O país está assolado
por incêndios florestais que, este ano, ultrapassam o âmbito da floresta, com
todo o desbaste em espécies vegetais e animais e outros itens fundamentais do
ambiente e atingem as casas de armazenagem, habitação, animais domésticos e,
nesta época incendiária, ceifam vidas de animais domésticos e paradomésticos e
de homens, mulheres e crianças. Não é a primeira vez que as pessoas são
atingidas pelos incêndios florestais e urbanos. Porém, desta vez, os fumos, os
calores e as labaredas surpreenderam as vítimas do desassossego nas suas casas,
nas estradas, nos penhascos e ravinas.
***
Os procedimentos, a lei e a justiça
As forças vivas
desdobraram-se em esforços pelo combate no terreno, mas os decisores e
analistas entretiveram-se a discutir as causas (mas assentam em que quase 50% dos eventos começam de noite),
as questões de coordenação/descoordenação das operações, os problemas
relacionados com a logística e a capacidade ou não de periodicamente fazer o
ponto de situação para os formadores e consumidores da opinião pública (que acabou por recair numa oficial da nossa
armada).
Os poderes políticos
perderam-se no labirinto das críticas e as entidades públicas e/ou empresariais
implicadas no serviço público de defesa e segurança do nosso património humano
e material não se envergonham de jogar a responsabilidade pelos erros cometidos
e pelas falhas observadas, chegando ao desplante de fazer de conta que tudo
correu normalmente. Bolas! Se duma assentada morreram 64 pessoas e o país
continua a arder convenientemente (para usar um advérbio camiliano), como é que se pode falar de normalidade? O axe
pode estar nas leis, nos contratos, nos procedimentos, nas pessoas. E os
responsáveis não deviam portar-se como os miúdos: não fui eu, foste tu, foi ela, ele é que é mau… Para tal, não
carecemos de políticos ou de entidades públicas e privadas. Deixem-nos viver
doentes ou sinistrados e morrer em sossego!
Parlamento e Governo
lá apressaram o atamancamento dumas leis e decretos-lei respeitantes ao ordenamento
florestal e reflorestação, à prevenção dos incêndios e ao seu combate, bem como
uma declaração de calamidade pública por tempo breve e sem a garantia do
acionamento dos mecanismos inerentes a ela. Aliás, tal declaração consistiu
numa Resolução que se limitou a
ratificar a destempo um despacho dos competentes membros do Governo para o
efeito.
O país vive uma
situação de “camelidade”: eles
negligenciam o bem público e nós todos pagamos os erros. Infelizmente, somos
uma obediente cáfila.
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Com efeito, não basta
possuir leis. Há que lhes assegurar força sancionatória. Hoje, dia 3 de
setembro, tanto a edição impressa do JN
como o Expresso on line referem que
“em Portugal incendiários raramente vão parar à prisão” e que “27% dos
inquéritos são arquivados”.
Dados da PGR (Procuradoria-Geral da República) dizem que, em 2016, foram instaurados 9.955
inquéritos por crime de incêndio florestal, mas desses 9.650 foram arquivados e
apenas avançaram 141 acusações. Assim, a maioria dos inquéritos abertos pelo
crime de incêndio florestal acabou em arquivo e apenas 3% chegou a julgamento.
Por outro lado,
de 2001 a 2015 só 48 incendiários foram condenados a pena de prisão
efetiva. Rui Almeida, responsável pela área dos incêndios da PJ (Polícia
Judiciária), explicou ao JN (Jornal de Notícias):
“Existem vários fatores que podem ditar um
arquivamento, mas o crime de incêndio florestal é de investigação complexa e
nem sempre se consegue chegar à autoria da ignição, ainda que se reúna toda a
prova material sobre as suas causas”.
De facto, é “difícil” fazer prova da autoria em tribunal, porque raramente
há testemunhas a que se possa recorrer durante a investigação. Segundo os dados
do Ministério da Justiça até 2015, na maioria dos casos as condenações aos
incendiários passaram por penas de prisão suspensas com apresentações
periódicas na polícia (34 em 2015, 39 em 2014 e 27 em 2013) e pela aplicação de multas (33 em 2015,
17 em 2014 e 39 em 2013).
Este ano, o verão repleto de incêndios e marcado pela tragédia de Pedrógão
Grande e concelhos limítrofes oferece-nos dados arrepiantes. A este propósito,
a Ministra Francisca Van Dunem revelou, no passado dia 30 de agosto, em
entrevista à RTP3, que a PJ deteve, até ao momento, 82 incendiários (florestais) e que 39 deles ficaram em prisão preventiva por
decisão judicial. A governante afastou a possibilidade de alargar a moldura
penal para este tipo de crime, que já prevê pena de prisão até 10 anos, mas
falou de propostas legislativas, que não especificou detalhadamente, para lidar
com o problema dos incendiários. Revelou também que, este ano, a faixa etária
dos incendiários detidos foi dos 16 aos 80 anos, mas que o perfil do
incendiário é o do homem, na casa dos 30/40 anos, desempregado ou com trabalho
precário e com fraca escolaridade ou problemas cognitivos.
Provavelmente,
como opina o advogado Ricardo Sá Fernandes (vd Revista do Expresso
de 26 de agosto pp),
a justiça limita-se aos aspetos formais, nem sempre se faz tudo o que se devia
fazer – não por corrupção ou má-fé dos juízes, mas por preguiça. Por mim, penso
que a nossa lei processual é demasiado garantista e talvez precise de
alterações que permitam a condenação em todas as circunstâncias em que se
comprove a efetividade do crime. Então, por exemplo, se o suspeito é apanhado
em flagrante pela GNR, PSP, PJ, pessoa ou pessoas de idoneidade reconhecida, o
que fazer com o suspeito não pode trazer dúvidas. Depois, porque será que, em
caso de crime de incêndio, se recorre à suspensão de pena, com a probabilidade
de reincidência?
E
que fazer com os incendiários? Os crimes têm de ser oportunamente punidos; os
comportamentos resultantes de tara devem ser tratados convenientemente em
instituições e com agentes vocacionados para o efeito; e os casos de mera
suspeição devem ser devidamente acompanhados para proteção da sociedade. E o
incêndio dará emprego ao desempregado, estabilidade ao trabalhador precário,
tranquilidade ao emocionado, mais juventude ao trintão ou quarentão e cultura
ao indivíduo de fraca escolaridade e penúria de conhecimentos?
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A formação da opinião pública
Nem se pode dizer que as academias e os demais formadores
de opinião estejam desatentos ou não tenham dado indicações atitudinais e
comportamentais. Até abundam os artigos de opinião, os diagnósticos e as
propostas técnicas, algumas das quais tenho evocado por vezes. A própria
hierarquia da Igreja Católica tem dado algumas indicações, como discrimino a
seguir.
Já em 27 de abril pp, a CEP (Conferência
Episcopal Portuguesa) publicou a
nota pastoral “Cuidar da casa comum,
prevenir e evitar os incêndios”, de que se destaca, de forma sintética:
“O país tem sido tão assolado por
incêndios que estes se tornaram um autêntico flagelo com proporções quase
incontroláveis. […]. É o património florestal que se vai perdendo de uma forma
igualmente sem paralelo. São os notórios custos humanos, sociais, económicos e
ecológicos decorrentes desta situação. […]. Estamos convencidos de que as
causas do flagelo dependem direta ou indiretamente da vontade humana. E, como
tal, só pode prevenir-se ou combater-se com eficácia, se todos nós, desde o
cidadão mais simples ao mais responsável, em vez de vãs lamentações, mudarmos
realmente de mentalidade e de hábitos sociais.”.
Sobre as hipotéticas causas dos incêndios, dizem os
Bispos:
“Na origem de muitos incêndios,
talvez da maioria, estão comportamentos criminosos, uns intencionais, outros,
pelo menos, negligentes. Há que apurar não apenas as causas da dimensão desta
prática – o que verdadeiramente ainda se não conseguiu até hoje – como há
sobretudo que detetar e combater interesses que dela possam beneficiar. A
punição dos responsáveis, diretos ou indiretos, por tais crimes é não só uma
exigência de justiça, mas deve servir também de mensagem dissuasora contra tais
condutas. Não se esqueça, porém, que a ação das entidades políticas e judiciárias
depende em muito da colaboração dos cidadãos com informações relevantes para
provar esses factos. Haja a coragem de as prestar.”.
Sobre a problemática do ordenamento do território e da
prevenção, declaram:
“Os incêndios dependem também do
estado de conservação em que se encontram os terrenos e as florestas. Daí as
medidas de prevenção, nomeadamente de limpeza das matas e de ordenamento
territorial, que, neste ponto, têm sido promulgadas pelos responsáveis estatais.
Há que respeitá-las, apoiá-las e segui-las. Existem, porém, casos em que tais
exigências podem ultrapassar as capacidades dos proprietários, quando os
terrenos lhes proporcionam rendimentos escassos. Sendo, mais do que bens
individuais, o bem comum que está em causa, há também que apoiar os
proprietários com outros incentivos. E tratando-se de propriedades do Estado,
seja este o primeiro a dar o exemplo no cumprimento das exigências que impõe.”.
***
A 21 de junho, a partir de Fátima, a CEP dizia
acompanhar “com dor, preocupação
solidária e oração a dramática situação dos incêndios que provocaram numerosas
vítimas e que estão a causar enorme devastação no país”; partilhar “a dor dos que choram os seus familiares e
amigos que perderam a vida, pedindo a Deus que os acolha”; manifestar “reconhecimento e apoio aos bombeiros, às
organizações de socorro e aos numerosos voluntários, nacionais e estrangeiros,
que envidam todos os esforços para salvar vidas, minorar danos e evitar a perda
de pessoas e de bens, mesmo à custa de canseiras e riscos pessoais”;
recordar o teor da mencionada nota pastoral; e pedir “a todas as comunidades cristãs e a quem deseje associar-se
que, além de outras iniciativas solidárias, dediquem a oração, o sufrágio e o
ofertório do primeiro domingo de julho a esta finalidade e que enviem o produto
desta recolha fraterna para a Cáritas Portuguesa”.
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A 18 de
junho, na sua homilia da peregrinação nacional da Sociedade Missionária ao
santuário de Fátima, o Bispo do Porto referiu o evento dos incêndios nos termos
seguintes:
Este céu de azul e de sol, que
nesta manhã nos cobre e nos abraça e que ontem a luz das nossas velas acesas
iluminava na vigília da noite, toldou-se de dor e de lágrimas que um trágico
incêndio provocou. E esta casa grande,
aberta e feliz, átrio da fraternidade, que é Portugal, foi tocada pelo
drama da morte de tantos irmãos nossos e pela destruição dos seus bens, em
Pedrógão Grande. Não basta o Papa Francisco escrever uma corajosa e profética
encíclica Laudato Si’ nem tão
pouco nós, bispos portugueses, vos termos enviado recentemente uma oportuna
Carta Pastoral sobre o cuidado da casa comum e a prevenção dos incêndios! É
necessário que os governantes dos países maiores ou mais pequenos e todos os
que têm responsabilidade de decidir e possuem missão de educar respeitem a
vida, as pessoas, a natureza, o clima e os bens desta casa comum de todos nós.
É necessário que, na família, na escola e na comunidade, façamos da educação
para os valores do respeito por nós e pelos outros um dever maior e primeiro. É
necessário que façamos do cuidado fraterno dos outros a nossa permanente
missão.”.
Evocando os
pastorinhos, disse:
“Convido-vos a colocarmos no coração de Deus, por intermédio da Mãe de
Jesus e de Santa Jacinta e São Francisco Marto, os pequeninos pastores desta
serra, as dores e as lágrimas destes irmãos de Pedrógão Grande”.
E apelou:
“Agradeçamos, como quem reza e beija as suas mãos cansadas, a todos
aqueles, que juntam às lágrimas que choraram ontem e hoje e que vão chorar ao
longo de toda a vida, o suor da sua oblação, a coragem da sua entrega, a
dedicação heroica ao serviço dos outros: nos bombeiros, na proteção civil, nas
autoridades locais, nos voluntários anónimos, sempre atentos e tantas vezes
desesperados, que velam e defendem a vida e os bens dos outros, a vida e os
bens daqueles que são os mais pobres e esquecidos no interior desertificado do
nosso país. Sintamo-nos unidos na mesma fé, na partilha da dor com quem sofre e
na comunhão solidária para ajudar quem precisa e para que se nos apresse o
passo da missão ao serviço da renovação da Igreja, do serviço a Portugal e da
construção de um mundo melhor.”.
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A 12 de agosto, o Bispo de
Leiria-Fátima apelou ao Presidente da República que assuma a “mobilização” da
sociedade na prevenção aos incêndios e “não deixe cair no esquecimento esta
causa”. E incentivou à “mobilização da sociedade” na prevenção dos incêndios
todas as suas instâncias do Estado à Igreja Católica e todas as confissões
religiosas, as autarquias, as escolas e “as mais variadas associações e
instituições” porque é preciso “congregar sinergias de forma concertada” e sem
partidarizações.
***
No dia 20 de agosto, o Bispo
de Viana do Castelo dirigiu apelou ao “Presidente da República, ao Primeiro-Ministro
e restantes membros do Governo, deputados, oficiais e praças das Forças Armadas
e policiais, juízes e outros responsáveis da Justiça deste país, autarcas de
Portugal inteiro, bispos e padres e responsáveis de outras religiões, e a todos
os cidadãos” para que “um basta a uma calamidade de proporções cada vez mais
alarmantes”:
“O nosso país está a arder há semanas, meses,
anos, e cada vez mais. Chegou a hora de dizermos basta e de o gritar bem alto.
Basta de vez com tantos fogos.” – disse”.
Depois, dirigindo preces à padroeira dos
pescadores, cujo andor foi naquele dia, como todos os anos, levado ao mar e ao
rio em procissão, rezou:
“Quando entrarmos contigo neste mar calmo e
sereno, ajuda-nos Senhora d’Agonia a não desviar os olhos da terra. É lá que rebentam
e proliferam as tempestades que lavram os fogos. É lá que somos precisos
contigo, nossa mãe querida. Ámen.”.
***
No 31 de agosto, a CEPSMH (Comissão
Episcopal de Pastoral Social e Mobilidade Humana) produziu uma nota a propósito do Dia
de Oração Pelo Cuidado da Criação, que decorreu a 1 de setembro. Partindo
da asserção do Papa Francisco “Somos nós os primeiros interessados em deixar um
planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder” (Laudato si’, n. 160), reza:
“Num ano de tão grande seca seria
desnecessário falar das alterações climáticas. São evidentes. Os impactos
negativos sobre as populações atingidas pelos incêndios têm sido enormes: a
morte de tantas pessoas, a perda de habitações permanentes, o desaparecimento
de postos de trabalho (em zonas onde já não abundam), a morte de animais e a
destruição de pastos…Todos temos presentes o impacto psicológico e o desalento
que estas situações inevitavelmente comportam.”.
Recordando a nota pastoral da CEP de 27 de abril e
afirmando que esta realidade que todos os anos nos afeta e, neste ano, atingiu
proporções esmagadoras, a CEPSMH “convida todas as comunidades cristãs a dar
graças a Deus pela Criação e a pedir ao Criador a conversão do coração daqueles
que se consideram donos e senhores do mundo em que vivemos”. E pede:
“Que nunca mais sejam esquecidos os
milhões de pessoas, nossas irmãs e irmãos que, em tantas zonas do planeta,
sofrem de fome, de doenças e de miséria devido à má distribuição dos bens da
Criação que Deus destinou a todos”.
***
Por seu turno, a 1 de setembro, o Bispo do Funchal
afirmou, na mensagem para o Dia Mundial
de Oração pelo Cuidado da Criação, que a ecologia humana e ambiental está
“gravemente ameaçada” num mundo ferido “pela violência, pelo medo e desamor” e
especifica:
“Os últimos desastres ecológicos,
catástrofes naturais, incêndios devastadores e ataques terroristas, põem em
causa o equilíbrio e a harmonia da família humana e da criação”.
Segundo o prelado, para lá das perdas de vidas humanas
e de animais, verifica-se também uma “devastação de grandes zonas de cultivo
agrícola e florestal”. Por isso, adverte que surgem, com o aquecimento global,
“surpreendentes” mudanças climatéricas que “ameaçam gravemente a saúde e a
permanência dos homens e das mulheres sobre a terra”. E considera que, ante as
calamidades enumeradas, tornam-se urgentes os “desafios” de proteger a casa
comum para que exista “um desenvolvimento sustentável e integral”. Dom António
Carrilho deseja:
“Que este mundo tão belo, criado
por Deus, se torne num jardim de fraternidade, de respeito mútuo, de liberdade
e amor, como descreve a Bíblia a propósito da criação do mundo”.
O Bispo do Funchal sublinha que o futuro do planeta
“depende de todos” e não só das “grandes instituições” políticas, económicas,
internacionais e mundiais. Neste contexto, realça que, no âmbito familiar e
educativo, há muitas iniciativas com as crianças e os jovens que “apontam para
compromissos ecológicos”. Mas – sustenta – “não podemos esquecer também a
ecologia humana, o valor da vida e a sua imensa dignidade, em todas as etapas
do seu desenvolvimento”. E, apontando o caráter ecuménico do Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da
Criação, comemorado em “comunhão com a Igreja Ortodoxa e outras Igrejas e
Comunidades cristãs”, convida a celebrar “a bondade de Deus” em todas as
criaturas, “a respeitar e a guardar com carinho a beleza do Criador”.
***
A Mensagem conjunta do Papa e do Patriarca Ecuménico de
Constantinopla
Também a Santa Sé publicou, a 1 de setembro, a mensagem conjunta
do Papa Francisco e do patriarca ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu I,
dedicada ao Dia Mundial de Oração pelo
Cuidado da Criação, que foi instituído por Francisco em 2015, como apelo à
união dos cristãos e de toda a humanidade face à crise ecológica mundial. A
data fora escolhida para coincidir com a comemoração que já era feita pela
Igreja Ortodoxa. Na mensagem, os dois hierarcas convidam os fiéis e os homens
de boa vontade à oração e reflexão sobre o viver simples e solidário, usando
responsavelmente os bens da terra. Eis o seu teor:
“A narração da criação oferece-nos uma visão panorâmica do mundo. A Sagrada
Escritura revela que, no princípio,
Deus designou a humanidade como cooperadora na guarda e proteção do ambiente
natural. Ao início, como lemos no Génesis (2,5), ainda não havia arbusto algum pelos campos, nem sequer uma planta
germinara ainda, porque o Senhor Deus ainda não tinha feito chover sobre a
terra, e não havia homem para a cultivar. A terra foi-nos confiada como dom
sublime e como herança, cuja responsabilidade todos compartilhamos até que, no fim, todas as coisas no céu e na
terra sejam restauradas em Cristo (cf Ef 1,10). A
dignidade e a prosperidade humanas estão profundamente interligadas com a solicitude
por toda a criação. No período intermédio,
porém, a história do mundo apresenta uma situação muito diferente. Revela-nos
um cenário moralmente decadente, onde as nossas atitudes e comportamentos para
com a criação ofuscam a vocação de ser cooperadores de Deus.
“A nossa tendência a romper os delicados e equilibrados ecossistemas do
mundo, o desejo insaciável de manipular e controlar os limitados recursos do
planeta, a avidez de retirar do mercado lucros ilimitados: tudo isto nos
alienou do desígnio original da criação. Deixamos de respeitar a natureza como
um dom compartilhado, considerando-a, ao invés, como posse privada. O nosso
relacionamento com a natureza já não é para a sustentar, mas para a subjugar a
fim de alimentar as nossas estruturas. As consequências desta visão alternativa
do mundo são trágicas e duradouras. O ambiente humano e o ambiente natural
estão a deteriorar-se conjuntamente, e esta deterioração do planeta pesa sobre
as pessoas mais vulneráveis. O impacto das mudanças climáticas repercute-se,
antes de mais nada, sobre aqueles que vivem pobremente em cada ângulo do globo.
O dever que temos de usar responsavelmente dos bens da terra implica o
reconhecimento e o respeito por cada pessoa e por todas as criaturas vivas.
“O apelo e o desafio urgentes a cuidar da criação constituem um convite a
toda a humanidade para trabalhar por um desenvolvimento sustentável e integral.
Por isso, unidos pela mesma preocupação com a criação de Deus e reconhecendo
que a terra é um bem dado em comum, convidamos ardorosamente todas as pessoas
de boa vontade a dedicar, no dia 1 de setembro, um tempo de oração pelo
ambiente.
“Nesta ocasião, desejamos elevar uma ação de graças ao benévolo Criador
pelo magnífico dom da criação e comprometer-nos a cuidar dele e preservá-lo
para o bem das gerações futuras. Sabemos que, no fim de contas, é em vão que
nos afadigamos, se o Senhor não estiver ao nosso lado (cf Sl
127/126), se a
oração não estiver no centro das nossas reflexões e celebrações. Na verdade, um
dos objetivos da nossa oração é mudar o modo como percebemos o mundo, para
mudar a forma como nos relacionamos com o mundo.
“O fim que nos propomos é ser audazes em abraçar, nos nossos estilos de
vida, uma maior simplicidade e solidariedade. A quantos ocupam posição de
relevo em âmbito social, económico, político e cultural, dirigimos o apelo
urgente a prestar responsavelmente ouvidos ao grito da terra e a cuidar das
necessidades de quem está marginalizado, mas sobretudo a responder à súplica de
tanta gente e apoiar o consenso global para que seja sanada a criação ferida. Estamos
convencidos de que não poderá haver uma solução genuína e duradoura para o
desafio da crise ecológica e das mudanças climáticas, sem uma resposta
concertada e coletiva, sem uma responsabilidade compartilhada e capaz de
prestar contas do seu agir, sem dar prioridade à solidariedade e ao serviço.”
***
Em suma,
atenção, solidariedade orante e ativa e compromisso precisam-se!
2017.09.03 – Louro de Carvalho
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