No alvorecer do presente ano letivo, mais propriamente
a 9 de setembro pp, decorreu, em Braga, o II Colóquio Internacional sobre “Desafios
curriculares e pedagógicos na formação de professores”, organizado por
um grupo de docentes do IE (Instituto de Educação) da Universidade do Minho (UM), liderado
pelas investigadoras Maria Assunção Flores, Maria Alfredo Moreira e Lia
Oliveira, que se debruçou sobre a “formação dos docentes em contexto de
trabalho”.
“Emagrecer” currículos (para garantir maior eficácia e
qualidade) e formar professores como autores
e agentes de mudança foram alguns dos pontos aflorados e debatidos naquele
colóquio que se realizou no Campus de Gualtar da UM, em Braga, com
a participação de centenas de docentes
e investigadores de vários países que falam a mesma língua, o português –
designadamente de Portugal, Espanha, Brasil, Angola, Timor-Leste e Cabo Verde.
Os currículos – planos de ciclos de estudos e
programas de áreas curriculares e/ou disciplinas – são concebidos, elaborados e
programados pelas estruturas do ME (Ministério da Educação) e aplicados nas escolas através das planificações de
longo, médio e curto prazo e lecionados pelos professores aos e com os alunos,
que os vão absorvendo em graus diferentes. Há, todavia, vários desafios neste
processo. E a grande questão é se os professores devem ser meros executantes
dos planos curriculares ou também autores e, sobretudo, agentes que se envolvem
pessoal e profissionalmente nesta caminhada. A questão é pertinente por várias
ordens de razões:
- A CRP (Constituição) estabelece, no n.º 1 do seu art.º 43.º, a garantia de aprender e de ensinar. Assim, é de
questionar em que consiste essa liberdade de ensinar do lado do professor:
Ensinar apenas o que determina uma alta autoridade – que tutela a escola, mas
que lhe é estranha? Ou também pode influir na construção do “corpus” a ensinar,
a partir da sua intuição, pesquisa e reflexão e também a partir da auscultação
a pais e alunos, para ajudar a concretizar a garantia da liberdade de aprender,
tão protegida constitucionalmente como a liberdade de ensinar?
- Por outro lado o n.º 2 do mesmo artigo da CRP
estabelece:
“O Estado não pode programar a
educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas,
políticas, ideológicas ou religiosas”.
Sendo assim, quem tem a legitimidade de programar a
educação e a cultura? As editoras? Entidades independentes (E com que
independência?)? Equipas
criadas sob a tutela do ME (que é Estado)? Um corpo
de peritos em educação eleito pelos professores, aberto a sugestões dos mesmos
e auscultando as justas aspirações das estruturas representativas de pais e de
alunos?
Ora, a temática em debate é oportuna, mas complexa,
tanto para formadores e responsáveis pela formação como para professores, até
porque as questões da colaboração (eu preferia cooperação, porquanto a
colaboração não se presta em termos de igualdade e é descartável quando não
necessária: até os trabalhadores passaram a simples colaboradores) e da supervisão nas escolas são temas-chave para
melhoria da qualidade do trabalho docente e, por conseguinte, da qualidade das
aprendizagens dos alunos e dos seus resultados. Estiveram, assim, no centro do
debate de Braga várias questões sociais, culturais, económicas e políticas,
relevantes para a educação e formação de professores. Com efeito, é necessário
analisar as repercussões das decisões curriculares e pedagógicas das
instituições educativas e de formação de professores.
***
O ponto
substancial de oiro do colóquio foi a conferência de Maria do Céu Roldão, da UCP
(Universidade
Católica Portuguesa), sobre “A ação profissional dos professores – a centralidade do currículo e da
didática no conhecimento profissional docente”, que abordou a problemática precisamente pelo lado da ação profissional dos
professores.
Segundo nota
enviada à imprensa, a conferencista destacou a centralidade do currículo e da
didática no conhecimento profissional dos docentes e defendeu
“A necessidade de olhar para os
professores como agentes do currículo e não como meros executantes de um
currículo inerte, destacando a necessidade de desenvolverem uma prática
profissional refletida e analisada”.
A investigadora sustentou ainda a necessidade de uma “mudança cultural no interior da classe
docente e de uma visão do currículo enquanto elemento que estrutura e sustenta
o saber profissional dos docentes”. Isto porque
“A escola não pode ficar prisioneira de um currículo inerte, mas a
necessidade de emagrecer o currículo requer a participação dos docentes,
enquanto especialistas do ensino, através do seu conhecimento e agir
profissional e do reforço da função curricular da escola”.
No início do novo ano letivo, o desenvolvimento do
programa nacional de promoção do sucesso escolar (PNPSE) não passou despercebido, reconhecendo-se como é
importante e consensual a necessidade de formação e trabalho colaborativo e
cooperativo nas escolas, envolvendo alunos, professores, famílias e
comunidades, bem como a implementação de práticas de supervisão. Além disso – e
o debate focou essa parte –, é “reconhecida a importância de lideranças fortes
e a valorização social do trabalho dos professores e das escolas” (Não se fique
só pela liderança forte!).
No debate surgiram várias questões, de que se citam, a
título de exemplo, as seguintes:
“Que conhecimentos são mais valiosos para as escolas e para os alunos?
Quem os determina? A quem interessam esses conhecimentos? Por que razão se
continua a pressionar para a produção imediata de resultados? Porque não se dá
tempo para refletir e pensar no ensino, nas aprendizagens, na formação e na
avaliação? Será que estes processos estão enraizados em práticas transmissivas
e elitistas? Será que a escola pública consegue cumprir o seu desígnio
democrático de inclusão de todos e de promoção de aprendizagens assentes em
conhecimento valioso?”.
A sobredita nota de imprensa realça, em jeito de
balanço:
“Embora os desafios sejam muitos, as conclusões do colóquio evidenciam
ainda as ‘boas práticas’ em curso, mostrando que é possível existirem escolas
fortes, quando professores, alunos e famílias trabalham em colaboração, numa
ética de respeito e valorização mútuas e quando os projetos de inovação dão
respostas a problemas e necessidades locais, no estrito cumprimento da autonomia
da ação profissional”.
***
Pelos
vistos, o II Colóquio Desafios
Curriculares e Pedagógicos na Formação de Professores, correspondeu ao
escopo da organização, que pretendia promover a discussão de questões
relacionadas com a formação de professores, nomeadamente os modelos e processos
de formação e seus efeitos na aprendizagem profissional e a supervisão
pedagógica, com a colaboração docente e a articulação entre os contextos de
formação e os contextos de trabalho.
Visava,
enfim, criar um espaço de debate e divulgação de estudos centrados em
problemáticas atuais e pertinentes da formação de professores nas sociedades
ocidentais. Face às questões socioeducativas que ora se colocam, decorrentes
das pressões políticas e económicas da agenda neoliberal e neoconservadora
transnacional que largamente determina as opções político-educativas dos
governos, a formação de professores não se coloca à margem do debate e da
problematização destas opções e das suas implicações na qualidade do serviço
educativo. Também não fica incólume face aos fenómenos violentos da
globalização, cujo rosto mais visível se revela nos atos de terrorismo,
xenofobia, homofobia, violência de género, guerra e fome, que, entre outros,
marcam a atualidade social. Deste colóquio de âmbito multidisciplinar,
esperavam-se propostas de comunicação enriquecedoras do debate sobre questões
políticas, sociais e económicas relevantes para a educação e formação de
professores, equacionando as suas implicações nas decisões curriculares e
pedagógicas que as instituições educativas e de formação de professores tomam.
As propostas deviam explorar questões tais como:
“De que modo
estão a responder as instituições educativas e de formação de professores às
pressões políticas e económicas transnacionais sobre a educação e formação de
professores? Como estão as escolas e os professores a responder às exigências
de performatividade avaliativa atual? Que respostas curriculares e pedagógicas
são dadas pelas escolas a populações marcadas por processos de discriminação e
exclusão social? De que modo são ou podem ser as tecnologias digitais de
comunicação inclusivas? Quais são as implicações para a qualidade dos programas
de formação à distância? Que interesses são servidos pelos conteúdos
curriculares escolares? Qual o papel dos manuais escolares e de outros recursos
educativos (tecnológicos) na construção do conhecimento
construído na e pela escola? Que respostas curriculares e pedagógicas estão a
ser dadas a populações em risco de abandono escolar? De que modo estão os
programas de formação de professores a preparar profissionais para atuarem numa
sociedade da informação e do conhecimento? Como preparar professores para uma
sociedade e escola multiculturais? Que preocupações de educação para a justiça
social revelam os programas de formação de professores? Como podem as escolas e
os programas de formação promover a educação para a paz e para os direitos
humanos?”.
As preditas respostas foram expedidas nos dois momentos
programados para “Comunicações livres/Simpósios/Posters”.
E,
junto ao fim, houve lugar à mesa redonda sob o tema “Supervisão e colaboração docente”, protagonizada por Flávia Vieira
(Universidade
do Minho, IE), Olga
Basto (Escola
Básica de Lamaçães, Braga),
Deolinda Ribeiro (Instituto Politécnico do Porto, ESE), Isabel Barbosa, Lúcia Dourado,
Conceição Branco, Inês Duarte e Tiago Pereira (Agrupamento de
Escolas Sá de Miranda, Braga).
***
A
organização
esteve a cargo de Maria Assunção Flores (coordenadora), Maria Alfredo Moreira, Lia
Raquel Oliveira, Cláudia Pinheiro, Diana Mesquita, Diana Pereira, Eva
Fernandes, Francisco Cristóvão, Patrícia Santos e Sandra Fernandes.
A Comissão
Científica
era constituída por um escol muito diversificado:
Ana
Maria Peixoto (Escola Superior de Educação de Viana do Castelo,
Portugal), Boaventura
Aleixo (Universidade
Zambeze, Moçambique), César
Sá (Escola
Superior de Educação de Viana do Castelo, Portugal), Deolinda Ribeiro (Instituto
Politécnico do Porto – ESE, Portugal),
Eneida Shiroma (Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, Brasil), Ermelinda
Cardoso (Universidade
Katyavala Buila, Benguela, Angola),
Fátima Pereira (Universidade do Porto, Portugal), Flávia Vieira (Universidade
do Minho, Portugal),
Inês Barbosa de Oliveira (Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Brasil), Isabel
Cabrita (Universidade
de Aveiro, Portugal),
Joana Peixoto (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Goiás, Brasil), João
Paraskeva (Universidade de Massachusetts – Dartmouth, EUA), José Bravo Nico (Universidade
de Évora, Portugal), Juan
M. Escudero (Universidade de Múrcia, Espanha), Júlio Emílio
Diniz-Pereira (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil), Jurjo Torres Santomé (Universidade
da Corunha, Espanha), Luís
Tinoca (Universidade
de Lisboa, Portugal),
Manuel Bernardo Canha (Instituto Politécnico do Porto – Escola
Superior de Educação, Portugal),
Marcos Onofre (Universidade de Lisboa, Portugal), Maria do Céu Roldão (UCP,
Portugal), Maria
Luiza Sussekind (Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, Brasil), Maria
Palmira Alves (Universidade do Minho, Portugal), Martha Prata-Linhares (Universidade
Federal do Triângulo Mineiro, Brasil),
Rosa Bizarro (Instituto Politécnico de Macau, Macau), Rosa Maria Moraes Anunciato de
Oliveira (Universidade Federal de São Carlos, Brasil), Sílvia Redon Pantoja (Pontifícia
Universidade Católica de Valparaíso, Chile) e Teresa Pessoa (Universidade de
Coimbra, Portugal).
***
Procedeu-se ainda ao lançamento de livros, de que se destaca: “Desafios curriculares e pedagógicos na
formação de professores – Atas do I colóquio
Desafios Curriculares e Pedagógicos na Formação de Professores”, realizado em 4
e 5 de maio de 2015, no mesmo local e promovido pela mesma entidade com
objetivos similares, pois este debate é infindável.
Também naquele
ano as comunicações exploraram questões tais como:
Respostas das
instituições educativas e de formação de professores às pressões políticas e
económicas transnacionais sobre a educação e formação de professores; respostas
das escolas e dos professores às exigências de performatividade avaliativa
atual; respostas curriculares e pedagógicas das escolas a populações
marcadas por processos de discriminação e exclusão social; como são ou podem
ser as tecnologias digitais de comunicação inclusivas; implicações para a
qualidade dos programas de formação à distância; interesses servidos pelos
conteúdos curriculares escolares; papel dos manuais escolares e de outros
recursos educativos (tecnológicos) na construção do conhecimento construído na e pela
escola; respostas curriculares e pedagógicas que estão a ser dadas a populações
em risco de abandono escolar; como estão os programas de formação de
professores a preparar profissionais para atuarem numa sociedade da informação
e do conhecimento; preparação dos professores para uma sociedade e escola
multiculturais; preocupações de educação para a justiça social nos programas
de formação de professores; e promoção da educação para a paz e para os
direitos humanos a partir das escolas e dos programas de formação.
***
O Estado alegadamente
não programa a educação segundo qualquer um dos parâmetros constantes do n.º 2
do art.º 43.º da CRP. Porém, deixa que a educação e a escola sejam acorrentadas
pela ideologia neoliberal e neoconservadora que perpassa a sociedade e determine
as opções políticas. E o Governo, quando criou um grupo de trabalho para
definir o perfil dos alunos no século XXI, que o compendiou em torno de 10 competências-chave,
veio com toda a pompa proclamar a flexibilização curricular, “concedendo” que
25.º do currículo pudesse ser definido a nível local e conseguiu a adesão de
236 escolas (públicas e privadas). Não obstante,
definiu as “aprendizagens essenciais” em cada disciplina e determinou que a
avaliação externa, nas disciplinas a ela sujeitas (exame ou
aferição), incide apenas sobre as aprendizagens
essenciais. Assim, quo vaditis, flexibilitio
curricularis et currculum locale? E, por mais que se pintem, com estas
políticas, os professores que se cuidem, pois serão meros executantes dos currículos
nacionais. Só serão gerentes táticos. E a única prerrogativa constitucional que
se mantém é a índole aconfessional do ensino público (vd CPR,art.º
43.º/3) – que sossega a todos, com algumas
exceções dos que preferiam ver totalmente afastados os temas religiosos, mesmo
do ponto de vista meramente fenoménico.
Ademais, não
se trata de currículo inerte, como diz Roldão, mas currículo imposto e
substituível a capricho de governantes sucessivos, sem real participação de
docentes na criação das equipas e sem debate suficiente (ao menos
como na reforma de Roberto Carneiro).
Deixemo-nos
de hipocrisia e da cómoda falta de vontade política com sujeição aos interesses
particulares, se queremos fazer da educação integral e participada a
alavancagem do futuro!
2017.09.28 – Louro de Carvalho
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