Pouco tempo depois de serem conhecidas as projeções
que davam 13% à AfD (Alternativa
para a Alemanha),
partido de extrema-direita nas eleições de 24 de setembro, centenas de alemães
saíram espontaneamente à rua a protestar, em Berlim, Francforte, Colónia,
Hamburgo, Munique, entre outras cidades alemãs. Os grupos de manifestantes,
segundo a France Presse, concentravam-se
em frente às sedes de campanha da AfD e gritavam palavras de ordem como “Fora os nazis”, “Berlim odeia os nazis”, “13%
é uma vergonha” e “racismo não é
alternativa”. E a polícia montou fortes
dispositivos de segurança para impedir confrontos entre os militantes
antifascistas e membros da AfD.
Na verdade,
os resultados provisórios davam à AfD o 3.º lugar nas eleições, permitindo que
este partido de extrema-direita, que baseou a campanha no discurso
anti-imigração e antieuropeu, venha a ocupar cerca de 90 lugares no Bundestag (o parlamento alemão). Fundada em 2013, a AfD está
presente em 13 dos 16 parlamentos regionais e no Parlamento Europeu.
Porém,
a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, apressou-se a felicitar a Alternativa para a Alemanha, o seu
congénere alemão, pela entrada no Parlamento, fruto dos pelo menos 13% de votos
conseguidos nas eleições gerais deste domingo. E Le Pen, que perdeu as eleições
presidenciais francesas, este ano, para Emmanuel Macron, escreveu no Twitter:
“Bravo
aos nossos aliados da AfD por este resultado histórico! É um novo símbolo do
despertar dos povos da Europa.”.
E, de
facto, apesar das expectativas criadas em relação à França, ali a extrema-direita
não conseguiu lugares na Assembleia Nacional, proeza que agora obteve na Alemanha.
Perante
os resultados das eleições legislativas, marcadas por um significativo avanço da
extrema-direita, os meios de comunicação social alemães começaram a falar de “pesadelo”
e “consternação”. O jornal Bild
escreveu:
“Uma chapada para Merkel, um desastre para Schulz,
sucesso chocante para a AfD: o resultado deste ‘voto de fúria’ vai mudar
profundamente a Alemanha”.
***
Contudo,
a CDU da chanceler Angela Merkel – com a sua aliada CSU (União Social-Cristã) da Baviera – venceu as eleições legislativas do
passado domingo com 33% dos votos, seguida dos sociais-democratas do SPD, com
cerca de 20%, e do partido AfD, de extrema-direita, com cerca de 13% (mais propriamente 12,6%), segundo as projeções divulgadas
pela televisão pública ZDF. É “uma
vitória de pesadelo para a chanceler, como resume
o jornal mais lido no país.
A chanceler alemã, com 33% dos votos, obteve menos que os 41,5% (uma diferença de mais de 7%) conseguidos há quatro anos. Em 2.º lugar, com 20,5%, ficou o SPD, que
admitiu pretender ser oposição para se repensar e recompor. E, em 3.º lugar
ficou a AfD, com 12,6% dos votos. O partido, com apenas 4 anos, é o primeiro à
direita dos conservadores a entrar no parlamento em 60 anos.
A
seguir à AfD, posicionou-se o Partido Liberal (FDP), que voltou ao parlamento após uma pausa
de quatro anos, com 10,7%, e que fora parceiro de coligação de Merkel no seu 2.º
mandato, de 2009 a 2013, mas que perdeu todos os assentos há quatro anos.
O partido Die Linke (A Esquerda) conseguiu 9,2%, ligeiramente acima de Os Verdes, com 8,9%, completando um
parlamento com seis forças, ao invés das anteriores quatro.
O jornal conservador Frankfurter
Allgemeine Zeitung (FAZ) sublinha que “a progressão espetacular dos populistas de direita
constitui um ponto de viragem histórico para a vida política alemã”, que até
agora funcionou numa cultura de consensos e debates civilizados, e que entra agora
numa era de conflito.
E o diário de centro-esquerda Süddeutsche
Zeitung sustenta que “a consternação reina nas fileiras conservadoras e a
principal responsável é nomeada”.
Por seu turno, o Spiegel destacou:
“Angela
Merkel vai permanecer chanceler, conseguiu o ‘objetivo estratégico’, mas paga
um preço elevado: a coligação governamental foi severamente punida (...) A AfD
entra no Bundestag [parlamento] com um resultado superior a 10%”.
E concluiu que “será extremamente difícil formar uma aliança governamental
sólida para os próximos quatro anos.
De facto, os socialdemocratas excluíram
a possibilidade de voltar a governar com a União Democrata-Cristã (CDU) e, a manterem
essa postura, Merkel, que foi eleita para um 4.º mandato, terá de negociar
acordo ou acordos entre conservadores, liberais e verdes.
Este foi um dos resultados mais fracos
da aliança no pós-guerra.
A AfD, com apenas quatro anos, centrou a
campanha nas críticas a Merkel e à decisão de, em 2015, ter autorizado a
entrada de um elevado número de migrantes na Alemanha. A este respeito, uma das
líderes do partido, Alice Weidel, disse que irá envolver-se numa “oposição
construtiva”, mas o colíder Alexander Gauland foi mais severo, prometendo “recuperar
o país” e “perseguir” Merkel.
O antigo presidente do Parlamento
Europeu e líder do SPD, Martin Schulz, admitiu que o partido sofreu uma “esmagadora
derrota eleitoral” – um autêntico desastre – e afirmou que irá deixar a
coligação de Angela Merkel e posicionar-se na oposição, como já foi referido.
Apesar de tudo, com um resultado menos
robusto, que obriga a novas coligações, Merkel garantiu estabilidade, pois,
como reconheceu, tem “um mandato para formar um novo Governo”, sendo que nenhum
Governo pode ser formado contra a CDU. E confessou que os últimos quatro anos
foram “extremamente desafiantes”.
Longe, pois, de qualquer solução
parecida com a portuguesa resultante das eleições legislativas de 4 de outubro
de 2015, a chefe do governo alemão sublinhou que se vivem “tempos tempestuosos”
internacionalmente, mas frisou: “Tenho
intenção de conseguir um governo estável na Alemanha”.
Todos os partidos tradicionais excluíram
a possibilidade de trabalhar com a AfD e os conservadores de Merkel não vão
formar coligação com o Die Linke, um
partido de extrema-esquerda oriundo da antiga RDA. E, com os socialdemocratas a
prometer entrar para a oposição, sobra uma possibilidade de governo: a já apontada
combinação de conservadores, liberais e verdes. Esta aliança é conhecida como “Jamaica”
visto as cores dos partidos serem semelhantes à bandeira daquele país das
Caraíbas e também por ser uma combinação “exótica”, uma espécie de “geringonça”
teutónica.
A AfD é o primeiro partido à direita dos
conservadores a entrar no parlamento em 60 anos.
Merkel comprometeu-se a proceder a uma “análise
profunda” dos resultados, almejando “reconquistar os eleitores da AfD, resolver
problemas, tendo em consideração as suas preocupações e receios e, acima de
tudo, com boas políticas”. E garantiu que as ideias da AfD não iriam influir na
governação.
***
Por
trás da cabeça da chanceler no palco da Konrad Adenauer Haus a comentar os
resultados e, apesar de tudo, a celebrar a vitória lia-se “Die Mitte” (o meio). Esta é a expressão que melhor sintetiza a escolha
da campanha da CDU, que enfatizou, de quase todas as maneiras, as virtudes do
equilíbrio, da permanência e da constância. Aliás, a estratégia dos partidos
que pretendem ganhar eleições é conquistar o eleitorado ao centro.
Todavia,
estas eleições dão a entender que o eleitorado esgotou a tolerância ao “meio” e
fugiu para os extremos. Os partidos da coligação que governou nos últimos 4
anos foram punidos em conjunto em cerca de 14% dos votos que tinham obtido em
2013. E, se havia dúvidas sobre os sinais de descontentamento que vinham a ser
medidos pelas sondagens, o escrutínio final foi claro. Os alemães querem
mudança e mais de 13% dos votantes escolheram os que mais gritaram por ela: a
AfD, de extrema-direita, entra com considerável folga no Bundestag para alterar de vez a paisagem da República Federal desde
a sua fundação. Assim, o Parlamento a 6 partidos vai ter um funcionamento
diferente e prevê-se que a AfD tudo fará para dificultar a aprovação de tudo o
que lhe desagradar. Se assim não fosse, Merkel não teria destacado no discurso
pós-eleitoral na Adenauer Haus que o próximo governo será forte e lidará com os
receios e preocupações expressos pela AfD: imigração ilegal e segurança
interna, à frente de todos os outros temas, serão objeto de “boas políticas”.
Mas, apesar do entusiasmo da vitória, Merkel não deixou de admitir que não
esperava tão mau resultado para o seu partido.
Os
liberais, o partido que é o tradicional parceiro de coligação da União, mais do
que duplicaram o resultado de 2013, eleições em que pela primeira vez desde
1949 não obtiveram os 5% de votos, ficando de fora por isso. O sucesso do seu
jovem líder Christian Lindner foi obtido em boa parte entre os jovens e na
estratégia que adotou de modernizar o discurso tornando-o mais moderno que o “centro”.
Por outro lado, já se esperava a entrada da extrema-direita no Bundestag, mas os líderes Alexander
Gauland, Alice Weidel e frauke Petry ficaram exultantes com o resultado de 13,3
pontos resultantes da campanha agressiva que fizeram contra “o meio” (die Mitte) do espectro político representado
pela CDU/CSU. Os 9,4% obtidos pelos Verdes foi um resultado “digno”, como
declarou um dos seus líderes ao canal público ARD. O resultado acima das sondagens que lhe davam 8% mantém-nos
como potenciais parceiros da coligação.
O
Twitter d’A Esquerda declarou de imediato que a próxima legislatura será de
luta no Bundestag e, nas ruas, contra
a direita e o racismo. Os 9% dos votos obtidos dão-lhes peso de “coligável”,
apesar dos preconceitos com o comunismo de que o partido ainda é objeto.
***
Entre nós, no seu comentário habitual do Jornal da Noite, da SIC, Miguel Sousa
Tavares deixou elogios a Angela Merkel e disse que a chanceler ficará para a
história por ter acolhido um milhão de refugiados na Alemanha. No entanto, salientou
que a questão da imigração na Alemanha fez com que os dois principais partidos
perdessem votos nestas eleições.O voto que se seguiu a uma campanha
eleitoral enfadonha mudará a estrutura que sustenta a democracia alemã. Pela
primeira vez, entra no Bundestag um
partido cujo desígnio é fazer tudo para dificultar a vida aos outros partidos e
ser reeleito em 2021. Milhares de alemães saíram à rua em protesto contra a
AfD, o partido populista e racista que ganhou o voto dos descontentes.
Também Passos Coelho frisou o peso das questões com segurança e imigração na subida dos
extremistas e negou querer em Portugal capitalizar esses medos ao atacar a lei
da imigração.
O líder do PSD considerou hoje, dia
25, que a subida da extrema-direita na Alemanha é “o problema mais delicado” destas
eleições. E sublinhou o peso que tiveram neste resultado as preocupações dos
eleitores relacionadas com a segurança, a imigração e o movimento de
refugiados. E, interpelado sobre se a insistência do PSD nas críticas à lei da
imigração em vigor, que considera demasiado permissiva, será uma forma de
capitalizar o mesmo tipo de receios dos nossos eleitores, fez questão de
distinguir as situações e considerar que Portugal tem sido, “até hoje”, um país
“seguro”.
Depois,
elogiou o papel de Angela Merkel enquanto “referência” da construção europeia, mas
notou que a chanceler terá de dar resposta às questões que permitiram a subida da
AfD. Ora, para ele, isso significa – mais do que a posição que esse partido
adotar no Parlamento alemão – que há muitos eleitores sensíveis àquele discurso
e com preocupações muito centradas nos problemas da segurança, derivados dos
movimentos migratórios, da crise dos refugiados, do nível de abertura da Europa
e das competências que a Europa tem ou não tem nestas matérias.
Pedro
Passos Coelho, que em tempos foi apelidado por Merkel como o “good guy”, pela
sua fama de aluno bem comportado segundo as regras europeias, disse ainda aos
jornalistas que a chanceler “tem sido ao longo de todos estes anos uma
personalidade muito marcante da vida política europeia e também central na vida
da Alemanha”, pelo que espera que também agora, “além dos problemas domésticos,
olhe também para o conjunto da Europa”. E explicou:
“Merkel não foi uma das obreiras da
arquitetura europeia, mas, depois de Maastricht, foi a líder na Europa que mais
persistentemente tem contribuído, com equilíbrio e ambição, para a reforma das
instituições europeias e para a necessidade de completar o que ficou por fazer
desde o início, seja no plano da união económica e monetária, seja ao nível da
Europa da Defesa e Segurança. É muito importante que, tendo a experiência que
tem e constituindo a referência que constitui no espaço europeu, ela encontre
condições para manter viva a chama de que a Europa precisa de estar mais unida
sem forçar os europeus.”.
***
Não reconheço
a Merkel um papel tão relevante na reconfiguração da União Europeia, como vê
Passos. Ao invés, vejo-a como querendo dominar a dinâmica europeia e a
pronunciar-se em demasia (ou
a tolerá-lo) sobre a
vida interna e as escolhas dos diferentes Estados-Membros da UE, sobretudo dos
mais fragilizados pela crise, em parte aliciados pelo remédio sugerido pela Alemanha:
primeiro, de gasto perdulário; depois, de austeridade a doer. Todavia, é
relevante o papel que teve na contestação a Trump e no acolhimento de cerca de um
milhão de refugiados (num
quadro de solidariedade e de equilíbrio).
Porém,
estas eleições, como as dos EUA, da França, da Holanda e o referendo italiano,
para não falar do Brexit, revelam a falência do centro decente, concretizado
pela socialdemocracia e pela democracia cristã ou pelas duas em cooperação. Quando
perderam o cariz social e, em obediência a interesses poderosos, enveredaram
pelo neoliberalismo, deixaram emergir e avolumar os problemas sociais, como
desemprego, precariedade, exploração do trabalhador, falta de teto, insegurança
física e social, insuficiência na saúde e educação. E o populismo à direita e à
esquerda soube propor a descoberta dos culpados e prometeu que resolveria messianicamente
estes problemas pelo racismo, xenofobia, condicionamento da imigração, ataque
aos refugiados ou ressuscitando a pena de morte para o crime organizado e/ou
violento. E os descontentes com o “meio” e desesperados da manutenção da
dignidade creram e votaram. Queiram os decisores atacar os problemas que deixaram
criar e avolumar e veremos a luz!
2017.09.25 – Louro de
Carvalho
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