O
bispo emérito da diocese de Portalegre-Castelo Branco, Dom Augusto César Ferreira
da Silva, presidiu, no passado dia 17 de setembro, à Missa dominical no Recinto
de Oração no Santuário de Fátima, na qual participou a Peregrinação Nacional
dos Escuteiros Adultos da Fraternidade Nuno Álvares (FNA), na qual desafiou os peregrinos a “perdoar sempre”.
Nesta Missa
dominical das 11 horas, participaram 43 peregrinações que se fizeram anunciar
no Serviço de Peregrinos do Santuário, oriundas de 13 países diferentes, a
saber: Portugal, Itália, Alemanha, Áustria, França, Estados Unidos, Peru,
Singapura, Eslováquia, Irlanda, Reino Unido, Espanha e Polónia.
Perante
aqueles milhares de peregrinos, Dom Augusto César sublinhou a relação entre o
amor e o perdão, lembrando que, “sem amor verdadeiro, o perdão mostra-se
ausente” e “é o perdão que sublima o amor verdadeiro”. Na verdade, como
acentuou, “quem experimenta a generosidade do Pai do Céu não pode regatear a mesma
generosidade e o perdão para com o seu irmão”.
Pondo o dedo
nas feridas que hoje sentimos e vemos “no mundo, nas comunidades e na família”
sustentou a necessidade de urgentemente “retomar esta relação entre o amor e o
perdão” de forma a “superarmos as diferenças”.
O prelado
apontou a visível “incoerência de alguns cristãos que se deixam seduzir por
certos atavismos” e interesses egoístas e que se recusam a perdoar o outro,
contrariando a imagem de um Deus que ama com “um amor rico de misericórdia” e
que perdoa “continuamente”.
Reportando a
Mensagem de Fátima como uma das grandes “referências” para a construção da paz
e do perdão, pediu a intercessão da Virgem Mãe para que “nos ajude a ter
coragem” e uma “maior consciência da gratuitidade e da grandeza do perdão”
recebido de Deus, para nos “tornarmos todos bons cristãos, seguindo
generosamente o exemplo de Deus”.
E,
destacando que a misericórdia de Deus é sempre “maior que o mal que se comete”,
concluiu:
“Esta experiência da misericórdia de
Deus implica da nossa parte a capacidade de perdão. O ódio e a vingança são
abomináveis à luz da fé, sobretudo para quem quer seguir o mandamento de Deus:
amar a Deus e amar o próximo.”.
***
A FNA (Fraternidade
de Nuno Álvares),
associação privada de fiéis que goza de personalidade jurídica, de âmbito Nacional,
sem fins lucrativos, rege-se pelos estatutos e pelas normas canónicas vigentes
e é constituída por antigos filiados do CNE (Corpo Nacional de
Escutas) – Escutismo
Católico Português, que deixaram o ativo nesta associação ou qualquer outra que
lhe venha a suceder. Coloca-se sob proteção de São Nuno de Santa Maria, seu
patrono, que toma por exemplo de fé, humildade, espírito de serviço e
abnegação, a seguir por todos os associados.
Tem por fins: desenvolver junto dos associados a
prática de escutismo adulto, à luz da lei e dos princípios do escutismo
católico; manter vivo o ideal escutista, na vivência da fé e do humanismo
cristão, no serviço voluntário ao próximo, bem como na proteção da Natureza e
do Meio Ambiente; e promover a amizade escutista universal.
Afirmando-se como Movimento da Igreja, tem um presbítero assistente, quer
a nível nacional, regional e de núcleo.
Independente de qualquer ideologia política ou partidária e do poder
constituído, é membro de pleno direito da ISGF (International Scout and
Guide Fellowship) a
Fraternidade Internacional de Escuteiros e Guias Adultos.
A 16 e 17 de setembro, realizou o seu encontro em Fátima, que assumiu
como mais um passo da “Caminhada com Maria”.
No dia 16, o Programa
foi o seguinte: Concentração
(junto à Capelinha das Aparições),
às 21 horas; Recitação do Terço (na Capelinha das Aparições), às 21,30 horas; Procissão das Velas,
às 22,15 horas; Promoção do IX ACANAC – 2018 (Centro Nacional Escutista de Fátima);
às 23 horas; e Recolher, às 24 horas. Este programa correspondeu à
decisão da equipa
organizadora do IX ACANAC da FNA (a realizar em 2018) de aproveitar o encontro em Fátima para, de uma
forma sentida, pedir a bênção da Virgem Maria, para que este acampamento seja
uma celebração de partilha e de amizade e para que…. “O ouro dos nossos corações fortifique a nossa
Associação”, realizando, no dia 16 de setembro, aquelas
iniciativas para as quais foram convidados todos e todas que estivessem
disponíveis para participar.
Por seu
turno, o programa do dia 17 constou de: Concentração no Parque 2 (como o parque é apenas para autocarros, os parques ligados 3 e 4 foram
bom recurso para estacionar as viaturas ligeiras), às 9 horas; Partida em Desfile para a Capelinha das Aparições para participar
na recitação do Terço, às 9,45 horas; Preparação
do desfile de entrada dos Concelebrantes, às 10,45 horas; Início do Desfile Litúrgico, seguido da Celebração da Eucaristia, no Altar do
Recinto de Oração, às 11 horas, sob a
presidência de Sua Ex.cia
Reverendíssima Dom Augusto César, Bispo Emérito de Portalegre e Castelo Branco;
e, após a Celebração, regresso ao
Parque n.º 2 para almoço partilhado, divulgação do IX ACANAC
e encerramento do encontro.
A organização lembrara que os estandartes regionais e de núcleo
acompanhariam a caminhada, sendo que
a associação prima pela boa
uniformização de todos os participantes e respeito pelos
horários. Por outro lado, o almoço partilhado foi assumido como um bom momento
de saudável convívio, também essencial para a maneira de estar na vida e no
escutismo.
Fora
recomendado que quem fizesse a viagem individualmente (ou não
incluído num transporte coletivo), deveria,
logo que chegasse ao local da Concentração,
procurar juntar-se à sua Região para ser mais fácil fazer passar qualquer
informação de última hora.
O tema anual
“Caminhada com Maria” e bem presente no encontro em Fátima tem a ver com o
pressuposto de que “A vida humana consiste num contínuo caminhar e,
por isso, pode ser definida como caminho”… “Todo o caminho tem um ponto de
partida e um ponto de chegada. A origem do nosso caminhar está em DEUS, na sua
vontade. Caminhamos porque DEUS nos convida a partir, a avançar, fazer ao largo
sem nada temer… O nosso caminho é o do peregrino que parte com fé e confiança n’Aquele que manda caminhar.” (do Plano Anual 2011 CNE)
A Direção
Nacional pretendeu que este desafio da Caminhada
com Maria levasse a promover ações com caráter mensal (se possível) junto das comunidades, por exemplo Vigílias de
Oração, Recitação do Terço, Via Sacra (há tantas alternativas sem ser na
época quaresmal e pascal),
preparando momentos de recolha de alimentos ou de outros bens necessários na
comunidade, e tantas outras coisas que possam fazer entender o sentido da
caminhada.
A Direção
Nacional colocou uma Imagem da Virgem em Peregrinação pelas Regiões e Núcleos
do País, tendo essa ação início no dia 29 de janeiro no INDABA-INDUNA, altura
em que foi definida a forma como essa Peregrinação iria ter lugar, sendo que a
peregrinação de setembro a Fátima constituiu um modo de agradecer à Virgem por
mais este ano de caminhada.
***
Assim, como
todos os peregrinos, a FNA teve o ensejo de escutar e meditar a passagem do
Evangelho de São Mateus (Mt 18,21-35) do XXIV
domingo do Tempo Comum proclamada nas igrejas de todo o mundo que enfatiza o
apelo de Jesus ao perdão: “perdoar setenta vezes sete”.
Com efeito,
Jesus, depois de falar do caso do homem que, tendo cem
ovelhas e tendo-se uma delas tresmalhado, deixou as 99 no monte para ir à
procura da tresmalhada, ao encontrá-la, enfatiza a alegria do encontro, alegrando-se mais com ela do que com as 99 que não se tresmalharam. E conclui que assim é da vontade do Pai que está no Céu que não se
perca um só destes pequeninos (cf Mt 18,10-14). E disse-o
condenando veementemente o escândalo sobre os mais débeis e colocando diante
dos ouvintes um menino, para engrandecer a superioridade dos pequeninos no
Reino (vd Mt 18,1-9).
Muitos se afastam devido à ronha e ao escândalo de outros.
De facto, Fátima
testemunha pelas mãos de Maria a importância das virtudes, mesmo heroicas, de
três crianças, que souberam abraçar o mistério do Reino. Até neste aspeto é
Evangelho vivo!
Depois, Jesus
exige, para o dinamismo do Reino, a atenção dos discípulos. Se o irmão (este irmão é qualquer pessoa e não apenas o irmão de sangue
ou o amigo) errou, não se pode condená-lo, mas também não se pode
compactuar com o erro. Há que chamá-lo à atenção e ganhá-lo, não com moralismos
ou censuras, mas com a atitude fraterna. E esta postura conhece e exige etapas:
primeiro, a chamada de atenção a sós e, desde que ela resulte, não se falar
mais nisso; segundo, se ele não se emenda, a conversa com o irmão diante de outras
pessoas, não para que venham a servir de testemunhas de arguição, mas como
cooperantes no ganho do irmão; e terceiro, se ele não permite superar estas
duas etapas, há que solicitar o apoio fraterno da comunidade (Igreja), ficando esta satisfeita com o
ganho do irmão. Não sei se os corretores se ajeitam a ser fraternos, metódicos
e pacientes. E esta é uma sombra que ofusca tantas vezes o brilho do
cristianismo. A prontidão para condenar, desistir…
Mas há uma outra
etapa: se o irmão não ouve a comunidade, a Igreja, ele deve ser considerado um
pagão ou um publicano (vd
Mt 18,15-18). E aqui é que bate o ponto. A conclusão óbvia é a
excomunhão, o desprezo, a inquisição, o santo ofício, a doutrina da fé e
costumes – quando o cristão e a Igreja deveriam redobrar a atenção
relativamente ao irmão que não escuta ninguém, que não se rende à evidência do
seu erro ou do seu pecado. Lê-se abusivamente como extensão do “poder” das
chaves confiado a Pedro em Mt 16,19, agora confiado à Igreja-comunidade: “Tudo o que ligardes na Terra será ligado no
Céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no Céu”. E,
obviamente, é mais fácil desligar da comunidade que ligar; mais fácil desligar
do erro que ligar à virtude. E faz-se o que é mais fácil e autorreferencial e
menos o que se deve, não? A missão da comunidade não pode terminar com qualquer
medida de exclusão do pecador, mas deve continuar na sua procura como faz o bom
pastor referido em Mt 18,11-14.
Talvez se deva
anotar que no centro de tudo está a força da oração comunitária (regada pela oração pessoal), que vem logo
enunciada a seguir ao discurso da atitude fraterna de chamada de atenção:
“Se dois de entre vós se unirem, na Terra,
para pedir qualquer coisa, hão de obtê-la de meu Pai que está no Céu. Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou
no meio deles.” (Mt 18,19-20).
Quer dizer: Jesus manda fazer a correção fraterna; e nós
queimamos etapas e saltamos impacientemente para o abandono e desprezo. Garante
a força da chave; e nós usamo-la só para fechar, amarrar, aferrolhar. Liga a
tarefa de corrigir à paciência, à oração conjunta, à garantia de que o Pai
concede e à certeza da presença do próprio Cristo no meio de nós; e nós achamos
lindo, mas dispomos quase exclusivamente do látego ou então envolvemo-nos na
cruzada por nossa conta e risco ou rezando para que Deus ajude a aniquilar.
Talvez prevendo esta confusão toda ou pensando que isto era
areia demasiada para o seu camião, Pedro afoita-se a interrogar o Mestre – e
esta é que constitui a perícopa do Evangelho comentado em Fátima no dia 17:
“Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas
vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes? Jesus respondeu: ‘Não
te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete’.” (Mt 18,21-22).
Ou seja, por
vontade daquele que veio salvar o que se tinha perdido, este segmento,
no contexto da simbólica do número sete e seus múltiplos, significa que é
preciso perdoar sempre, sempre!
É a medida do nosso perdão aquela com que nós pedimos ao
Senhor que nos perdoe. Dizemos no Pai Nosso: “perdoa-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem
ofendido” (Mt 6,12). Se não
perdoamos, ao rezar esta petição, estamos pedir a Deus que não nos perdoe, estamos
a pedir a condenação eterna (cf Mt 6,14-15). E, se a
medida do perdão de Deus fosse esta e não a sua imensa bondade e misericórdia,
que seria de nós?
Porém, o Senhor, para ilustrar a resposta dada a Pedro e, por
ele aos demais, contou a parábola do Reino, comparável ao rei
que, ao ajustar contas com os servos, deparou com um que lhe devia exorbitante quantia,
pelo que o seu destino seria a venda com a mulher e filhos e todos os bens até
que saldasse a dívida. Porém, quando o servo pediu a concessão de um prazo, que
pagaria tudo, o rei, compadecido, mandou-o em paz, perdoando-lhe toda a dívida.
Por sua vez, o perdoado, encontrou, no caminho, um
companheiro que lhe devia uma pequeníssima e insignificante quantia.
Segurando-o e apertando-lhe o pescoço, sufocava-o, exigindo o pagamento imediato
da dívida, não cedendo à súplica de um prazo por parte do pequeno devedor. Mandou-o
prender até que pagasse toda a dívida. Vendo o sucedido, os companheiros,
contristados, foram contá-lo ao seu senhor, que o mandou chamar
e lhe disse:
“Servo mau, perdoei-te
tudo o que me devias, porque assim mo suplicaste; não devias
também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?”.
E, indignado, o senhor entregou-o aos verdugos até que
pagasse tudo o que devia. E Jesus concluiu:
“Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar
ao seu irmão do íntimo do coração” (vd Mt 18,23-35).
Ademais, é de ter em conta a razão por que, na comunidade de
Jesus não pode haver limites ao perdão: ao ingressar nela, cada pessoa já
recebeu um perdão ilimitado (simbolizado nos
dez mil talentos). Assim, a vida comunitária tem de basear-se no amor e na
misericórdia, compartilhando entre todos o amor, misericórdia e perdão que
recebe cada um.
Andou bem na sua pregação fatimita Dom Augusto César
acentuando não tanto o aviso condenatório, mas sobretudo a generosidade do amor
de Deus, que nos move, perdoa e leva a perdoar. É bom repensar a pregação da
mensagem de Fátima, insistindo na beleza sinfónica duma Igreja povo,
comunidade, que exige arrependimento, mas alimenta o ser e o esforço
profético-missionário ao colo da Mãe e sabe haurir da Eucaristia adorada, celebrada
e comungada o dinamismo do estar sempre em saída para as periferias
existenciais por que passa a sorte das pessoas, sobretudo as frágeis e
indefesas, as que não têm vez e voz, as que veem ameaçada a sua dignidade. Para
todos estes veio o Salvador, a todos a Senhora dá a mão!
2017.09.19 – Louro de Carvalho
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