domingo, 10 de setembro de 2017

Uma forma excecional de celebrar a dedicação da Catedral do Porto

O dia 9 de setembro celebra a memória litúrgica do jesuíta São Pedro Claver, que serviu os escravos, em Cartagena (Colômbia) por mais de 40 anos, como missionário cuidando deles, tanto na vertente física como na espiritual. Canonizado por Leão XIII e declarado por Pio X “especial patrono de todas as missões entre os negros”, em consonância com o que ele próprio escreveu de próprio punho, “para sempre escravo dos negros”, finou-se em 1654, com 74 anos de idade e 52 anos de vida religiosa, quando, ao socorrer o Cristo excluído e chagado, uma terrível peste o atingiu. E este grande devoto da Virgem Maria e profundo adorador de Jesus Eucarístico fica inscrito na História da Igreja como o apóstolo que gastou a vida inteira ao serviço dos negros escravos trazidos ou “roubados” da África e transportados para a América Latina nos porões escuros e escusos de navios, que não tinham condições para abrigar seres humanos. E é um dos missionários que, a par de alguns Pontífices, levantaram a voz e a vida contra esta vergonhosa colonização das Américas com o abusivo e desumano mercado dos escravos negros.
***
Porém, a Diocese do Porto, que acompanhou ativamente a História da Igreja e a História de Portugal, em que interveio de forma ora eminente ora discreta, celebra, neste dia, a dedicação da sua Igreja Catedral, com honras de solenidade, enquanto nas restantes igrejas da diocese a mesma celebração tem a categoria de festa.
Este ano, sem subvalorizar a vertente vetusta da Igreja diocesana e, em particular, da sua Sé catedral, cuja titular é a Virgem Maria sob a invocação de Nossa Senhora da Assunção, o Bispo do Porto convocou os diocesanos para a peregrinação diocesana a Fátima e, segundo os dados oficiais que os registos fornecem, conseguiu mobilizar efetivamente mais de 32 mil peregrinos. Na verdade, o prelado diocesano quer uma igreja “jovem e bela” como “uma casa de família”
Com efeito, o ponto 7 da Carta Pastoral – Peregrinos com Maria pelas fontes da alegria pascal, de 16 de abril, também subscrita pelos bispos auxiliares, é bem claro. Situa a peregrinação no quadro do centenário das Aparições e pretende seguir o exemplo do Papa, ao delinear como escopo ter uma Igreja diocesana, com todas as suas estruturas e força vivas, “peregrina na esperança e na paz” junto de Nossa Senhora, em Fátima.
Assim, almeja promover o agradecimento da visita da Imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima ao Porto, de 10 de abril a 1 de maio de 2016; e desencadear um forte dinamismo de caminhada da diocese como “Igreja inteira” a peregrinar a Fátima para consolidar um caminhar com Maria pelas fontes da alegria. Para o efeito, como lema desta peregrinação foi escolhido o seguinte: “Com Maria, Senhora de Fátima, Igreja do Porto peregrina e missionária” – o que significa confiar ao coração da Mãe, a Senhora da Mensagem de Fátima, “os sonhos e projetos da Igreja do Porto neste caminho sinodal aberto a todos”. Por outro lado, fica evidenciada a ânsia de trazer “com a bênção da Mãe de Jesus, Senhora de Fátima, encanto, ousadia e vigor para a missão de servir a Igreja do Porto e anunciar a alegria do Evangelho”.
E, dada a dimensão da peregrinação, foi constituída a Comissão Coordenadora Diocesana presidida por Dom António Augusto Azevedo, para tudo se fazer em ordem a uma preparação com tempo e a uma programação eficiente com vista a “celebrarmos com fé e vivermos com alegria todos os momentos de peregrinação”.
Além disso, com a peregrinação diocesana, inicia-se o ano pastoral (apresentado em julho). Por isso,
“Apelamos à compreensão e à participação de todas as comunidades cristãs, conscientes de que a presença dos sacerdotes e diáconos na peregrinação diocesana obrigará a que sejam reorganizadas e suprimidas algumas celebrações vespertinas nas paróquias. Somos uma Igreja que se estende pelas terras de Santa Maria e tem a Senhora da Assunção como padroeira da catedral e da diocese. O Porto, cidade da Virgem, invoca a Senhora de Vandoma e guarda com filial devoção a sua imagem esculpida no brasão da cidade e impressa na alma dos portuenses. Confiamos, em cada manhã, à Mãe de Deus e nossa Mãe, com as mesmas orações que as nossas mães nos ensinaram a rezar, esta amada Igreja do Porto, os seus habitantes e quantos diariamente nos procuram para trabalhar ou nos visitam e aqui encontram a beleza da terra, o valor do património, os campos abertos da cultura, o espírito acolhedor das nossas gentes e o testemunho feliz da nossa fé em Cristo vivo e ressuscitado”. (vd Carta Pastoral, 16 de abril).
***
Entretanto, a predita Comissão preparou um programa específico para um dia, em articulação com o Santuário de Fátima, constando de: chegada a Fátima, pelas 10 horas; concentração junto do altar do Recinto de Oração pelas 10,30 horas; celebração da Eucaristia às 11 horas, precedida de procissão com a imagem de Nossa Senhora da Capelinha das Aparições para o altar do Recinto pelas 11 horas e seguida da Consagração da Diocese a Nossa Senhora; e, pelas 16 horas, recitação do terço na Capelinha das Aparições.
Também a Comissão fez editar, em suporte digital e de papel e distribuir o cartaz da peregrinação, a ficha de informação/ inscrição por paróquia, a ficha de inscrição dos frágeis que precisassem de lugar próprio e acompanhamento e um Kit com o guião da peregrinação que inclui orações, cânticos, distintivo de identificação, cachecol e várias informações.
Com a Comissão alinhou Serviço Diocesano de Liturgia, que, mediante o Serviço Diocesano de Acólitos e o Serviço Diocesano de Música Litúrgica, contribuiu para que a celebração fosse “mais bela, participada e representativa da realidade da nossa Igreja”. Assim, em conformidade com o apelo do pastor diocesano, os grupos de Acólitos e os Coros Litúrgicos incorporaram-se de forma expressiva nas iniciativas com que cada Paróquia se inseriu nesta peregrinação de toda a Igreja Diocesana.
Os Acólitos levaram as suas túnicas e houve o cuidado de lhes reservar espaço próprio para a paramentação e a celebração. Os coros e grupos de cantores, porque são uma parte qualitativa da Assembleia litúrgica, estiveram disseminados na grande assembleia diocesana, que preenchia o recinto do Santuário, para garantia de uma participação efetiva, coral, dando melodia e harmonia à voz de uma Igreja que “quer cantar as maravilhas de Deus integrando-se no coro com que todas as gerações proclamam Maria bem-aventurada”. E, para que isto pudesse acontecer, o Serviço Diocesano de Música Litúrgica levou a cabo a realização de ensaios a em diferentes lugares das 4 regiões da Diocese.
Registe-se que o Serviço Diocesano de Música Litúrgica procedeu a uma criteriosa seleção de cânticos (congraçando a beleza artística com a simplicidade espiritual) para todos os momentos da celebração eucarística e da recitação do terço, articulando as ideias litúrgicas e paralitúrgicas vincadas no âmago da Igreja do Porto como as típicas do Santuário de Fátima – o que se comprova pela análise quer das letras dos cânticos quer da qualidade das partituras.
Ainda em termos logísticos, conforme fora determinado:
A inscrição e transporte foram da responsabilidade de cada paróquia/instituição; a chegada a Fátima foi pelas 10 horas e regresso pelas 17 horas; os momentos celebrativos foram: 11 horas – missa no recinto; 16 horas – terço na capelinha; cada paróquia/instituição levou um sinal identificativo (estandarte mariano ou bandeira) que tomou parte na procissão de entrada; houve local reservado para presbíteros e diáconos; foi promovida a maior participação possível aos coros, acólitos e jovens; as pessoas frágeis puderam ficar junto das comunidades ou, nos casos mais delicados, ocupara lugar reservado (para estes casos foi preenchida ficha específica); ficou previsto que cada participante pudesse ter um guião (com orações, cânticos…), uma dezena, um autocolante e um cachecol; o custo do conjunto era de 2 euros; cada paróquia/instituição cuidou da preparação espiritual dos peregrinos, promovendo nos dias anteriores momentos de oração, de reflexão e confissões; com a carta da Comissão seguiu o cartaz da peregrinação e uma ficha informativa que foi preenchida e enviada à diocese até ao fim de Junho, tendo o seu preenchimento sido indispensável para a requisição do material previsto e contribuído para uma boa organização.
***
Tudo a condizer. A diocese do Porto realizou, como previsto e preparado, a Peregrinação a Fátima no contexto do centenário das Aparições de Nossa Senhora, anunciada em Julho, na apresentação do Plano Pastoral da diocese, significando um grande gesto de gratidão pela visita da Imagem peregrina à diocese e um ato de colocação dos “sonhos e projetos da Igreja do Porto” no coração de Maria. Comemorando o centenário das Aparições na Cova da Iria, fez-se a abertura do ano pastoral no mesmo dia em que se celebra o aniversário da dedicação da Catedral, que é dedicada a Nossa Senhora da Assunção.
A este respeito, Dom António Augusto de Oliveira, bispo auxiliar do Porto e Presidente da comissão coordenadora, explicou à ECCLESIA que esta diocese nortenha “não tinha muita tradição” de peregrinação de conjunto à Cova da Iria (a primeira realizou-se em 1968), mas aceitou o desafio da carta pastoral de Dom António Francisco dos Santos, Bispo do Porto. E sustentou:
“Não é coincidência que a peregrinação aconteça no dia da dedicação da catedral da diocese e num contexto de início de ano pastoral. O momento alto será a consagração da diocese a Nossa Senhora com esse objetivo de nos inspirar e abençoar neste caminho.”.
O bispo auxiliar acrescentou que esta iniciativa quer mostrar “uma Igreja inteira que peregrina e o sentido de peregrinação e “de descoberta da sua missão”. E desenvolveu o desígnio diocesano:
“Que sintamos que somos Igreja de toda a extensão da diocese, nos variados âmbitos e campos de missão, que seja uma Igreja que peregrina e pede a Maria, quer aprender de Maria o melhor para a missão”.
Por fim, augurou:
“Esperamos e temos indicadores de que vai ter grande participação das paróquias, das instituições movimentos, grupos e vigararias”.
***
E, na verdade, o Recinto de Oração do Santuário de Fátima encheu-se, naquela manhã de 9 de setembro, para acolher os milhares de peregrinos que vieram à Cova da Iria integrando a Peregrinação Diocesana do Porto, presidida pelo seu bispo, Dom António Francisco dos Santos, e na qual participaram, entre outros, também os bispos auxiliares do Porto e o Bispo de Leiria-Fátima, Dom António Augusto dos Santos Marto. E o prelado diocesano, que presidiu à Eucaristia, afirmou o propósito coletivo da Igreja que, sob o impulso do Espírito Santo, anima:
“Vamos partir daqui ‘movidos pelo amor de Deus” para que cresça, no Porto, como nos lembra o nosso Plano Diocesano de Pastoral 2017/2018 (PDP), ‘uma Igreja bela, verdadeira casa de família, sensível, fraterna, acolhedora e sempre a caminho, mãe comovida com as dores e alegrias dos seus filhos e filhas, cada vez menos em casa, cada mais fora de casa, a quem deve fazer chegar e saber envolver na mais simples e comovente notícia do amor de Deus.” (vd CEP/Carta Pastoral, 16.7.2010).
E, querendo ver espelhado na Igreja portuense “o rosto jovem e belo da igreja que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor”, formulou uma exigência:
“Não podemos viver distantes dos dramas humanos nem ficar insensíveis aos seus clamores e indiferentes aos seus sofrimentos. Os doentes, os frágeis, os presos, os sem abrigo... contai connosco, queremos ser igreja onde as vossas dores sejam também as nossas para que a alegria da nossa fé seja o vosso conforto.”.
Dom António Francisco dos Santos pediu uma disponibilidade missionária de toda a Igreja Católica no Porto, com “novos horizontes de missão iluminados por novos desafios”.
Perante os mais de 32 mil diocesanos das 477 paróquias que formam a nossa Diocese, o prelado rezou pela proteção de Nossa Senhora para o novo ano pastoral e afirmou a comunhão com o Papa Francisco, a partir de Fátima, na oração pela Paz na Colômbia, para que se consiga levar “a paz, a concórdia e a esperança a este povo martirizado”. E, pedindo “disponibilidade para a missão”, disse que “os trilhos da fé, da esperança e da caridade que hoje se fizeram caminhos de peregrinação a Fátima devem estar sempre presentes”.
Como recado evangélico à Igreja peregrina e missionária que milita no Porto, o Pastor, exortou:
Igreja do Porto: Vive esta hora, que te chama, guiada pelas mãos de Maria, a ir ao encontro de Cristo e a partir de Cristo a anunciar com renovado vigor e acrescido encanto a beleza da fé e a alegria do Evangelho. Viver em Igreja esta paixão evangelizadora é a nossa missão. A vossa e a minha missão!”.
E descreveu, nestes termos, a imagem da sua e nossa Igreja naquele dia:
As ruas e as estradas das quatrocentas e setenta e sete paróquias da diocese do Porto, a norte e a sul do Douro, entre o Antuã e o Ave, tornaram-se, hoje, braços de um grande rio a guiar-nos para este mar de fé. Queremos dizer ao futuro este nosso modo feliz e mariano de viver a fé e este desejo incontido de anunciar a alegria do Evangelho no Porto, Cidade da Virgem e Terra de Santa Maria.”.
Como novidade, ressalta a perspetiva do Sínodo Diocesano em horizonte, que o prelado aqui confia, “desde já, à proteção da Mãe de Deus e Mãe da Igreja, Senhora do Rosário de Fátima”.
Por fim, pediu “à Virgem Maria, Senhora de Fátima, Senhora de Vandoma e Senhora da Assunção, nossa Mãe e Padroeira, com as palavras do Papa Francisco”:
“Que nos ajude a anunciar a todos a mensagem da salvação, que nos ensine a acreditar na força revolucionária da bondade, da ternura e do afeto e nos dê a santa audácia de buscar novos caminhos para que chegue a todos o dom da beleza que não se apaga, a alegria da fé que nunca se esgota e o fascínio das bem-aventuranças que inspiram a missão da Igreja e transformam o Mundo” (cf EG, n.º 288).
***
No final da celebração, também o bispo de Leiria-Fátima, anfitrião, deixou uma palavra aos diocesanos do Porto que serviu durante 25 anos, quer no Seminário Maior do Porto quer como sacerdote em várias comunidades. A este respeito, saudou num tom visivelmente emocionado:
Salve, querida diocese do Porto, bem-vinda a Fátima e que Nossa Senhora de Fátima te abençoe, ilumine e acompanhe sempre com o seu auxílio materno”.
E, em jeito de justificação, porfiou:
“Nunca esquecerei toda a vitalidade que encontrei na diocese do Porto, que me ajudou a viver a fé e o meu ministério, aprofundando-o (…). Quero mostrar a minha gratidão por tudo o que recebi da diocese do Porto e das grandes amizades que lá fiz – as belas recordações e as saudades que guardo no meu coração.”.
***
Foi assim vivido extra muros o grande dia da Igreja Diocesana do Porto na sua condição de Igreja cada vez mais em saída, peregrina e missionária, sob os auspícios da Mãe e a balbuciar a mística da sinodalidade!

2017.09.10 – Louro de Carvalho 

Sem comentários:

Enviar um comentário