e dum novo acionista, porque a Associação Mutualista, o acionista do banco, não tem condições para sobreviver sozinha.
E Costa, contrariando “os silêncios e cumplicidades” que “já nos custaram muito”, abre o livro:
O valor do Montepio nas contas da Associação Mutualista está insuflado. O Montepio não vale cerca de dois mil milhões de euros, e basta para isso comparar o valor do BCP (3,9 mil milhões de euros) ou do BPI (1,65 mil milhões de euros) em bolsa para perceber isso. Mas, como o Montepio não está cotado, é possível manter o teatro, sem fazer um ajustamento do seu valor. Só que, num aumento de capital, um novo acionista que tenha uma avaliação racional e puramente económica e financeira do negócio também não pagaria o que está nas contas. É por isso que aparece a Santa Casa da Misericórdia, que depende do Governo, para fazer esta operação por um valor que não reflete a realidade do banco, este supervisionado pelo Banco de Portugal.”.
Isto quer dizer que, além dos riscos que corre investindo num banco que não dá garantias de sobrevivência, hipotecando dinheiros do povo que são destinados ao apoio aos pobres, débeis, doentes,refugiados e outros cidadãos em perigo, a SCML contribuirá para mascarar as contas insuficientes e quiçá fraudulentas da associação mutualista… Quer o Governo concorde, quer não, a operação desdiz dos fins estatutários e objetivos da SCML, junto de quem, bem ou mal (recordo que o Estado usurpou as prerrogativas fundacionais da SCML), o Estado tem responsabilidades. Além disso, a participação no capital social de um banco não constitui meio adequado para a consecução dos fins da SCML nem está prevista nos estatutos. E não creio que a SCML tenha a capacidade para levar o Montepio a recentrar a sua dimensão mutualista e social.
António Costa, o colunista mencionado, lembra que “Pedro Santana Lopes estava disponível para fazer o negócio”, o que, na sua opinião, “não é um bom cartão de visita para quem quer ser líder do PSD e Primeiro-Ministro”. E o novo provedor espera que a operação se faça no início do ano. E o colunista pergunta de que modo e com que garantias isso vai ser feito e critica a falta de escrutínio, não lhe parecendo suficiente a explicação de que “os 200 milhões de euros por 10% do capital não refletem apenas o valor contabilístico e financeiro, mas o valor estratégico do negócio”. E interroga-se com pertinência:
Qual é o valor estratégico do negócio bancário para a Santa Casa da Misericórdia, a não ser fazer um negócio arriscado, como se estivesse a jogar no Euromilhões? Pode ser que dê certo, é isso? Um banco social? É mesmo isso que querem vender-nos, mas já agora poderiam explicar em que é que se traduz essa estratégia bancária. Vai financiar as misericórdias por esse país fora, instituições que, sabe-se, vivem de subsídios do Estado e estão, a maioria delas, em situação financeira desesperada? Mas isso é para perder dinheiro.”.
António Costa avisa que “ainda estamos a tempo de impedir um negócio desastroso, desenhado para resolver um problema que foi sendo chutado para debaixo da mesa nos últimos anos porque já tínhamos tido o BPN, o BPP e o BES, para não falar nas recapitalizações dos outros com empréstimos do Estado”. BCP, BPI, CGD, Banif... E faz reparo:
Não é aceitável jogar com o dinheiro da Santa Casa para resolver o problema da Associação Mutualista Montepio Geral, que não pode reconhecer nas suas contas o verdadeiro valor do banco Montepio. E para manter em funções Tomás Correia, quem na verdade foi o responsável por esse caminho, no banco e na associação mutualista.”.
Advertindo que, “se este negócio vier a ser feito, são todos responsáveis pelo que daí resultar”, especifica: o presidente da Associação Mutualista, Tomás Correia; o provedor da Santa Casa, Edmundo Martinho; o Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, Vieira da Silva; o Primeiro-Ministro, António Costa; o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa; e “também os que, pelo silêncio, não exigirem explicações, como Marcelo Rebelo de Sousa”.
***
Não me convence a cantilena do provedor da Santa Casa ao clamar que o investimento no Montepio faz sentido porque a Santa Casa tem na sua “tradição” ser “pioneiro”, o que não é o mesmo que ser “aventureiro”. Não é aventureirismo arriscar na situação em que está a banca e, em concreto, aquele banco?
De que vale poder vir a nomear um ou dois gestores executivos, como disse em entrevista ao Público, tendo em conta um investimento que irá até 10% do capital da instituição financeira mas que representará quase 20% dos ativos da Santa Casa? Como é que pode Edmundo Martinho dizer que o possível investimento pela Santa Casa é feito “com alguma tranquilidade”, já que “a análise que fazemos do Montepio, nesta altura, aponta para um conjunto de rácios com alguma solidez”?
Talvez seja de recordar:
A SCML tem como fins a realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação social, saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, de acordo com a tradição cristã e obras de misericórdia do seu compromisso originário e da sua secular atuação em prol da comunidade, bem como a promoção, apoio e realização de atividades que visem a inovação, a qualidade e a segurança na prestação de serviços e, ainda, o desenvolvimento de iniciativas no âmbito da economia social” (art.º 4.º/1 dos estatutos, aprovados pelo DL n.º 235/2008, de 3 de dezembro).
Será que a participação no capital dum banco em crise e de contas mascaradas será um meio adequado à prossecução destes fins estatutários?

2017.12.12 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário