terça-feira, 19 de setembro de 2017

A problemática da compra da TVI pela PT/Altice

Quando o mundo pretende estar a olhos vistos embarcado no sistema de economia liberal (ou neoliberal), aberta e livre, em que a concorrência faria consequentemente lei, a ambição de alguns conduz à concentração de meios nas suas mãos (de poucos) e caminha-se vertiginosamente para o regime de monopólio, que tantas vezes cava o depauperamento dos consumidores, contradiz a lei da concorrência e de mercado e desfaz o próprio grupo económico até aí consistente e promissoramente duradouro.
E os Estados, através dos reguladores ditos independentes que foram criando para arbitrar e moralizar as caprichosas apetências que surgem de vez em quando, assistem impotentes ao espetáculo, vergados que estão ao poderio financeiro que pretende ditar as leis que regem o devir económico, tornando-se as relações políticas humilhadamente circunscritas ao formalismo e postergadas para a residualidade, a não ser quando dão jeito aos grandes interesses. 
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Vêm estas considerações a propósito do anúncio que a Altice, dona da PT/MEO fez, em julho pp, de um acordo com a espanhola Prisa para comprar cerca de 95% da Media Capital, que detém a TVI, por 440 milhões de euros. Por conseguinte, a compra deste empório comunicacional pela Altice, através da PT/MEO, foi notificada ao órgão da concorrência no passado dia 11 de agosto. Depois de ouvidos os reguladores setoriais e as partes terceiras que se manifestaram interessadas nesta operação, onde estão grupos de media e de telecomunicações concorrentes, a Autoridade da Concorrência pode ainda, antes da decisão final, avançar para um processo de investigação aprofundada. 
A compra da dona da TVI pela maior operadora de telecomunicações “portuguesa” (era-o) já foi classificada por empresas concorrentes, como a NOS, como uma operação única na Europa que levanta questões significativas ao nível da regulação, num alerta feito por Miguel Almeida, que antecipou as preocupações agora conhecidas da Anacom e de que adiante se dará conta.
A par do processo de autorizações regulatórias, que está em marcha e de que se conhecem já alguns desenvolvimentos pelas edições do “Observador” e do “Dinheiro Vivo”, a compra da Media Capital pela PT/MEO tem de ser validada no mercado de capitais onde foi lançada uma OPA (oferta pública de aquisição) sobre as ações da empresa portuguesa de media. Para o efeito, a CMVM (Comissão de Mercado de Valores Mobiliários) houve por bem nomear um auditor independente para fixar o preço desta OPA, devido à reduzida liquidez das ações da Media Capital na bolsa.
Por seu turno, a Anacom, o regulador das telecomunicações, já deu e entregou o seu parecer sobre a operação à AdC (Autoridade da Concorrência), considerando que a operação “é suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos vários mercados de comunicações eletrónicas, com prejuízo em última instância para o consumidor final, pelo que não deverá ter lugar nos termos em que foi proposta”. E sustenta que não dispõe de meios para impedir ou minorar os efeitos negativos da operação de concentração de recursos neste grande operador.
Porém, ainda não se conhece o teor do parecer da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) cujo parecer, nesta operação, tem caráter vinculativo.
O regulador das telecomunicações é um dos organismos que tem de dar o seu parecer à AdC sobre a operação de mais de 440 milhões de euros, que implica a compra pelo Meo de cerca de 100% do capital da Media Capital, grupo controlado pela Prisa e dono da TVI. Assim, a Anacom tem de dar parecer sobre a operação, mas a sua posição não é vinculativa. A este respeito, a Anacom refere em comunicado enviado às redações:
“A aquisição pela Meo do controlo exclusivo da Media Capital, nos termos notificados à Autoridade da Concorrência, traduz-se numa integração vertical completa da cadeia de valor. Internaliza no mesmo grupo as relações comerciais entre a produção de conteúdos, o fornecimento grossista de canais de TV e de rádio, a publicidade e a distribuição do serviço de televisão.”.
Além disso, o regulador das telecomunicações esclarece:
“No âmbito desta operação, ativos como a Plural, “a principal produtora de conteúdos televisivos em Portugal, e o canal TVI, líder de audiências e principal espaço publicitário televisivo’ juntam-se ao Meo, ‘operador de telecomunicações líder em vários mercados de comunicações eletrónicas (com quotas de mercado acima dos 40%)’, bem como os portais Sapo e a IOL, principais portais de Internet”.
Por outro lado, frisa o regulador que “a referência de 30% de quota de mercado mencionada nas orientações da Comissão Europeia sobre concentrações não horizontais é ultrapassada em todos os mercados de comunicações eletrónicas afetados”.
Por tudo isto, a dimensão dos intervenientes da operação gerou preocupações no regulador, no atinente ao impacto sobre o ambiente concorrencial do setor, havendo, segundo a Anacom, “indícios de que a empresa resultante da concentração terá capacidade e incentivos para”: encerrar, parcialmente ou mesmo na totalidade, o acesso dos operadores concorrentes aos seus conteúdos e canais de televisão e de rádio e ao seu espaço publicitário; encerrar, parcialmente ou mesmo na totalidade, o acesso de outros canais, como a SIC e a RTP, às suas plataformas, nomeadamente de televisão por subscrição, portais de Internet (Sapo e IOL) e serviços OTT (Over the Top); e usar informação sensível ou confidencial dos concorrentes em seu benefício, mormente em campanhas de publicidade.
Mas a Anacom considera também que esta concentração tem potencial para gerar menor transparência no regime de preços praticados no serviço de TDT internamente (à TVI) e externamente (aos restantes operadores de televisão), condicionando a análise e verificação do cumprimento das condições regulamentares impostas neste âmbito (Esta situação dificultaria a análise do cumprimento das condições impostas nos regulamentos). É de ter em conta que é a PT Portugal/Meo que gere a rede da TDT (Televisão Digital Terrestre), podendo vir a impedir ou a condicionar “os operadores alternativos de fornecer serviços na gama ‘760’ à TVI, designadamente televoto, participação em concursos televisivos e angariação de donativos.  
Trata-se, pois, de um conjunto de situações que, se vierem a concretizar-se, “podem colocar entraves significativos à concorrência efetiva nos mercados de comunicações eletrónicas”.
Ao mesmo tempo, a Anacom frisa que nem os benefícios da operação para o comprador, apesar de inserida na estratégia levada a cabo pela Altice de Patrick Drahi nos mercados onde está presente como França, foram tornados evidentes junto do regulador. Ou seja, importa assinalar que a notificante não procedeu à identificação específica dos benefícios da operação de concentração pela notificante para si mesma.
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Depois do parecer – obrigatório, mas não vinculativo – da Anacom, falta ainda conhecer, como se disse, o parecer da ERC, este obrigatório e vinculativo, se o seu teor for negativo. O regulador dos media, liderado por Carlos Magno, terá de formular um parecer sobre este negócio que o grupo Altice, pela voz de Michel Combes, CEO do grupo dono da PT, na conferência do anúncio da aquisição, defendeu como um “projeto industrial forte para o país”, afastando de todo o espectro das consequências negativas.
A par dessa declaração bombástica, Combes deixou a garantia verbal de acesso dos concorrentes aos conteúdos da Media Capital, prometendo não vir a “restringir o acesso à Media Capital aos nossos antigos clientes” e assegurando querer que “os canais estejam expostos ao máximo” de plataformas.
Michel Combes sustentava, por outro lado, em julho, que a compra não teria problemas de maior ao nível de aprovação pelos reguladores, pelo que deveria ser feita “sem contratempos” junto dos reguladores”, pois, em seu entender, não haveria “questões concorrenciais” a levantar com esta operação.
Ao invés, esta perspetiva não era partilhada pelo seu principal concorrente, a NOS. Na única reação até agora depois de anunciada da operação, Miguel Almeida, o CEO da NOS, advertiu:
“Há significativas questões regulatórias que têm de ser endereçadas”.
A NOS foi, de resto, um dos seis interessados, que entregaram as suas observações junto da AdC, bem como a Vodafone e a Impresa. Mais: NOS e Vodafone também colocaram um pedido junto da ERC para serem partes interessadas na operação.
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Do sentido do parecer da ERC, podem surgir duas situações em conformidade com o teor do pronunciamento do regulador dos media. Caso seja negativo, a operação morre no regulador dos media. Se não for negativo, a AdC continuará a sua instrução e, ao fim de 30 dias úteis (contados da data da notificação e descontadas as interrupções que suspendem o prazo legal), poderá pronunciar-se de três formas: que a operação não se encontra abrangida pelo procedimento de controlo de concentrações; não se opor à concentração; ou dar início a uma investigação aprofundada. Essa investigação terá lugar no caso de a AdC considerar que a operação em causa pode ter um impacto negativo na concorrência dos mercados de media e telecomunicações – leitura que, a ser feita, é claramente sustentada no parecer da Anacom, já conhecido. Neste cenário, a empresa compradora terá de apresentar remédios à operação proposta que garantam a mitigação dos efeitos negativos da concentração.
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Enfim, vicissitudes dum sistema de capitalismo desenfreado, que pretende tirar as máximas consequências do princípio libertário do “laissez faire, laissez passer”, sem que o poder político tenha vontade, força ou coragem para intervir no sentido da arbitragem, correção ou impedimento – por si ou por reguladores independentes que instituiu. Se, ao menos, serviços vitais ficassem sob a alçada do Estado – gestão de aeroportos, rede energética nacional, uma rádio pública forte, uma tv pública forte e um operador de telecomunicações consistente, um banco público… Galvão de Melo não diria menos. Mas os poderes públicos, motu proprio ou influenciados por determinados caprichos, carências ou interesses, foram vendendo bens e serviços ao desbarato, em nome das contas públicas e do ónus decorrente da dívida soberana.
É a internacionalização do capital e a perda da soberania no seu melhor ou no seu pior. Para que nos serve a democracia, se ela se limitar ao formalismo eleitoral e garrotear os demais caminhos de viabilização da cidadania e da economia? 

2017.09.19 – Louro de Carvalho

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