quinta-feira, 28 de setembro de 2017

A questão é se os professores são agentes ou executantes dos currículos

No alvorecer do presente ano letivo, mais propriamente a 9 de setembro pp, decorreu, em Braga, o II Colóquio Internacional sobre “Desafios curriculares e pedagógicos na formação de professores”, organizado por um grupo de docentes do IE (Instituto de Educação) da Universidade do Minho (UM), liderado pelas investigadoras Maria Assunção Flores, Maria Alfredo Moreira e Lia Oliveira, que se debruçou sobre a “formação dos docentes em contexto de trabalho”. 
“Emagrecer” currículos (para garantir maior eficácia e qualidade) e formar professores como autores e agentes de mudança foram alguns dos pontos aflorados e debatidos naquele colóquio que se realizou no Campus de Gualtar da UM, em Braga, com a participação de centenas de docentes e investigadores de vários países que falam a mesma língua, o português – designadamente de Portugal, Espanha, Brasil, Angola, Timor-Leste e Cabo Verde.
Os currículos – planos de ciclos de estudos e programas de áreas curriculares e/ou disciplinas – são concebidos, elaborados e programados pelas estruturas do ME (Ministério da Educação) e aplicados nas escolas através das planificações de longo, médio e curto prazo e lecionados pelos professores aos e com os alunos, que os vão absorvendo em graus diferentes. Há, todavia, vários desafios neste processo. E a grande questão é se os professores devem ser meros executantes dos planos curriculares ou também autores e, sobretudo, agentes que se envolvem pessoal e profissionalmente nesta caminhada. A questão é pertinente por várias ordens de razões:
- A CRP (Constituição) estabelece, no n.º 1 do seu art.º 43.º, a garantia de aprender e de ensinar. Assim, é de questionar em que consiste essa liberdade de ensinar do lado do professor: Ensinar apenas o que determina uma alta autoridade – que tutela a escola, mas que lhe é estranha? Ou também pode influir na construção do “corpus” a ensinar, a partir da sua intuição, pesquisa e reflexão e também a partir da auscultação a pais e alunos, para ajudar a concretizar a garantia da liberdade de aprender, tão protegida constitucionalmente como a liberdade de ensinar?
- Por outro lado o n.º 2 do mesmo artigo da CRP estabelece:
O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”.
Sendo assim, quem tem a legitimidade de programar a educação e a cultura? As editoras? Entidades independentes (E com que independência?)? Equipas criadas sob a tutela do ME (que é Estado)? Um corpo de peritos em educação eleito pelos professores, aberto a sugestões dos mesmos e auscultando as justas aspirações das estruturas representativas de pais e de alunos?  
Ora, a temática em debate é oportuna, mas complexa, tanto para formadores e responsáveis pela formação como para professores, até porque as questões da colaboração (eu preferia cooperação, porquanto a colaboração não se presta em termos de igualdade e é descartável quando não necessária: até os trabalhadores passaram a simples colaboradores) e da supervisão nas escolas são temas-chave para melhoria da qualidade do trabalho docente e, por conseguinte, da qualidade das aprendizagens dos alunos e dos seus resultados. Estiveram, assim, no centro do debate de Braga várias questões sociais, culturais, económicas e políticas, relevantes para a educação e formação de professores. Com efeito, é necessário analisar as repercussões das decisões curriculares e pedagógicas das instituições educativas e de formação de professores.
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O ponto substancial de oiro do colóquio foi a conferência de Maria do Céu Roldão, da UCP (Universidade Católica Portuguesa), sobre A ação profissional dos professores – a centralidade do currículo e da didática no conhecimento profissional docente”, que abordou a problemática  precisamente pelo lado da ação profissional dos professores.
Segundo nota enviada à imprensa, a conferencista destacou a centralidade do currículo e da didática no conhecimento profissional dos docentes e defendeu
A necessidade de olhar para os professores como agentes do currículo e não como meros executantes de um currículo inerte, destacando a necessidade de desenvolverem uma prática profissional refletida e analisada”. 
A investigadora sustentou ainda a necessidade de uma “mudança cultural no interior da classe docente e de uma visão do currículo enquanto elemento que estrutura e sustenta o saber profissional dos docentes”. Isto porque
A escola não pode ficar prisioneira de um currículo inerte, mas a necessidade de emagrecer o currículo requer a participação dos docentes, enquanto especialistas do ensino, através do seu conhecimento e agir profissional e do reforço da função curricular da escola”.
No início do novo ano letivo, o desenvolvimento do programa nacional de promoção do sucesso escolar (PNPSE) não passou despercebido, reconhecendo-se como é importante e consensual a necessidade de formação e trabalho colaborativo e cooperativo nas escolas, envolvendo alunos, professores, famílias e comunidades, bem como a implementação de práticas de supervisão. Além disso – e o debate focou essa parte –, é “reconhecida a importância de lideranças fortes e a valorização social do trabalho dos professores e das escolas” (Não se fique só pela liderança forte!). 
No debate surgiram várias questões, de que se citam, a título de exemplo, as seguintes:
Que conhecimentos são mais valiosos para as escolas e para os alunos? Quem os determina? A quem interessam esses conhecimentos? Por que razão se continua a pressionar para a produção imediata de resultados? Porque não se dá tempo para refletir e pensar no ensino, nas aprendizagens, na formação e na avaliação? Será que estes processos estão enraizados em práticas transmissivas e elitistas? Será que a escola pública consegue cumprir o seu desígnio democrático de inclusão de todos e de promoção de aprendizagens assentes em conhecimento valioso?”. 
A sobredita nota de imprensa realça, em jeito de balanço:
Embora os desafios sejam muitos, as conclusões do colóquio evidenciam ainda as ‘boas práticas’ em curso, mostrando que é possível existirem escolas fortes, quando professores, alunos e famílias trabalham em colaboração, numa ética de respeito e valorização mútuas e quando os projetos de inovação dão respostas a problemas e necessidades locais, no estrito cumprimento da autonomia da ação profissional”.
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Pelos vistos, o II Colóquio Desafios Curriculares e Pedagógicos na Formação de Professores, correspondeu ao escopo da organização, que pretendia promover a discussão de questões relacionadas com a formação de professores, nomeadamente os modelos e processos de formação e seus efeitos na aprendizagem profissional e a supervisão pedagógica, com a colaboração docente e a articulação entre os contextos de formação e os contextos de trabalho.
Visava, enfim, criar um espaço de debate e divulgação de estudos centrados em problemáticas atuais e pertinentes da formação de professores nas sociedades ocidentais. Face às questões socioeducativas que ora se colocam, decorrentes das pressões políticas e económicas da agenda neoliberal e neoconservadora transnacional que largamente determina as opções político-educativas dos governos, a formação de professores não se coloca à margem do debate e da problematização destas opções e das suas implicações na qualidade do serviço educativo. Também não fica incólume face aos fenómenos violentos da globalização, cujo rosto mais visível se revela nos atos de terrorismo, xenofobia, homofobia, violência de género, guerra e fome, que, entre outros, marcam a atualidade social. Deste colóquio de âmbito multidisciplinar, esperavam-se propostas de comunicação enriquecedoras do debate sobre questões políticas, sociais e económicas relevantes para a educação e formação de professores, equacionando as suas implicações nas decisões curriculares e pedagógicas que as instituições educativas e de formação de professores tomam. As propostas deviam explorar questões tais como:
De que modo estão a responder as instituições educativas e de formação de professores às pressões políticas e económicas transnacionais sobre a educação e formação de professores? Como estão as escolas e os professores a responder às exigências de performatividade avaliativa atual? Que respostas curriculares e pedagógicas são dadas pelas escolas a populações marcadas por processos de discriminação e exclusão social? De que modo são ou podem ser as tecnologias digitais de comunicação inclusivas? Quais são as implicações para a qualidade dos programas de formação à distância? Que interesses são servidos pelos conteúdos curriculares escolares? Qual o papel dos manuais escolares e de outros recursos educativos (tecnológicos) na construção do conhecimento construído na e pela escola? Que respostas curriculares e pedagógicas estão a ser dadas a populações em risco de abandono escolar? De que modo estão os programas de formação de professores a preparar profissionais para atuarem numa sociedade da informação e do conhecimento? Como preparar professores para uma sociedade e escola multiculturais? Que preocupações de educação para a justiça social revelam os programas de formação de professores? Como podem as escolas e os programas de formação promover a educação para a paz e para os direitos humanos?”.
As preditas respostas foram expedidas nos dois momentos programados para Comunicações livres/Simpósios/Posters”.
E, junto ao fim, houve lugar à mesa redonda sob o tema “Supervisão e colaboração docente”, protagonizada por Flávia Vieira (Universidade do Minho, IE), Olga Basto (Escola Básica de Lamaçães, Braga), Deolinda Ribeiro (Instituto Politécnico do Porto, ESE), Isabel Barbosa, Lúcia Dourado, Conceição Branco, Inês Duarte e Tiago Pereira (Agrupamento de Escolas Sá de Miranda, Braga).
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A organização esteve a cargo de Maria Assunção Flores (coordenadora), Maria Alfredo Moreira, Lia Raquel Oliveira, Cláudia Pinheiro,  Diana Mesquita, Diana Pereira, Eva Fernandes, Francisco Cristóvão, Patrícia Santos e Sandra Fernandes. ​
A Comissão Científica​ era constituída por um escol muito diversificado:
Ana Maria Peixoto (Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, Portugal), Boaventura Aleixo (Universidade Zambeze, Moçambique), César Sá (Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, Portugal), Deolinda Ribeiro (Instituto Politécnico do Porto – ESE, Portugal), Eneida Shiroma (Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil), Ermelinda Cardoso (Universidade Katyavala Buila, Benguela, Angola),  Fátima Pereira (Universidade do Porto, Portugal), Flávia Vieira (Universidade do Minho, Portugal), Inês Barbosa de Oliveira (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil), Isabel Cabrita (Universidade de Aveiro, Portugal), Joana Peixoto (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Brasil), João Paraskeva (Universidade de Massachusetts – Dartmouth, EUA), José Bravo Nico (Universidade de Évora, Portugal), Juan M. Escudero (Universidade de Múrcia, Espanha), Júlio Emílio Diniz-Pereira (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil), Jurjo Torres Santomé (Universidade da Corunha, Espanha), Luís Tinoca (Universidade de Lisboa, Portugal), Manuel Bernardo Canha (Instituto Politécnico do Porto – Escola Superior de Educação, Portugal), Marcos Onofre (Universidade de Lisboa, Portugal), Maria do Céu Roldão (UCP, Portugal), Maria Luiza Sussekind (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil), Maria Palmira Alves (Universidade do Minho, Portugal), Martha Prata-Linhares (Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil), Rosa Bizarro (Instituto Politécnico de Macau, Macau), Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira (Universidade Federal de São Carlos, Brasil), Sílvia Redon Pantoja (Pontifícia Universidade Católica de Valparaíso, Chile) e Teresa Pessoa (Universidade de Coimbra, Portugal).
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Procedeu-se ainda ao lançamento de livros, de que se destaca: “Desafios curriculares e pedagógicos na formação de professores – Atas do I colóquio Desafios Curriculares e Pedagógicos na Formação de Professores”, realizado em 4 e 5 de maio de 2015, no mesmo local e promovido pela mesma entidade com objetivos similares, pois este debate é infindável.
Também naquele ano as comunicações exploraram questões tais como: 
Respostas das instituições educativas e de formação de professores às pressões políticas e económicas transnacionais sobre a educação e formação de professores; respostas das escolas e dos professores às exigências de performatividade avaliativa atual; respostas curriculares e pedagógicas das escolas a populações marcadas por processos de discriminação e exclusão social; como são ou podem ser as tecnologias digitais de comunicação inclusivas; implicações para a qualidade dos programas de formação à distância; interesses servidos pelos conteúdos curriculares escolares; papel dos manuais escolares e de outros recursos educativos (tecnológicos) na construção do conhecimento construído na e pela escola; respostas curriculares e pedagógicas que estão a ser dadas a populações em risco de abandono escolar;  como estão os programas de formação de professores a preparar profissionais para atuarem numa sociedade da informação e do conhecimento; preparação dos professores para uma sociedade e escola multiculturais; preocupações de educação para a justiça social nos programas de formação de professores; e promoção da educação para a paz e para os direitos humanos a partir das escolas e dos programas de formação.
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O Estado alegadamente não programa a educação segundo qualquer um dos parâmetros constantes do n.º 2 do art.º 43.º da CRP. Porém, deixa que a educação e a escola sejam acorrentadas pela ideologia neoliberal e neoconservadora que perpassa a sociedade e determine as opções políticas. E o Governo, quando criou um grupo de trabalho para definir o perfil dos alunos no século XXI, que o compendiou em torno de 10 competências-chave, veio com toda a pompa proclamar a flexibilização curricular, “concedendo” que 25.º do currículo pudesse ser definido a nível local e conseguiu a adesão de 236 escolas (públicas e privadas). Não obstante, definiu as “aprendizagens essenciais” em cada disciplina e determinou que a avaliação externa, nas disciplinas a ela sujeitas (exame ou aferição), incide apenas sobre as aprendizagens essenciais. Assim, quo vaditis, flexibilitio curricularis et currculum locale? E, por mais que se pintem, com estas políticas, os professores que se cuidem, pois serão meros executantes dos currículos nacionais. Só serão gerentes táticos. E a única prerrogativa constitucional que se mantém é a índole aconfessional do ensino público (vd CPR,art.º 43.º/3) – que sossega a todos, com algumas exceções dos que preferiam ver totalmente afastados os temas religiosos, mesmo do ponto de vista meramente fenoménico.
Ademais, não se trata de currículo inerte, como diz Roldão, mas currículo imposto e substituível a capricho de governantes sucessivos, sem real participação de docentes na criação das equipas e sem debate suficiente (ao menos como na reforma de Roberto Carneiro).
Deixemo-nos de hipocrisia e da cómoda falta de vontade política com sujeição aos interesses particulares, se queremos fazer da educação integral e participada a alavancagem do futuro!
2017.09.28 – Louro de Carvalho    

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