Amanhã,
dia 1 de outubro, são as eleições para os órgãos das autarquias locais. Os
cidadãos eleitores vão eleger, a partir das propostas disponíveis em cada
município e freguesia (de partidos e coligações ou de grupos de
cidadãos formados para o efeito),
a assembleia municipal, a câmara municipal e a assembleia de freguesia. Da
assembleia de freguesia emanará a junta de freguesia, sabendo-se que o
presidente será o candidato que encabeça a lista do partido ou grupo de
cidadãos mais votado, sendo eleitos o secretário e o tesoureiro e, nos casos
onde houver lugar a eles, os vogais. Depois, para colmatar a saída dos eleitos
para a junta, a lista ou listas que eles integravam fornecerá(ão) os
substitutos respeitando o respetivo ordenamento de lista.
Depois
da operação de supressão e agregação de freguesias (a
mor parte em uniões),
determinada pela Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, no âmbito da Lei n.º
22/2012, de 30 de maio (a lei-quadro), que aprova o regime jurídico
da reorganização administrativa territorial autárquica, são muito poucas as
freguesias (aquelas em que o número de eleitores é inferior a 150) em que a junta de freguesia não emana duma
assembleia de freguesia eleita, mas é eleita diretamente pelo plenário dos
cidadãos eleitores.
***
Foi para esta magna
operação a realizar amanhã que se mobilizaram os partidos políticos, nalguns
casos, em regime de coligação, e se constituíram grupos de cidadãos eleitores
que se candidataram aos órgãos das autarquias locais. E estas são os municípios
(não as câmaras, que são órgãos executivos dos
municípios) e as
freguesias (não as juntas, que são
órgãos executivos das freguesias).
Houve bastantes casos de
freguesias em que só uma lista concorreu à assembleia de freguesia. Este facto,
aliado a outro, o da permanência como que alapada da mesma personalidade ou do
mesmo partido à frente dos destinos de uma autarquia, deveria fazer repensar a
política local e provavelmente levar a importantes alterações legislativas
sobre a matéria.
Em alguns casos, aqueles em
que efetivamente não há pessoas suficientes para formar listas, deveriam
multiplicar-se as freguesias em que a junta é eleita diretamente em plenário,
mas, segundo as regras de funcionamento de assembleia geral, em que os
candidatos se apresentam em plenário e a votação é feita com o plenário
reunido; e não como sucede nalguns casos em que a sala abre a determinada hora da
manhã (cedinho) e fecha tardiamente a hora vespertina. Este
comportamento configura, em meu entender, uma batota, pois, aqueles eleitores
têm, sem necessidade, um bónus ou um massacre de mais 8 ou 15 dias de campanha
eleitoral e já conhecem os resultados globais do município.
Entretanto, a maior parte
dos casos em que é difícil conseguir (ou não se consegue) mais que uma lista de
candidatos à assembleia de freguesia, considerando-se à partida eleita a lista
única não resulta da exiguidade de eleitores disponíveis, mas do caciquismo
local. Com efeito, em muitos municípios o bastião do poder autárquico torna-se
inexpugnável pela criação de dependências, pela troca de contrapartidas sobre o
voto ou pela oferta do voto à espera de benefícios de emprego, subsídios,
licenças para desenvolvimento de projetos de habitação, empresariais ou
socioculturais e, sobretudo (o que é mais grave ainda), pelo receio de
retaliação ou de negação de benesses para as coletividades e freguesias.
Recordo que é difícil os presidentes de junta da oposição, que integram por
inerência a assembleia municipal, votarem contra a proposta de orçamento
apresentado pelo executivo. Porquê? Para não serem acusados de bloqueio ao
desenvolvimento da sua freguesia.
Depois, a lei eleitoral
facilita um outro fenómeno que engrossa a rede dependencial. Dantes, não era
admissível a candidatura às autarquias locais a funcionários do respetivo
município, o que gerou algumas situações consideradas inconstitucionais. A
partir de um determinado momento, a lei eleitoral proíbe a candidatura às
autarquias locais a funcionários que detenham cargos de direção no município
respetivo ou nas sociedades em que este detenha posição maioritária no capital
social. É uma situação que facilmente se contorna: funcionários dirigentes
demitem-se dos cargos; outros dispensam-se de aceder a eles; e os municípios
descartam-se da posição maioritária das sociedades, ficando-se pela
participação a 49,9%.
Ora, torna-se mais perigoso
para a democracia ter aberto a candidatura aos funcionários, pois, em geral,
como autarcas em assembleias, câmaras e juntas, tornam-se mais servis do
presidente da câmara do que os funcionários dirigentes (estes ainda são decisores que podem enfrentar o
poder se quiserem). E os casos não são poucos em que os discursos e
atitudes resultam de estrita recomendação do presidente ou de quem as suas
vezes faz. E o cumprimento de obrigações funcionais é muitas vezes visto como
resolução de problemas do foro político e administrativo.
***
Porque incluo este arrazoado
nas impressões de campanha? Exatamente, porque os partidos não explicaram aos
eleitores ao que iam. Muitos pensam – e o material de campanha o faz supor –
que se elege a câmara e a junta e também o presidente da assembleia municipal. Na
verdade, o cidadão que encabeça a lista ganhadora de candidatura à câmara será
o presidente da câmara, mas o que encabeça a lista de candidatura à assembleia
pode não vir a ser o seu presidente. Basta que a lista que ele integra, embora
tenha o maior número de votos, não disponha de maioria absoluta ou que alguns
dos seus correligionários modifiquem o seu sentido de voto, pois a eleição da
mesa é feita na primeira reunião da assembleia por escrutínio secreto.
Depois, as candidaturas não
desmontaram nem denunciaram os defeitos dependenciais, “fraudulentos” ou lacunares
acima expostos. É difícil fazer passar a mensagem e os jornalistas sabem tudo
menos muito do que interessa. Até deram importância ao facto de os cabeças de
lista única fazerem campanha eleitoral, esquecendo que os eleitores são como os
jogadores de futebol: precisam de ser respeitados e acarinhados. Candidato
praticamente eleito que ousasse desprezar os seus eleitores e a solidariedade
para com o seu município arriscava-se a não ter lugar na próxima oportunidade
por a sua atitude poder ser entendida como desprezo, arrogância ou falta de
solidariedade.
***
Mas a campanha foi muito
movimentada: arruadas de carrinhas com instalação sonora e disseminação de
panfletos, caravanas de automóvel, marchas a pé, contacto porta a porta,
invasão de caixas de correio, comícios, distribuição de brindes, exibição de
programas, colocação de outdoors publicitários, redes sociais, blogues,
programas radiofónicos, comezainas, espetáculos, alguns debates televisivos…
Tudo certo. Mas dois reparos: ninguém falou da distribuição de géneros
alimentícios como se fosse Natal antecipado, pagamento de viagens do
estrangeiro para cidadãos virem votar nesta ou naquela formação partidária, manipulação
discreta ou descarada através de crianças em idade escolar e mesmo em pré-escolar,
atribuição de bolsas para cursos de línguas... É de arrepiar, não? Não é este o
poder ou serviço de proximidade!
Notou-se que os candidatos
com maior arreganho em pompa e gastos são os que estão no poder autárquico. Mas
o partido do poder central também sabe gastar e estar nos municípios que lhe
interessam. É difícil separar um exercício de poder e um ato de campanha, como
separar material administrativo de material de candidatura, não é?
Aos partidos e grupos de
cidadãos que se candidataram só em algumas freguesias ou só em alguns municípios
e àqueles que fizeram campanha só para eleger vereador ou vereadores ou para
tirar maiorias absolutas devo dizer que isto não é sério. Se a lei de
financiamento dos partidos está mal, corrijam-na. Os partidos legalmente
constituídos têm de possuir meios para as operações eleitorais, venham eles dos
militantes, do Estado ou das empresas. Essa de querermos os partidos
independentes do poder económico é mera hipocrisia. Tão independentes que estão
metidos na maior parte das questões económicas e financeiras do BES/GES, BCP,
BPI, BPN, Montepio, Santander, Compta, Galilei, PPP, swap, etc.! Lembram-me os
bispos de Portugal, que não deixaram Salazar atribuir um salário aos
padres, como em Espanha ou na Alemanha, para não se acusar o clero de ficar de
pendente do poder político. Valeu-lhes muito!...
Não fazer campanha,
comícios, festa, etc. pode significar não atenção ao eleitor. Se não vêm nem
visitá-lo para a eleição, que garantias dão de o atenderem se forem poder.
Depois, quando se vai à luta, embora se corra o risco de perder, o objetivo é
ganhar. E começa-se logo pelo discurso e pelo ímpeto de festa. Concorrer para
cumprir calendário ou para ter um vereador ou um deputado ou para tirar maioria
sabe a pouco e não é uma atitude política nem de serviço à democracia. E isto
aconteceu.
Neste período eleitoral,
houve duas coisas que já não deviam acontecer: a quantidade de reclamações junto
da CNE (Comissão Nacional de Eleições) por atitudes e situações
irregulares, como destruição de material de propaganda, má confeção de material
eleitoral, confusão de documentação de ação autárquica e publicidade eleitoral,
entre outros aspetos; e a disparidade de decisões do TC (Tribunal Constitucional) na apreciação de recursos
sobre decisões dos tribunais de comarca sobre alegadas irregularidades de
candidaturas, o que não aconteceria se o TC tivesse uma secção especializada
que apreciasse estes processos.
Também quero deixar uma
palavra sobre a intervenção dos líderes nacionais nas campanhas às eleições
autárquicas. É certo que eles têm o dever da solidariedade para com aqueles e
aquelas que dão a cara no terreno pelos partidos e são uma mais-valia para os
partidos. Porém, estas eleições não podem confundir-se com as eleições
nacionais, que infelizmente movimentam muitíssimo pouco os autarcas e as
populações, o que se reflete na elevadíssima percentagem de abstencionistas. E
fazer delas a inauguração de novo ciclo político como alguns comentadores dizem
que Marcelo quis fazer (Ele o deu a tender em certa
medida quando disse não haver crise política até às autárquicas!) é de efeito perverso.
Primeiro, porque, a nível local, as pessoas a eleger estão acima dos partidos;
segundo, há situações de simpatia partidária a nível local, quando o mesmo
partido gera antipatias a nível nacional (Vi isso em
2005, quando na apresentação de candidatura autárquica do PS, uma deputada veio
dizer maravilhas do governo de Sócrates!) e vice-versa; e, ainda, porque incumbe aos
dirigentes nacionais a solidariedade, mas não o apadrinhamento. Tanto assim é
que uma candidatura quis aproveitar como apoio presidencial a simpatia do
Presidente e grupos de professores e de enfermeiros manifestaram-se contra o
Primeiro-Ministro a pretexto de ações partidárias de campanha. Fez bem António
Costa ao separar as águas e fazem mal os dirigentes nacionais que aproveitam as
autárquicas para vender a banha de cobra governativa ou os candidatos locais (dirigentes nacionais) que aproveitam o papel de
candidatos a autarquia para debate de questões nacionais.
***
Por uma questão de
simpatia, mas também de dever cívico e para com o insigne, não resisto à
citação da parte final da última entrevista (sobre eleições autárquicas) do falecido Bispo do
Porto à agência Ecclesia (AE), a 9 de setembro, em
Fátima, na antevéspera da sua morte.
Fez um comentário ao repto
da AE sobre a proximidade das eleições autárquicas, a abundância do
discurso em torno do local e do poder local e a importância de se falar “muito
no valor das pessoas”, mas sem que isso “não se esqueça após a contagem dos
votos”:
“Creio que todos nós somos devedores, após o 25 de Abril de 1974, a um
grande caminho feito no poder autárquico. O serviço dos autarcas, a quem eu
presto homenagem e admiração, quando realizado como tónica de dimensão de
serviço. Aqueles que servem, tanto nas juntas de freguesia como nas câmaras
municipais, são os que estão mais próximos de nós e conhecem melhor a
realidade. Todavia há realidades que demoram muito tempo. A burocracia e a
administração são muitas vezes lentas. Estas atrasam soluções que prejudicam e
tornam injusta a vida das populações. Este é um caminho grande a percorrer… E
depois a transparência. Acho que a verdade, a autenticidade e entrega são
essenciais. Todavia, considero que o rosto das cidades, vilas e aldeias
transformou-se e, graças a Deus, para bem de todos.”.
Da necessidade de reforçar este
poder para aumentar a proximidade às populações, disse:
“Devemos fazer uma grande reforma da administração
central, administração regional e local. Quanto mais aproximarmos os
servidores, seja a nível do Estado, das autarquias e instituições daqueles a
quem servem para que seja olhos nos olhos, coração a coração, rosto a rosto…
Nós estamos a construir um Portugal melhor, mas nesta área temos muito a
aprender com outros povos para reforçar o poder autárquico. Aqueles que nos
conhecem podem servir-nos melhor.”.
***
Porém, estas partes da entrevista têm umas reticências, que representam omissões
da versão oral que saiu de forma algo confusa, pelo que se compreende esta
atitude prudencial da AE. Mas é pena, porque, apesar da gratidão e simpatia
plasmada na entrevista, aliás como na vida do prelado, fica patente a marca das
exceções apontada ao espírito de serviço de autarcas, tendo ele dito que são exceções
que confirmam a regra. Por outro lado, há a exigência que devemos fazer aos
autarcas que elegemos na linha do acompanhamento e da ação inspetiva.
Sabendo que se trata dum bispo que lidou de perto com o poder autárquico já
enquanto sacerdote, devo dizer que ele sabia o que bem queria dizer na sua
lucidez, bondade, exigência e apoio a todos os que desejam bem servir.
***
Penso
que as autarquias, em vez do jogo de interesses que às vezes são, devem passar
a ser sempre escolas e campos do bem-fazer, passando pelo bem pensar, bem-querer
e bem participar: escolas e campos da cidadania, do exercício da política ativa
– almejando a realização de pessoas e famílias, o bem-estar das populações e o
desenvolvimento económico e social.
2017.09.30 – Louro de Carvalho
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