Na
verdade, ao invés do que muitos pensam, não foi Galieu Galilei o primeiro a expor
a teoria do heliocentrismo. Foi efetivamente Aristarco de Samos (310
– 230 a.C.) o
primeiro a sustentar que a Terra se move em volta do Sol, antecipando Copérnico
em quase 2000 anos, e, entre outras coisas, a desenvolver um método para a
determinação das distâncias relativas do Sol e da Lua à Terra e a tentar a
medição dos tamanhos relativos da Terra, do Sol e da Lua. Também inventou um
relógio hemisférico.
Célebre
no seu tempo como matemático e menos como astrónomo, foi referido pelo
arquiteto romano Vitrúvio (século I a. C.) como um homem “culto em todos
os ramos da ciência”.
Apenas
sobreviveu uma das suas obras, “Sobre os tamanhos
e distâncias entre o Sol e a Lua”. Mas esta não menciona a teoria heliocêntrica,
de que temos notícia apenas por uma referência que lhe é feita num texto de
Arquimedes, que a menciona só para discordar dela. Copérnico conhecia certamente
a posição de Aristarco, pois deu-lhe crédito no manuscrito “Sobre as revoluções das esferas celestes”.
Porém, quando o livro foi publicado em 1514, foram retiradas todas as menções ao
visionário grego, supostamente pelo editor, que recearia que elas comprometessem
a originalidade do livro.
Quanto
à rotundidade da Terra, já Pitágoras de Samos (572 – 497 a.C.) admitia esfericidade da Terra,
da Lua e doutros corpos celestes. Segundo ele, os planetas, o Sol, e a Lua eram
transportados por esferas separadas da que carregava as estrelas. Foi o
primeiro a chamar o céu de cosmos.
Aristóteles
de Estagira (384 – 322 a.C.),
por seu turno, sustentava que as fases da Lua dependem de quanto da parte da
face da Lua iluminada pelo Sol está voltada para a Terra. Explicou também os
eclipses: ocorre eclipse do Sol quando a Lua passa entre a Terra e o Sol; ocorre
eclipse da Lua quando a Lua entra na sombra da Terra. Em prol da esfericidade
da Terra, Aristóteles aduzia que a sombra da Terra na Lua em eclipse lunar é
sempre arredondada. E afirmava que o Universo é esférico e finito. Aperfeiçoou
a teoria das esferas concêntricas de Eudoxus de Cnidus (408
– 355 a.C.),
propondo, no seu livro De Caelo, que “o
Universo é finito e esférico, ou não terá centro e não pode se mover.”
Sobre
o movimento de rotação, Heraclides de Pontus (388 – 315 a.C.) propôs que a Terra gira
diariamente sobre o seu eixo, que Vénus e Mercúrio orbitam o Sol e a existência
de epiciclos.
Para
verificar que o Sol está mais distante da Terra que a lua, Basta observar
atentamente as várias faces da lua. Se ela estivesse mais longe de nós que o
sol, por simples análise das suas várias posições relativamente ao Sol e à
Terra, concluiríamos que ela estaria sempre iluminada pelo sol quando vista da
Terra. Não haveria lua nova e haveria duas posições da lua onde ela seria lua
cheia, uma delas em pleno meio-dia, o que nunca acontece na realidade.
A
hipótese contrária (de que o Sol está mais distante da Terra
que a Lua) é a única
compatível com as várias faces da lua, sobretudo com a ocorrência de lua nova.
Outro facto a corroborar a hipótese é a ocorrência de eclipses do sol, só possível
com a lua mais próxima da Terra que o sol.
Segundo
o sábio grego Aristarco de Samos (século III a.C.), da escola de Alexandria, para
descobrir quão mais distante a Lua se encontra da Terra em relação ao Sol,
requer-se uma observação mais profunda do ciclo lunar, método que o sábio usou para
comparar tais distâncias. Há duas posições da lua em sua órbita, o quarto crescente e o quarto minguante, quando o disco lunar se
apresenta ao observador terrestre com metade iluminada e metade escura. Quando
tal sucede, o triângulo Terra-Lua-Sol é retângulo, com ângulo reto no vértice
ocupado pela Lua. Qualquer pessoa pode fazer uma observação simples e notar que
nessa configuração o ângulo α é muito próximo de 90°, indício de que o Sol (S) está efetivamente muito mais
longe da Terra (T)
que a Lua (L).
Aristarco teria medido esse ângulo α, encontrando para ele um valor de 87°.
Então o ângulo determinado pelo vértice Sol seria de 3°. Bastava construir um
triângulo retângulo com esses ângulos e verificar a razão TS/TL, que é a mesma
para todos os triângulos a ele semelhantes. Aristarco verificou que tal razão
estava compreendida entre 18 e 20, de sorte que a distância da Terra ao Sol é
cerca de 20 vezes a distância da Terra à Lua: TS/TL ≅
1/sen 3.º ≅
19.
Para
calcular o valor do ângulo α, basta observar o tempo de um ciclo lunar (tempo
gasto para a distância angular de 360°),
que é de 29,5 dias e o tempo gasto para Lua passar de Minguante a Crescente (percurso
angular de 2 α),
14,25 dias. Assim, levando-se em conta o critério de proporção, tem-se: 360° / 29,5
= 2 α /14,25; ∴ α = 86,95°. Pode-se, assim,
calcular as distâncias relativas à Terra: TS / TL = sec α = sec 86,95° ≅ 18,8.
Não
obstante, o resultado obtido por Aristarco está longe da realidade, sabendo-se
hoje que a distância do Sol à Terra é 400 vezes a da Lua à Terra, sendo o valor
do ângulo α próximo de 89,86°, ou seja, muito próximo de 90°. Isto põe o
problema de explicar como Aristarco teria chegado ao ângulo α. Ao que parece, a
diferença que ele teria notado entre o tempo gasto pela lua numa volta completa
em torno da Terra e o tempo para ir de minguante à crescente gerou esse erro em
seus resultados. Mas, apesar dos erros que se encontram nos métodos
apresentados na Grécia antiga, podemos perceber que estes estavam muito
próximos dos considerados atualmente e que os erros se devem, não tanto aos métodos,
mas sobretudo à falta de instrumentos precisos em tal época. E os trabalhos dos
gregos que não de deixaram aprisionar pelo excessivo geometrismo, como se a
Terra fosse a medida absoluta do mundo, influenciaram em muito as descobertas
que modernamente se fixaram, sendo que a geometria se pode aplicar mais no
campo do mundo que na sala de aula.
***
A
primeira estimativa credível do diâmetro da Terra foi obtida por Eratóstenes
(cerca de 275 – 195 a.C.) matemático, astrónomo e filósofo grego da escola de
Alexandria.
Através
de documentos da biblioteca de Alexandria, terá tomado conhecimento que, ao
meio-dia do Solstício de Verão, em Siena (atual Assuão) o Sol não produzia qualquer
sombra. Este facto terá resultado da observação da imagem do Sol no fundo dum
poço. Eratóstenes verificou que, à mesma hora, a inclinação dos raios Solares
em Alexandria, situada 792 km (5000 “stadium”) a norte, era igual a 1/50 duma
circunferência, isto é, a 7,2º e usou esta medição para calcular o raio da
Terra.
Observando
o eclipse total do Sol, Hiparco de Niceia (190 – 125 a.C.), grande astrónomo da
Antiguidade, determinou o tamanho da Lua relativamente ao Sol. Verificou que,
no eclipse total do Sol, este astro e a Lua têm o mesmo diâmetro angular e
concluiu que a razão entre o raio da Lua e o raio do Sol é igual à razão entre
as distâncias entra a Terra e a Lua e a Terra e o Sol já determinada por
Aristarco.
***
O
que levou Aristarco de Samos e, 1800 a 2000 anos depois, Copérnico, Kepler e
Galileu a colocarem o Sol no centro do universo ao invés da Terra? Foram sobretudo
razões metafísicas, já que, sendo pitagóricos e/ou platónicos, consideravam o
Sol como o astro mais importante. E, como tal, deveria ser o centro do
universo. Assim, foi uma conceção metafísica o ponto de partida para o heliocentrismo,
pois, no meio de todos os assentos, está o trono do Sol. Neste belo templo, não
era concebível que o Sol estivesse colocado noutra posição que não naquela que
lhe permitisse iluminar tudo ao mesmo tempo. Por isso, chamaram-lhe a lâmpada,
a mente, o governador do universo. Hermes Trimegisto chamava-lhe o deus visível. Na Electra, Sófocles chamava-lhe “o
que vê tudo”. Assim, o Sol senta-se como que num trono régio governando os
sues filhos, os planetas que giram à sua volta.
Segundo
Aristarco, a Lua recebe a sua luz do Sol; a Terra está no centro da órbita
circular da Lua; quando a Lua está em Quarto Crescente ou Minguante, o círculo
que divide a Lua na sua parte brilhante e escura é paralelo ao raio Terra-Lua;
quando a Lua está em Quarto Crescente ou Quarto Minguante, o ângulo Lua-Sol-Terra
é de 3º; o diâmetro angular da Lua e o do Sol em relação à Terra é meio grau; e
o diâmetro do cone de sombra da Terra é duas vezes o diâmetro da Lua.
***
No ano de
1543, o cientista polaco Nicolau Copérnico começava a revolução que iria mudar
a história das esferas celestes. Propôs que o Sol, e não a Terra, era o centro
do cosmos. A Terra, no modelo coperniciano não passa dum planeta, como Júpiter
ou Saturno. Esta ideia, até então desconhecida, deu origem ao surgimento das
teorias atuais: todos os planetas giram em torno do Sol completando uma
órbita em pouco mais de 365 dias (1 ano); a Terra gira em torno de si mesma, como um pião (movimento de
rotação que dura 24 horas – 1 dia).
Como na
antiga Grécia, estas formulações não foram aceites de imediato, parecendo gozo
ou loucura. Foram necessários 50 anos para que estas ideias começassem a surtir
efeito.
Tal como para
os antigos acima evocados, para Copérnico, o mundo é esférico e finito, como
todos os corpos celestes, e o movimento destes corpos é circular e uniforme; o
Sol encontra-se fixo (imóvel) no centro
do sistema e em torno dele (translação) giram os
planetas (que giram em torno de si mesmos – rotação). Sendo assim, a Terra possui dois movimentos: em torno do próprio eixo; e
em torno do sol. No século seguinte, as observações de Galileu Galilei
confirmariam esta teoria.
Algumas das ideias
de Copérnico ficaram ultrapassadas, como acreditar que a órbita dos planetas era
perfeitamente circular, mas conseguiu demonstrar que o Sol era o centro das
órbitas da Terra e dos outros planetas e que a Lua girava em torno da Terra.
***
No século
XVII, Johanes Kepler (1571-1630) enunciou as leis que regem o movimento planetário,
utilizando anotações do astrónomo Tycho Brahe (1546-1601).
Kepler formulou três leis que ficaram conhecidas como Leis
de Kepler: Os planetas descrevem órbitas elípticas
em torno do Sol, que ocupa um dos focos da elipse; o segmento que une o sol a
um planeta descreve áreas iguais em intervalos de tempo iguais; o
quociente dos quadrados dos períodos e o cubo de suas distâncias médias do sol
é igual a uma constante k, igual a todos os planetas: T2 / a3 = k; T2
= k . a3.
Tendo em
vista que o movimento de translação dum planeta é equivalente ao tempo que este
demora para percorrer uma volta em torno do Sol, é fácil concluirmos que,
quanto mais longe o planeta estiver do Sol, mais longo será seu período de
translação e, em consequência disso, maior será o “seu ano”.
***
Galileu foi o primeiro a contestar as afirmações de Aristóteles
sobre a física. Fez a balança hidrostática, que veio a dar origem ao relógio de
pêndulo. A partir da informação da construção do primeiro telescópio, na
Holanda, construiu a primeira luneta astronómica, com a qual pôde observar a
composição estelar da Via Láctea, os satélites de Júpiter, as manchas do Sol e
as fases de Vénus. E relatou ao mundo tais achados astronómicos através do
livro Sidereus Nuntius (Mensageiro das Estrelas), em 1610. Foi através da observação das fases de Vénus que
Galileu passou a pôr o acento na visão de Copérnico (heliocentrismo, segundo o qual o Sol é
o centro do Universo) e
não na de Aristóteles, onde a Terra era vista como o centro do Universo.
Pela sua visão heliocêntrica,
o astrónomo italiano teve de ir a Roma em 1611, pois era acusado de herege por
expressamente negar, em nome da ciência, a inerrância da Bíblia. Condenado, foi
obrigado a assinar um decreto do Tribunal da Inquisição, onde declarava que o
sistema heliocêntrico era apenas uma hipótese, sendo que à despedida murmurou: Terra tamen movetur. E, em 1632, voltou
a defender o sistema heliocêntrico e deu continuidade aos seus estudos.
Muitas ideias sustentadas por Aristóteles foram postas em
discussão pelas indagações de Galilei, entre as quais se destaca a de os corpos
leves e pesados caírem com velocidades diferentes. Segundo ele, os corpos leves
e pesados caem com a mesma velocidade.
Em 1642, morreu cego e condenado pela Igreja Católica pelas
suas convicções científicas, que sustentava como opostas à doutrina católica.
Teve as suas obras censuradas e proibidas. Contudo, uma delas, sobre mecânica, foi
publicada apesar da proibição da Igreja, pois o local de publicação foi zona
protestante, onde a interferência católica não tinha influência significativa.
A mesma instituição que o condenou absolveu-o muito tempo após a sua morte. Com
efeito,
Em novembro de 1979, João Paulo II esperava rever o processo que condenou
Galileu. Segundo o Pontífice, o cientista “sofreu muito . . . às mãos
de homens e organismos da Igreja”. Treze anos depois, em 1992, uma comissão
nomeada pelo Papa admitiu:
“Certos teólogos, contemporâneos de Galileu, . . . não
compreenderam o sentido profundo e não-literal das Escrituras quando elas
descrevem a estrutura física do Universo criado”.
Porém, a
teoria heliocêntrica não era criticada só por teólogos. O Papa
Urbano VIII, que teve papel de destaque no processo e que tinha defendido
o cientista, foi rigoroso em insistir que ele não minasse o ensino da Igreja,
de que a Terra era o centro do Universo. Ora, tal ensino não era da Bíblia, mas
do filósofo grego Aristóteles. Depois que a comissão fez a revisão extensiva do
caso, o Papa classificou a condenação de Galileu como “uma decisão precipitada e infeliz”. O cientista estava a ser reabilitado.
A Bíblia é “uma lâmpada que brilha em lugar escuro” (2 Pe 1,19) Galileu defendeu-a contra a
interpretação errónea. Mas a Igreja, defendendo uma tradição de origem humana à
custa das Escrituras, fizera o contrário.
A declaração de o Sol parar no céu (Js 10,12) não é científica,
mas descrição do fenómeno do ângulo do observador comum. Até os astrónomos
também falam do nascer e do pôr-do-sol.
***
Cf Ávila, Geraldo, “A Geometria e as
distâncias astronômicas na Grécia Antiga”, in Explorando o Ensino da Matemática, vol. II, páginas 39-46; Lang da
Silveira, Fernando: lang@if.ufrgs.br; Lloyd,
J. & Mitchinson, J. O livro da
ignorância geral, Porto Editora, 2006.
2017.09.04 – Louro de Carvalho
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