Quando
o mundo pretende estar a olhos vistos embarcado no sistema de economia liberal
(ou
neoliberal), aberta
e livre, em que a concorrência faria consequentemente lei, a ambição de alguns
conduz à concentração de meios nas suas mãos (de poucos) e caminha-se vertiginosamente
para o regime de monopólio, que tantas vezes cava o depauperamento dos
consumidores, contradiz a lei da concorrência e de mercado e desfaz o próprio
grupo económico até aí consistente e promissoramente duradouro.
E
os Estados, através dos reguladores ditos independentes que foram criando para
arbitrar e moralizar as caprichosas apetências que surgem de vez em quando,
assistem impotentes ao espetáculo, vergados que estão ao poderio financeiro que
pretende ditar as leis que regem o devir económico, tornando-se as relações
políticas humilhadamente circunscritas ao formalismo e postergadas para a
residualidade, a não ser quando dão jeito aos grandes interesses.
***
Vêm
estas considerações a propósito do anúncio que a Altice, dona da PT/MEO fez, em julho pp, de um acordo com a espanhola
Prisa para comprar cerca de 95% da Media
Capital, que detém a TVI, por 440 milhões de euros. Por conseguinte, a
compra deste empório comunicacional pela Altice, através da PT/MEO, foi
notificada ao órgão da concorrência no passado dia 11 de agosto. Depois de
ouvidos os reguladores setoriais e as partes terceiras que se manifestaram
interessadas nesta operação, onde estão grupos de media e de telecomunicações
concorrentes, a Autoridade da Concorrência pode ainda, antes da decisão final, avançar
para um processo de investigação
aprofundada.
A compra da
dona da TVI pela maior operadora de telecomunicações “portuguesa” (era-o) já foi classificada por empresas concorrentes, como
a NOS, como uma operação única na Europa que levanta questões significativas ao
nível da regulação, num alerta feito por Miguel Almeida, que antecipou as
preocupações agora conhecidas da Anacom e de que adiante se dará conta.
A par do
processo de autorizações regulatórias, que está em marcha e de que se conhecem
já alguns desenvolvimentos pelas edições do “Observador” e do “Dinheiro
Vivo”, a compra da Media Capital
pela PT/MEO tem de ser validada no mercado de capitais onde foi lançada uma OPA
(oferta
pública de aquisição) sobre as
ações da empresa portuguesa de media. Para o efeito, a CMVM (Comissão de
Mercado de Valores Mobiliários) houve por
bem nomear um auditor independente para fixar o preço desta OPA, devido à
reduzida liquidez das ações da Media
Capital na bolsa.
Por
seu turno, a Anacom, o regulador das telecomunicações, já deu e entregou o seu parecer
sobre a operação à AdC (Autoridade da Concorrência), considerando que a operação “é
suscetível de criar entraves significativos à concorrência efetiva nos vários
mercados de comunicações eletrónicas, com prejuízo em última instância para o
consumidor final, pelo que não deverá ter lugar nos termos em que foi
proposta”. E sustenta que não dispõe de meios para impedir ou minorar os
efeitos negativos da operação de concentração de recursos neste grande
operador.
Porém,
ainda não se conhece o teor do parecer da ERC (Entidade
Reguladora para a Comunicação Social)
cujo parecer, nesta operação, tem caráter vinculativo.
O
regulador das telecomunicações é um dos organismos que tem de dar o seu parecer
à AdC sobre a operação de mais de 440 milhões de euros, que implica a compra
pelo Meo de cerca de 100% do capital da Media
Capital, grupo controlado pela Prisa e dono da TVI. Assim, a Anacom tem de dar parecer sobre a operação, mas a
sua posição não é vinculativa.
A este respeito, a Anacom refere em comunicado enviado às redações:
“A
aquisição pela Meo do controlo exclusivo da Media
Capital, nos termos notificados à Autoridade
da Concorrência, traduz-se numa integração vertical completa da cadeia de
valor. Internaliza no mesmo grupo as relações comerciais entre a produção de
conteúdos, o fornecimento grossista de canais de TV e de rádio, a publicidade e
a distribuição do serviço de televisão.”.
Além
disso, o regulador das telecomunicações esclarece:
“No
âmbito desta operação, ativos como a Plural,
“a principal produtora de conteúdos televisivos em Portugal, e o canal TVI,
líder de audiências e principal espaço publicitário televisivo’ juntam-se ao
Meo, ‘operador de telecomunicações líder em vários mercados de comunicações
eletrónicas (com quotas de mercado acima dos 40%)’, bem como os portais Sapo e
a IOL, principais portais de Internet”.
Por
outro lado, frisa o regulador que “a referência de 30% de quota de mercado
mencionada nas orientações da Comissão Europeia sobre concentrações não
horizontais é ultrapassada em todos os mercados de comunicações eletrónicas
afetados”.
Por
tudo isto, a dimensão dos intervenientes da operação gerou preocupações no
regulador, no atinente ao impacto sobre o ambiente concorrencial do setor,
havendo, segundo a Anacom, “indícios de que a empresa resultante da
concentração terá capacidade e incentivos para”: encerrar, parcialmente ou
mesmo na totalidade, o acesso dos operadores concorrentes aos seus conteúdos e
canais de televisão e de rádio e ao seu espaço publicitário; encerrar, parcialmente
ou mesmo na totalidade, o acesso de outros canais, como a SIC e a RTP, às suas
plataformas, nomeadamente de televisão por subscrição, portais de Internet (Sapo
e IOL) e serviços
OTT (Over the Top); e usar informação sensível ou
confidencial dos concorrentes em seu benefício, mormente em campanhas de
publicidade.
Mas
a Anacom considera também que esta concentração tem potencial para gerar menor
transparência no regime de preços praticados no serviço de TDT internamente (à
TVI) e externamente
(aos
restantes operadores de televisão),
condicionando a análise e verificação do cumprimento das condições regulamentares
impostas neste âmbito (Esta situação dificultaria a análise do cumprimento
das condições impostas nos regulamentos).
É de ter em conta que é a PT Portugal/Meo que gere a rede da TDT (Televisão
Digital Terrestre),
podendo vir a impedir ou a condicionar “os operadores alternativos de fornecer
serviços na gama ‘760’ à TVI, designadamente televoto, participação em
concursos televisivos e angariação de donativos.
Trata-se,
pois, de um conjunto de situações que, se vierem a concretizar-se, “podem
colocar entraves significativos à concorrência efetiva nos mercados de
comunicações eletrónicas”.
Ao
mesmo tempo, a Anacom frisa que nem os benefícios da operação para o comprador,
apesar de inserida na estratégia levada a cabo pela Altice de Patrick Drahi nos
mercados onde está presente como França, foram tornados evidentes junto do
regulador. Ou seja, importa assinalar que a notificante não procedeu à
identificação específica dos benefícios da operação de concentração pela
notificante para si mesma.
***
Depois
do parecer – obrigatório, mas não vinculativo – da Anacom, falta ainda conhecer,
como se disse, o parecer da ERC, este obrigatório e vinculativo, se o seu teor
for negativo. O regulador dos media, liderado por Carlos Magno, terá de
formular um parecer sobre este negócio que o grupo Altice, pela voz de Michel
Combes, CEO do grupo dono da PT, na conferência do anúncio da aquisição, defendeu
como um “projeto industrial forte para o país”, afastando de todo o espectro
das consequências negativas.
A
par dessa declaração bombástica, Combes deixou a garantia verbal de acesso dos
concorrentes aos conteúdos da Media
Capital, prometendo não vir a “restringir o acesso à Media Capital aos nossos antigos clientes” e assegurando querer que
“os canais estejam expostos ao máximo” de plataformas.
Michel
Combes sustentava, por outro lado, em julho, que a compra não teria problemas
de maior ao nível de aprovação pelos reguladores, pelo que deveria ser feita
“sem contratempos” junto dos reguladores”, pois, em seu entender, não haveria
“questões concorrenciais” a levantar com esta operação.
Ao
invés, esta perspetiva não era partilhada pelo seu principal concorrente, a
NOS. Na única reação até agora depois de anunciada da operação, Miguel Almeida,
o CEO da NOS, advertiu:
“Há
significativas questões regulatórias que têm de ser endereçadas”.
A
NOS foi, de resto, um dos seis interessados, que entregaram as suas observações
junto da AdC, bem como a Vodafone e a Impresa. Mais: NOS e Vodafone também
colocaram um pedido junto da ERC para serem partes interessadas na operação.
***
Do
sentido do parecer da ERC, podem surgir duas situações em conformidade com o
teor do pronunciamento do regulador dos media. Caso seja negativo, a operação
morre no regulador dos media. Se não for negativo, a AdC continuará a sua
instrução e, ao fim de 30 dias úteis (contados da data da
notificação e descontadas as interrupções que suspendem o prazo legal), poderá pronunciar-se de três
formas: que a operação não se encontra abrangida pelo procedimento de controlo
de concentrações; não se opor à concentração; ou dar início a uma investigação
aprofundada. Essa
investigação terá lugar no caso de a AdC considerar que a operação em causa
pode ter um impacto negativo na
concorrência dos mercados de media e telecomunicações – leitura que,
a ser feita, é claramente sustentada no parecer da Anacom, já conhecido. Neste
cenário, a empresa compradora terá de apresentar remédios à operação proposta
que garantam a mitigação dos efeitos negativos da concentração.
***
Enfim,
vicissitudes dum sistema de capitalismo desenfreado, que pretende tirar as
máximas consequências do princípio libertário do “laissez faire, laissez passer”, sem que o poder político tenha vontade,
força ou coragem para intervir no sentido da arbitragem, correção ou
impedimento – por si ou por reguladores independentes que instituiu. Se, ao
menos, serviços vitais ficassem sob a alçada do Estado – gestão de aeroportos,
rede energética nacional, uma rádio pública forte, uma tv pública forte e um
operador de telecomunicações consistente, um banco público… Galvão de Melo não diria menos. Mas os poderes
públicos, motu proprio ou
influenciados por determinados caprichos, carências ou interesses, foram
vendendo bens e serviços ao desbarato, em nome das contas públicas e do ónus
decorrente da dívida soberana.
É
a internacionalização do capital e a perda da soberania no seu melhor ou no seu
pior. Para que nos serve a democracia, se ela se limitar ao formalismo eleitoral
e garrotear os demais caminhos de viabilização da cidadania e da economia?
2017.09.19 – Louro de Carvalho
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