segunda-feira, 4 de setembro de 2017

A Igreja Católica não excomungou quem descobriu o heliocentrismo

Na verdade, ao invés do que muitos pensam, não foi Galieu Galilei o primeiro a expor a teoria do heliocentrismo. Foi efetivamente Aristarco de Samos (310 – 230 a.C.) o primeiro a sustentar que a Terra se move em volta do Sol, antecipando Copérnico em quase 2000 anos, e, entre outras coisas, a desenvolver um método para a determinação das distâncias relativas do Sol e da Lua à Terra e a tentar a medição dos tamanhos relativos da Terra, do Sol e da Lua. Também inventou um relógio hemisférico.
Célebre no seu tempo como matemático e menos como astrónomo, foi referido pelo arquiteto romano Vitrúvio (século I a. C.) como um homem “culto em todos os ramos da ciência”.
Apenas sobreviveu uma das suas obras, “Sobre os tamanhos e distâncias entre o Sol e a Lua”. Mas esta não menciona a teoria heliocêntrica, de que temos notícia apenas por uma referência que lhe é feita num texto de Arquimedes, que a menciona só para discordar dela. Copérnico conhecia certamente a posição de Aristarco, pois deu-lhe crédito no manuscrito “Sobre as revoluções das esferas celestes”. Porém, quando o livro foi publicado em 1514, foram retiradas todas as menções ao visionário grego, supostamente pelo editor, que recearia que elas comprometessem a originalidade do livro.
Quanto à rotundidade da Terra, já Pitágoras de Samos (572 – 497 a.C.) admitia esfericidade da Terra, da Lua e doutros corpos celestes. Segundo ele, os planetas, o Sol, e a Lua eram transportados por esferas separadas da que carregava as estrelas. Foi o primeiro a chamar o céu de cosmos.
Aristóteles de Estagira (384 – 322 a.C.), por seu turno, sustentava que as fases da Lua dependem de quanto da parte da face da Lua iluminada pelo Sol está voltada para a Terra. Explicou também os eclipses: ocorre eclipse do Sol quando a Lua passa entre a Terra e o Sol; ocorre eclipse da Lua quando a Lua entra na sombra da Terra. Em prol da esfericidade da Terra, Aristóteles aduzia que a sombra da Terra na Lua em eclipse lunar é sempre arredondada. E afirmava que o Universo é esférico e finito. Aperfeiçoou a teoria das esferas concêntricas de Eudoxus de Cnidus (408 – 355 a.C.), propondo, no seu livro De Caelo, que “o Universo é finito e esférico, ou não terá centro e não pode se mover.”
Sobre o movimento de rotação, Heraclides de Pontus (388 – 315 a.C.) propôs que a Terra gira diariamente sobre o seu eixo, que Vénus e Mercúrio orbitam o Sol e a existência de epiciclos.
Para verificar que o Sol está mais distante da Terra que a lua, Basta observar atentamente as várias faces da lua. Se ela estivesse mais longe de nós que o sol, por simples análise das suas várias posições relativamente ao Sol e à Terra, concluiríamos que ela estaria sempre iluminada pelo sol quando vista da Terra. Não haveria lua nova e haveria duas posições da lua onde ela seria lua cheia, uma delas em pleno meio-dia, o que nunca acontece na realidade.
A hipótese contrária (de que o Sol está mais distante da Terra que a Lua) é a única compatível com as várias faces da lua, sobretudo com a ocorrência de lua nova. Outro facto a corroborar a hipótese é a ocorrência de eclipses do sol, só possível com a lua mais próxima da Terra que o sol.
Segundo o sábio grego Aristarco de Samos (século III a.C.), da escola de Alexandria, para descobrir quão mais distante a Lua se encontra da Terra em relação ao Sol, requer-se uma observação mais profunda do ciclo lunar, método que o sábio usou para comparar tais distâncias. Há duas posições da lua em sua órbita, o quarto crescente e o quarto minguante, quando o disco lunar se apresenta ao observador terrestre com metade iluminada e metade escura. Quando tal sucede, o triângulo Terra-Lua-Sol é retângulo, com ângulo reto no vértice ocupado pela Lua. Qualquer pessoa pode fazer uma observação simples e notar que nessa configuração o ângulo α é muito próximo de 90°, indício de que o Sol (S) está efetivamente muito mais longe da Terra (T) que a Lua (L). Aristarco teria medido esse ângulo α, encontrando para ele um valor de 87°. Então o ângulo determinado pelo vértice Sol seria de 3°. Bastava construir um triângulo retângulo com esses ângulos e verificar a razão TS/TL, que é a mesma para todos os triângulos a ele semelhantes. Aristarco verificou que tal razão estava compreendida entre 18 e 20, de sorte que a distância da Terra ao Sol é cerca de 20 vezes a distância da Terra à Lua: TS/TL 1/sen 3.º 19.
Para calcular o valor do ângulo α, basta observar o tempo de um ciclo lunar (tempo gasto para a distância angular de 360°), que é de 29,5 dias e o tempo gasto para Lua passar de Minguante a Crescente (percurso angular de 2 α), 14,25 dias. Assim, levando-se em conta o critério de proporção, tem-se: 360° / 29,5 = 2 α  /14,25; α = 86,95°. Pode-se, assim, calcular as distâncias relativas à Terra: TS / TL = sec α = sec 86,95° 18,8.
Não obstante, o resultado obtido por Aristarco está longe da realidade, sabendo-se hoje que a distância do Sol à Terra é 400 vezes a da Lua à Terra, sendo o valor do ângulo α próximo de 89,86°, ou seja, muito próximo de 90°. Isto põe o problema de explicar como Aristarco teria chegado ao ângulo α. Ao que parece, a diferença que ele teria notado entre o tempo gasto pela lua numa volta completa em torno da Terra e o tempo para ir de minguante à crescente gerou esse erro em seus resultados. Mas, apesar dos erros que se encontram nos métodos apresentados na Grécia antiga, podemos perceber que estes estavam muito próximos dos considerados atualmente e que os erros se devem, não tanto aos métodos, mas sobretudo à falta de instrumentos precisos em tal época. E os trabalhos dos gregos que não de deixaram aprisionar pelo excessivo geometrismo, como se a Terra fosse a medida absoluta do mundo, influenciaram em muito as descobertas que modernamente se fixaram, sendo que a geometria se pode aplicar mais no campo do mundo que na sala de aula.  
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A primeira estimativa credível do diâmetro da Terra foi obtida por Eratóstenes (cerca de 275 – 195 a.C.) matemático, astrónomo e filósofo grego da escola de Alexandria.
Através de documentos da biblioteca de Alexandria, terá tomado conhecimento que, ao meio-dia do Solstício de Verão, em Siena (atual Assuão) o Sol não produzia qualquer sombra. Este facto terá resultado da observação da imagem do Sol no fundo dum poço. Eratóstenes verificou que, à mesma hora, a inclinação dos raios Solares em Alexandria, situada 792 km (5000 “stadium”) a norte, era igual a 1/50 duma circunferência, isto é, a 7,2º e usou esta medição para calcular o raio da Terra.
Observando o eclipse total do Sol, Hiparco de Niceia (190 – 125 a.C.), grande astrónomo da Antiguidade, determinou o tamanho da Lua relativamente ao Sol. Verificou que, no eclipse total do Sol, este astro e a Lua têm o mesmo diâmetro angular e concluiu que a razão entre o raio da Lua e o raio do Sol é igual à razão entre as distâncias entra a Terra e a Lua e a Terra e o Sol já determinada por Aristarco.
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O que levou Aristarco de Samos e, 1800 a 2000 anos depois, Copérnico, Kepler e Galileu a colocarem o Sol no centro do universo ao invés da Terra? Foram sobretudo razões metafísicas, já que, sendo pitagóricos e/ou platónicos, consideravam o Sol como o astro mais importante. E, como tal, deveria ser o centro do universo. Assim, foi uma conceção metafísica o ponto de partida para o heliocentrismo, pois, no meio de todos os assentos, está o trono do Sol. Neste belo templo, não era concebível que o Sol estivesse colocado noutra posição que não naquela que lhe permitisse iluminar tudo ao mesmo tempo. Por isso, chamaram-lhe a lâmpada, a mente, o governador do universo. Hermes Trimegisto chamava-lhe o deus visível. Na Electra, Sófocles chamava-lhe “o que vê tudo”. Assim, o Sol senta-se como que num trono régio governando os sues filhos, os planetas que giram à sua volta.
Segundo Aristarco, a Lua recebe a sua luz do Sol; a Terra está no centro da órbita circular da Lua; quando a Lua está em Quarto Crescente ou Minguante, o círculo que divide a Lua na sua parte brilhante e escura é paralelo ao raio Terra-Lua; quando a Lua está em Quarto Crescente ou Quarto Minguante, o ângulo Lua-Sol-Terra é de 3º; o diâmetro angular da Lua e o do Sol em relação à Terra é meio grau; e o diâmetro do cone de sombra da Terra é duas vezes o diâmetro da Lua.
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No ano de 1543, o cientista polaco Nicolau Copérnico começava a revolução que iria mudar a história das esferas celestes. Propôs que o Sol, e não a Terra, era o centro do cosmos. A Terra, no modelo coperniciano não passa dum planeta, como Júpiter ou Saturno. Esta ideia, até então desconhecida, deu origem ao surgimento das teorias atuais: todos os planetas giram em torno do Sol completando uma órbita em pouco mais de 365 dias (1 ano); a Terra gira em torno de si mesma, como um pião (movimento de rotação que dura 24 horas – 1 dia). 
Como na antiga Grécia, estas formulações não foram aceites de imediato, parecendo gozo ou loucura. Foram necessários 50 anos para que estas ideias começassem a surtir efeito.
Tal como para os antigos acima evocados, para Copérnico, o mundo é esférico e finito, como todos os corpos celestes, e o movimento destes corpos é circular e uniforme; o Sol encontra-se fixo (imóvel) no centro do sistema e em torno dele (translação) giram os planetas (que giram em torno de si mesmos – rotação). Sendo assim, a Terra possui dois movimentos: em torno do próprio eixo; e em torno do sol. No século seguinte, as observações de Galileu Galilei confirmariam esta teoria.
Algumas das ideias de Copérnico ficaram ultrapassadas, como acreditar que a órbita dos planetas era perfeitamente circular, mas conseguiu demonstrar que o Sol era o centro das órbitas da Terra e dos outros planetas e que a Lua girava em torno da Terra.
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No século XVII, Johanes Kepler (1571-1630) enunciou as leis que regem o movimento planetário, utilizando anotações do astrónomo Tycho Brahe (1546-1601).
Kepler formulou três leis que ficaram conhecidas como Leis de Kepler: Os planetas descrevem órbitas elípticas em torno do Sol, que ocupa um dos focos da elipse; o segmento que une o sol a um planeta descreve áreas iguais em intervalos de tempo iguais; o quociente dos quadrados dos períodos e o cubo de suas distâncias médias do sol é igual a uma constante k, igual a todos os planetas: T2 / a3 = k; T2 = k . a3.
Tendo em vista que o movimento de translação dum planeta é equivalente ao tempo que este demora para percorrer uma volta em torno do Sol, é fácil concluirmos que, quanto mais longe o planeta estiver do Sol, mais longo será seu período de translação e, em consequência disso, maior será o “seu ano”.
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Galileu foi o primeiro a contestar as afirmações de Aristóteles sobre a física. Fez a balança hidrostática, que veio a dar origem ao relógio de pêndulo. A partir da informação da construção do primeiro telescópio, na Holanda, construiu a primeira luneta astronómica, com a qual pôde observar a composição estelar da Via Láctea, os satélites de Júpiter, as manchas do Sol e as fases de Vénus. E relatou ao mundo tais achados astronómicos através do livro Sidereus Nuntius (Mensageiro das Estrelas), em 1610. Foi através da observação das fases de Vénus que Galileu passou a pôr o acento na visão de Copérnico (heliocentrismo, segundo o qual o Sol é o centro do Universo) e não na de Aristóteles, onde a Terra era vista como o centro do Universo. 
Pela sua visão heliocêntrica, o astrónomo italiano teve de ir a Roma em 1611, pois era acusado de herege por expressamente negar, em nome da ciência, a inerrância da Bíblia. Condenado, foi obrigado a assinar um decreto do Tribunal da Inquisição, onde declarava que o sistema heliocêntrico era apenas uma hipótese, sendo que à despedida murmurou: Terra tamen movetur. E, em 1632, voltou a defender o sistema heliocêntrico e deu continuidade aos seus estudos. 
Muitas ideias sustentadas por Aristóteles foram postas em discussão pelas indagações de Galilei, entre as quais se destaca a de os corpos leves e pesados caírem com velocidades diferentes. Segundo ele, os corpos leves e pesados caem com a mesma velocidade. 
Em 1642, morreu cego e condenado pela Igreja Católica pelas suas convicções científicas, que sustentava como opostas à doutrina católica. Teve as suas obras censuradas e proibidas. Contudo, uma delas, sobre mecânica, foi publicada apesar da proibição da Igreja, pois o local de publicação foi zona protestante, onde a interferência católica não tinha influência significativa. A mesma instituição que o condenou absolveu-o muito tempo após a sua morte. Com efeito,
Em novembro de 1979, João Paulo II esperava rever o processo que condenou Galileu. Segundo o Pontífice, o cientista “sofreu muito . . . às mãos de homens e organismos da Igreja”. Treze anos depois, em 1992, uma comissão nomeada pelo Papa admitiu:
“Certos teólogos, contemporâneos de Galileu, . . . não compreenderam o sentido profundo e não-literal das Escrituras quando elas descrevem a estrutura física do Universo criado”.
Porém, a teoria heliocêntrica não era criticada só por teólogos. O Papa Urbano VIII, que teve papel de destaque no processo e que tinha defendido o cientista, foi rigoroso em insistir que ele não minasse o ensino da Igreja, de que a Terra era o centro do Universo. Ora, tal ensino não era da Bíblia, mas do filósofo grego Aristóteles. Depois que a comissão fez a revisão extensiva do caso, o Papa classificou a condenação de Galileu como “uma decisão precipitada e infeliz”. O cientista estava a ser reabilitado. A Bíblia é “uma lâmpada que brilha em lugar escuro” (2 Pe 1,19) Galileu defendeu-a contra a interpretação errónea. Mas a Igreja, defendendo uma tradição de origem humana à custa das Escrituras, fizera o contrário.
A declaração de o Sol parar no céu (Js 10,12) não é científica, mas descrição do fenómeno do ângulo do observador comum. Até os astrónomos também falam do nascer e do pôr-do-sol.
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Cf Ávila, Geraldo, “A Geometria e as distâncias astronômicas na Grécia Antiga”, in Explorando o Ensino da Matemática, vol. II, páginas 39-46; Lang da Silveira, Fernando: lang@if.ufrgs.br; Lloyd, J. & Mitchinson, J. O livro da ignorância geral, Porto Editora, 2006.  

2017.09.04 – Louro de Carvalho

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