quinta-feira, 28 de setembro de 2017

“A par dos incêndios e da erosão, a seca: um mal nunca vem só!”

Primeiro, lamentávamos o flagelo dos incêndios florestais, que deixaram de ser exclusivamente florestais para serem semiurbanos. Destruíram massivamente floresta e matagal, caça e culturas, plantas e animais, deixaram pessoas sem casa, sem segurança e muitas sem vida e outras na orfandade. E responsáveis humanos (diretos e indiretos) eclipsam-se total ou parcialmente. Mas as causas são atribuídas ao desordenamento florestal, à falta de prevenção, à descoordenação em combate, a negócios, a interesses inconfessados, a vinganças, a patologias, a convecções, a calor, a raios, a vento, a lixo acumulado e – porque não? – à mão escondida por trás do arbusto.
Chegou-se ao ponto de declarar a calamidade pública temporária para inúmeros concelhos do território, não sei com que efeito. E temia-se que, a seguir, viesse um período de chuvas que erodisse a terra feita pó solto e degradasse os solos, retirando do território as condições edafo-climáticas para a produção de culturas e repovoamento das espécies vegetais e animais.   
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Entretanto, o território fica assolado pela seca, severa (e até extrema) em 79% da superfície. Não chove o suficiente para repor os lençóis e níveis freáticos de água. Os caudais dos rios são diminutos e o nível das águas em barragens decresceu enormemente. Segundo os alertas de especialistas ouvidos pela Lusa, a seca está a provocar a diminuição dos caudais dos rios e a substituição da água doce por água salgada, que afeta terrenos agrícolas e mesmo aquíferos.
Eugénio Sequeira, ambientalista e antigo presidente da LPN (Liga de Proteção da Natureza), recordou que, em 2004/2005, a maré alta no rio Tejo chegou a Valada do Ribatejo, concelho do Cartaxo, e, em Vila Franca, apanhavam-se corvinas e robalos (peixes de água salgada que toleram água de baixa salinidade). E acrescentou que agora isto está a acontecer de novo, “em qualquer rio, em Aveiro, em Coimbra, na foz do Guadiana...”.
Por seu turno, Carla Graça, especialista em recursos hídricos, da associação ambientalista Zero, aponta, além da entrada da água do mar rios adentro, “a introdução salina nos aquíferos” (reservas de água subterrâneas) como outra consequência da seca. E, na página web da APA (Agência Portuguesa do Ambiente), dados do final de julho indicavam que parte das massas subterrâneas observadas “se apresentam, na generalidade, inferiores às médias mensais” e que, em 25 delas, os níveis de água são “significativamente inferiores” aos valores médios mensais.
Questionado pela Lusa, também o INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária) admitiu que, diminuindo o caudal dos rios, há “maior intrusão de sais vindos do mar, que podem originar mais sais na água de rega e, consequentemente, provocar a sua acumulação no solo”.
Contudo, acrescenta que, se no inverno seguinte à seca chover normalmente, os sais acumulados são lixiviados e a água dos rios também volta à sua salinidade normal. E conclui que “só um ano de seca não irá tornar os terrenos improdutivos”. Porém, segundo Eugénio Sequeira, “a rega, a longo prazo, vai ser um problema complicadíssimo”. E, falando não só da seca, como dos fogos e das cinzas depositadas nas albufeiras, questiona que água beberemos quando chover.
O especialista aponta outro problema que os solos vão enfrentar: a alta concentração de sódio. A este respeito, o ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas) diz, em informação disponível ‘online’, que a sodização é a maior ameaça da salinização e que o sódio tem um efeito negativo no crescimento das plantas. E a solução passa por “lavar” os terrenos, para o que é preciso mais água, que não há, pois, “quanto mais seca, mais água é necessária”. Assim, conclui Eugénio Sequeira, “estamos a caminhar a passos largos para a catástrofe”, por causa da seca, alterações climáticas, desordenamento e incapacidade de trabalharmos em conjunto.
Por sua vez, Filipe Duarte Santos, investigador e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, resume o problema: já estamos a sofrer as consequências das mudanças climáticas.
Em toda a região mediterrânica houve nos últimos 55 anos uma redução da precipitação de 40 milímetros por década, o que, segundo o professor, “afeta muito tudo o que depende dos recursos hídricos, a disponibilidade de água, a qualidade, a agricultura, a intrusão salina”. Em suma, como refere, “a situação é grave”, pois, se, em Portugal, não chover nas próximas semanas, a água que vem dos rios que nascem em Espanha será menos e com menos qualidade. E previne que a seca e as ondas de calor são algo a que temos “de nos adaptar”, admitindo que o futuro possa passar pela dessalinização da água do mar.
Ainda, Eugénio Sequeira, assumidamente irritado com o que vê ou que não vê, afirma que até lá “estamos a brincar com coisas sérias”. E estriba-se em estudos que admitem que o deserto do Saara chegará ao rio Tejo, alertando para as cinzas dos incêndios que são hidrófobas (impedem a infiltração da água). Por isso, avisa:
A prioridade é reter as águas nas encostas, é o que se deveria fazer onde houve fogos. É preciso fazer charcos onde a água se infiltrasse. E isso não está a ser feito em lado nenhum.”.
E Carla Graça acrescenta outro dado:
“Nos incêndios há a queima de biomassa que provoca a formação de compostos voláteis que são cancerígenos. Vão para a atmosfera e depois depositam-se no solo. No ano passado, foram encontrados concentrados elevados em Vila Velha de Ródão.”.
O INIAV sugere que em anos de seca se faça melhor gestão da água de rega, mas a Zero diz que o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água está “na gaveta há 4 anos”, e que as medidas preconizadas pela Comissão de Acompanhamento da Seca de 2012 não foram implementadas.
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Esta situação de seca fez aparecer uma antiga ponte na região do Alentejo, que tem estado submersa pelas águas da barragem do Pego do Altar. Com efeito, há duas décadas que a ponte de Rio Mourinho estava submersa pelas águas da barragem do Pego do Altar (Alcácer do Sal), mas a seca que assolou o Alentejo provocou a descida do nível da albufeira, destapando a antiga passagem entre as localidades de Santa Susana e São Cristóvão. A ponte, com cerca de 30 metros, foi construída há 200 anos e o seu regresso testifica o pesadelo que a falta de chuva representa para a bacia do rio Sado, onde as albufeiras registam uma média de 19,2% da sua capacidade. Em ano normal estariam nos 46%. A barragem do Pego do Altar tem hoje apenas 8% da sua capacidade, traduzidos em cerca de 7 milhões de metros cúbicos, nas contas de Gonçalo Lince de Faria, coordenador da Associação de Regantes, dos quais 5 milhões são para garantir a sobrevivência do peixe. E frisa que já foram retiradas várias toneladas de carpas e outras espécies para diminuir a carga piscícola, pois, em 70 anos de barragem, houve poucos com uma seca tão grande, e recorda que a associação optou por ratear a área de arroz em 40%, logo em abril, para que a água não faltasse de vez. E o prejuízo estende-se à pecuária na maioria das zonas do país, com os produtores a alimentarem o gado à mão e o Governo a acionar o “alerta laranja”, admitindo rigor na preparação da próxima campanha agrícola, antes dos investimentos dos empresários nas sementeiras e, em especial, vindo o Secretário de Estado do Ambiente a avisar que, por exemplo, a produção de arroz pode ter um ano pouco recomendável:
“Vamos ter de articular com o Ministério da Agricultura e perceber quais são as espécies que exigem mais água e regiões de maior risco, para darmos um sinal aos produtores sobre o que devem fazer”.
Será este um tema para debater a 2 de outubro na reunião da Comissão de Gestão de Albufeiras, admitindo Carlos Martins, o predito Secretário de Estado, que o abastecimento público esteja assegurado para os próximos três meses nas regiões mais críticas, sem excluir dificuldades, caso se mantenha a falta de chuva, sobretudo nas zonas que dependem de águas subterrâneas, já que a ausência de precipitação impede a recarga de aquíferos.
Também, segundo Carlos Martins, os fluxos de água proveniente de Espanha, que também atravessa um período de seca, merecem atenção do Governo. Admitindo que os caudais ecológicos estão a respeitar os acordos ibéricos, Martins receia que a “diminuição da quantidade de água afete a sua qualidade” do lado de cá da raia. E Francisco Ferreira, presidente da Zero, diz que o cumprimento por parte de Espanha dos caudais “é essencial” para o abastecimento português, alegando que há o risco de a seca prosseguir. Por isso, infere:
Temos de antever as consequências para saber lidar com a falta de água”.
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Há, em todo o caso, uma exceção: Évora, Vidigueira e Cuba foram beneficiadas pelos blocos de rega com água do Alqueva. E, onde antes havia seca e paisagens quase desérticas, há agora quilómetros de terras cultivadas. Há ciclones de pó pelo ar, está seca e quebradiça a terra, pesa a respiração e o vento é tão quente que fere os olhos. Em vez de savanas africanas, mas estas são terras do Monte do Pasto, casa de pecuária que agrega várias herdades para engorda de gado bovino em Cuba (distrito de Beja). A água do Alqueva só chegou através duma conduta de água de 4 quilómetros que desagua em albufeira da propriedade, na herdade do Trolho. Em contraste, num outro ponto da propriedade, a herdade dos Secos, onde a água do Grande Lago não chegou, a pequena albufeira existente está quase seca, dada a severidade da seca do ano, como mostrou Pedro Horta, engenheiro de produção animal, que sustenta haver “um antes e um depois do Grande Lago”, enchido há 15 anos. Com efeito, o maior reservatório de água da Europa transformou profundamente as terras agrícolas alentejanas beneficiadas com os seus blocos de rega, como o distrito de Évora ou os concelhos de Vidigueira e Cuba (do distrito de Beja), a 65, 37 e 48 quilómetros do oásis, respetivamente. Ali, no verão, a seca não destrói as colheitas nem mata o gado à sede, mesmo quando o termómetro chega a 47º, como sucedeu há duas semanas.
A este respeito, Mário Pinheiro, CEO da Herdade Ribafreixo (espraiada em 125 hectares de vinha na Vidigueira), afirmou:
A verdadeira reforma agrária no Alentejo foi o Alqueva. Isto era tudo abandonado e agora está tudo cultivado.”.
Na verdade, do terraço da loja de enoturismo da herdade avistam-se as vinhas, alinhadas com o tubo de água a passar entre elas, no sistema de rega gota a gota. E Mário Pinheiro conta:
“Há 10 anos, quando chegámos, não havia aqui nada, era uma zona abandonada. Comprámos quase 30 terrenos a pequenos produtores que faziam agricultura de sequeiro. Meio hectare aqui, um quarto de hectare acolá, numa autêntica manta de retalhos. Tínhamos até há pouco tempo um hectare no meio da herdade, que foi plantado agora, ao qual chamávamos de ‘supositório’. Estava ali no meio e eram duas parcelas de meio hectare cada.”.
O empresário, nascido em Moçambique, fez fortuna na África do Sul com altas tecnologias e decidiu investir em vinhos com um sócio alentejano. E recorda agora:
“Isto eram terras de agricultores com vinhas muito pequenas e sem massa crítica para se fazer uma adega mas sabíamos, há mais de dez anos, que a rega do Alqueva vinha aí. Nos últimos terrenos que comprámos, os preços já saltaram porque as pessoas já sabiam que eles andavam a instalar os reservatórios.”.
A herdade do Ribafreixo (que foi pioneira na vinha de regadio) garante 7 a 8 toneladas de produção:
“Temos 700 mil garrafas de vinho para o mercado nacional e o resto é para exportação, para muitos países da União Europeia mas também para China, Japão e Filipinas”.
E agora, à semelhança da Ribafreixo, agora todas as vinhas da Vidigueira aproveitam a água do Alqueva, pois, como diz Mário Pinheiro,
“O Alqueva trabalha como se fosse um coração com artérias e veias capilares. Dali passa para outras barragens e depois tem estações elevatórias em vários locais. É água que chega em tubos grandes, uns fechados, outros a céu aberto.”.
Com efeito, da artéria da Vidigueira, passa-se à veia capilar do Monte Novo, em Évora. O bloco de rega com 10 mil hectares instalado na região tem na herdade agrícola do Gavião uma das beneficiadas. Nessa exploração de 900 hectares, 215 estão reservados ao arrendamento agrícola, como declarou o gestor Gonçalo Macedo. Nesses arrendamentos de campanha sazonais, encontram-se culturas que antigamente não eram rentáveis e agora espalham um charme verde pelo campo alentejano: bróculos, pimentos, courgettes e tomates despontam em terras que eram apenas de trigo ou de forragens para o gado.
A maior parte da herdade está dedicada à exploração pecuária. Quando se tiram as culturas sazonais, as vacas correm os campos. “É rentável”, garante Gonçalo Macedo. Debaixo dum dos aspersores de rega, o gestor pega num pedaço de terra húmida e explica a riqueza que ali tem:
Por causa da água a terra está húmida e desfaz-se na mão, pronta para novas culturas”.
Mas o preço é alto. A água do Alqueva paga-se a “cerca de 8 cêntimos o metro cúbico e fomos prejudicados com a redução da bonificação anual que a EDIA [empresa que gere o Alqueva] deu aos agricultores” – diz o gestor. Mas, no final, compensa. E confessa:
“Eu posso-me queixar do preço da água, mas sou um felizardo. Penso muitas vezes naquelas pessoas na maioria do Alentejo que não têm o benefício de ter a água para quando precisam.”.
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No entanto, a situação atual é menos grave que em julho. Em fins de agosto, 60% do Continente estava em situação de seca severa e extrema, menos 20% que no final de julho, segundo o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera). O boletim climatológico de agosto indica:
“No final do mês de agosto mantém-se a situação de seca meteorológica em todo o território de Portugal continental, verificando-se um desagravamento da área em seca severa e extrema”.
A 31 de agosto, 58,9% do território era de seca severa e 0,7% de seca extrema, contrastando com os 69,6% em seca severa e 9,2% em seca extrema verificados em fins de julho. Segundo o boletim, 2,6% do território era de seca fraca e 37,8% de seca moderada, no final de agosto.
O IPMA classifica em 9 classes o índice meteorológico de seca, que varia entre “chuva extrema” e “seca extrema”.
Apesar do desagravamento registado, agosto foi quente e extremamente seco, com valor médio de precipitação no Continente de 8,2 mm, correspondente a 60% do valor médio, do IPMA.

A solução para a prevalência do ecossistema passa pela construção de infraestruturas de armazenamento de água, pela poupança, pelo óbice à contaminação e pela dessalinização da água do mar. Porque esperamos? Confiar na generosidade e altruísmo de Espanha, que nem aceita pensar no reforço das autonomias (a nível legislativo, executivo, judicial e policial) e impede o referendo catalão? Milagres? Que pensa a solidária UE?
Requer-se, para tanto educação sustentável e a prazo, consciencialização progressiva, vontade política, planeamento, gestão, investimento, avaliação e, desde já, concertação europeia!

2017.09.27 – Louro de Carvalho

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