segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Não cuidaram do seu interesse da eleição: e agora protestam!

Pouco tempo depois de serem conhecidas as projeções que davam 13% à AfD (Alternativa para a Alemanha), partido de extrema-direita nas eleições de 24 de setembro, centenas de alemães saíram espontaneamente à rua a protestar, em Berlim, Francforte, Colónia, Hamburgo, Munique, entre outras cidades alemãs. Os grupos de manifestantes, segundo a France Presse, concentravam-se em frente às sedes de campanha da AfD e gritavam palavras de ordem como “Fora os nazis”, “Berlim odeia os nazis”, “13% é uma vergonha” e “racismo não é alternativa”. E a polícia montou fortes dispositivos de segurança para impedir confrontos entre os militantes antifascistas e membros da AfD.
Na verdade, os resultados provisórios davam à AfD o 3.º lugar nas eleições, permitindo que este partido de extrema-direita, que baseou a campanha no discurso anti-imigração e antieuropeu, venha a ocupar cerca de 90 lugares no Bundestag (o parlamento alemão). Fundada em 2013, a AfD está presente em 13 dos 16 parlamentos regionais e no Parlamento Europeu.
Porém, a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen, apressou-se a felicitar a Alternativa para a Alemanha, o seu congénere alemão, pela entrada no Parlamento, fruto dos pelo menos 13% de votos conseguidos nas eleições gerais deste domingo. E Le Pen, que perdeu as eleições presidenciais francesas, este ano, para Emmanuel Macron, escreveu no Twitter:
Bravo aos nossos aliados da AfD por este resultado histórico! É um novo símbolo do despertar dos povos da Europa.”.
E, de facto, apesar das expectativas criadas em relação à França, ali a extrema-direita não conseguiu lugares na Assembleia Nacional, proeza que agora obteve na Alemanha.
Perante os resultados das eleições legislativas, marcadas por um significativo avanço da extrema-direita, os meios de comunicação social alemães começaram a falar de “pesadelo” e “consternação”. O jornal Bild escreveu:
Uma chapada para Merkel, um desastre para Schulz, sucesso chocante para a AfD: o resultado deste ‘voto de fúria’ vai mudar profundamente a Alemanha”.
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Contudo, a CDU da chanceler Angela Merkel – com a sua aliada CSU (União Social-Cristã) da Baviera – venceu as eleições legislativas do passado domingo com 33% dos votos, seguida dos sociais-democratas do SPD, com cerca de 20%, e do partido AfD, de extrema-direita, com cerca de 13% (mais propriamente 12,6%), segundo as projeções divulgadas pela televisão pública ZDF. É “uma vitória de pesadelo para a chanceler, como resume o jornal mais lido no país.
A chanceler alemã, com 33% dos votos, obteve menos que os 41,5% (uma diferença de mais de 7%) conseguidos há quatro anos. Em 2.º lugar, com 20,5%, ficou o SPD, que admitiu pretender ser oposição para se repensar e recompor. E, em 3.º lugar ficou a AfD, com 12,6% dos votos. O partido, com apenas 4 anos, é o primeiro à direita dos conservadores a entrar no parlamento em 60 anos.
A seguir à AfD, posicionou-se o Partido Liberal (FDP), que voltou ao parlamento após uma pausa de quatro anos, com 10,7%, e que fora parceiro de coligação de Merkel no seu 2.º mandato, de 2009 a 2013, mas que perdeu todos os assentos há quatro anos.
O partido Die Linke (A Esquerda) conseguiu 9,2%, ligeiramente acima de Os Verdes, com 8,9%, completando um parlamento com seis forças, ao invés das anteriores quatro.
O jornal conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) sublinha que “a progressão espetacular dos populistas de direita constitui um ponto de viragem histórico para a vida política alemã”, que até agora funcionou numa cultura de consensos e debates civilizados, e que entra agora numa era de conflito.
E o diário de centro-esquerda Süddeutsche Zeitung sustenta que “a consternação reina nas fileiras conservadoras e a principal responsável é nomeada”.
Por seu turno, o Spiegel destacou:
 “Angela Merkel vai permanecer chanceler, conseguiu o ‘objetivo estratégico’, mas paga um preço elevado: a coligação governamental foi severamente punida (...) A AfD entra no Bundestag [parlamento] com um resultado superior a 10%”.
E concluiu que “será extremamente difícil formar uma aliança governamental sólida para os próximos quatro anos.
De facto, os socialdemocratas excluíram a possibilidade de voltar a governar com a União Democrata-Cristã (CDU) e, a manterem essa postura, Merkel, que foi eleita para um 4.º mandato, terá de negociar acordo ou acordos entre conservadores, liberais e verdes.
Este foi um dos resultados mais fracos da aliança no pós-guerra.
A AfD, com apenas quatro anos, centrou a campanha nas críticas a Merkel e à decisão de, em 2015, ter autorizado a entrada de um elevado número de migrantes na Alemanha. A este respeito, uma das líderes do partido, Alice Weidel, disse que irá envolver-se numa “oposição construtiva”, mas o colíder Alexander Gauland foi mais severo, prometendo “recuperar o país” e “perseguir” Merkel.
O antigo presidente do Parlamento Europeu e líder do SPD, Martin Schulz, admitiu que o partido sofreu uma “esmagadora derrota eleitoral” – um autêntico desastre – e afirmou que irá deixar a coligação de Angela Merkel e posicionar-se na oposição, como já foi referido.
Apesar de tudo, com um resultado menos robusto, que obriga a novas coligações, Merkel garantiu estabilidade, pois, como reconheceu, tem “um mandato para formar um novo Governo”, sendo que nenhum Governo pode ser formado contra a CDU. E confessou que os últimos quatro anos foram “extremamente desafiantes”.
Longe, pois, de qualquer solução parecida com a portuguesa resultante das eleições legislativas de 4 de outubro de 2015, a chefe do governo alemão sublinhou que se vivem “tempos tempestuosos” internacionalmente, mas frisou: “Tenho intenção de conseguir um governo estável na Alemanha”.
Todos os partidos tradicionais excluíram a possibilidade de trabalhar com a AfD e os conservadores de Merkel não vão formar coligação com o Die Linke, um partido de extrema-esquerda oriundo da antiga RDA. E, com os socialdemocratas a prometer entrar para a oposição, sobra uma possibilidade de governo: a já apontada combinação de conservadores, liberais e verdes. Esta aliança é conhecida como “Jamaica” visto as cores dos partidos serem semelhantes à bandeira daquele país das Caraíbas e também por ser uma combinação “exótica”, uma espécie de “geringonça” teutónica.
A AfD é o primeiro partido à direita dos conservadores a entrar no parlamento em 60 anos.
Merkel comprometeu-se a proceder a uma “análise profunda” dos resultados, almejando “reconquistar os eleitores da AfD, resolver problemas, tendo em consideração as suas preocupações e receios e, acima de tudo, com boas políticas”. E garantiu que as ideias da AfD não iriam influir na governação.
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Por trás da cabeça da chanceler no palco da Konrad Adenauer Haus a comentar os resultados e, apesar de tudo, a celebrar a vitória lia-se “Die Mitte” (o meio). Esta é a expressão que melhor sintetiza a escolha da campanha da CDU, que enfatizou, de quase todas as maneiras, as virtudes do equilíbrio, da permanência e da constância. Aliás, a estratégia dos partidos que pretendem ganhar eleições é conquistar o eleitorado ao centro.
Todavia, estas eleições dão a entender que o eleitorado esgotou a tolerância ao “meio” e fugiu para os extremos. Os partidos da coligação que governou nos últimos 4 anos foram punidos em conjunto em cerca de 14% dos votos que tinham obtido em 2013. E, se havia dúvidas sobre os sinais de descontentamento que vinham a ser medidos pelas sondagens, o escrutínio final foi claro. Os alemães querem mudança e mais de 13% dos votantes escolheram os que mais gritaram por ela: a AfD, de extrema-direita, entra com considerável folga no Bundestag para alterar de vez a paisagem da República Federal desde a sua fundação. Assim, o Parlamento a 6 partidos vai ter um funcionamento diferente e prevê-se que a AfD tudo fará para dificultar a aprovação de tudo o que lhe desagradar. Se assim não fosse, Merkel não teria destacado no discurso pós-eleitoral na Adenauer Haus que o próximo governo será forte e lidará com os receios e preocupações expressos pela AfD: imigração ilegal e segurança interna, à frente de todos os outros temas, serão objeto de “boas políticas”. Mas, apesar do entusiasmo da vitória, Merkel não deixou de admitir que não esperava tão mau resultado para o seu partido.
Os liberais, o partido que é o tradicional parceiro de coligação da União, mais do que duplicaram o resultado de 2013, eleições em que pela primeira vez desde 1949 não obtiveram os 5% de votos, ficando de fora por isso. O sucesso do seu jovem líder Christian Lindner foi obtido em boa parte entre os jovens e na estratégia que adotou de modernizar o discurso tornando-o mais moderno que o “centro”. Por outro lado, já se esperava a entrada da extrema-direita no Bundestag, mas os líderes Alexander Gauland, Alice Weidel e frauke Petry ficaram exultantes com o resultado de 13,3 pontos resultantes da campanha agressiva que fizeram contra “o meio” (die Mitte) do espectro político representado pela CDU/CSU. Os 9,4% obtidos pelos Verdes foi um resultado “digno”, como declarou um dos seus líderes ao canal público ARD. O resultado acima das sondagens que lhe davam 8% mantém-nos como potenciais parceiros da coligação.
O Twitter d’A Esquerda declarou de imediato que a próxima legislatura será de luta no Bundestag e, nas ruas, contra a direita e o racismo. Os 9% dos votos obtidos dão-lhes peso de “coligável”, apesar dos preconceitos com o comunismo de que o partido ainda é objeto.
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Entre nós, no seu comentário habitual do Jornal da Noite, da SIC, Miguel Sousa Tavares deixou elogios a Angela Merkel e disse que a chanceler ficará para a história por ter acolhido um milhão de refugiados na Alemanha. No entanto, salientou que a questão da imigração na Alemanha fez com que os dois principais partidos perdessem votos nestas eleições.O voto que se seguiu a uma campanha eleitoral enfadonha mudará a estrutura que sustenta a democracia alemã. Pela primeira vez, entra no Bundestag um partido cujo desígnio é fazer tudo para dificultar a vida aos outros partidos e ser reeleito em 2021. Milhares de alemães saíram à rua em protesto contra a AfD, o partido populista e racista que ganhou o voto dos descontentes.
Também Passos Coelho frisou o peso das questões com segurança e imigração na subida dos extremistas e negou querer em Portugal capitalizar esses medos ao atacar a lei da imigração.
O líder do PSD considerou hoje, dia 25, que a subida da extrema-direita na Alemanha é “o problema mais delicado” destas eleições. E sublinhou o peso que tiveram neste resultado as preocupações dos eleitores relacionadas com a segurança, a imigração e o movimento de refugiados. E, interpelado sobre se a insistência do PSD nas críticas à lei da imigração em vigor, que considera demasiado permissiva, será uma forma de capitalizar o mesmo tipo de receios dos nossos eleitores, fez questão de distinguir as situações e considerar que Portugal tem sido, “até hoje”, um país “seguro”.
Depois, elogiou o papel de Angela Merkel enquanto “referência” da construção europeia, mas notou que a chanceler terá de dar resposta às questões que permitiram a subida da AfD. Ora, para ele, isso significa – mais do que a posição que esse partido adotar no Parlamento alemão – que há muitos eleitores sensíveis àquele discurso e com preocupações muito centradas nos problemas da segurança, derivados dos movimentos migratórios, da crise dos refugiados, do nível de abertura da Europa e das competências que a Europa tem ou não tem nestas matérias.
Pedro Passos Coelho, que em tempos foi apelidado por Merkel como o “good guy”, pela sua fama de aluno bem comportado segundo as regras europeias, disse ainda aos jornalistas que a chanceler “tem sido ao longo de todos estes anos uma personalidade muito marcante da vida política europeia e também central na vida da Alemanha”, pelo que espera que também agora, “além dos problemas domésticos, olhe também para o conjunto da Europa”. E explicou:
“Merkel não foi uma das obreiras da arquitetura europeia, mas, depois de Maastricht, foi a líder na Europa que mais persistentemente tem contribuído, com equilíbrio e ambição, para a reforma das instituições europeias e para a necessidade de completar o que ficou por fazer desde o início, seja no plano da união económica e monetária, seja ao nível da Europa da Defesa e Segurança. É muito importante que, tendo a experiência que tem e constituindo a referência que constitui no espaço europeu, ela encontre condições para manter viva a chama de que a Europa precisa de estar mais unida sem forçar os europeus.”.
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Não reconheço a Merkel um papel tão relevante na reconfiguração da União Europeia, como vê Passos. Ao invés, vejo-a como querendo dominar a dinâmica europeia e a pronunciar-se em demasia (ou a tolerá-lo) sobre a vida interna e as escolhas dos diferentes Estados-Membros da UE, sobretudo dos mais fragilizados pela crise, em parte aliciados pelo remédio sugerido pela Alemanha: primeiro, de gasto perdulário; depois, de austeridade a doer. Todavia, é relevante o papel que teve na contestação a Trump e no acolhimento de cerca de um milhão de refugiados (num quadro de solidariedade e de equilíbrio).
Porém, estas eleições, como as dos EUA, da França, da Holanda e o referendo italiano, para não falar do Brexit, revelam a falência do centro decente, concretizado pela socialdemocracia e pela democracia cristã ou pelas duas em cooperação. Quando perderam o cariz social e, em obediência a interesses poderosos, enveredaram pelo neoliberalismo, deixaram emergir e avolumar os problemas sociais, como desemprego, precariedade, exploração do trabalhador, falta de teto, insegurança física e social, insuficiência na saúde e educação. E o populismo à direita e à esquerda soube propor a descoberta dos culpados e prometeu que resolveria messianicamente estes problemas pelo racismo, xenofobia, condicionamento da imigração, ataque aos refugiados ou ressuscitando a pena de morte para o crime organizado e/ou violento. E os descontentes com o “meio” e desesperados da manutenção da dignidade creram e votaram. Queiram os decisores atacar os problemas que deixaram criar e avolumar e veremos a luz!  

2017.09.25 – Louro de Carvalho

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